COOPERAÇÃO JUDICIÁRIA INTERNACIONAL EM MATÉRIA PENAL
EXECUÇÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
PENA DE PRISÃO
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Sumário


I. O pressuposto da cooperação judiciária internacional é a confiança entre as autoridades dos países cooperantes, por um lado, e a lógica do cumprimento de sentença estrangeira, assente no menor desfiguramento possível da pena aplicada pelo país da condenação.
II. O anterior acórdão do STJ proferido nestes autos havia decidido já, pela inalterabilidade da efectividade da pena de prisão.
III. Por isso, sob pena de violação do “dever de acatamento das decisões proferidas em via de recurso por tribunais superiores” consagrado no art. 4º nº 1 da Lei da Organização do Sistema Judiciário (Lei 62/2013 de 26.8), o Tribunal da Relação não podia ponderar, sequer, a possibilidade de suspensão da execução da pena.
IV. Dos nossos compromissos de cooperação internacional pode resultar a necessidade de intervenção do tribunal português na decisão judicial de revisão e confirmação.
V. Porém, essa intervenção é correctiva e mínima: o tribunal português fica vinculado pela natureza jurídica e pela duração da sanção, tal como resultam da condenação; se for aplicada uma pena que a lei portuguesa não admite a pena é convertida na que seria aplicável segundo a lei portuguesa; se a duração da sanção for incompatível com a legislação nacional deve adaptá-la à pena prevista na lei interna para infrações semelhantes, em medida correspondente, tanto quanto possível, à imposta pela condenação a executar.
VI. À luz desses princípios deve manter-se inalterada a efectividade da pena de prisão.
VII. Por isso, neste âmbito, não constitui omissão de pronúncia a falta de ponderação sobre a possibilidade de suspensão da execução da pena.

Texto Integral

Acordam em conferência na 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:

I. RELATÓRIO

A ora Recorrente, AA, com dupla nacionalidade, portuguesa e brasileira, nascida em ........1969, filha de BB e de CC, natural do .../..., com residência em Portugal, foi condenado no Brasil na pena única de 8 anos e 4 meses de prisão, pela prática de um crime de receptação qualificada, p. e p. pelos artigos 180, parágrafo 1º e 71º do Código Penal da República Federativa do Brasil, por sentença penal proferida pela ... Vara do Tribunal de Justiça Federal de ..., a 18 de novembro de 2011, transitada em julgado em 26/02/2019 e confirmada pelo Superior Tribunal de Justiça do Estado de ..., República Federativa do Brasil.

O Exmº Procurador-Geral Distrital requereu a revisão e a confirmação dessa sentença junto do Tribunal da Relação de Lisboa.

Foi proferido acórdão a julgar procedente a revisão e confirmação da sentença brasileira

Em recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 23.5.2024 foi determinada a «adaptação/conversão da pena de prisão solicitada a efectuar no Tribunal recorrido» através da obtenção de relatório social para determinação da sanção a aplicar, uma vez que a pena aplicada pela Justiça Brasileira é superior ao máximo legal da pena correspondente ao crime de receptação em Portugal.

Foi obtido o relatório social em causa e cumprido o contraditório quanto ao mesmo.

Em 23.10.2024, o Tribunal da Relação de Lisboa proferiu acórdão em que declarou revista e confirmada a sentença revidenda, passando aquela a produzir todos os seus efeitos em Portugal, com excepção da medida da pena, que se fixa em quatro anos e seis meses de prisão.

Inconformada, a Recorrente interpôs recurso, apresentando as seguintes conclusões:

1. A arguida, ora recorrente, foi condenada por sentença proferida em 18 de novembro de 2011 e transitada em julgado em 26/02/2019, proferida pela ... Vara do Tribunal de Justiça Federal de ..., e confirmada pelo Superior Tribunal de Justiça do Estado de ..., República Federativa do Brasil, na pena de 8 anos e 4 meses, pela prática de 1 crime de receptação qualificada, previsto e punido pelos artigos 180.º, parágrafo 1.º e artigo 71.º, do Código Penal da República Federativa do Brasil, crime este que encontra correspondência no artigo 231.º, n.º 1 do Código Penal Português.

2. Conforme resulta do acórdão recorrido, os factos que motivaram a condenação do requerido são puníveis pela lei portuguesa, nos termos do artigo 231.º, n.º 1 do Código Penal Português, cuja pena máxima é de 5 anos de prisão.

3. O Tribunal recorrido declarou revista e confirmada a sentença revidenda, após o reenvio dos presentes autos pelo Supremo Tribunal de Justiça, adaptando a pena à lei portuguesa, fixando-se em 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses a pena que a condenada tem de cumprir.

4. É entendimento da recorrente que o tribunal “a quo” deveria ter-se pronunciado acerca da medida da pena, designadamente a sua substituição pela suspensão da execução da pena de prisão, nos termos do artigo 50.º do Código Penal, por remissão dos artigos 3.º, n.º 1 e 2 e 101.º, n.º 1, 2 e 6, ambos da Lei 144/99, de 31 de agosto (LCJIMP), não o tendo feito.

5. Porquanto, segundo decisão do Supremo Tribunal de Justiça nestes autos, “a execução de sentenças penais estrangeiras constitui uma forma de cooperação judiciária internacional em matéria penal que se rege pelas normas dos tratados, convenções e acordos internacionais que vinculem o Estado Português e, na sua falta ou insuficiência, pelos art. 95.º a 103.º da Lei n.º 144/99, de 31-08, sendo subsidiariamente aplicáveis as disposições do CPP [art. 1.º, n.º 1, al. c), e 3.º do mesmo diploma].”

6. Com efeito, Portugal não está vinculado a qualquer tratado, convenção ou acordo internacional no caso em apreço, visto que efectivamente a recorrente já se encontrava em Portugal.

7. Pelo que, as normas aplicáveis a este caso são as constantes nos artigos 95.º a 103.º, da Lei 144/99 de 31 de agosto.

8. O artigo 101.º da lei n.º 144/99, estatui no n.º 1 que “a execução de uma sentença estrangeira faz-se em conformidade com a legislação portuguesa” e, no n.º 2, “que as sentenças estrangeiras executadas em Portugal produzem os efeitos que a lei portuguesa confere às sentenças proferidas pelos tribunais portugueses”, o que, salvo melhor opinião significa que a execução da pena se faz de acordo com a lei portuguesa.

9. Efectivamente, o artigo 100.º, n.º 2, alíneas a) e b) da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto, estatui que o tribunal português está vinculado à matéria de facto considerada provada na sentença estrangeira e não pode converter uma pena privativa de liberdade em pena pecuniária, contudo o n.º 6 do artigo 101.º desse mesmo artigo estabelece que “o indulto e o perdão genérico parciais ou a substituição da pena por outra são levados em conta na execução”.

10. Na realidade, a suspensão da execução pena de prisão corresponde a uma pena substitutiva, não correspondendo a uma pena pecuniária.

11. Ora, conforme Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11/02/2021, proferido no âmbito do processo 762/19.1GBAGD.P1.S1, “não obstante a circunstância de formalmente o legislador português nunca ter consagrado a suspensão da execução da pena como uma "pena autónoma", é indubitável, quer a nível doutrinal, quer jurisprudencial, ter a suspensão emergido como uma espécie de pena de substituição.”

12. O facto de Portugal ter a possibilidade de aplicar penas substitutivas, nos termos da sua legislação, por remissão do artigo 101.º, n.ºs 1, 2 e 6 da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto, não significa que altere a matéria de facto considerada provada na sentença estrangeira, motivo pelo qual está assegurado o previsto no artigo 100.º, n.º 2, alíneas a) e b), dessa mesma lei, desde que não converta uma pena privativa de liberdade em pena pecuniária, o que não é o caso.

13. Por outro lado, podemos ainda afirmar com segurança que o regime de execução de sentenças penais estrangeiras estabelecido nos artigos 95.º e ss. da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto, reproduz o dos artigos 89.º e ss. do DL n.º 43/91, de 22-01 (revogado pelo art. 166.º da Lei n.º 144/99), tem por fonte, nomeadamente, os artigos 42.º e 44.º da Convenção

Europeia sobre o Valor Internacional das Sentenças Penais (não obstante nunca ratificada ainda), pelo que a ordem de execução é precedida da conversão das sanções penais impostas no estrangeiro nas correspondentes da lei portuguesa, com as limitações impostas pelo n.º 2 do art. 100.º da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto e pelo n.º 3 do art. 237.º do CPP.

14. De acordo com o artigo 44.º desta Convenção, e segundo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 23 de fevereiro de 2022, no âmbito do Processo n.º 1626/21.4YRLSB.S1, cujo relator foi o Sr.º Dr.º Juiz Conselheiro Lopes da Mota, “se o pedido de execução for aceite o tribunal do Estado de execução deve substituir a pena privativa da liberdade imposta no Estado da condenação por uma pena prevista na lei interna do Estado de execução para o mesmo crime, a qual, não podendo agravar a situação do condenado (proibição da reformatio in pejus) e estando vinculada aos factos escritos na condenação (artigo 42º), pode ser de duração diferente da imposta no Estado da condenação. Como se refere no respetivo relatório explicativo, este artigo confere ao Estado de execução o direito de adaptar a sanção ao seu próprio sistema penal (…).”

15. Mais, no caso de sentenças penais estrangeiras “exige-se a revisão e confirmação da sentença estrangeira, para que possa produzir efeitos em Portugal, segundo a tradição do direito português, reafirmada no Código de Processo Penal vigente.”

16. Assim, segundo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 21/05/2024, no âmbito do processo n.º 3540/23.0YRLSB.S1, cujo relator foi o Sr. º Dr.º Juiz Conselheiro Celso Manata, “a decisão estrangeira será assim modificada num dos seus aspetos essenciais, e, por via disso, a medida tomada pelo juiz do Estado da execução, mesmo quando aceitar a decisão estrangeira na parte relativa a declaração de responsabilidade do condenado, determina, em função da sua própria lei, a natureza e o quantum da pena, bem como todas as consequências que dela decorrem”.

17. Ora, a Legislação Portuguesa prevê a possibilidade da suspensão da execução de penas em medidas não superiores a 5 (cinco) anos, porquanto nos termos do n.º 1 do artigo 50.º do Código Penal, “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”

18. Contudo, o Tribunal recorrido ao não ter justificado a aplicação ou não da pena suspensa, olvidou-se que o artigo 101.º, n.º 1 e 2 da lei n.º 144/99, de 31 agosto estabelece que “a execução de uma sentença estrangeira faz-se em conformidade coma legislação portuguesa” e “as sentenças estrangeiras executadas em Portugal produzem os efeitos que a lei portuguesa confere às sentenças proferidas pelos tribunais portugueses.”

19. Significa isto, salvo melhor entendimento, que em matéria de execução da pena e prevenção geral e especial da pena, devem valer as regras do Estado de Execução da sentença.

20. Porquanto, embora as necessidades de prevenção geral variam consoante os Estados, para as exigências de prevenção geral e especial deve-se relevar não só a personalidade do arguido, bem como as regras do Estado onde o arguido se encontra e onde cumprirá a pena de prisão, designadamente para efeitos de ressocialização. Ou seja, tendo sempre em conta o artigo 71.º do Código Penal.

21. Por esse motivo, foi elaborado o seu relatório social.

22. Ademais, conforme o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido nos presentes autos em 23/05/2024, nos termos da Convenção Relativa à Transferência de Pessoas Condenadas, que entrou em vigor em Portugal a 1 de outubro de 1983 e na República do Brasil a 1 de outubro de 2023, apesar de não se aplicar a este caso, todavia, poderá servir de fonte interpretativa na localização do espírito dos Estados contratantes e face às reservas de Portugal, existe uma “diferença fundamental entre o procedimento de "continuação da execução", previsto no seu artigo 10.º, e o procedimento de "conversão da condenação", previsto no artigo11.º, é que, no primeiro caso, o tribunal de execução continua a executar a sentença proferida pelo tribunal de condenação (eventualmente adaptada nos termos do n.º 2 do artigo 10.º), enquanto no segundo caso, a sanção é convertida numa sanção do Estado de condenação, o que tem por resultado que a pena executada não se baseia diretamente na sanção imposta no Estado de condenação”

23. Com efeito, no caso em apreço, estamos perante uma “conversão da condenação” e não uma “continuação da execução”.

24. Assim sendo, o Tribunal “a quo”, por ser Órgão do Governo com Soberania, sob a óptica da recorrente, tem plena competência para aplicar ao caso presente a Legislação Portuguesa.

25. Uma vez que o Governo Português admitiu o pedido de execução em Portugal da Sentença Brasileira que condenou a recorrente, sendo ela inteligível e não contendo disposições contrárias ao ordenamento jurídico Português, deve aplicar-se o constante na legislação portuguesa.

26. Com efeito, a recorrente, nos presentes autos de revisão, foi condenada a uma pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão.

27. A recorrente é primária, sem antecedentes criminais.

28. A recorrente trabalha e está bem integrada pessoalmente, socialmente e profissionalmente, conforme consta no seu relatório social.

29. Efectivamente, não há nenhum benefício à Sociedade ser a recorrente presa neste momento da sua vida em que está sendo altamente produtiva.

30. Ademais, segundo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 11/02/2021, no âmbito do processo n.º 762/19.1GBAGD.P1.S1, nos termos do art. 40.º do CP, que dispõe sobre as finalidades das penas, “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”, “devendo a sua determinação ser feita em função das exigências de prevenção, de acordo com o disposto no art. 71.º, do mesmo diploma.” (…) “Este regime encontra os seus fundamentos no art. 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, sendo que a restrição do direito à liberdade, por aplicação de uma pena (art. 27.º, n.º 2, da CRP), submete-se, assim, tal como a sua previsão legal, ao princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso, que se desdobra nos subprincípios da necessidade ou indispensabilidade segundo o qual a pena privativa da liberdade se há-de revelar necessária aos fins visados, que não podem ser realizados por outros meios menos onerosos adequação que implica que a pena deva ser o meio idóneo e adequado para a obtenção desses fins e da proporcionalidade em sentido estrito de acordo com o qual a pena deve ser encontrada na “justa medida”.

Em suma,

31. Conforme dito anteriormente, estabelece o artigo 3.º da lei n.º 144/99, de 31 de agosto, no seu n.º 1 que “as formas de cooperação a que se refere o artigo 1.º regem-se pelas normas dos tratados, convenções e acordos internacionais que vinculem o Estado Português e, na sua falta ou insuficiência, pelas disposições deste diploma”, sendo que o n.º 2 estatui que “são subsidiariamente aplicáveis as disposições do Código de Processo Penal.”

32. Portugal não está vinculado a qualquer tratado, convenção ou acordo internacional no caso em apreço, visto que efectivamente a recorrente já se encontrava em Portugal.

33. Pelo que, salvo melhor opinião em contrário, iremos aplicar as normas da LCJIMP, bem como subsidiariamente as disposições do CPP, sendo que o artigo 101.º, n.º 6 da LCJIMP, que tem como epígrafe direito aplicável e efeitos de execução, estabelece que “(…) as substituições da pena por outra são levadas em conta na execução”.

34. Deveria o Tribunal recorrido ter-se pronunciado sobre a questão supra.

35. Pois, conforme acórdão do STJ de 14/05/2009, no âmbito do processo 09P0096, “a suspensão da execução da pena constitui um poder-dever, um poder vinculado do julgador, tendo o tribunal sempre de fundamentar especificamente quer a concessão quer a denegação da suspensão”.

36. Também neste sentido o Acórdão de 20/03/2012, proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, no âmbito do processo n.º 484/10.4PBSTR.E1, que estabelece o tribunal tem o dever jurídico de se pronunciar expressamente sobre a possibilidade de suspender a pena de prisão que previamente determinou, ou seja, avaliar da aplicação, em concreto, de tal pena de substituição, verificando se os respectivos pressupostos se encontravam preenchidos. A não ponderação da possibilidade de substituição da pena d eprisão constitui a nulidade por omissão de pronúncia prevista no artº 379º, 1, alínea c) do CPP.”

37. No ademais, segundo decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do processo 1626/21.4YRLSB.S1, de 23/02/2022, cujo relator foi o Juiz Conselheiro Lopes da Mota, acórdão este que versa sobre a execução de sentença estrangeira, designadamente a revisão e confirmação de sentença penal estrangeira, nos termos da cooperação judiciária internacional em matéria penal: “a omissão de pronúncia quanto à substituição da pena constitui nulidade do acórdão, nos termos do disposto no art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP, a qual, dizendo respeito à determinação da pena, o que se inscreve no objeto do processo, deve ser suprida pelo tribunal recorrido.”

38. Com efeito, tem sido essa jurisprudência pacífica, quer do Supremo Tribunal de Justiça, quer do Tribunal Constitucional.

39.A este propósito o Acórdão do Tribunal Constitucional 61/2006, de 18 de janeiro de 2006, que decidiu “a) Julgar inconstitucionais, por violação do artigo 205.º, n.º 1, da CRP, as normas dos artigos 50.º, n.º 1, do Código Penal e 374.º, n.º 2, e 375.º, n.º 1, do CPP, interpretados no sentido de não imporem a fundamentação da decisão de não suspensão da execução de pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos.

40. E, também, o Acórdão de fixação de Jurisprudência 8/2012 do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de junho, no qual se escreveu: “A suspensão como um poder-dever, exercício de um poder vinculado. - A aplicação de uma pena de substituição não é uma faculdade discricionária do tribunal, mas, pelo contrário, constitui um verdadeiro poder/dever.”

41. No mais, conforme Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do processo n.º 354/23.0YRLSB.S2, em 24/10/2024, respeitante a uma revisão de sentença penal estrangeira e relativamente à questão da pena (situação análoga aos presentes autos) : “O Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a entender, de forma pacífica, tratar-se a suspensão da execução de um poder-dever, de um poder vinculado do julgador, tendo o tribunal sempre de fundamentar, especificadamente, quer a concessão quer a denegação da suspensão.”

42. Conclui-se, então, que decorre do teor do artigo 50.º do Código Penal Português a imperatividade da consideração da possibilidade de verificação dos pressupostos de aplicação de suspensão de execução da pena de prisão em medida não superior a cinco anos.

43. Errou o Tribunal recorrido ao não se ter pronunciado sobre da possibilidade da suspensão da execução da pena de prisão, prevista no artigo 50.º do Código do Processo Penal, por remissão dos artigos 3.º, n.º 1 e 2 e 101.º, n.º 1, 2 e 6, ambos da Lei 144/99, de 31 de agosto (LCJIMP).

44.A omissão desta ponderação faz incorrer o tribunal no vício de omissão de pronúncia, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea c) e 2, do Código do Processo Penal.

45. Impõe-se, assim, declarar a NULIDADE do acórdão proferido.

Pelo exposto, e nos melhores de Direito, sempre com o mui douto suprimento de V. Exa., deverão julgar verificada, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, al. c), e 2, do Código de Processo Penal, a nulidade do Acórdão recorrido por omissão de pronúncia quanto à substituição da pena e, por conseguinte, que o processo volte ao Tribunal da Relação de Lisboa para conhecimento da possibilidade de suspensão de execução da pena.

Assim, decidindo, farão V. Ex.as, Sábios Conselheiros, Objetiva e Justiça!

O recurso foi admitido.

O Ministério Público respondeu ao recurso, concluindo:

1. A Recorrente AA, com dupla nacionalidade, brasileira e portuguesa, foi condenada por sentença de 18 de novembro de 2011, transitada em julgado a 26 de fevereiro de 2019, proferida no âmbito do Processo nº .....71-.....10........00, da ... Vara do Tribunal de Justiça Federal de ..., confirmada pelo Superior Tribunal de Justiça do Estado de ..., República Federativa do Brasil, na pena de 8 anos e 4 meses de prisão, pela prática, em coautoria e na forma continuada, de um crime de recetação qualificada, previsto e punido pelos arts.180.º, parágrafo 1.º, e 71.º, do Código Penal da República Federativa do Brasil.

2. No âmbito do referido processo as autoridades brasileiras emitiram mandado de detenção com eficácia internacional, requerendo a sua extradição para cumprimento da pena de prisão em que foi condenada, o qual deu origem ao Processo nº 3158/22.4..., da ... Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.

3. Por despacho de 16 de dezembro de 2022, foi ordenado o arquivamento dos autos nº 3158/22.4...

4. Atendendo à existência de causas de recusa de execução do pedido de extradição (atendendo à circunstância da Requerida ter adquirido a nacionalidade portuguesa a 2 de março de 2022, bem como o estatuído no art. 33.º, da Constituição da República Portuguesa), as autoridades brasileiras vieram solicitar às autoridades portuguesas o reconhecimento e a execução da sentença por parte de Portugal, país onde se encontra a residir a Requerida.

5. O Ministério Público, ao abrigo do disposto nos arts. 95.º, da Lei nº144/99, de 31de agosto, e 234.º a 240.º, do Código de Processo Penal, promoveu o reconhecimento e execução da sentença penal estrangeira que condenara AA.

6. O acórdão recorrido, em obediência a decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça, veio declarar revista e confirmada a sentença proferida por Tribunal da República Federativa do Brasil, passando aquela a produzir todos os seus efeitos em Portugal, fixando a medida da pena em quatro anos e seis meses de prisão.

7. A ora recorrente discorda de tal decisão, por entender que a mesma enferma de nulidade, por não se ter pronunciado expressamente quanto à possibilidade de suspensão da execução da pena.

8. Com efeito, conforme jurisprudência pacífica, a ponderação da eventual suspensão da execução de uma pena de prisão não superior a cinco anos não se trata de uma faculdade discricionária, mas antes de um poder-dever, como um poder vinculado do julgador, que obriga o Tribunal a analisar e fundamentar, especificadamente, quer a concessão quer a denegação da aludida suspensão da pena.

9. No caso em apreço, tendo o Tribunal determinado a aplicação de uma pena de quatro anos e seis meses de prisão, em resultado da adaptação da sanção imposta na sentença revidenda à sanção prevista no sistema penal português, impunha-se procedera essa avaliação, de acordo com os critérios estabelecidos no art. 50.º, do Código Penal.

10. No entanto, o acórdão recorrido não se pronunciou sobre tal matéria, sendo certo que não se encontrava inibido de o fazer tendo em conta os limites estabelecidos no art. 100.º, nº2, da Lei nº 144/99, de 31 de agosto.

11. Assim sendo, não se pode deixar de concluir que o acórdão recorrido fez incorreta interpretação das normas aplicáveis ao caso em apreço, designadamente o disposto nos arts. 101.º, nºs. 1, 2 e 6, da Lei nº144/99, de 31 de agosto, e 50.º, do Código Penal, estando assim ferido de nulidade, nos termos do disposto no art. 379.º, nº1, alínea c), do Código de Processo Penal.

12. Nesta conformidade, entendemos que deverá ser deferida a requerida declaração de nulidade do acórdão por omissão de pronuncia.

Termos em que, dando provimento ao recurso farão V.Exas. JUSTIÇA.

Neste Tribunal, foi cumprido o disposto no art. 416º do Código de Processo Penal.

O Ex.mo Procurador Geral-Adjunto neste Tribunal proferiu parecer, salientando-se:

É nosso parecer que, na verdade, se deve entender que o acórdão recorrido não se pronunciou, como devia, quanto à suspensão da execução da pena de prisão nos termos do art. 50.º do CP e, como tal, que padece de nulidade nos termos do art. 379.º, n.ºs 1, al. c), e 2, do Código de Processo Penal, pois que como é de jurisprudência assente, «a suspensão da execução da pena constitui um poder-dever, um poder vinculado do julgador, tendo o tribunal sempre de fundamentar especificamente quer a concessão quer a denegação da suspensão» (acórdão do STJ de 14.05.2009, processo 09P0096, relatado pelo conselheiro Raúl Borges e Acórdão de fixação de jurisprudência 8/2012 deste Supremo Tribunal de Justiça de 24 de junho), sendo que preceitua o art. 379.º, n.ºs 1, al. c), e 2, do CPP que é nula a sentença quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, sendo que as nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, devendo o tribunal supri-las, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 4 do artigo 414.º.

Veja-se, no mesmo sentido, o acórdão deste STJ de 24.10.2024, no processo 3540/23.0YRLSB.S2 (Relator – Conselheiro Celso Manata), relativamente a coautor do crime pelo qual a aqui recorrente se mostra condenada.

Isto – nulidade por falta de apreciação da possibilidade de suspensão de execução da pena -não obstante parecer resultar implicitamente do texto da decisão a convicção dos seus autores no sentido de que inexistem motivos que justifiquem tal suspensão, quando aí se refere que: «No caso concreto impõe-se a consideração de que o crime de receptação, pela recorrência com que é cometido, estando na base de outros crimes atentatórios da propriedade alheia, demanda medidas de prevenção geral realmente desmotivadoras da sua prática, que possam ser percepcionadas pela comunidade como uma manifestação real de que o crime não compensa.

No que concerne às exigências de prevenção especial conclui-se que as mesmas são igualmente exigentes de séria reprovação no caso em análise.

Temos configurada uma receptação efectuada através de um grupo estruturado para o efeito, que mantinha contactos dentro do sistema de saúde brasileiro, designadamente com funcionários do próprio sistema que providenciavam a retirada dos medicamentos da rede pública de saúde, medicamentos esses que entregavam aos arguidos para posterior reinserção no mercado, contando estes inclusivamente com um sistema produção de embalagens similares às originais, para acondicionar os medicamentos assim adquiridos, sem caixa.

Em causa está a violação de direitos patrimoniais de terceiros mas também a diminuição da disponibilidade medicamentosa pelo sistema de assistência pública, com inerentes graves prejuízos para os utentes, designadamente os mais desfavorecidos que são, normalmente, os que beneficiam do sistema público de assistência médica. A juntar a isto, impõe-se a consideração de que os agentes do facto ilícito (no caso, o furto) agiam mediante instigação do próprio grupo, dominado pela arguida e seu marido. Tem aqui inteiro cabimento a caracterização feita na sentença revidenda sobre a gravidade do ilícito que, concordamos, merece intensa reprovação pelos danos causados à população em geral, em prole de um benefício pecuniário absolutamente ilegítimo, quer em termos judiciários quer face às mais básicas regras de ética e moral social vigentes em qualquer lugar do mundo.

As condutas em causa duraram cinco anos.

A arguida agiu com dolo directo. Não demonstrou arrependimento nem tão pouco reconhecimento do mal do crime o que espelha uma séria indiferença aos mais básicos valores de convivência social, quer pela atitude que pressupõe o próprio tipo de crime, quer pelas circunstâncias em que foi cometido.

A única atenuante que se encontra é o facto de ser primária.

Face às necessidades de prevenção geral e especial enunciadas, à excepcional gravidade da conduta, à especial desconformidade da personalidade da arguida para com os valores jurídico-penais violados e às características do crime, entende-se que a pena de prisão deve aproximar-se do máximo legal, pelo que se fixa a mesma em quatro anos e seis meses de prisão.»

Mas o certo é que em lugar algum o acórdão explicitamente aprecia (e afasta, como parecer ser o seu entendimento) a possibilidade de suspensão, o que cumprirá ser efetuado (não podendo este STJ suprir a nulidade, sob pena de se coartar o direito ao recurso relativamente à decisão a proferir, quer pela arguida – no caso de não ser suspensa a execução da pena, quer pelo Ministério Público – no caso de tal suspensão ocorrer e com isso não se conformar).

-- Assim sendo, é nosso parecer que deverá ser julgado procedente o recurso, declarando-se nulo o acórdão recorrido, determinando-se a baixa do processo ao Tribunal da Relação de Lisboa para ser colmatada a falta de análise acerca da possibilidade de suspender a aplicação da pena de prisão à recorrente.

Não houve resposta ao parecer.

Foram colhidos os vistos, após o que o processo foi à conferência, cumprindo apreciar e decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO

É jurisprudência constante e pacífica que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação (art.s 403º e 412º do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal).

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, a questão a decidir é a nulidade por omissão de pronúncia sobre a suspensão da execução da pena.


*


Vejamos então.

O art. 4º nº 1 da Lei da Organização do Sistema Judiciário (Lei 62/2013 de 26.8) consagra “o dever de acatamento das decisões proferidas em via de recurso por tribunais superiores”. Por força desse princípio, cabia ao Tribunal da Relação de Lisboa respeitar e cumprir o determinado pelo Supremo Tribunal de Justiça.

O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23.5.2024, nestes autos, determinou a «adaptação/conversão da pena de prisão solicitada a efectuar no Tribunal recorrido nos termos mencionados nos pontos 2.3.2.1 e 2.3.2.2.».

Para completa compreensão, transcrevem-se os aludidos pontos da fundamentação (o sublinhado dos dois últimos parágrafos do ponto 2.3.2.1 é do ora relator):

2.3.2.1- Da questão da nulidade por omissão porquanto o acórdão recorrido não se terá pronunciado sobre a adaptação da pena da sentença brasileira, face às regras da lei portuguesa”.

Nesta primeira questão, a recorrente aborda o tema defendendo que “deveria o Tribunal recorrido converter a pena aplicada naquela que ao caso coubesse segundo a lei portuguesa ou reduzindo-se a mesma ao limite adequado e que o acórdão recorrido não se pronunciou sobre a adaptação da pena da sentença brasileira, face às regras da lei portuguesa, pelo que nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do Código do Processo Penal o acórdão recorrido é nulo.

Ora bem.

Por sentença penal, datada de 18 de novembro de 2011, transitada em julgado a 26/02/2019, proferida pela ... Vara do Tribunal de Justiça Federal de ..., e confirmada pelo Superior Tribunal de Justiça do Estado de ..., República Federativa do Brasil, foi a ora recorrente AA, com dupla nacionalidade, portuguesa e brasileira, condenada na pena de 8 anos e 4 meses de prisão, pela prática de um crime de receptação qualificada, previsto e punido (p. e p.) pelos artigos 180, parágrafo 1º e 71º do Código Penal da República Federativa do Brasil e prevista, no Código Penal Português, no artigo 231ºnº1 .

O artº 231º nº1 do CP, norma mais equivalente ao caso na perspectiva da legislação portuguesa, e verificada assim a dupla incriminação na lei nacional, prevê no entanto uma pena de prisão até um máximo de 5 anos ou multa até 600 dias.

A qualificação jurídica do Tribunal Brasileiro como crime de receptação qualificada nunca foi colocada em causa e os factos subjacentes à condenação compreendem actividade continuada da arguida e outros , pelo menos entre 2005 e 2010, agindo em unidade de desígnios, de forma consciente e voluntária, consistindo na aquisição e revenda, no exercício e actividade comercial, de medicamentos desviados de hospitais públicos. Discorrendo sobre este primeiro problema, assinala-se que o tribunal recorrido não se pronunciou positivamente sobre a adaptação da pena em função da que seria aplicável no ordenamento jurídico penal português ( com um máximo de 5 anos de prisão). Mas não o fez, por aparente exclusão implícita face ao que entendeu o Tribunal da Relação recorrido ao referir, a dado passo, a págs 13:

“Por outro lado é facto assente que «de acordo com o sistema de revisão e confirmação vigente no nosso ordenamento jurídico, o qual decorre do CPP (arts. 234.º a 240.º), do CPC (arts. 1094.º a 1102.º), da Convenção Relativa à Transferência de Pessoas Condenadas (Resolução da AR 8/93, de 18-02 arts. 9.º a 11.º) e da LCJI (Lei 144/99, de 31-08 arts. 100.º a 103.º), não compete aos nossos tribunais sindicar ou exercer qualquer censura sobre a decisão estrangeira, seja no âmbito da matéria de facto, seja na aplicação do direito» (6)1, o que leva à inaptidão da argumentação baseada nas alegadas deficiências de julgamento para a produção de efeitos no âmbito do presente processo especial.”

Daqui parece poder ler-se resultar por parte do tribunal recorrido uma posição, concorde-se ou não com ela no seu acerto jurídico e hermenêutico, no sentido de entender (assim inexistindo por aqui, omissão alguma) que não deveria sindicar nem exercer censura sobre a matéria de facto e sobre a matéria de direito, nesta última se incluindo, pela sua natureza, a questão da adaptação da pena, caso em que não faria sentido ser necessário modificá-la no limite aplicado pelo tribunal brasileiro. Ou seja, não podendo sindicar de facto e de direito, a pena não teria que ser modificada por adaptação/conversão.

Nesta perspectiva, ter-se-á de considerar inexistir nulidade por omissão de pronúncia pois, a ser assim, tomou-se posição, ainda que por remissão fundamentativa genérica para as normas supra citadas, assumindo-se ser uma questão de natureza interpretativa e no sentido de que a adaptação da pena seria impedida por não se poder mexer na questão de direito.

Ponto será, contudo, saber se deveria ou não tê-la modificado, adaptando-a, em função da realidade jurídico penal portuguesa e do previsto no tipo penal contido no artº 231º nº1 do CP, cujo máximo de prisão é de 5 anos.

A solução terá de ser encontrada por via da sua localização expressa em convenção internacional vinculativa do Estado Português e do Estado Brasileiro ou, na sua ausência, por aplicação das regras de revisão internas previstas na legislação portuguesa.

E pode ser alinhável em, pelo menos, três perspectivas:

I)- Manter a pena aplicada por não ultrapassar o máximo geral de 25 anos previsto na lei penal portuguesa;

II) Convertê-la ao máximo admissível ( in casu, de 5 anos) no tipo legal do artº 231º nº1 do CP;

III)- Ou, dentro deste tipo legal, fixar uma pena concreta entre mínimo e o máximo da moldura abstracta ali prevista.

Tendo como ponto de partida a consideração de que não estamos perante uma transferência efectiva da pessoa em si, pois que a recorrente se encontra já em Portugal, há que recorrer a elementos hermenêuticos coadjuvantes que nos indiquem como se passariam as coisas se, por via de uma transferência efectiva, se tivesse de rever e confirmar a sentença subjacente ao pedido.

Na verdade,

Sabemos que a execução de sentenças penais estrangeiras constitui uma forma de cooperação judiciária internacional em matéria penal que se rege pelas normas dos tratados, convenções e acordos internacionais que vinculem o Estado Português e, na sua falta ou insuficiência, pelos art. 95.º a 103.º da Lei n.º 144/99, de 31-08, sendo subsidiariamente aplicáveis as disposições do CPP [art. 1.º, n.º 1, al. c), e 3.º do mesmo diploma].

As sentenças penais estrangeiras, transitadas em julgado, podem ser executadas em Portugal nas condições previstas, em primeiro lugar, nas convenções internacionais a que os Estados envolvidos hajam aderido e ratificado ou, não havendo nelas norma que resolva a problemática que se coloque, v.g. quanto à exigibilidade ou não da conversão da pena segundo uma daquelas 3 perspectivas, aplica-se subsidiariamente a Lei n.º 144/99, dependendo a sua força executiva de prévia revisão e confirmação, segundo o disposto no CPP e o previsto nas al. a) e c) do n.º 2 do art. 6.º da Lei n.º 144/99 (art. 95.º e 100.º deste diploma).

Sendo instrumental desta forma de cooperação (art. 234.º, n.º 1, do CPP), isoladamente ou no âmbito da transferência de pessoas condenadas (art. 1.º, n.º 1, al. c) e d), 95.º a 103.º e 123.º da Lei n.º 144/99), o processo de revisão e confirmação de sentenças estrangeiras reflete essa diversidade normativa, em particular no que diz respeito aos requisitos e às condições de admissibilidade do pedido e à extensão e valor da sentença de reconhecimento, da competência dos tribunais portugueses (artº. 100.º, n.º 2, e 103.º da Lei n.º 144/99).

Podemos ainda afirmar com segurança que o regime de execução de sentenças penais estrangeiras estabelecido nos art. 95.º e ss. da Lei n.º 144/99 reproduz o dos art. 89.º e ss. do DL n.º 43/91, de 22-01 (revogado pelo art. 166.º da Lei n.º 144/99), que têm por fonte, nomeadamente, os art. 42.º e 44.º da Convenção Europeia sobre o Valor Internacional das Sentenças Penais ( não obstante nunca ratificada ainda), pelo que a ordem de execução é precedida da conversão das sanções penais impostas no estrangeiro nas correspondentes da lei portuguesa, com as limitações impostas pelo n.º 2 do art. 100.º da Lei n.º 144/99 e pelo n.º 3 do art. 237.º do CPP.

Dispõe o nº 2 do artº 100º da lei nº 144/99 que o tribunal de revisão está vinculado à matéria de facto provada na sentença estrangeira (alínea a), não pode converter a pena privativa de liberdade em pena pecuniária (alínea b) nem agravar em caso algum a reacção estabelecida na sentença estrangeira.

Por sua vez o nº 3 do artº 237º do CPP impõe ao tribunal de recurso o dever de se retirar da procedência respectiva as consequências legalmente impostas relativamente a tida a questão recorrida mesmo quando haja limitação do recurso à matéria de facto ou à questão de direito.

A Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto rege sobre diversas formas de cooperação judiciária internacional em matéria penal, em que se inclui a matéria da transferência de pessoas condenadas a pena ou medida privativas da liberdade, sendo certo que sobre o regime que institui devem prevalecer as normas dos tratados, convenções e acordos internacionais que vinculem o Estado Português (cfr. artigo 3.º da referida lei).

Por sua vez, já na Convenção sobre a Transferência de Pessoas Condenadas entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (doravante CtpcPLP)2 se dispõe igualmente no artº 9º:

Artigo 9.º

Execução

1 — A transferência de qualquer pessoa condenada apenas poderá ter lugar se a sentença for exequível no Estado para o qual a pessoa deva ser transferida.

2 — O Estado para o qual a pessoa deve ser transferida não pode:

a) Agravar, aumentar ou prolongar a pena ou a medida aplicada no Estado da condenação, nem privar a pessoa condenada de qualquer direito para além do que resultar da sentença proferida no Estado da condenação;

b) Alterar a matéria de facto constante da sentença proferida no Estado da condenação.

3 — Na execução da pena, observam -se a legislação e os procedimentos do Estado para o qual a pessoa tenha sido transferida.

A questão de saber se o tribunal recorrido pode ou não alterar a pena aplicada no Estado requerente (Estado da condenação) constitui-se, assim, no tema mais central do presente recurso.

À semelhança do que sucede com outras formas de cooperação, remete esta questão, numa primeira formulação genérica, para um regime, multifacetado, conformado por uma diversidade de normas aplicáveis em função da participação do Estado português em espaços institucionais e regionais de cooperação multilateral (Conselho da Europa, União Europeia) ou de quadros legais específicos de cooperação bi ou multilateral, enformados por acordos, tratados e convenções, ou, na falta deles, pelo princípio da reciprocidade [artigos 1.º, n.º 1, al. c), 3.º e 4.º, n.º 1, da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto] numa aplicação instrumental desta forma de cooperação (a força executiva de uma sentença penal estrangeira que deva ter eficácia em Portugal depende de prévia revisão e confirmação – artigo 234.º, n.º 1, do CPP), isoladamente ou no âmbito da transferência de pessoas condenadas (artigos 1.º, n.º 1, al. c) e d), 95.º a 103.º e 123.º da Lei n.º 144/99)

Esse processo de revisão e confirmação de sentenças estrangeiras para futuro cumprimento de pena em Portugal (artigos 234.º, n.º 1, do CPP e 95.º, n.º 1, e 100.º, n.º 1, da Lei n.º 144/99), ao qual se subtraem, atualmente, as sentenças penais proferidas no espaço da União Europeia, espelha essa multiplicidade normativa, sobretudo no que diz respeito aos requisitos e às condições de admissibilidade do pedido e à extensão e valor da sentença de reconhecimento, da competência dos tribunais portugueses (artigos 100.º, n.º 2, e 103.º da Lei n.º 144/99).

A evolução da cooperação neste âmbito resultou na adopção de mecanismos próprios que, na fase mais avançada de construção do Espaço de Liberdade, Segurança e Justiça [artigos 3.º, n.º 2, do Tratado da União Europeia e 4.º, n.º 2, al. j), e Título V – artigos 67.º a 76 e 82.º a 86.º – da Parte III do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE)], baseada no princípio do reconhecimento mútuo das decisões judiciais (artigo 82.º, n.º 1, do TFUE), se autonomizaram da revisão e confirmação, através de um regime de reconhecimento dotado de completude normativa, substantiva e processual, que encontra expressão em instrumentos jurídicos adotados com base nos Tratados, em particular, no que respeita às penas privativas da liberdade, na Decisão-Quadro 2008/909/JAI, do Conselho, de 27 de novembro de 2008, transposta para o direito interno pela Lei n.º. 158/2015, de 17 de setembro. (cfr, nesta abordagem, por todos, Ac STJ de 23 de fevereiro de 2022 (Lopes da Mota), no procº 1626/21.4YRLSB.S1):

“11. A observação dos regimes de execução de sentenças penais estrangeiras permite identificar dois métodos substancialmente distintos: a cooperação por via da continuação da execução da pena, como sucede no caso de esta se iniciar no Estado da condenação e o condenado ser transferido para outro Estado para continuar a cumprir a pena, e a cooperação por via da conversão ou adaptação da condenação, em processo de exequatur, seja naquele caso, seja no caso de a pessoa se encontrar no Estado de execução.”

Esta diferenciação resulta expressa no texto do n.º 1 do artigo 9.º da Convenção do Conselho da Europa relativa à Transferência de Pessoas Condenadas, de 21.3.1983 [ratificada pelo Decreto do Presidente da República (DPR) n.º 8/93, de 20 de abril, e aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República (RAR) n.º 8/93, DR-I Série A, de 20.4.1993], sob a epígrafe “Efeitos da transferência para o Estado da execução”, que dispõe:

“1 - As autoridades competentes do Estado da execução devem:

a) Continuar a execução da condenação imediatamente ou com base numa decisão judicial ou administrativa, nas condições referidas no artigo 10.º; ou

b) Converter a condenação, mediante processo judicial ou administrativo, numa decisão desse Estado, substituindo assim a sanção proferida no Estado da condenação por uma sanção prevista pela legislação do Estado da execução para a mesma infração, nas condições referidas no artigo 11.º.”

Por sua vez, nos termos do artigo 10.º:

“No caso de continuação da execução, o Estado da execução fica vinculado pela natureza jurídica e pela duração da sanção, tal como resultam da condenação” (n.º 1).

E, de acordo com o n.º 1 do artigo 11.º:

“No caso de conversão da condenação aplica-se o processo previsto pela lei do Estado da execução. (sublinhado nosso)

Ao efectuar a conversão, a autoridade competente:

a) ficará vinculada pela constatação dos factos na medida em que estes figurem explícita ou implicitamente na sentença proferida no Estado da condenação;

b) não pode converter uma sanção privativa da liberdade numa sanção pecuniária; c) descontará integralmente o período de privação da liberdade cumprido pelo condenado; e

d) não agravará a situação penal do condenado nem ficará vinculada pela sanção mínima eventualmente prevista pela lei do Estado da execução para a infracção ou infracções cometidas”.

Assim, havendo conversão, se a natureza ou a duração desta sanção forem incompatíveis com a legislação do Estado da execução ou se a legislação deste Estado o exigir, o Estado da execução pode, com base em decisão judicial ou administrativa, adaptá-la à pena ou medida previstas na sua própria lei para infracções da mesma natureza.

Quanto à sua natureza, esta pena ou medida corresponderá, tanto quanto possível, à imposta pela condenação a executar. Ela não pode agravar, pela sua natureza ou duração, a sanção imposta no Estado da condenação nem exceder o máximo previsto pela lei do Estado da execução” (n.º 2).

E é aqui, no confronto destas normas da Convenção do CoE sobre TPC que vinculam Portugal e o Brasil (vide nota 4 de rodapé”(…) entrou em vigor para o Brasil a 01/10/2023, tendo-a ratificado a 26/06/2023.), que se pode encontrar um incontornável apoio hermenêutico para a solução do presente caso, não obstante, como antes avisámos, não se estar propriamente numa situação de transferência efectiva de pessoa condenada mas, ao menos, servirá de fonte interpretativa, mutatis mutandis, na localização do espírito dos Estados contratantes e face às reservas de Portugal precisamente nesse conspecto .

E porquê?

Precisamente tendo em consideração as ditas reservas de Portugal e a sua compreensão contida na Recomendação 84(11) do CoE que adiante indicaremos.

Por ocasião da ratificação desta Convenção, que visou complementar a Convenção Europeia sobre o Valor Internacional das Sentenças Penais, com o objetivo de simplificar e tornar mais célere a transferência de condenados (cfr. relatório explicativo, ponto 8), Portugal formulou as seguintes declarações (RAR n.º 8/93):

a) “utilizará o processo previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 9.º, nos casos em que seja o Estado de execução”;

b) “a execução de uma sentença estrangeira efectuar-se-á com base na sentença de um tribunal português que a declare executória, após prévia revisão e confirmação”;

c) que “quando tiver de adaptar uma sanção estrangeira, Portugal, consoante o caso, converterá, segundo a lei portuguesa, a sanção estrangeira ou reduzirá a sua duração, se ela ultrapassar o máximo legal admissível na lei portuguesa”.

Assim, por virtude destas declarações, e tendo conta o relatório explicativo, Portugal só continua uma execução já iniciada no Estado de condenação, com base numa decisão judicial de revisão e confirmação, só nesse caso ficando vinculado pela natureza jurídica e pela duração da sanção, tal como resultam da condenação, podendo, contudo- como interpretamos ser o melhor alcance daquela reserva- quando se inicie a execução em Portugal ou se a duração da sanção for incompatível com a legislação nacional, adaptá-la à pena prevista na lei interna para infrações semelhantes, em medida correspondente, tanto quanto possível, à imposta pela condenação a executar, sem agravar, pela sua duração, a sanção imposta no Estado da condenação nem exceder o máximo previsto na lei interna, convertendo a sanção estrangeira, segundo a lei portuguesa, ou reduzindo a sua duração, se ela ultrapassar o máximo legal admissível na lei portuguesa.

No entanto, um elemento importante hermenêutico coadjuva a tese da adaptação da pena.

Resulta do Relatório explicativo desta Convenção que a diferença entre o procedimento de "continuação da execução", previsto no artigo 10º, e o procedimento de "conversão da condenação", previsto no artigo 11º, é que, no primeiro caso, o tribunal de execução continua a executar a sentença proferida pelo tribunal de condenação (eventualmente adaptada nos termos do nº 2 do artigo 10º), enquanto no segundo caso, a sanção é convertida numa sanção do Estado de condenação, o que tem por resultado que a pena executada já não se baseia diretamente na sanção imposta no Estado de condenação.3

Embora o procedimento previsto na alínea a) do artigo 9º e explicitado no artigo 10º, aponte como regra a intocabilidade da natureza e duração da pena imposta no Estado da condenação, sempre que a duração dessa pena seja superior ao limite máximo da pena abstracta prevista na legislação do Estado de execução para o crime a que são subsumíveis os factos praticados, este Estado pode mesmo reduzir essa pena e determiná-la dentro da moldura abstracta prevista na sua legislação para esse tipo penal.

Ademais, resulta da Recomendação R (84) 11 do Conselho de Ministros aos Estados Membros, relativa à informação sobre a Convenção Relativa à Transferência de Pessoas Condenadas4 9e que a seguir se transcreve em tradução livre da versão em inglês5:

“(…)Que pena será cumprida após a transferência?

(Estados que aplicam o procedimento de "continuação da execução")

A duração máxima da pena a cumprir após a transferência corresponderá à duração da pena inicial, deduzida de qualquer privação da liberdade sofrida no Estado da condenação antes da data da transferência.

Se a duração da pena imposta no Estado da condenação for superior à pena prevista para a mesma infração no Estado da execução ou se as duas penas forem de natureza diferente, a pena inicial será adaptada à pena que melhor corresponda ao direito do Estado de execução, sendo que a sanção resultante não será nem mais longa nem mais grave do que a pena inicial. (…)”(itálico nosso)

Por conseguinte, é assim possível concluir com desafogo jurídico e em face daquela orientação contida na Recomendação 84 (11)do CoE, que a reserva relativa à redução da sanção contida na sentença estrangeira ao “máximo legal admissível na lei portuguesa” deve, no limite, poder também reportar-se, sem restrição de uma interpretação literalista, ao limite máximo da sanção estabelecida na moldura abstrata dos diferentes crimes previstos na parte especial do Código Penal.

A declaração apresentada por Portugal levou em conta a exigência de revisão e confirmação imposta pela lei portuguesa, em conformidade com o disposto nos artigos 234.º, n.º 1, do CPP e 95.º e seguintes da Lei n.º 144/99.

Nos termos do artigo 100.º, n.º 2, da Lei n.º 144/99, quando se pronunciar pela revisão e confirmação, o tribunal está vinculado à matéria de facto considerada provada na sentença estrangeira, não pode converter uma pena privativa de liberdade em pena pecuniária e não pode agravar, em caso algum, a pena estabelecida na sentença estrangeira. Se a sentença penal estrangeira tiver aplicado pena que a lei portuguesa prevê, mas em medida superior ao máximo legal admissível, a sentença é confirmada, mas a pena aplicada converte-se naquela que ao caso coubesse segundo a lei portuguesa ou reduz-se até ao limite adequado (artigo 237.º, n.º 3, do CPP).

O regime de execução de sentenças penais estrangeiras estabelecido nos artigos 95.º e seguintes da Lei n.º 144/99, que reproduz o dos artigos 89.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 43/91, de 22 de janeiro (revogado pelo artigo 166.º da Lei n.º 144/99), têm por fonte, nomeadamente, os artigos 42.º e 44.º da Convenção Europeia sobre o Valor Internacional das Sentenças Penais (“European Convention on the International Validity of Criminal Judgments”), de 28.5.1970, do Conselho da Europa, assinada por Portugal em 1979, mas ainda não ratificada [cfr. Manuel A. Lopes Rocha e Teresa Alves Martins, Cooperação Judiciária em Matéria Penal (Comentários), Aequitas/Editorial Notícias, 1992].

Segundo o artigo 44.º desta Convenção, se o pedido de execução for aceite, o tribunal do Estado de execução deve substituir a pena privativa da liberdade imposta no Estado da condenação por uma pena prevista na lei interna do Estado de execução para o mesmo crime, a qual, não podendo agravar a situação do condenado (proibição da reformatio in pejus) e estando vinculada aos factos descritos na condenação (artigo 42.º), pode ser de duração diferente da imposta no Estado da condenação.

Como se refere no respetivo relatório explicativo, este artigo confere ao Estado de execução o direito de adaptar a sanção ao seu próprio sistema penal (cfr. “Explanatory Report – ETS 70 – International Validity of Criminal Judgments”, em www.coe.int).

No caso de execução de sentenças penais estrangeiras – lê-se no preâmbulo do Decreto-lei n.º 43/91 – “exige-se a revisão e confirmação da sentença estrangeira, para que possa produzir efeitos em Portugal, segundo a tradição do direito português, reafirmada no Código de Processo Penal vigente. A ordem de execução é precedida da conversão das sanções impostas no estrangeiro nas correspondentes da lei portuguesa”.

Ora, aquela declaração de opção pelo regime do artº 9º da CTPC do CoE só seria de levar à solução da manutenção/inalterabilidade da pena aplicada pelo tribunal brasileiro se fosse o caso de continuação de execução e no limite de uma interpretação demasiado literalista sem ter em conta Recomendação 84(11) do CoE. Esta continuação de execução não faz sentido no caso concreto pois nem sequer se iniciou ou, pelo menos, inexiste notícia de ter-se iniciado no Brasil. Então, podemos concluir que, quando Portugal formulou a reserva, também assumiu supletivamente a possibilidade de conversão da pena (ao excluir-se a sua inalterabilidade por não ser o caso de “continuação” de execução).

De todo o modo, não se tendo ainda iniciado a execução da pena, só resta então convertê-la dentro da moldura penal aplicável ao crime previsto na lei portuguesa (in casu, do artº 231 nº1 do CP) quanto à pena de prisão e sua efectividade de acordo com as regras que seriam aplicáveis, mutatis mutandis, se fosse julgado em Portugal, respeitados porém aqueles limites de natureza da pena e inalterabilidade da sua efectividade.

Uma vez que este Supremo Tribunal não conhece as condições actuais, concretas, socio familiares e profissionais do arguido, a pena deve ser determinada no tribunal recorrido o qual, na medida do necessário a esse efeito, poderá socorrer-se de eventual elaboração de relatório social.

2.3.2.2- Nulidade por omissão de pronúncia sobre pedido da requerente para elaboração de relatório social nos termos do artº 370º do CPP para determinação da medida da pena.

A recorrente alega que “(…)requereu ao Tribunal recorrido a elaboração de relatório social, ao abrigo do artigo 370.º do Código do Processo Penal, com vista à correcta determinação da pena concreta que eventualmente podia vir a ser aplicada e que o Tribunal recorrido, mais uma vez, não se pronunciou sobre o pedido da recorrente. (…)”

Ora, tendo em conta o referido no ponto anterior, deve ser reaferida a necessidade de eventual elaboração de relatório social com vista à determinação da duração da pena de prisão efectiva dentro da moldura penal aplicável ao crime segundo a lei penal portuguesa (artº 231º nº1 do CP) num máximo de até 5 anos de prisão e tendo em atenção a situação mais actual da recorrente no plano socio familiar, pessoal e laboral ou noutro plano que seja tido pro pertinente e útil à fixação conversão da pena de prisão.

O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 23.10.2024, no cumprimento do decidido, aditou aos factos, o que consta do relatório social cuja elaboração ordenou e, após transcrever o ponto 2.3.2.1 do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que também acabámos de transcrever, procede à determinação da medida da pena, fixando-a em quatro anos e seis meses de prisão, medida concreta que não foi questionada pela Recorrente.

Haverá a invocada omissão de pronúncia?

Manifestamente que não.

Efectivamente, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido nestes autos decidiu a questão da possibilidade de suspensão no sentido da inalterabilidade da efectividade da pena de prisão, constituindo assim caso julgado formal sobre a questão.

Repete-se:

«…não se tendo ainda iniciado a execução da pena, só resta então convertê-la dentro da moldura penal aplicável ao crime previsto na lei portuguesa (in casu, do artº 231 nº1 do CP) quanto à pena de prisão e sua efectividade de acordo com as regras que seriam aplicáveis, mutatis mutandis, se fosse julgado em Portugal, respeitados porém aqueles limites de natureza da pena e inalterabilidade da sua efectividade».

Ou seja, o acórdão recorrido não podia, sob pena de violação do “dever de acatamento das decisões proferidas em via de recurso por tribunais superiores” ponderar, sequer, a possibilidade de suspensão da execução da pena.

Aliás, o acórdão recorrido assume essa inalterabilidade da pena quando afirma “a sanção proferida no Estado da condenação deve ser substituída por uma sanção prevista pela legislação do Estado da execução para a mesma infração, da mesma natureza e que não agrave a situação penal do condenado”6 e, por isso, também por essa via, não existiria qualquer omissão de pronúncia.


*


Por força dos nossos compromissos de cooperação internacional, a jurisprudência actual do Supremo Tribunal de Justiça aponta no sentido de alguma intervenção na conformação da pena a cumprir em Portugal, na revisão e confirmação das sentenças penais estrangeiras.

Retomando o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça desta secção de 23.2.2022, no proc. 1626/21.4YRLSB.S1 (relator: Cons. Lopes da Mota), salienta-se que “nos termos do artigo 100.º, n.º 2, da Lei n.º 144/99, quando se pronunciar pela revisão e confirmação, o tribunal está vinculado à matéria de facto considerada provada na sentença estrangeira, não pode converter uma pena privativa de liberdade em pena pecuniária e não pode agravar, em caso algum, a pena estabelecida na sentença estrangeira. Se a sentença penal estrangeira tiver aplicado pena que a lei portuguesa prevê, mas em medida superior ao máximo legal admissível, a sentença é confirmada, mas a pena aplicada converte-se naquela que ao caso coubesse segundo a lei portuguesa ou reduz-se até ao limite adequado (artigo 237.º, n.º 3, do CPP).”

Pode, pois, diminuir-se a duração da pena, mas deve manter-se a natureza da pena (no caso, a efectividade da pena de prisão) porquanto Portugal continua adstrito ao respeito pelos princípios básicos da cooperação judiciária em matéria penal, que se mantêm e estão perfeitamente plasmados na jurisprudência deste Tribunal:

«O pressuposto da cooperação judiciária internacional analisa-se na confiança entre as autoridades dos países cooperantes, por um lado, e a lógica do cumprimento de sentença estrangeira, assente no menor desfiguramento possível da pena aplicada pelo país da condenação»7.

« Na revisão e confirmação de sentença estrangeira há que acatar tal e qual o decidido, como manifestação de reconhecimento da soberania do órgão decisor de outro país, a menos que objecções de fundo, conexionadas com princípios estruturantes do direito penal pátrio e que têm a ver com direitos fundamentais consignados na Constituição, impliquem ajustamentos de alguns aspectos da sentença revidenda, a fim de a adequar ao direito nacional. As únicas hipóteses de ajustamento previstas pela nossa lei são as já mencionadas.

O nosso sistema de revisão e confirmação de sentenças estrangeiras é, por regra, meramente formal, não competindo ao tribunal português exercer censura ou crítica à sentença revidenda, nem pronunciar-se sobre o fundo ou mérito da causa»8.

Consequentemente, revertendo ao caso dos autos, o que importa reter é que a intervenção do tribunal português na decisão judicial de revisão e confirmação se deve pautar pela intervenção correctiva mínima determinada pelo anterior acórdão: “fica vinculado pela natureza jurídica e pela duração da sanção, tal como resultam da condenação. Se for aplicada uma pena que a lei portuguesa não admite a pena é convertida na que seria aplicável segundo a lei portuguesa; se a duração da sanção for incompatível com a legislação nacional deve adaptá-la à pena prevista na lei interna para infrações semelhantes, em medida correspondente, tanto quanto possível, à imposta pela condenação a executar”9.

Por isso, em sintonia com a decisão do acórdão deste Supremo Tribunal, proferido nestes autos, em 23.5.2024, a única solução era fixar uma pena efectiva.

Com este enquadramento, de inadmissibilidade de ponderação da suspensão da execução da pena expressamente consignada nos acórdãos referidos, não se verifica qualquer omissão de pronúncia.

III . DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes do Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso interposto por AA, mantendo na íntegra a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente, fixando-se em seis UC a taxa de justiça devida.

Lisboa, 19-02-2025

Jorge Raposo (relator)

José Carreto

Antero Luís

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1. Cfr. Acórdão do STJ, no processo 53/10.3YREVR.S2, de 13-04-2011.

2. assinada na Cidade da Praia em 23 de Novembro de 2005 sobre a Transferência de Pessoas Condenadas entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa teve início de vigência relativamente a Portugal a 01/03/2010, [sendo que de acordo com o Aviso n.º 182/2011, de 10/08/2011, a Convenção já se encontra em vigor para a para a República Federativa do Brasil (bem como igualmente para a República de Moçambique, para a República Democrática de São Tomé e Príncipe e, desde 1 de Agosto de 2009, para a República de Angola, desde 1 de Janeiro de 2011, e para a República Democrática de Timor-Leste, desde 1 de Maio de 2011] De acordo com o Aviso n.º 110/2018, de 02/10, esta Convenção encontra-se em vigor para a República de Cabo Verde desde 01/09/2018

3. 8 Cfr. Ponto 46 do Rapport explicatif – STE 112 – Transférement des personnes condamnées (convention) disponível em STCE 112 - Rapport explicatif de la Convention sur le transfèrement des personnes condamnées (coe.int)

4. in https://rm.coe.int/16804c0aef

5. What sentence would need to be served following transfer? - (States using the "continued enforcement" procedure:) The maximum sentence to be served following transfer would be the amount of the original sentence which remained after deduction of any remission earned in (sentencing State) up to the date of transfer. If the sentence imposed in (sentencing State) was longer or of a different nature than the sentence which could be imposed for the same offence in (administering State), it would be adapted to the nearest equivalent sentence which was available under the law of (administering State) without being longer or more severe than the original sentence.

6. Ponto 6 do sumário incluso na parte final do acórdão.

7. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28.2.2013, no proc. 372/12.4YRLSB.S1.

8. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.7.2012, proc. 166/11.4YREVR.S1. Doutrina (Simas Santos e M. Leal-Henriques, in Código de Processo Penal anotado, 1.º volume, 2.ª edição, reimpressão, 2004, Editora Rei dos Livros, pg. 1122) e jurisprudência (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.5.2010, proc. 301/09.2TRPRT.S1) anteriores consideravam que (acórdão referido): «Por “máximo legal admissível” entende-se os limites máximos legais da pena de prisão consagrados nos n.ºs 1 e 2, do art. 41.º do CP, pois só em relação a estes limites gerais e abstractos faz sentido convocar o princípio constitucional da duração limitada das penas previsto no art. 30.º, n.º 1, da CRP. Tentar interpretar aquela expressão com outro significado, mormente para significar a pena máxima da moldura penal do crime concretamente em apreciação, ou a aplicação de regimes especiais previstos na ordem jurídica portuguesa comportaria uma distorção inadmissível do sistema, com base em especificidades do ordenamento jurídico-penal português, em confronto com os ordenamentos dos Estados estrangeiros, que como é sabido também adoptam sistemas de penas divergentes do cúmulo jurídico, como os sistemas da absorção, da agravação ou exasperação e da acumulação material das penas – neste sentido, Eduardo Correia, Direito Criminal, II, 1971 (reimpressão), págs. 211 a 215. A entender-se de outro modo seria menosprezar-se ostensivamente a cooperação internacional acordada e restringir-se desadequadamente a revisão e confirmação da sentença penal estrangeira, pelo que, desde que verificadas as condições gerais estabelecidas na Lei 144/99, bem como as condições especiais de admissibilidade nada obstará ao exequatur da sentença penal estrangeira no Estado de execução».

9. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4.12.2024, no proc. 2089/24.8YRLSB.S1 do ora relator.