“I. A omissão de pronúncia no plano dos factos não afecta a sentença de nulidade;
II. Ademais, o Supremo de Tribunal de Justiça não conhece de nulidades da sentença.”
Acordam os Juízes da 1ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça:
A final, o Tribunal proferiu a seguinte decisão:
“Nos termos e fundamentos expostos decide-se:
a) Declarar que a requerente e o requerido viveram em união de facto após o divórcio e que essa união cessou em mês não apurado do ano 2021.
b) Atribuir a casa de morada de família à requerente, devendo o requerido deixar o imóvel livre e devoluto.
c) Julgar improcedente o pedido formulado pelo requerido contra a requerente e, consequentemente, absolvê-la do pedido contra si formulado.”
Inconformado, veio o requerido interpor recurso de apelação, o qual - depois de se julgar a improcedente a arguição de nulidade da sentença fundada no art. 615º, nº 1, al. d) da 1ª parte do CPC e a impugnação da decisão da matéria de facto -foi julgado improcedente.
Apresenta-se agora o recorrente a interpor recurso de revista excepcional relativamente a dois “segmentos decisórios” – os que tangem à titularidade do imóvel e aos rendimentos da apelada - ao abrigo dos arts. 672º, nº 1, al. a) e nº 2, al. a), 674º, corpo, nº 1, a) e nº 3 e 682º, todos do CPC, recurso que foi, no entanto, admitido como recurso de revista-regra.
O recurso mostra-se rematado com as seguintes conclusões:
“I. No que concerne às nulidades da Sentença:
II. Neste segmento, tem o presente recurso por objeto os pontos 5, 8, 15, 16, 18, 19 e 26 dos factos "provados", assim como os pontos b) dos factos "não provados", bem como a matéria do artigo 4º a 9º, 11º da contestação que, embora relevante no modesto entendimento, contrariam a motivação da sentença de que se recorre.
III. O tribunal dá como provado, ponto 5 "Exerceu profissionalmente, em simultâneo com o ensino, a atividade de contabilista, até data não apurada, sendo que na presente data não exerce tal actividade." que na presente data a requerente não exerce a atividade de contabilista, contudo falha em obter prova da verdade dos factos, não podendo fundamentar tal ponto desta forma, gerando uma nulidade que se invoca.
IV.A fundamentação do ponto 5 dos factos provados, não se pode aceitar correta, até porque omite as declarações da testemunha CC, que confirmou igualmente a atividade de contabilista da requerente, adulterando os rendimentos declarados da requerente e da sua capacidade financeira nos últimos anos, apenas remetendo para a testemunha DD, pelo que deve ser dado como não provado o ponto 5.
V. Fundamenta a decisão recorrida o juízo positivo de tais factos "provados" 8, deforma conjunta e sob fundamentação única, nos termos seguintes: ""Ao dar como provada a matéria dos pontos 7 a 10 atendeu o tribunal ao teor dos documentos juntos a fls. 9, 10, 10 vº, 11, 47 a 51 e 136 e ss., 139 e ss., 140 e ss., 143 e ss., 146 e ss., 175 e ss., fls. 54 a 84, sendo que o teor destes documentos não foi infirmado pela demais prova produzida."
VI. Ora, compulsado o documento 6, 7 e 8 juntos com a PI, e o quanto deles resultam, não provam que foi a requerente quem suportou o pagamento de despesas domésticas correntes, pois nenhum comprovativo de pagamento foi junto.
VII. Aliás tal é contraditado como os docs. juntos pelo requerido, doc. 6 e 7, que comprovam que as faturas juntas pela requerente foram de facto pagas pelo requerido, assim como sempre foi.
VIII. Conforme se mostra manifesto, os aludidos documentos ficam muito aquém de demonstrar a matéria de facto tida como provada no ponto 8, com efeito, o sobredito documento não prova que foi a requerente quem suportou o pagamento de despesas domésticas correntes, pelo que deve ser dado como não provado.
IX. O ponto 15 apenas poderia ser provado por prova documental, e não conforme mencionado da douta sentença, "(…) conjugados ainda com as declarações das testemunhas EE que atestou que as rendas da exploração das lojas na Marina de ... são entregues ao requerido (…).", pelo que deve ser dado como não provado.
X. Quanto à matéria provada nos pontos 16, "Em data não apurada do ano de 2017, após a compra da moradia supra identificada e aí vivendo com os filhos, a requerente e requerido voltaram a viver juntos e este acabou por estabelecer residência na mesma casa.", não tem qualquer nexo, uma vez que não ficou provada que alguma vez em data anterior a Junho de 2022, quer a requerente, quer o requerido tivessem se separado e voltado a viver juntos, muito menos na data de 2017, como escrito, pelo que deve ser dado como não provado.
XI. Assim como a matéria dada como provada do ponto 18, "Todavia, as relações entre ambos foram sempre conflituosas e, tal como ocorrera ao casamento, a rutura tornou- se recorrente, acabando em reconciliações.", uma vez que nenhuma rutura existiu, nem foi dada como provada, nem por testemunhas, pelo que deve ser dada como não provada.
XII. Fundamenta a decisão recorrida o juízo positivo de tais factos "provados" 19, "Desde data não apurada, mas situada em mês não apurado de 2021 que requerente e requerido terminaram a relação entre ambos, tendo deixado de haver entre ambos qualquer relacionamento no que respeita à vida como marido e mulher, deixando de partilhar leito e de terem proximidade ou intimidade entre ambos.", contrariando inclusive a PI, a Contestação e a prova produzida, pelo que deve ser dado como não provado.
XIII. Transcrevem-se os artigos 4º a 9º, 11º da contestação, que, embora relevante no modesto entendimento contrariam a motivação da sentença de que se recorre " (…) 4. Em novembro de 2007 a Requerente e o Requerido acordaram que a aquisição do prédio descrito no artigo 7º do pi seria outorgada e registada apenas em nome da Requerente. 5. Tal facto ficou a dever-se à probabilidade séria da propriedade ao ser adquirida também em nome do Requerido, por reversão de impostos de que pudesse vir a ser responsável, na qualidade de gerente ou de Presidente do Conselho de Administração de sociedades de que também era sócio / acionista, ser penhorada. 6. Com a anuência da Requerente e na boa fé do Requerido com vista à proteção do património familiar. 7. Pese embora a Requerente tenha contraído empréstimo bancário para a referida aquisição, bem sabe a mesma que, o mesmo corresponde apenas a 58% do preço pago pela aquisição na importância de €650.000,00 (seiscentos e cinquenta mil euros). vide doc. 1 8. Tendo sido o Requerido com capitais próprios quem pagou a diferença do preço. 9. Aliás, foi também esta a razão, a iminência de penhora de bens comuns, que o Requerido e a Requerente acordaram em divorciar-se (…) 11. Dir-se-á ainda que as faturas juntas pela requerente como docs. 6 a 8 foram pagas pelo requerido cfr. doc. 6
XIV. Com efeito, os factos alegados na contestação deveriam ter sido levados em conta na enumeração dos factos provados ou não provados, pois que, naturalmente, foram entendidos como factos relevantes para a decisão da causa, nomeadamente sobre a compropriedade do imóvel.
XV. Competia ao Tribunal "a quo" apreciar os factos alegados pelo requerente atinentes à posse e à possibilidade de aquisição, da titularidade do imóvel em termos de comunhão conjugal, ainda que indiciariamente, como pressuposto da apreciação e procedência do pedido da requerente, devendo, para tanto, ter ordenado o prosseguimento dos autos para produção da prova requerida por ambas as partes.
XVI. Não o tendo feito, a sentença recorrida padece do vicio de omissão de pronuncia estando, por conseguinte, ferida de nulidade, face ao disposto no artº 615º nº 1 -d) do CPC, nulidade essa que ora se invoca para os efeitos do artº 617º nº 1 do CPC e demais efeitos legais.
XVII. Mas, não obstante, existir tal contestação, que é até referida na sentença, certo é que nenhum dos factos alegados pontos 4º a 9º, 11º da contestação, consta no rol dos factos provados ou no rol dos factos não provados, fundamentando a sentença.
XVIII. E esta elencagem que a sentença não fez, de todo em todo, olvidando que o articulado de defesa, contestação, é entendida no sentido material, como a peça escrita com que o réu, requerido, ou réus, requeridos, respondem à petição inicial, deduzindo os meios de defesa que tenha contra a pretensão do autor.
XIX. Como tal, ao não dar como não provados, aqueles factos da contestação, o tribunal a quo não deu cumprimento ao art.º607°, do NCPC, abstendo-se de conhecer questões de que devia conhecer, omissão de pronúncia que é violadora também do art.º 615º do NCPC, o que demanda que a sentença sob recurso esteja ferida de nulidade.
XX. O facto de, em conformidade com o art. 411.º do NCPC (2013), caber, hoje, ao juiz "realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer".
XXI. Assim permite, não obstante, em termos de tessitura institucional de adequação, mais consagrar que o dever do juiz ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade material e à justa composição do litígio, quanto a factos que lhe é lícito conhecer, constitui um poder vinculado, de forma a permitir que o processo possa prosseguir com regularidade e possibilitar uma decisão de mérito sobre a pretensão das partes.
XXII Resultando que o juiz do Tribunal "a quo", considerando exíguos os elementos probatórios constantes do processo, deveria, no uso dos poderes que lhe são conferidos pelo art. 607.º. n.º. 1, do NCPC (conjugado com os arts. 6.º e 411.° do mesmo Código), lançar mão de todos os instrumentos legais ao seu alcance, para sanar tais dúvidas, e ordenar oficiosamente todas as diligências necessárias para, no confronto com a demais prova produzida, consolidar a convicção do Tribunal sobre a decisão a proferir quanto à matéria de facto.
XXIII. O Tribunal não pode ficar com dúvidas quando é possível saná-las com a realização de outras diligências de prova, devendo, até mesmo, ordená-las oficiosamente, caso não tenham sido requeridas pelas partes, estando tal procedimento inserido nos amplos poderes conferidos ao juiz (cfr. arts. 6.° e 411.º do NCPC).
XXIV. Não tendo o juiz "a quo" tomado tal iniciativa e não constando do processo todos os elementos de prova que permitam a (re)apreciação da matéria de facto, nos termos do disposto no art.º 662.°. n.º. 2, al. c) do NCPC, deve a Relação, mesmo oficiosamente, anular a decisão proferida pela 1.ª instância, devendo o Tribunal "a quo" ordenar, oficiosamente, a realização das diligências necessárias, com vista a alcançar a verdade material, também no âmbito do poder-dever de direção do processo (Cf. Ac. RG, de 12.5.2016: Proc. 3/14.8TJVNF.G1.dgsi.Net), produzindo decisão de conformidade.
XXV. O que demanda que a sentença sob recurso esteja ferida de nulidade.
XXVI. Tendo o advogado subscritor informado os autos em requerimento datado de 14-12-2023, de que que iria fazer uso do prazo suplementar de 10 dias previsto em sede de recursos no CPC, uma vez que iria apelar da sentença tirada nestes autos, abordando tanto a matéria de facto como a de direito, requereu o acesso às gravações da prova testemunhal e das alegações de direito, não disponibilizadas até essa data, das gravações contidas nas atas de julgamento dos dias 19-09-2023, 20-09-2023 e 12-10-2023, tendo o acesso pela secretaria sido apenas disponibilizado no Citius no dia 15 de Dezembro de 2023, data que se presume notificada ao mandatário no 3º dia posterior, tendo chegado à sua posse em 18 de Dezembro de 2023.
XVII. O art.º 155º do CPC, refere que a gravação deve ser disponibilizada às partes, no prazo de dois dias, a contar do respetivo ato" (n.º 3), e que "a falta ou deficiência da gravação deve ser invocada, no prazo de 10 dias a contar do momento em que a gravação é disponibilizada" (n.º 4).
XXVIII. Sucede que para estando a ser realizada a transcrição da prova gravada, foi o mandatário signatário informado que a as gravações da prova testemunhal e das alegações de direito, contidas nas atas de julgamento dos dias 19-09-2023, 20-09-2023 e 12-10-2023, estão parcialmente impercetíveis e insuscetíveis de serem interpretadas e aproveitadas na sua totalidade.
XXIX. Tal impossibilita o R. de adequadamente fundamentar a impugnação das respostas dados à matéria de facto e a preparar o seu recurso.
XXX. A falta de qualidade da gravação e a impossibilidade de a mesma ser aproveitada constitui nulidade insuprível e insanável, que influi decisivamente no exame e na decisão da causa.
XXXI. Invocando a presente nulidade insuprível e insanável, que influi decisivamente no exame e na decisão da causa.
XXXII. Por os prazos de invocação da referida nulidade perante o tribunal a quo e a apresentação presente recurso, correm em simultâneo, não pode o advogado signatário, mesmo limitado na utilização das gravações por parcialmente impercetíveis e insuscetíveis de serem interpretadas e aproveitadas na sua totalidade, deixar de se apresentar o presente recurso sob invocação da referida nulidade insuprível e insanável, que influi decisivamente no exame e na decisão da causa, sob censura.
XXXIII. Das declarações da testemunha CC, dúvidas não podem deixar de ser retiradas pelo testemunho do Sr. CC que contraria a fundamentação do Ponto 5 dado como provado, onde se lê , "(…) já que a única testemunha que supostamente estava a par desta actividade, por ter sido cliente, DD.", devendo tal facto ser dado como não provado.
XXXIV. Testemunho contendo factos de primordial importância para a resolução deste pleito, que deveriam ter sido incluídos nos factos provados e não provados, e considerados na boa decisão da causa.
XXXV. Das declarações da testemunha DD, igualmente, não podem deixar de ser retiradas pelo testemunho do Sr. DD que contraria a fundamentação do Ponto 5 dado como provado, devendo tal facto ser dado como não provado.
XXXVI. O Tribunal não pode ficar com dúvidas quando é possível saná-las com a realização de outras diligências de prova, devendo, até mesmo, ordená-las oficiosamente, caso não tenham sido requeridas pelas partes, estando tal procedimento inserido nos amplos poderes conferidos ao juiz (cfr. arts. 6.° e 411.º do NCPC).
XXXVII. Não tendo a juiz "a quo" tomado tal iniciativa e não constando do processo todos os elementos de prova que permitam a (re)apreciação da matéria de facto, nos termos do disposto no art.º 662.°. n.º. 2, al. c) do NCPC, deve a Relação, mesmo oficiosamente, anular a decisão proferida pela 1.ª instância, devendo o Tribunal "a quo" ordenar, oficiosamente, a realização das diligências necessárias, com vista a alcançar a verdade material, também no âmbito do poder-dever de direção do processo. (Cf. Ac. RG, de 12.5.2016: Proc. 3/14.8TJVNF.G1.dgsi.Net), produzindo decisão de conformidade.
XXXVIII. Das declarações da testemunha FF, que prestou declarações em sede de audiência em 19/09/2023, contendo factos de primordial importância para a resolução deste pleito, que deveriam ter sido incluídos nos factos provados e não provados, e considerados na boa decisão da causa.
XXXIX. Das declarações da testemunha GG, que prestou declarações em sede de audiência testemunho contendo factos de primordial importância para a resolução deste pleito, que deveriam ter sido incluídos nos factos provados e não provados, e considerados na boa decisão da causa.
XL. Contrariando claramente os pontos 16, 18 e 19 dados como provados, pelo que não podem os mesmos serem adulterados com datas e afirmações descontextualizadas da realidade dos factos.
XLI. Devendo os pontos 16, 18 e 19 dos factos provados serem dados como não provados.
XLII. Em síntese, pelas declarações das testemunhas CC, DD, FF e GG, cujos depoimentos se transcreveram nesta mesma síntese, resulta sem margem para dúvida o que se deve considerar como provado:
XLIII. A requerente exerce profissionalmente, em simultâneo com o ensino, a atividade de contabilista, tendo exercido tal atividade até ao ano de 2023.
XLIV. As despesas domésticas correntes, como água, luz e telecomunicações, não obstante tituladas em nome da requerente eram pagas pelo requerido.
XLV. Desde a compra da moradia supra identificada, em 2007, requerente e requerido aí viveram com os filhos, ininterruptamente, estabelecer residência conjunta na mesma casa.
XLVI. Desde 15 de Junho de 2022, que requerente e requerido terminaram a relação entre ambos, tendo deixado de haver entre ambos qualquer relacionamento no que respeita à vida como marido e mulher, deixando de partilhar leito e de terem proximidade ou intimidade entre ambos.
XLVII. factos de primordial importância para a resolução deste pleito que deveriam ter sido considerados para a boa decisão da causa.
XLVIII. Ao fundamentar a atribuição da casa morada de família conforme o fez, o tribunal a quo falhou no apuramento dos rendimentos da requerente pela sua atividade de contabilista, e consequentemente erra no não apuramento dos rendimentos não declarados, premiando não só a falsidade das declarações da requerente ao próprio tribunal, como deturpa a realidade dos factos, baseando as suas conclusões em incertezas.
"A requerente, do que se apurou, apenas sobrevive do seu salário de professora (1.400 € líquidos) e o requerido, além dos rendimentos que aufere como advogado, ainda recebe o valor das rendas das lojas em ... - basta analisar as declarações e rendimentos de cada um deles para constatar que o requerido dispõe de um desafogo económico que a requerente não dispõe.
Ambos trabalham em ....
Acresce que a requerente está a viver em situação de alguma precariedade em casa da irmã, e por mera tolerância e boa vontade desta, pois que a casa consiste num apartamento, tipologia T2 onde vivem 3 pessoas (irmã e dois sobrinhos, embora um deles, que estuda em ..., apenas venha a casa aos fins de semana), donde se conclui que a requerente está de certa forma a impor à irmã um sacrifício desnecessário, já que dispõe de uma casa que é sua propriedade.
É incontestável que ambos os interessados necessitam de uma casa para sua habitação.
Todavia, o requerido dispõe de meios financeiros e económicos que lhe permitem custear o pagamento de uma renda ou a aquisição de uma casa.",
XLIX. Omitindo a descoberta de factos de primordial importância para a resolução deste pleito, que deveriam ter sido incluídos nos factos provados e não provados, e considerados na boa decisão da causa.
L. Factos que deveriam ter sido considerados para a atribuição da casa morada de família ao requerido.
I. Em síntese, pelas declarações das testemunhas CC, DD, FF e GG, cujos depoimentos se transcreveram nesta mesma síntese, resulta sem margem para dúvida o que se deve considerar como provado:
«PONTOS PROVADOS»
a) A requerente exerce profissionalmente, em simultâneo com o ensino, a atividade de contabilista, tendo exercido tal atividade até ao ano de 2023.
b) As despesas domésticas correntes, como água, luz e telecomunicações, não obstante tituladas em nome da requerente eram pagas pelo requerido.
c) Desde a compra da moradia supra identificada, em 2007, requerente e requerido aí viveram com os filhos, ininterruptamente, estabelecer residência conjunta na mesma casa.
d) Desde 15 de Junho de 2022, que requerente e requerido terminaram a relação entre ambos, tendo deixado de haver entre ambos qualquer relacionamento no que respeita à vida como marido e mulher, deixando de partilhar leito e de terem proximidade ou intimidade entre ambos.
e) Requerente e requerido decidiram, conjuntamente, não obstante se terem divorciado, comprar a moradia objeto da atribuição de morada de família.
LII. Factos de primordial importância para a resolução deste pleito que deveriam ter sido considerados para a boa decisão da causa.
Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas doutamente suprirão, deverá ser concedido provimento ao Recurso interposto e revogada a Douta Sentença recorrida, quer pelas nulidades invocadas, quer pela impugnação dos factos provados, reapreciação da prova, normas jurídicas violadas, ou pelo erro de julgamento quanto aos factos e Direito aplicável:
a) Revogando a sentença tirada nos autos pelas nulidades invocadas:
b) Substituindo-se por outra que julgue a ação totalmente improcedente e não provada, com a reapreciação dos factos provados e não provados impugnados pelo R, apelante:
c) Que seja decretada o fim da união de facto na data de Junho de 2022, data em que a requerente saiu por sua vontade da casa morada de família;
d) Que julgue procedente o pedido formulado pelo requerido contra a requerente.
As custas devem ser fixadas por conta da Apelada, atento o seu decaimento.”
A recorrida contra-alegou pugnando pela improcedência do recurso.
Cumpre decidir.
A Relação fixou a seguinte matéria provada:
“1. Requerente e requerido contraíram entre sido casamento católico, no dia ... de ... de 1992.
2. No decurso do casamento, nasceram os dois filhos de ambos, FF, de 28 anos de idade e GG, de 27 anos de idade.
3. Entretanto, por decisão da CRC de ..., foi decretado o divórcio entre ambos na data de …2007, tendo tal decisão transitado em julgado na data de …2017.
4. A requerente é professora do ensino secundário, auferindo o salário líquido de 1.400,00 € mensais.
5. Exerceu profissionalmente, em simultâneo com o ensino, a atividade de contabilista, até data não apurada, sendo que na presente data não exerce tal actividade.
6. Na data de 21.11.2007, a requerente comprou o prédio descrito na CRP de ..., sob a ficha ..27, freguesia de ..., inscrito na matriz urbana respetiva sob o art. ...91, composto por edifício de dois pisos e logradouro com piscina, correspondendo a um T4, com 287 m de área bruta privativa e 1.000 m de terreno, sito na RUA ..., ....
7. Para o efeito, contraiu junto do Banco Santander um empréstimo hipotecário, que a obriga a pagar ao banco, mensalmente até 2046, quantia variável, atualmente de 923,80€.
8. Até 2022 a requerente suportou o pagamento de algumas despesas domésticas correntes, nomeadamente, com água, luz e telecomunicações.
9. O IMI de 2021 e de 2022 que incide sobre o dito prédio urbano foi pago pelo requerido, assim como foi este que pagou outras despesas com água e luz.
10. A requerente gere em exclusivo as contas das suas despesas pessoais e da sua casa, bem como os seus rendimentos, apresentando em nome singular as obrigatórias declarações de IRS.
11. Desde setembro de 2020 que a requerente tem sido seguida no Hospital ..., em ..., em consultas “por depressão, tendo sido medicada inicialmente com venlafaxina e xanax com pouca melhoria e sugerida avaliação em consulta de neurologia, tendo sido avaliada pelo Dr. HH que reajustou a terapêutica antidepressiva por várias vezes, actualmente sob Escitalopram com 10 mg 1x dia e Amitriplilina 10 mg 1x dia com melhoria significativa das queixas até há cerca de seis meses, revelando posteriormente sinais de recaída e crises de choro fácil que necessitam de reajuste da medicação”.
12. A requerente esteve de baixa alguns períodos de tempo.
13. Na presente data a requerente está a leccionar em ....
14. O requerido exerce a profissão de advogado, em ....
15. Faz suas as rendas no valor de mensal de 8.333,33 € ilíquidos que recebe do arrendamento de um espaço de restauração na Marina de ..., adquirido na constância do casamento com a requerente e que a ambos pertence.
16. Em data não apurada do ano de 2017, após a compra da moradia supra identificada e aí vivendo com os filhos, a requerente e requerido voltaram a viver juntos e este acabou por estabelecer residência na mesma casa.
17. Aí viveram como marido e mulher, em condições análogas à dos cônjuges, partilhando mesa e leito, e convivendo em conjunto com amigos e conhecidos.
18. Todavia, as relações entre ambos foram sempre conflituosas e, tal como ocorrera ao casamento, a rutura tornou-se recorrente, acabando em reconciliações.
19. Desde data não apurada, mas situada em mês não apurado de 2021 que requerente e requerido terminaram a relação entre ambos, tendo deixado de haver entre ambos qualquer relacionamento no que respeita à vida como marido e mulher, deixando de partilhar leito e de terem proximidade ou intimidade entre ambos.
20. A requerente quer que o requerido saia de casa.
21. A requerente saiu de casa em meados de junho de 2022, tendo ido morar para casa da irmã, II, a qual consiste num apartamento de tipologia T2, onde vive, além da irmã, os dois filhos desta, embora um deles esteja a estudar em ... e venha a casa aos fins de semana.
22. O apartamento não dispõe de cómodos para alojar a requerente, tendo-lhe sido cedido um quarto (da irmã) para aí ficar provisoriamente, dormindo a irmã num sofá na sala.
23. A requerente não tem já qualquer contacto com o requerido, deixaram de se falar, e não pretende mais sequer supor qualquer hipótese de reatamento, pelo que a união de facto está em definitiva rutura e não pode ser restabelecida.
24. A requerente necessita da casa e não tem mais nenhum sítio para viver, não sendo conhecida igualmente, outra casa ao requerido para viver.
25. A requerente declarou rendimentos anuais (trabalho dependente) em:
- 2016 no valor de 21.446,02 €;
- 2017 no valor de
- 2018 no valor de 21.262,21 €;
- 2019 no valor de 25.123,96 €
- 2020 no valor de 16.755,09 €
- 2021 no valor de 11.261,44 €
- 2022 no valor de 29.856,40 –
26. O requerido é advogado, auferindo rendimentos desta atividade, bem assim, aufere rendimentos que lhe advêm da exploração de um restaurante, sendo-lhe entregues as rendas mensais no valor de 8.333,33, que após dedução dos 25 % de retenção na fonte, ascende a 6.250,00€.
27. O requerido auferiu rendimentos anuais (categoria B - regime simplificado) em:
- 2018 no valor de 11.547,86 €, a que acresceu o montante de 75.000,00 € ilíquidos de rendimentos prediais.
- 2019 no valor de 61.121,34 €; - 2020 no valor de 43.912,10 €; - 2021 no valor de 37.577,13 € - 2022 no valor de 29.975,32 €
28. Também auferiu rendimentos provenientes de rendas de imóveis (sublocação):
- em 2019 no valor de 99.999,96 € ilíquidos;
- em 2020 no valor de 136.666,63 € ilíquidos;
- em 2021 no valor de 143,333,30 € ilíquidos
- em 2022 no valor de 99.999,96 € ilíquidos.
29. O requerido continua a viver com os filhos, na casa de morada de família, sita na Rua do ....
Mais se provou que:
30. O filho FF trabalha como jurista, na Câmara Municipal de ....
31. O filho GG trabalha, desempenhando funções como técnico formador, coordenando a formação de pessoal.
32. O GG foi estudar para ... em 2013, vindo a casa aos fins de semana, ficando a morar em ... de 2018 a 2022.
33. Regressou a casa de morada de família em abril / maio de 2022.”
Da admissibilidade do recurso:
Como acima se disse, o recorrente interpôs recurso de revista excepcional relativamente a dois “segmentos decisórios” – que tangem à titularidade do imóvel e aos rendimentos da apelada - ao abrigo dos arts. 672º, nº 1, al. a) e nº 2, al. a), 674º, corpo, nº 1, a) e nº 3 e 682º, todos do CPC.
Porém, com o fundamento de que esses “segmentos” estão relacionados com a invocada violação de disposições processuais no exercício dos poderes de reapreciação da decisão de facto pela Relação e que esse fundamento que não concorre para a formação da dupla conforme prevista no nº 3 do artigo 671º do CPC ( cfr. Ac. 25.5.2017, 945/13.8T2AMD-A.L1.S1), o relator admitiu a revista normal.
Sufraga-se tal entendimento, tendo em conta que, estando em causa a violação da lei processual, a impugnação por via recursória não se limita aos juízos de oportunidade ou de conveniência (que não permitiriam o recurso, por força do art. 988º, nº 2 do CPC) mas a critérios normativos processuais.
Da questão da titularidade do imóvel:
Na apelação, o recorrente sustentou que deviam ter sido levados em conta, na enumeração dos factos provados e não provados, os factos alegados nos art. 4 a 9 e 11 da contestação e que, tal não tendo sido feito, a sentença padecia de nulidade por omissão de pronúncia.
Porém, a Relação julgou improcedente a arguição de nulidade, uma vez que a questão levantada se reportava não a nulidade mas a erro de julgamento.
Insurge-se, agora, o recorrente, considerando que, ao não apreciar a alegada matéria de facto, a Relação incorreu em vício de omissão de pronúncia.
Sucede, porém, que o recorrente parte de um pressuposto falso: o de que a sentença não se pronunciou sobre os factos alegados nos art. 4º a 9º e 11º da contestação.
Com efeito, da sentença consta :
“ Discutida a causa, com interesse, não se provou:
a) (…)
b)- da oposição, os factos alegados nos arts. 4º a 9º, não se provando do art. 10º que foi sempre o requerido quem pagou em exclusivo todas as despesas de casa (já que se apurou que algumas foram suportadas pela requerente, conforme faturas juntas datadas de 2022, bem assim, documento bancário emitido em nome da requerente); arts. 11º, 13, 20º; ( destaque nosso)
(…) “
Além disso, da fundamentação da sentença consta também:
“ (….) A matéria não provada ficou a dever-se à falta de prova suficientemente segura e coerente sobre a mesma, ou porque as testemunhas nada sabiam de concreto ou porque não foi junto qualquer documento que a comprovasse (designadamente, quanto aos contornos que, alegadamente, levaram à compra do imóvel pela requerente, e que o requerido alega ter pago parte do valor - as testemunhas nada sabiam e nenhum documento foi junto que, de certa forma permitisse formular a convicção de que a casa havia sido comprada pelos dois); “ (destaque nosso).
Assim, não é verdade que a sentença não se tenha pronunciado sobre a matéria de facto alegada.
Aliás, mesmo que tal tivesse sucedido, ou seja, que o juiz não se tivesse pronunciado sobre aquela matéria de facto alegada, nunca uma tal omissão de pronúncia no plano dos factos poderia afectar a sentença de nulidade, nos termos da al. d) do nº 1 do art. 615º do CPC (cfr. Ac. STJ de 15.2.2018, proc. 134116/13.2YIPRT.E1.S1, www.dgsi.pt).
Não existe, assim, qualquer motivo para que se considere que o acórdão da Relação padece de nulidade (por não ter apreciado a matéria de facto alegada nos art. 4º a 9º e 11º da contestação).
Considera, ainda, o recorrente que o acórdão da Relação padece de nulidade processual porque o tribunal devia ter ordenado oficiosamente diligências de prova no uso dos poderes dos arts. 607º, nº 1, 6º e 411º do CPC e que, não as tendo determinado, à Relação competia ter anulado a decisão proferida pela 1ª instância.
Em primeiro lugar, essas não são razões que determinem a nulidade do acórdão nos termos do art. 615º do CPC.
Depois, o recorrente não esclareceu em que aspecto concreto é que o juiz não se sentiu suficientemente esclarecido em relação à prova (art. 607º, nº 1), por que motivo concreto devia ter feito uma gestão processual diferente (art. 6º, nº 1) e que concretas diligências ficaram por fazer (art. 411º).
Se o propósito do recorrente era significar que a Relação devia ter mandado ampliar a matéria de facto nos termos do art. 662º, nº 2, al. c) do CPC e fazer incidir prova sobre a matéria alegada nos art. 4º a 9º e 11º da contestação, então dir-se-á que sobre essa matéria recaiu já decisão, que não foi devidamente impugnada na Relação (pois foi indevidamente qualificada como omissão de pronúncia).
Da questão dos rendimentos da recorrida:
Alega o recorrente que os factos alegados nos “art. 11 e 12 da contestação” - queria dizer arts. 12 e 13 da contestação- não foram apreciados (não constando da enumeração dos factos e não provados) o que, mais uma vez, não corresponde à verdade.
Com efeito, a matéria do art. 12 da contestação foi apreciada no ponto 4 da matéria de facto. E a matéria do art. 13 da contestação (oposição) foi dada como não provada, como se verifica da al. b) dos factos não provados, já atrás transcrita.
De todo o modo, o recorrente não invocou essa matéria (falta de pronúncia) na apelação, pelo que tal questão se mostra precludida, uma vez que o Supremo não pode apreciar uma questão nova, não suscitada previamente.
Aliás, nunca a pretensa omissão de pronúncia afectaria, como se disse já, a sentença de nulidade. E se, de nulidade se tratasse, nunca o Supremo - que só conhece de vícios apontados ao acórdão da Relação - poderia conhecer dela (cfr. Acs. STJ de 9.3.2022, proc. 11103/17.2T8PRT.P1.S1 e de 5.9.2023, proc. 48/14.8T8IDN-A.C1.S3, em www.dgsi.pt).
Também aqui, e pelas razões acima enunciadas, não se verifica qualquer violação dos arts. 607º, nº 1, 6º, 411º e 662º, nº 2 , al. c) do CPC, não ocorrendo qualquer nulidade do acórdão da Relação, que não deixou de conhecer de qualquer questão.
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção em negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.
Custas pelo recorrente.
António Magalhães (Relator)
Henrique Antunes
Anabela Luna de Carvalho