DIREITO DE PREFERÊNCIA
PROPOSTA DE CONTRATO
ACEITAÇÃO
Sumário


I - O exercício do direito de preferência, antes da venda do bem estar consumada, pressupõe que o obrigado à preferência já acordou com um terceiro a venda da coisa em termos que entre eles se encontram definidos. É nesse contexto que o obrigado à preferência realiza a comunicação prevista no artigo 416.º n.º 1 do Código Civil.
II - Contudo o obrigado à preferência tem a possibilidade de começar por se dirigir ao preferente, manifestando-lhe a sua intenção de vender o bem em determinadas condições. Mas neste caso já não se está no âmbito do instituto da preferência, pelo que não se aplica o exigido naquele artigo 416.º. Neste cenário a comunicação dirigida ao preferente poderá, nomeadamente, traduzir-se num convite para contratar, numa proposta de venda ou numa proposta de promessa de venda.
III - Para se estar perante uma proposta contratual, é preciso que, para além do mais, a declaração contenha todos os pontos essenciais da negociação, de tal modo que baste uma resposta afirmativa do declaratário para se ter por concluído o acordo.
IV - À luz do disposto no artigo 233.º do Código Civil, a proposta contratual tem-se por aceite quando a resposta que lhe é dada se limita a um sim sem reservas. Por isso, não há aceitação quando na sua resposta o destinatário propõe um aditamento e a realização de "uma reunião, destinada à discussão de todos os pormenores do negócio".

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I
AA e BB instauraram a presente ação declarativa, que corre termos no Juízo Local Cível de Vila Verde, contra CC e DD, formulando os pedidos de:
"i) reconhecer-se a aquisição derivada ou, subsidiariamente, a aquisição originária por usucapião, do direito de propriedade dos autores sobre os prédios rústicos descritos no artigo 1.º desta petição inicial;
ii) reconhecer-se aos autores o direito legal de preferência sobre os prédios rústicos identificados no artigo 21.º, als. b) e c) desta petição inicial;
iii) condenar-se os réus a celebrarem com os autores o negócio projetado na comunicação para preferência melhor descrito no art. 24.º desta petição, e aceite pelos autores, com estipulação de prazo nunca superior a 60 (sessenta) dias, bem como a condenação dos réus numa sanção pecuniária compulsória à taxa diária de € 50,00 (cinquenta euros) por cada dia de atraso na celebração da escritura pública de compra e venda; e ainda
iv) condenar-se os réus a entregarem aos autores os prédios melhor identificados no artigo 21.º desta petição inicial livres de pessoas e bens."
Alegaram, em síntese, que os réus lhes enviaram uma carta para que informassem se pretendiam exercer o seu direito de preferência relativamente a três prédios rústicos que eles (os réus) pretendiam vender. "Em resposta, os autores manifestaram aos réus a sua pretensão de exercerem o direito legal de preferência e adquirirem os três prédios vindos de referir pelo preço proposto de € 15.000,00". Mas posteriormente os réus comunicaram aos autores "que após reunião com os nossos filhos resolvemos desistir da venda dos prédios".
Mais alegaram que não aceitaram esta posição dos réus "porque com o envio da primeira missiva os réus remeteram aos autores uma proposta contratual que, uma vez aceite, se tornou vinculativa para autores e réus" e lembram que "são titulares de um direito legal de preferência na venda destes prédios - vd. art. 1380.º do CC".
Os réus contestaram afirmando, em suma, que há erro na forma do processo, que "no caso em apreço, não se verifica preenchido o pressuposto da alienação dos bens a terceiro não confinante, uma vez que não houve transmissão da propriedade dos bens, não houve entrega dos mesmos, nem sequer pagamento do preço", que "não tendo existido a alienação dos bens, não se encontram preenchidos todos os pressupostos necessários à verificação do direito real de preferência aos Autores", que a "em momento algum, a comunicação dos Réus consubstancia uma proposta contratual, muito menos formulada com os elementos essenciais do mesmo" e que "a comunicação dos Réus tinha como finalidade uma prospeção de mercado, tanto é que apenas mencionaram o preço dos prédios."

Realizou-se a audiência prévia e após a Meritíssima Juiz proferiu saneador-sentença em que decidiu:
"8.1. Condenar os Réus CC e DD a celebrarem com os Autores AA e BB, o negócio projetado na comunicação para preferência referida no ponto 5.1.4 da sentença, fixando-se o prazo de 60 dias a contar do trânsito em julgado da sentença para a sua celebração.
8.2. Condenar os Réus CC e DD na sanção pecuniária compulsória de € 40,00 por cada dia de atraso na celebração do contrato referido em 8.1.;
8.3. Condenar os Réus a entregar livre de pessoas e bens os prédios objeto do contrato logo que o mesmo seja celebrado."
Inconformados com esta decisão, dela os réus interpuseram recurso, findando a respetiva motivação com as seguintes conclusões:
I. Os Réus/Recorrentes não se podem conformar com a sentença proferida, que determina a sua condenação, na celebração da venda dos prédios aos Autores, à sua entrega, bem como à sanção pecuniária compulsória de 40,00 € por cada dia de atraso na celebração da venda, por considerarem não ter sido feita a mais correta e adequada interpretação das normas jurídicas relevantes para o caso em apreço, como passaremos a explanar infra.
II. A Meritíssima Juiz a quo determinou na sentença proferida, que a questão fundamental que suscita saber é como qualificar o convite dos Réus aos Autores.
III. O Tribunal Recorrido, acaba por defender que a missiva enviada pelos Réus aos Autores, 5.14 dos factos provados, consubstancia uma proposta negocial, e como tal, os Réus são obrigados a concretizar a mesma, o que não se concorda.
IV. A comunicação enviada pelos Réus/Recorrentes, aos Autores, traduz-se, apenas numa prospeção de mercado, tanto é que apenas mencionaram o preço dos prédios, e em momento algum, consubstancia uma proposta contratual, muito menos formulada com os elementos essenciais do negócio.
V. Naquela comunicação faltavam os elementos essenciais de uma verdadeira proposta negocial, nomeadamente, e sendo o caso de um direito de preferência, não estava indicada a identidade do terceiro interessado, porque nem sequer existia, já que isto era somente uma prospeção de mercado, não estavam indicadas as condições de pagamento, e sobretudo, não estava fixado o prazo, nem local para a celebração da venda.
VI. Contrariamente ao que resulta da Sentença Recorrida, quanto ao prazo da escritura, os Autores não se limitaram a pedir que fosse celebrada no prazo máximo de sessenta dias, mas sim, decidiram-no unilateralmente.
VII. Foram os Autores que informaram, por si, os Réus, onde e quando é que a escritura ia ser celebrada, e em que termos iam ser feitas as comunicações da sua marcação.
VIII. É por demais evidente que o prazo da celebração da escritura pública, é um elemento essencial para que as partes acordassem na concretização da venda.
IX. Os Autores determinaram logo qual era o prazo máximo em que pretendiam que fosse celebrada a escritura pública, sessenta dias, sem saberem quando é que os Réus tinham intenção de concretizar a venda, o que poderia acontecer somente dali a um mês, um ano ou dez anos.
X. Em momento algum ficou firmado qualquer negócio entre Autores e Réus, até porque não estava definido o projeto da venda, não estavam estabelecidas as condições do negócio, a única coisa que estava comunicada era o preço, o que, por si só, nunca seria suficiente para configurar uma proposta contratual, muito menos vinculativa entre as partes.
XI. As condições foram estabelecidas pelos Autores, não pelos Réus, aqueles não sabiam quando é que os Réus pretendiam vender, nem sequer se o prazo que eles iriam fixar, iria ao encontro dos sessenta dias por si fixados, o que, inevitavelmente, é um elemento essencial à formação da vontade, exigível numa proposta contratual.
XII. A comunicação feita não consubstancia uma proposta contratual, e como tal, nunca os Réus poderiam ser obrigados a concretizar a escritura de compra e venda.
XIII. Para que a comunicação adquirisse essa natureza, tinha de respeitar o disposto no artigo 416.º do Código Civil, nos termos do qual "1. Querendo vender a coisa que é objeto do pacto, o obrigado deve comunicar ao titular do direito o projeto de venda e as cláusulas do respetivo contrato."
XIV. Atendendo ao entendimento da doutrina e da jurisprudência, o projeto da venda tem de conter a identificação do terceiro interessado, o preço, as condições de pagamento e o prazo para a outorga da escritura, cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo n.º 45/20.4T8VRL.G1.S1, de 14-10-2021; Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, Processo n.º 281/13.0TBPCV.C2, de 15-12-2020.
XV. A comunicação feita pelos Réus não consubstancia uma proposta contratual, não existindo um qualquer projeto de venda.
XVI. Sobre esta questão, atende-se ao entendimento de Heinrich Horster, in "A Parte Geral do Código Civil Português" – 2.ª Edição, Edições Almedina, outubro de 2021, página 503.
XVII. A comunicação feita pelos Réus é, tão-somente, uma prospeção de mercado, dirigida a quem viam poder ter interesse na aquisição dos bens, por meio do direito de preferência.
XVIII. Sobre esta matéria, acolhe-se o defendido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo n.º 1375/06.3TBTNV.C1.S1, de 07-12-2010, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo n.º 620/2002.L1-7, de 09-11-2010, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, Processo n.º 1244/09.5TBTNV.C1, de 05-04-2011 e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo n.º 08B2772, de 08-01-2009.
XIX. É por demais evidente que, no caso em apreço, nunca estaríamos perante uma proposta contratual, uma vez que as partes nunca acordaram as condições essenciais à realização do negócio, não há, de forma alguma, um projeto de venda, e assim sendo, não se encontram preenchidos os requisitos previstos no artigo 416.º do Código Civil.
XX. Nesse sentido, não podem os Réus/Recorrentes, serem obrigados a celebrar com os Autores o negócio de venda dos seus prédios.
XXI. Mesmo que não se aceitasse o enquadramento da comunicação dos Réus, identificada no ponto 5.1.4 dos factos provados da sentença, como sendo uma prospeção de mercado, o que apenas se equaciona por mero dever de patrocínio, no limite, aquela apenas poderia consubstanciar um convite a contratar, o que também nada se enquadra como uma proposta contratual.
XXII. Heinrich Horster, in "A Parte Geral do Código Civil Português" – 2.ª Edição, Edições Almedina, outubro de 2021, página 501, defende que o convite a contratar "sinaliza apenas o interesse ou a disponibilidade para entrar em negociações com vista à posterior conclusão de um contrato, ou seja, o convite a contratar constituiu um incentivo para que alguém dirija uma proposta contratual a quem convida, cabendo depois a este o papel de aceitar a proposta ou não.
XXIII. O convite a contratar não vem regulado na lei (…) pela simples razão de esta se dedicar somente á declaração negocial. Ora, um convite a contratar não é uma declaração negocial, uma vez que falta a vontade do autor do convite de se vincular juridicamente, a vontade ou a consciência de declaração."
XXIV.  Pelo que, atenta a sua natureza, também por aqui os Réus nunca poderiam ser condenados a concretizar o negócio de venda dos prédios aos Autores.
XXV. Ainda,
XXVI. Mesmo que se considerasse que em causa está uma proposta contratual, nos termos do artigo 416.º do Código Civil, o que não se aceita e apenas se equaciona por mero dever de patrocínio, sempre se dirá que, o contrato entre as partes nunca ficou concluído.
XXVII. Nos termos do artigo 232.º do Código Civil, "O contrato não fica concluído enquanto as partes não houverem acordado em todas as cláusulas sobre as quais qualquer delas tenha julgado necessário o acordo.".
XXVIII. A referida disposição legal consagra o princípio do consensualismo, determinando a coincidência entre a proposta e a aceitação relativamente aos elementos essenciais do negócio, sob pena de não conclusão do contrato.
XXIX. Sobre esta matéria, segue-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, Processo n.º 9251005, de 13-07-1993.
XXX. E Heinrich Horster, in "A Parte Geral do Código Civil Português" – 2.ª Edição, Edições Almedina, outubro de 2021, página 512.
XXXI. No caso em apreço, as partes não chegaram a acordo quanto a todas as cláusulas/condições, que é necessário o acordo entre as partes para que se conclua o contrato.
XXXII. As partes nem sequer chegaram a discutir as condições do contrato, apenas tendo sido apresentado o preço.
XXXIII. Da sentença decorre que os Autores aceitaram sem reserva o preço proposto.
XXXIV. Acontece que, um contrato não se define apenas com o preço, há diversas questões essenciais que têm de ser acordadas, e que, inevitavelmente, influenciam a vontade das partes.
XXXV. No caso em apreço, uma dessas condições essenciais é a questão do prazo para a realização do negócio.
XXXVI. Contrariamente àquilo que resulta da sentença recorrida, o prazo era, e é, uma questão essencial para os Autores, para os Réus, bem como o é para qualquer declaratório normal, na conclusão de qualquer negócio desta natureza.
XXXVII. Tanto é que, ainda antes dos Réus apresentarem as condições do negócio, os Autores definiram que a escritura tinha de ser celebrada no prazo máximo de sessenta dias.
XXXVIII. Esta questão não foi devidamente apreciada pelo Tribunal Recorrido, tendo a Meritíssima Juiz a quo defendido que os Autores apenas pediram que fosse realizada a escritura no prazo de sessenta dias.
XXXIX. Tal não corresponde à verdade, a comunicação feita pelos Autores não consubstanciou um pedido, mas sim uma exigência.
XL. Os Autores definiram logo quando e onde é que a escritura se ia realizar, sem que isso fosse acordado com os Réus.
XLI. Os Autores não sabiam quando é que os Réus iam querer realizar a concretização do negócio, ainda assim, defendem que aceitaram as condições do negócio.
XLII. Importa questionar se os Réus apenas quisessem vender os prédios dali a dez anos? Os Autores iam aceitar aquela condição negocial?
XLIII. Não se sabe, essa questão, que é um elemento essencial acordar entre as partes, não foi sequer conversada.
XLIV. É por demais evidente que nenhum contrato se concluiu entre os Autores e os Réus.
XLV. Sobre esta questão, segue-se o entendimento do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo n.º 086616, de 08/06/1995 e do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, Processo n.º 9251005, DE 13/07/1993.
XLVI. Desta forma, não têm os Réus o dever de concretizar a venda dos seus prédios aos Autores.
XLVII. Para além disso,
XLVIII. Ainda que se considerasse que houve proposta contratual por parte dos Réus, o que não se aceita e apenas se equaciona por mero dever de patrocínio, os Autores na sua resposta de aceitação, introduziram modificações ao comunicado pelos Réus, no caso um aditamento, relativo ao prazo e local da conclusão do negócio.
XLIX. Assim sendo, a comunicação, nos termos feitos pelos Réus, sempre se teria de considerar como rejeitada.
L. Assim o prevê o artigo 233.º do Código Civil, segundo o qual, "A aceitação com aditamentos, limitações ou outras modificações importa rejeição da proposta; mas, se a modificação for suficientemente precisa, equivale a nova proposta, contanto que outro sentido não resulte da declaração."
LI. E defendem Heinrich Horster, in "A Parte Geral do Código Civil Português" – 2.ª Edição, Edições Almedina, outubro de 2021, páginas 511 e 512, e Ana Prata, in "Código Civil Anotado" – Volume I, 2.ª Edição, Edições Almedina, abril 2019, página 320, no comentário do artigo 233.º, cujos entendimentos se acompanham.
LII. No caso em apreço, não houve um encontro de vontades das partes, e como tal, não ficou firmada uma proposta contratual, e nessa medida, não há obrigação dos Réus em venderem o prédio.
LIII. Em razão de tudo quanto foi dito, entendem os Recorrentes que a sentença recorrida violou os artigos 416.º, n.º 1 e 232.º e 233.º do Código Civil, devendo os mesmos ter sido interpretados e aplicados no sentido de o primeiro, se considerar que a comunicação enviada pelos Réus aos Autores não consubstanciava uma proposta contratual, uma vez que não foram apresentados o projeto de venda, nem as cláusulas do respetivo contrato. O segundo, se considerar que não houve uma conclusão de qualquer contrato entre as partes, por estas não terem acordado em todas as cláusulas sobre as quais qualquer delas tenha julgado necessário o acordo. E o terceiro, no sentido de se considerar que a comunicação dos Réus foi rejeitada, atendendo às modificações feitas pelos Autores. E em consequência de tudo isso, que os Réus não se encontram obrigados a concretizar o negócio de venda dos seus prédios aos Autores.
LIV. Pelo exposto, entendem os Recorrentes que a douta sentença recorrida viola o disposto nos artigos 416.º, n.º 1, 232.º e 233.º do Código Civil.
LV. Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado procedente, e em consequência, serem os Réus/Recorrentes absolvidos dos pedidos contra si formulados.
Os autores contra-alegaram sustentando que "deve negar-se provimento ao recurso interposto, confirmando-se, integralmente, a douta sentença proferida".
As conclusões das alegações de recurso, conforme o disposto nos artigos 635.º n.º 3 e 639.º n.os 1 e 3 do Código de Processo Civil[1], delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e, considerando a natureza jurídica da matéria versada, as questões a decidir consistem em saber se:
a) "a comunicação feita [pelos réus a 11-1-2024] não consubstancia uma proposta contratual, e como tal, nunca os Réus poderiam ser obrigados a concretizar a escritura de compra e venda"[2];
b) "mesmo que se considerasse que em causa está uma proposta contratual, (…) o contrato entre as partes nunca ficou concluído" e não havendo "um encontro de vontades das partes (…) não há obrigação dos Réus em venderem o prédio"[3].

II
1.º
Estão provados os seguintes factos:
5.1.1. Os Autores são donos dos seguintes bens imóveis:
a) prédio rústico denominado ..., sito no Lugar ..., freguesia ..., ..., com a área de 2200 m2, descrito na CRP sob o n.º ...71 e inscrito na matriz respetiva com o art. ...69.º.
b) prédio rústico denominado ..., sito no Lugar ..., freguesia ..., ..., com a área de 5938 m2, descrito na CRP sob o n.º ...70 e inscrito na matriz respetiva com o art. ...70.º.
c) prédio rústico denominado ..., sito no Lugar ..., freguesia ..., ..., com a área de 550 m2, descrito na CRP sob o n.º ...10 e inscrito na matriz respetiva com o art. ...68.º.
5.1.2. Os Réus são donos dos seguintes prédios:
a) Prédio rústico denominado ..., sito no Lugar ..., freguesia ..., ..., com a área de 986 m2, descrito na CRP sob o n.º 156 e inscrito na respetiva matriz predial sob o art. ...65.º.
b) Prédio rústico denominado ..., sito no Lugar ..., freguesia ..., ..., com a área de 330 m2, descrito na CRP sob o n.º ...46 e inscrito na respetiva matriz predial sob o art. ...66.º.
c) Prédio rústico denominado ..., sito no Lugar ..., freguesia ..., ..., com a área de 330 m2, descrito na CRP sob o n.º 117 e inscrito na respetiva matriz predial sob o art. ...67.º.
5.1.3. O prédio referido no ponto 5.1.1., alínea a) confronta diretamente, a poente, com os prédios referidos em 5.1.2., alíneas b) e c).
5.1.4. No passado dia 11.01.2024, os Réus remeteram aos Autores uma missiva registada com aviso de receção, com o seguinte teor:
"Carta de confinantes registada c/AR
Assunto: exercício do direito de preferência
Ex.mos senhores,
Vimos pela presente comunicar a V. Exas., a nossa intenção de proceder à venda dos prédios rústicos sitos no Lugar ..., freguesia ..., concelho ..., dos quais são Vs. Exas. confinantes, a saber:
d) Prédio rustico denominado de ..., inscrito na matriz predial sob o artigo ...65.º, cujo preço de venda ascende a 5.000,00 (cinco mil euros).
e) Prédio rustico denominado de ..., inscrito na matriz predial sob o artigo ...67.º, cujo preço de venda ascende também a 5.000,00 (cinco mil euros) e
f) Prédio rustico denominado de ..., inscrito na matriz predial sob o artigo ...66.º, cujo preço de venda ascende também a 5.000,00 (cinco mil euros).
Assim, e uma vez que têm direito de preferência na venda dos referidos prédios rústicos deverá comunicar se pretende exercer tal direito no prazo máximo de 8 dias sendo que, o referido direito de preferência apenas será tido em consideração na compra de todos os artigos aqui identificados já que não existe interesse na venda isolada de um dos artigos, uma vez que se pretende a venda em bloco de todos os três artigos.
Caso não pretenda exercer o direito de preferência, procederei à referida venda a quem possa mostrar interesse na aquisição dos três prédios pelo preço e condições suprarreferidos".
5.1.5. No dia 16.01.2024 os Autores responderam a tal missiva, remetendo para os Réus uma carta datada de 15.01.2024 com o seguinte teor:
"Exmos. Senhores,
Venho por este meio acusar a receção da vossa carta enviada no dia 12/01/2024, na qual me davam conhecimento da vossa intenção de alienação dos prédios rústicos inscritos na matriz sob os artigos ...65..., ...66... e ...67.º da freguesia ..., concelho ..., dos quais sou confinante.
Assim, venho manifestar a minha intenção de exercer o meu direito legal de preferência consagrado no artigo 1380.º do Código Civil, pela proposta comunicada por V.exas., estando disposto a adquirir os referidos prédios pelo valor global de 15.000,00€ (quinze mil euros).
Assim sendo, deverá ser marcada Escritura Pública de Compra e Venda por V.exas, no prazo máximo de 60 dias a contar da receção da presente comunicação, em dia e hora a combinar, no Cartório Notarial ... a cargo do Notário EE sito na Rua ..., ... ..., mediante comunicação prévia de 8 dias, por carta registada com aviso de receção.
Por essa razão, agradecia que me propusessem uma data e local para uma reunião, destinada à discussão de todos os pormenores do negócio (designadamente, os respeitantes à celebração do contrato-promessa de compra e venda, à entrega do sinal e celebração do contrato de compra e venda (…)."
5.1.6. Os Réus remeteram nova missiva aos Autores com data de 19.01.2024, que apenas enviaram no dia 01.02.2024, com o seguinte teor:
"Assunto: desistência de venda
Ex.mos Senhores,
Vimos pela presente comunicar a Vs. Exas., que após reunião com os nossos filhos resolvemos desistir da venda dos prédios a seguir discriminados
g) Prédio rustico denominado de ..., inscrito na matriz predial sob o artigo ...65.º, cujo preço de venda ascende a 5.000,00 (cinco mil euros).
h) Prédio rustico denominado de ..., inscrito na matriz predial sob o artigo ...67.º, cujo preço de venda ascende também a 5.000,00 (cinco mil euros) e
i) Prédio rustico denominado de ..., inscrito na matriz predial sob o artigo ...66.º, cujo preço de venda ascende também a 5.000,00 (cinco mil euros),
e para os quais V. Exas tinham manifestado interesse no exercício do direito de preferência que vos assiste.
Assim, damos sem efeito, a nossa intenção de proceder à referida venda devendo V. Exas dar sem efeito a nossa anterior comunicação."
5.1.7. Esta missiva foi recebida pelos Autores em 02.02.2024.
2.º
Afigura-se oportuno começar por clarificar se no caso dos autos nos movemos no âmbito do n.º 1 do artigo 416.º do Código Civil, isto é, se estamos perante um verdadeiro exercício do direito de preferência.
O tribunal a quo e as partes reconhecem que na situação em apreço, caso os réus queiram vender os imóveis em causa, aos autores assiste o direito de preferência.
O exercício do direito de preferência, antes da venda do bem estar consumada, pressupõe que o preferente "se disponha a celebrar o contrato em igualdade de condições com terceiro"[4], o que significa que "a preferência supõe que o obrigado a ela ajustou com terceiro fazer-lhe a venda em determinadas condições e se propõe vender ao titular nas mesmas condições (tanto por tanto)."[5] Só assim se compreende que o n.º 1 do artigo 416.º do Código Civil imponha ao obrigado à preferência que comunique ao preferente "o projeto de venda e as cláusulas do respetivo contrato".
Porém, "o obrigado à preferência poderá, na prática, seguir caminho mais curto, dirigindo-se logo ao beneficiário e manifestando-lhe a intenção de lhe fazer a venda nas condições tais e tais, independentemente de prévio ajuste com terceira pessoa. Mas nesse caso, em bom rigor, sai-se do âmbito do instituto da preferência e o que se faz é um convite para contratar ou, quando muito, uma proposta de venda ou uma proposta de promessa de venda (consoante a comunicação revista a forma exigida para a venda ou apenas a exigida para a promessa)."[6]
No nosso processo não se provou, nem tão pouco isso foi alegado, que os réus, quando enviaram aos autores a missiva de 11-1-2024, já tinham um contrato de compra e venda com todo o seu clausulado acordado com uma terceira pessoa, o qual se concretizaria nesses termos se estes não exercessem o direito de preferência. Aliás, a afirmação que consta na parte final dessa carta - "caso não pretenda exercer o direito de preferência, procederei à referida venda a quem possa mostrar interesse na aquisição dos três prédios pelo preço e condições suprarreferidos" - aponta, justamente, no sentido de que os réus ainda não tinham negociado com ninguém; que estavam a fazer um primeiro contacto.
Então, neste cenário em que ainda não existe um "projeto de venda", os réus não estão a agir no campo de ação do n.º 1 do artigo 416.º do Código Civil, pelo que (ainda) não têm de respeitar o aí exigido.
Não obstante os réus terem seguido o "caminho mais curto", ao começarem por contactar quem tem o direito de preferência, mesmo assim há que averiguar se, como entendeu a Meritíssima Juiz na decisão recorrida, a comunicação dirigida por aqueles aos autores, a 11-1-2024, constitui uma proposta negocial.
Os réus defendem que não é assim. Dizem que se trata de uma "prospeção de mercado, tanto é que apenas mencionaram o preço dos prédios". Sublinham que "naquela comunicação faltavam os elementos essenciais de uma verdadeira proposta negocial, nomeadamente, (…) não estavam indicadas as condições de pagamento, e sobretudo, não estava fixado o prazo, nem local para a celebração da venda"; quando muito "poderia consubstanciar um convite a contratar".
Os autores "discordam dos recorrentes", pois entendem que aquela carta se traduz numa "verdadeira proposta contratual", dado que, "regra geral, o objeto da venda e o respetivo preço (…) [são] elementos essenciais mas todos os demais podem ser complementares ou acessórios".
Vejamos.
Por proposta contratual «entende-se a declaração feita por uma das partes, que uma vez aceite pela outra, dá lugar à formação do contrato. A declaração para revestir a natureza de proposta contratual deve reunir três requisitos: deve ser completa; deve revelar a intenção inequívoca de celebração do contrato; deve revestir a forma requerida para o contrato" (Menezes Cordeiro, "Direito das Obrigações", vol. I, p. 440).
No mesmo sentido escreve Pessoa Jorge, "Direito das Obrigações", p. 182: "Para que haja uma proposta de contrato é necessário que a respetiva declaração reúna os seguintes requisitos: 1.º - exprima uma vontade séria e definitiva de contratar; 2.º - contenha, pelo menos, os elementos essenciais específicos do contrato em causa; 3.º - possua a forma do mesmo contrato. A proposta deve, portanto, ser tal que com a aceitação se fecha o contrato. Se faltar à proposta algum desses requisitos, ela não pode ser considerada como tal, mas simplesmente como convite para contratar, ou seja, como ato tendente a provocar uma proposta" (sublinhados nossos).
Ensina Antunes Varela, "Direito das Obrigações", vol. I, 9.ª ed., p. 227, nota 3: "Para que haja, em bom rigor, uma proposta contratual, é preciso que a declaração da parte cubra de tal modo os pontos essenciais da negociação, que a resposta afirmativa da outra parte baste para encerrar o acordo vinculativo por elas visado. Se na declaração inicial o autor deixa em branco um desses pontos (v.g., o preço da coisa que pretende vender) é porque pretende apenas, por via de regra, convidar o destinatário a fazer uma proposta contratual. Como simples provocação de proposta contratuais devem ainda ser considerados o concurso para adjudicação de empreitada de obras pública, ..." (…).
Indispensável, pois, que a proposta, para que o seja, contenha já os elementos essenciais e típicos do contrato que se pretende a celebrar (Manuel Januário Gomes, "Constituição da Relação do Arrendamento Urbano", p. 235) - ou seja, a proposta, no sentido técnico-jurídico, deve possuir os elementos e requisitos de validade necessários para poder integrar-se no contrato, tal como foi formulada, sem necessidade de ulteriores modificações ou aperfeiçoamentos, tendo de logo definir todos os elementos específicos deste, de sorte que para a formação do acordo baste a mera adesão do destinatário" (Galvão Telles, "Obrigações", 3ª ed., p. 54).»[7]
Temos, portanto, de ter como pacífico que «constitui elemento imprescindível de cada proposta contratual a sua suscetibilidade de ser aceite. Por isso, a proposta tem de ser concreta e determinada. A proposta contratual deve ser formulada em termos tais que permitam ao destinatário responder com um simples "sim". Para o efeito, a proposta necessita de ser clara e completa, embora certos pormenores laterais e não essenciais (…) possam ser deixados à consideração da outra parte.»[8]
Em resumo, "uma declaração pode ser qualificada como proposta contratual se reunir as seguintes características: se for completa e precisa, firme e formalmente adequada."[9]
Voltando ao nosso caso, vemos que na carta de 11-1-2024 constam três elementos relevantes: a manifestação da "intenção [dos réus] de proceder à venda dos prédios", a identificação desses imóveis e o respetivo preço.
Mas também vemos que na sua resposta, os autores sentiram a necessidade de, após declararem estar "disposto a adquirir os referidos prédios pelo valor global de 15.000,00 €", acrescentarem que "deverá ser marcada Escritura Pública de Compra e Venda por V.exas, no prazo máximo de 60 dias a contar da receção da presente comunicação, em dia e hora a combinar, no Cartório Notarial ... (…), mediante comunicação prévia de 8 dias, por carta registada com aviso de receção" e de pedirem que lhes seja apresentada a proposta de "uma data e local para uma reunião, destinada à discussão de todos os pormenores do negócio (designadamente, os respeitantes à celebração do contrato-promessa de compra e venda, à entrega do sinal e celebração do contrato de compra e venda)".
Por conseguinte, são os próprios autores quem, de imediato, na sua resposta de 16-1-2024, considera que estava em falta a data da celebração da compra e venda e que ainda era preciso haver uma "discussão de todos os pormenores do negócio". Dito por outras palavras, para os réus a carta dos autores de 11-1-2024 não continha todos os elementos essenciais do contrato que lhes permitisse uma simples resposta de "sim"; que para a concretização do "acordo baste a mera adesão do destinatário". No seu ponto de vista não era possível celebrar a compra e venda sem "ulteriores modificações ou aperfeiçoamentos" ao que figurava na carta dos réus.
E assim é. Na carta de 11-1-2024 não encontramos nem o momento da venda - uma data concreta ou uma data limite - nem o modo de pagamento, nomeadamente se a pronto, nem se o comprador teria de prestar algum sinal.
Aqui chegados, conclui-se que, dado o seu conteúdo incompleto, a missiva de 11-1-2024 não pode ser qualificada como uma proposta contratual.
Estamos, sim, na presença de um convite a contratar, pois este "sinaliza apenas o interesse ou a disponibilidade para entrar em negociações com vista à posterior conclusão de um contrato, ou seja, o convite a contratar constituiu um incentivo para que alguém dirija uma proposta contratual a quem convida, cabendo depois a este o papel de aceitar a proposta ou não."[10]
Não constituindo a carta dos réus de 11-1-2024 uma proposta negocial, como é óbvio, independentemente do mais, a resposta dos autores de 16-1-2024 nunca pode ser entendida como uma aceitação; o mesmo é dizer que com esta resposta não se concluiu um contrato entre as partes.
Logo, os réus não ficaram vinculados à celebração da compra e venda dos três imóveis, o que, por si só, implica que a decisão recorrida tem de ser revogada.
E chegaríamos à mesma conclusão caso a missiva de 11-1-2024 consistisse na comunicação prevista no n.º 1 do artigo 416.º do Código Civil, pois esta, pelos motivos expostos, também não poderia ser vista como uma proposta negocial. Tal "comunicação tem de conter todos os elementos essenciais do contrato a celebrar, de modo a permitir ao preferente o conhecimento cabal dos respetivos termos, a fim de poder tomar uma decisão esclarecida"[11]. E os autores logo reconheceram que na carta dos réus faltava a data da celebração da compra e venda e que, face ao seu teor, se impunha uma "discussão de todos os pormenores do negócio".
3.º
Mas, se porventura a carta dos réus de 11-1-2024 contivesse uma proposta negocial, para podermos afirmar que com a resposta dos autores de 16-1-2024 se tinha firmado um contrato, era ainda preciso concluir que estes a tinham aceitado.
Na visão dos réus, "mesmo que se considerasse que em causa está uma proposta contratual, (…) o contrato entre as partes nunca ficou concluído", visto que "os Autores na sua resposta de aceitação, introduziram modificações ao comunicado pelos Réus, no caso um aditamento, relativo ao prazo e local da conclusão do negócio. Assim sendo, a comunicação, nos termos feitos pelos Réus, sempre se teria de considerar como rejeitada." E não havendo "um encontro de vontades das partes (…) não há obrigação dos Réus em venderem o prédio".
Respondem os autores advogando «que não se compreende que assim seja porquanto a indicação desse prazo não teve como efeito provocar qualquer modificação ou limitação à proposta constante da comunicação remetida pelos recorrentes: os recorridos limitaram-se a avançar com uma data para formalização do negócio mas note-se que deixaram na inteira liberdade dos recorrentes procederem eles mesmos à marcação porquanto se extrai da sua resposta o seguinte: "deverá ser marcada Escritura Pública de Compra e Venda por V.exas". Existiriam aditamentos/limitações/modificações se os recorridos, por exemplo, tivessem questionado o preço, tivessem oferecido outro preço, tivessem discutido a possibilidade de adquirirem apenas algum/alguns do/s prédio/s, tivessem discutido formas para pagamento faseado do preço, tivessem indicado condições quanto à composição dos prédios, etc… Mas não o fizeram: limitaram-se a concordar com todas as condições avançadas pelos recorrentes.»
Por sua vez, o tribunal a quo entendeu que "estamos perante uma proposta aceite".
Como é sabido, "para haver um contrato e como decorre do disposto no artigo 232.º do Código Civil é necessário, em primeiro lugar, um requisito relativo ao conteúdo – que haja um acordo entre as partes."[12]
À carta dos réus de 11-1-2024 os autores deram a resposta de 16-1-2024.
Na hipótese que estamos agora a analisar, a questão que então se colocava era a de saber se dessa forma os autores aceitaram ou rejeitaram a proposta dos réus.
Conforme dispõe o artigo 233.º do Código Civil, "a aceitação com aditamentos, limitações ou outras modificações importa a rejeição da proposta; mas, se a modificação for suficientemente precisa, equivale a nova proposta, contanto que outro sentido não resulte da declaração."
Por conseguinte, "a aceitação deve exprimir uma concordância pura e simples, um claro sim à interrogação contida na proposta"[13]; é necessário que "contenha um sim incondicional"[14]. Na verdade, «a declaração é pura, para valer como aceitação, quando se limite a manifestara anuência com o conteúdo integral da proposta sem "aditamentos, limitações ou outras modificações" (artigo 233.º). Caso contrário, o contrato não se conclui, por relativamente pequena que seja a modificação que o destinatário da proposta pretenda inserir»[15], isto é, se houver "a introdução de aditamentos, limitações ou outras modificações não consentidas pela proposta, tal declaração é qualificada como uma rejeição"[16]. E se "o declaratário, em vez de aceitar pura e simplesmente a proposta, lhe introduz alterações, os papeis invertem-se; o originário proponente torna-se destinatário e vice-versa."[17]
De regresso à situação sub iudice, vemos que na resposta de 16-1-2024 os autores, depois de manifestarem a sua "intenção de (…) adquirir os referidos prédios pelo valor global de 15.000,00 €", acrescentaram, como já se deu nota, que "deverá ser marcada Escritura Pública de Compra e Venda por V.exas, no prazo máximo de 60 dias a contar da receção da presente comunicação, em dia e hora a combinar, no Cartório Notarial ... (…), mediante comunicação prévia de 8 dias, por carta registada com aviso de receção." E pediram que lhes fosse apresentada a proposta de "uma data e local para uma reunião, destinada à discussão de todos os pormenores do negócio (designadamente, os respeitantes à celebração do contrato-promessa de compra e venda, à entrega do sinal e celebração do contrato de compra e venda)".
Sendo assim, é evidente que não há aqui "uma concordância pura e simples, um claro sim à interrogação contida na proposta". Os autores, não só introduziram um aditamento relativo à data e local da celebração da compra e venda, como também entenderam que ainda teria de ter lugar uma "discussão de todos os pormenores do negócio". E como acima se disse, "o contrato não se conclui, por relativamente pequena que seja a modificação que o destinatário da proposta pretenda inserir."
Portanto, à luz do citado artigo 233.º, os autores rejeitaram a proposta dos réus. E note-se que o proposto na resposta dos autores de 16-1-2024 não veio a ser aceite pelos réus na sua carta enviada a 1-2-2024.
Deste modo, mesmo que os réus tivessem apresentado aos autores uma proposta negocial, o certo é que nesse caso não se concluiu um acordo entre as partes; não se chegou a celebrar qualquer contrato, pois, como nos diz o artigo 232.º do Código Civil, "o contrato não fica concluído enquanto as partes não houverem acordado em todas as cláusulas sobre as quais qualquer delas tenha julgado necessário o acordo".
Quer isso dizer que, mesmo que a carta dos réus de 11-1-2024 contivesse uma proposta negocial - e não contém -, sempre a decisão do tribunal a quo teria de ser revogada
.
III
Com fundamento no atrás exposto julga-se procedente o recurso, pelo que se revoga a decisão recorrida e se absolve os réus dos pedidos formulados na petição inicial sob iii) e iv).

Custas pelos autores.
Notifique.

António Beça Pereira
Ana Cristina Duarte     
Paulo Reis


[1] São deste código todos os artigos mencionados adiante sem qualquer outra referência.
[2] Cfr. conclusão XII.
[3] Cfr. conclusões XXVI e LII.
[4] Ana Prata, Dicionário jurídico, Vol. I, 5.ª Edição, pág. 509.
[5] Inocêncio Galvão Telles, Direito das Obrigações, 7.ª Edição, pág. 162.
[6] Inocêncio Galvão Telles, Direito das Obrigações, 7.ª Edição, pág. 162.
[7] Ac. STJ de 4-10-2001 no Proc. 02A714, www.gde.mj.pt.
[8] Heinrich Horster, A Parte Geral do Código Civil Português, 5.ª Reimpressão da edição de 1992, pág. 457 e 458.
[9] Ac. STJ de 27-10-2011 no Proc. 2279/07.8TBOVR.C1.S1, www.gde.mj.pt.
[10] Heinrich Horster, A Parte Geral do Código Civil Português, 5.ª Reimpressão da edição de 1992, pág. 456. Neste sentido Carlos Lacerda Barata, Da Obrigação de Preferência, 2002, pág. 106, citado no Ac. STJ de 27-11-2018 no Proc. 14589/17.1T8PRT.P1.S1, www.gde.mj.pt.
[11] Ana Prata et al., Código Civil Anotado, Vol. I, 2017, pág. 526.
[12] Ac. STJ de 27-10-2011 no Proc. 2279/07.8TBOVR.C1.S1, www.gde.mj.pt.
[13] Ac. Rel. Porto de 9-4-2013 no Proc. 315186/11.1YIPRT.P1, www.gde.mj.pt.
[14] Ana Prata et al., Código Civil Anotado, Vol. I, 2017, pág. 287.
[15] José Alberto González, Código Civil Anotado, Vol. I, 2011, pág. 287 e 288.
[16] Fernando Ferreira Pinto e Fernando Sá, Comentário ao Código Civil Parte Geral, Universidade Católica, 2014, pág. 528. Neste sentido veja-se Heinrich Horster, A Parte Geral do Código Civil Português, 5.ª Reimpressão da edição de 1992, pág. 464 e 465.
[17] Antunes Varela e Pires de Lima, Código Civil Anotado, Vol. I, 4.ª Edição, pág. 220.