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CONSUMIDOR
CONDOMÍNIO
DEFEITOS DE IMÓVEL
DENÚNCIA
CADUCIDADE
PRAZO DE GARANTIA
Sumário
I - A nulidade prevista na al. d) do nº 1 do art. 615º do CPC, quando reportada à matéria de facto e respetiva fundamentação/motivação, só ocorre se se verificar total omissão de pronúncia sobre matéria de facto alegada pelas partes e que seja relevante para decisão das pretensões ou exceções por elas invocadas, ou total omissão da motivação dos factos dados como provados e/ou não provados; quando, diversamente, esteja em causa apenas a insuficiência da decisão de facto, seja esta atinente aos factos provados e/ou não provados ou à respetiva fundamentação/motivação, já não estaremos perante aquele vício, mas sim face ao que prevê a al. d) do nº 2 do art. 662º do CPC [erro de julgamento]. II - Para efeitos de aplicação da Lei nº 24/96, de 31.07 [Lei de Defesa do Consumidor] e do DL 67/2003, de 08.04 [relativo à Venda de Bens de Consumo e das Garantias a ela Relativas], o adquirente de uma fração autónoma [de prédio constituído em propriedade horizontal] destinada a habitação é considerado consumidor, face ao conceito constante dos arts. 2º da primeira Lei e 1º-B al. a) do segundo diploma. III - Face à definição constante destes dois artigos, também o condomínio deve ser considerado como consumidor quando, pelo menos, uma das as frações do condomínio seja destinada a um uso privado, não profissional [por ex., destinada a habitação]. IV - O prazo de garantia previsto no nº 1 do art. 5º do DL 67/2003 - de cinco anos, quando está em questão a falta de conformidade em coisas imóveis -, conta-se desde a entrega do imóvel/fração ao terceiro adquirente consumidor [autor da ação apensa] e, quanto ao condomínio [autor da ação principal], desde a data da constituição da administração deste. V - Estando em causa defeitos [falta de conformidade, nos dizeres do preceito] em bens imóveis, a denúncia dos mesmos [pelo condomínio, quanto às partes comuns e pelo terceiro adquirente consumidor, quanto à sua fração] deve ser efetuada, de acordo com o disposto no art. 5º-A do mesmo DL, no prazo de um ano a contar da data em que foram ou podiam ser [por um adquirente de diligência mediana] detetados e a ação com vista à sua eliminação ou reparação deve ser instaurada no prazo de três anos a contar da data da denúncia, sem prejuízo do que dispõe o nº 4 do mesmo preceito. VI - A denúncia é, porém, dispensada se tiver havido, dentro dos prazos legais [de denúncia ou de garantia, conforme os casos], reconhecimento dos defeitos pelo vendedor-construtor [caso da ré], por estarmos no âmbito de direitos disponíveis – art. 331º nº 2 do CCiv.. VII - Cabe ao condomínio [relativamente às partes comuns] e ao terceiro adquirente consumidor [quanto à sua fração], nos termos do nº 1 do art. 342º do CCiv., a prova da existência dos defeitos e que procederam à respetiva denúncia ou então que o vendedor-construtor reconheceu a existência dos mesmos; por sua vez, compete ao vendedor-construtor, de acordo com a parte final do n nº 3 do art. 343º do CCiv, a prova de que a denúncia foi feita depois de expirado o prazo legal ou, tendo havido reconhecimento e para que este seja ineficaz, que ele aconteceu depois de esgotado o prazo da denúncia [ou da garantia, se for o caso].
Texto Integral
Pc. 1657/18.1T8LOU.P1 – 2ª Secção (apelação)
Relator: Des. Pinto dos Santos Adjuntos: Des. Rodrigues Pires
Des. Anabela Miranda
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Acordam nesta secção cível do Tribunal da Relação do Porto:
I. Relatório:
Condomínio do Edifício ..., representada pelo administrador AA, instaurou, em 24.04.2018, a presente ação declarativa de condenação, com processo comum, contra A..., Lda., ambos devidamente identificados, pedindo a condenação desta a eliminar os defeitos elencados nos nºs 17º a 29º da p. i., mediante a execução das necessárias reparações para que o edifício fique isento de vícios de construção.
Alegou, para tal, que a ré construiu o edifício em questão, constituído em propriedade horizontal, e procedeu à venda das respetivas frações autónomas, tendo a última venda ocorrido em outubro de 2013; que os proprietários das frações deram conta de diversos defeitos de construção nas partes comuns do edifício; que a ré, reconhecendo a existência desses defeitos, procedeu a obras de reparação em junho de 2017; que, não obstante, só reparou parte deles, os quais, com o tempo, voltaram a evidenciar-se, tendo a autora denunciado atempadamente este reaparecimento; que à ré os reconheceu e comprometeu-se a repará-los, sem, contudo, ter procedido a qualquer outra reparação; e que os defeitos em questão são os enumerados nos arts. 17º a 29º da p. i..
A ré, citada, contestou a ação por exceção e por impugnação.
No primeiro caso, invocou a exceção dilatória da ilegitimidade ativa, por entender, por um lado, que o autor só poderia instaurar a ação se estivesse munido de prévia deliberação da assembleia de condóminos e, por outro, que a ação teria que ser intentada pelos proprietários condóminos por estarem em causa eventuais defeitos incidentes sobre as frações autónomas e não relativas às partes comuns do edifício. E arguiu, ainda, a exceção perentória da caducidade do direito do autor, alegando não ter havido denúncia atempada dos defeitos alegados.
No segundo caso, impugnou a existência dos defeitos descritos na p. i. e que alguma vez tivesse reconhecido a sua existência.
Pugnou, por isso, pela procedência das exceções dilatórias, com as legais consequências ou, pelo menos, pela improcedência da ação e sua absolvição do pedido.
O autor respondeu às exceções, defendendo a respetiva improcedência.
Realizou-se a audiência prévia, na qual foi proferido despacho saneador, que relegou para a sentença o conhecimento das exceções invocadas, tendo, ainda, sido indicado o objeto do litígio e os temas de prova, sem reclamações.
Entretanto, foi determinada a apensação a esta da ação declarativa com processo comum nº 1658/18.0T8LOU, intentada, também em 24.04.2018, por AA, devidamente sinalizado nos autos, contra a mesma ré, A..., Lda., na qual aquele pediu a condenação desta a eliminar os defeitos descritos nos nºs 15º a 26º desta p. i., tendo, para tal, alegado que é um dos condóminos do edifício atrás indicado, construído e vendido pela ré, e que a sua fração apresenta os defeitos que descreve, pretendendo a sua eliminação.
Nesta ação a ré também contestou por exceção, invocando a exceção perentória da caducidade do direito do autor, e por impugnação, alegando o desconhecimento dos defeitos invocados e que os tinha reconhecido, tendo concluído pela procedência daquela e pela improcedência da ação, com as legais consequências.
O autor desta ação também respondeu à defesa por exceção da ré.
Ordenada e efetuada a apensação, foram reformulados a indicação do objeto do processo e os temas de prova.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, no termo da qual, após produção da prova, foi proferida sentença que:
- declarou o autor Condomínio parte legítima na ação principal; - julgou improcedente a exceção da caducidade dos direitos dos autores nas duas ações, exceto no que concerne à caixilharia em alumínio, colocada sem corte técnico desde o início, pelo que, quanto à pretendida reparação desta, caducou o respetivo direito; - julgou as ações parcialmente procedentes, tendo a ré sido condenada «a eliminar os defeitos descritos supra em 6 (com exceção do referido em 6.i.) e 13 (com exceção do referido em 13.h.)», ficando absolvida do demais peticionado; - e condenou autores e ré nas custas da ação, na proporção, respetivamente, de 2/3 e 1/3.
Inconformada com o sentenciado, interpôs a ré o presente recurso de apelação [admitido com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo], cujas alegações culminou com as seguintes conclusões [transcrevem-se as conclusões, exceto nas partes em que as conclusões 6 e 7 reproduzem, respetivamente, os factos provados e os não provados, já que estes serão descritos no item próprio deste acórdão]: “1- Vem o presente recurso interposto da sentença que condenou a Ré parcialmente no pedido, nomeadamente na eliminação dos defeitos descritos em 6 dos factos provados, com exceção do 6.i, e 13, com exceção do 13.h. 2- Sucede que, salvo o devido respeito, o Tribunal a quo andou mal, desvalorizando depoimentos de testemunhas essenciais para a verificação da caducidade do direito de ação dos Recorridos, designada e principalmente o depoimento das testemunhas BB, CC e DD, em total desrespeito pelas regras processuais e de apreciação da prova, nem sequer justificando a sua não valoração, o que se traduz numa omissão da fundamentação da sentença, o que implica a sua nulidade por força do art.º 615º, nº 1, alínea d) do C.P.C. 3- As referidas testemunhas referiram expressamente que os problemas nas habitações e partes comuns, já existiam desde o início, desde que compraram as suas habitações, o que foi integralmente desvalorizado pelo Tribunal «a quo». 4- Desta forma, a omissão de pronúncia é um vício gerador de nulidade da decisão judicial que ocorre quando o tribunal não se pronuncia sobre questões com relevância para a decisão de mérito. 5- Verifica-se então uma omissão de pronúncia, pelo Tribunal «a quo» sobre factos alegados na Petição Inicial, pois o Mmo. Juiz não resolveu todas as questões que as partes submeteram à sua apreciação, verificando-se uma clara violação do disposto no nº 2 do art.º 608º do C. P.C, o que sempre acarretará a nulidade da sentença, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC. 6- Prosseguindo, na sentença proferida pelo Tribunal a quo considerou provados os seguintes factos: «(…).» 7- Por outro lado, foram dados como não provados os seguintes factos: «(…).» 8- In casu, a verdade dos factos foi deturpada, não tendo sido corretamente apurada por terem sido ‘ignorados’ elementos que permitiriam que o Mmo. Julgador chegasse a uma decisão devidamente motivada. 9- O Tribunal a quo deu como provado, entre outros, os factos 7 e 14, que se transcrevem: «7. Em maio de 2017 o representante da ré esteve presente no edifício, onde lhe foi mostrado o descrito em 6, reconhecendo este a existência de deficiências de construção nas partes comuns do edifício, comprometendo-se a proceder à sua reparação. 14. Em maio de 2017, o autor comunicou à ré a existência do referido em 12, com vista à sua reparação». Dando como não provados, entre outros, os factos F. e K., que se transcrevem: «F. Que, com exceção do referido em 6.i., o descrito em 6 se verifica desde a entrega das habitações. K. Que, com exceção do referido em 13.h., o descrito em 13 se verifica desde a entrega das habitações.» 10- No caso concreto, o que o Tribunal extrai da prova produzida e considera como provados, é fundamentada em depoimentos parciais, não em prova documental e objetiva, pois nunca sequer surgiu qualquer documento ou interpelação com a denúncia dos defeitos, dando relevância a prova parcial, ignorando a demais, produzida pela Recorrente, que foi clara e objetiva, e que sempre conduziria a que os factos não provados F. e K. fossem dados como provados e à inerente caducidade do direito de ação dos AA., ora Recorridos. 11- A testemunha BB, primeira a prestar depoimento, anterior proprietário da habitação A, com o seu depoimento, de 01/06/2023, de minutos 00:12: 38 a 00:21:58 e 00:24:13 aos 00:31:11 minutos, cfr. depoimento que se junta, conseguiu atestar e confirmar que os defeitos constantes dos factos provados factos 6.a a 6.h e 13.a a 13.g existiam já aquando da entrega das habitações, isto é, 29/07/2011, quando adquiriu a sua habitação, 30/03/2011, data de aquisição da fração B e 25/10/2013, data da aquisição da habitação do A. AA. 12- E sendo certo que a denúncia dos defeitos que os Recorridos alegam ter feito, em maio de 2017, que resulta dos factos provados nºs 7. e 14, não tem qualquer suporte documental, sempre seria extemporânea, bem como o direito de ação dos AA, mas o Mmo. Juiz não conferiu qualquer relevância a essa parte do seu depoimento, mas tão só aos minutos iniciais, quando inquirida pelo ilustre mandatário dos AA./Recorridos. 13- Esta testemunha afirma, a partir do minuto 00:24:13, que os defeitos que havia relatado nos minutos anteriores, já existiam desde o inicio, desde a aquisição da habitação e que aquando da outra ação judicial, em que foi testemunha, da casa do Sr. EE, há uns anos, ou seja, pelo menos desde 29/07/2011, 30/03/2011 e 25/10/2013, não ocorrendo, no prazo de um ano, a denúncia dos defeitos exigível para agir judicialmente, tal como decorre do nº 2 do art. 1225º do CC, o que só acabou por suceder em maio de 2017. 14- Também o depoimento da testemunha CC, também antiga proprietária da habitação A, que depôs na sessão de julgamento do dia 01/06/2023, de minutos 00:12:00 a 00:15:00 minutos, afirma que o processo judicial da casa do Sr. EE foi anterior ao destes autos, isto é, anterior a 2018, sendo certo que a testemunha BB afirma que já nessa data da ação judicial do Sr. EE, os defeitos dos presentes autos existiam, confirmando ainda que na parede do alçado lateral, junto à casa do A. AA, tinham fissuras e as pedras tinham verdete, o que se verificou 1 anos ou 2 depois da testemunha comprar a sua habitação, o que ocorreu em 29/07/2011. 15- Pois bem, se tais defeitos surgiram 1 ou 2 anos depois de terem adquirido a habitação, temporalmente terão surgido entre 2012 e 2013, pelo que a denúncia deveria ter sido feita em 2014 e a ação judicial entrar em 2015, que não sucedeu, pois a denuncia apenas foi efetuada a maio de 2017, pelo que extemporânea. 16- Mas também quanto a este depoimento, o Mmo. Juiz não conferiu qualquer relevância a parte do seu depoimento, mas tão somente aos minutos iniciais, quando inquiridas pelo ilustre mandatário dos AA./Recorridos. 17- No mesmo sentido, o depoimento da testemunha DD, que depôs na sessão de julgamento do dia 12/12/2023, 00:10:50 aos 00:18:18 minutos, decorrendo que o mesmo adquiriu a habitação B no ano de 2010, que após os cinco anos da garantia legal de 5 anos, fez várias intervenções na sua habitação, por meios próprios, tendo os defeitos surgido no terceiro inverno após adquirira fração. 18- Ora, o terceiro inverno após 30/03/2011, data de aquisição que consta na certidão predial, ocorreu no ano de 2013, ou seja, já no inverno de 2013 que os defeitos, quer nas habitações, quer nas partes comuns, existiam, pelo que a denúncia efetuada em maio de maio continua a ser extemporânea, logo, caducado o direito de ação dos AA. 19- Perante tais depoimentos, facilmente se depreende que os alegados defeitos que constam dos factos provados 6 e 13, já existiam aquando da aquisição das habitações - 29/07/2011, 30/03/2011 e 25/10/2013 – ou até mesmo poucos anos depois, e a considerar-se a denúncia dos defeitos à Recorrente em maio de 2017, sempre seria extemporânea, pois os defeitos apontados já existiam há muito mais de um ano aquando da eventual denúncia em maio de 2017, tendo caducado o seu direito à reparação. 20- Mais afirmaram os Recorridos, nos seus articulados, que “Todos os proprietários das respetivas habitações sempre constataram a existência de vários defeitos de construção nas suas habitações, constatando, de igual modo, a existência de inúmeros defeitos nas partes comuns dos prédios.” 21- De onde decorre que esses defeitos, quer na habitação do Recorrido AA, quer nas partes comuns do edifício, sempre existiram, tomando conhecimento dos mesmos quando adquiriram as habitações, in casu, quando o Recorrido adquiriu a sua habitação em 25/10/2013, e apenas em maio de 2017 os Recorridos adotaram ou agiram de acordo com o exigido legalmente, para assim acionarem judicialmente a Recorrente. 22- Se a ultima habitação a ser adquirida foi em 25/10/2013, pelo que as restantes o foram antes – 29/07/2011 e 30/03/2011 - já em datas anteriores a 25/10/2013, sendo que os proprietários das habitações e Recorrido Condomínio e AA, tinham conhecimento dos alegados defeitos, só tendo em maio de 2017 os defeitos sido denunciados pelos Recorridos, a denúncia mostra-se extemporânea, pois não foi efetuada dentro do prazo de um ano que prevê o n,º 2 do artigo 1225º do Código Civil, assim caducando o direito de ação dos Recorridos, que só em abril de 2018 interpuseram a ação judicial dos presentes autos. 23- Acresce que para fazer prova da alegada denúncia dos defeitos, os Recorridos não juntaram nenhuma comunicação escrita enviada à Ré para esse efeito, através da qual tenham comunicado, de forma clara e precisa, os alegados defeitos por si descobertos nas habitações. 24- Razão pela qual se impõe que os factos F. e K. sejam dados como provados, devendo passar a constar da matéria provada da seguinte forma: «F. Que, com exceção do referido em 6.i., o descrito em 6 se verifica desde a entrega das habitações. K. Que, com exceção do referido em 13.h., o descrito em 13 se verifica desde a entrega das habitações.» 25- Concluindo, ocorrendo um incumprimento do prazo de denúncia dos defeitos, conforme supra alegado, pois os defeitos constantes do facto 6.a a 6.h e 13.a a 13.g, já existiam e eram aparentes após a entrega da fração aos Recorridos, quer em 25/10/2013, quer aquando da aquisição das restantes habitações, para as partes comuns, decorre que os defeitos existiam e eram do conhecimento dos Recorridos muito antes de Maio de 2017, data em que alegadamente fizeram a denúncia dos defeitos à Recorrente, pelo que há muito ultrapassado o prazo de um ano a contar do conhecimento dos defeitos, pelo que se conclui que a denúncia não foi efetuada dentro do prazo de um ano que prevê o n,º 2 do artigo 1225º do Código Civil, assim caducando o direito de ação dos Recorridos, devendo a Recorrente ser absolvida do pedido. 26- Deve, pois, em face da prova produzida, nos termos expostos nesta motivação, o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com as legais consequências. Termos em que, revogando a, aliás, Douta Sentença proferida e proferindo outra que consagre a tese da Recorrente farão V/ Exc.as a Costumada Justiça, Como Sempre!”
Não foram apresentadas contra-alegações.
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II. Questões a apreciar e decidir:
Em atenção às conclusões das alegações das partes, que, de acordo com o estabelecido nos arts. 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2 do CPC, fixam o thema decidendum deste recurso, as questões a apreciar e decidir consistem em saber: 1. Se a sentença recorrida padece da nulidade prevista no art. 615º nº 1 al. d) do CPC; 2. Se houve erro no julgamento da matéria de facto relativamente aos factos que a recorrente põe em causa e se há que alterá-la nos termos que pretende; 3. Se procede a exceção da caducidade do direito dos autores e as pretensões destes têm que improceder, com a consequente revogação da sentença.
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III. Factos provados e não provados:
i) A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos: (Das partes do edifício a que alude o autor condomínio) 1. A ré dedica-se com intuito de lucro à atividade de construção civil e venda dos imóveis por si construídos. 2. Foi a ré que construiu e vendeu todas as frações do Edifício .... 3. O Edifício ... é constituído por 4 frações autónomas, destinadas à habitação, em propriedade horizontal, sito na Travessa ..., na freguesia ..., do concelho ..., descritas na Conservatória do Registo Predial de Lousada sob o n.º ...64 – ... e inscritas na matriz predial respetiva no artigo ...19. 4. As frações autónomas do edifício em apreço foram entregues aos respetivos proprietários, tendo a última fração, designadamente a fração D, sido vendida a 25 de outubro de 2013 [ao abrigo do permitido pelos arts. 607º nº 4, 2ª parte, e 663º nº 2 do CPC, adita-se que as vendas das demais frações (à exceção da C, que se verificou em data posterior) ocorreram em março e julho de 2011, como resulta da certidão do registo predial que foi junta com a p. i.]. 5. No dia 20 de abril de 2018, em assembleia os condóminos do condomínio autor deliberaram autorizar a administração a intentar ação judicial de condenação do empreiteiro (a ré) a “reparar os defeitos existentes no prédio”. 6. Realizada vistoria ao edifício em apreço, verifica-se que: a. As paredes exteriores do edifício apresentam fissuras, deterioração da pintura e manchas em toda a sua extensão; b. Tais fissuras permitem a entrada de água e humidade para o interior das frações; c. As paredes dos muros exteriores frontais e traseiros do edifício apresentam fissuras, verificando-se deterioração da sua pintura e manchas em toda a sua extensão; d. As pedras de revestimento existentes na parede revestida a granito do alçado lateral direito apresentam manchas e bolor em toda a sua extensão; e. As pedras de revestimento das escadas da entrada n.º ...7 encontram-se descoladas da parede; f. As paredes do hall de acesso às residências, por cima da caixa do correio, apresentam fissuras, deterioração da pintura e manchas em toda a sua extensão; g. O piso da garagem do edifício apresenta quatro fissuras e cavidades em toda a sua extensão. h. A placa do telhado apresenta chapas metálicas ocas, parafusos levantados e pontos de ferrugem em vários locais; i. A caixilharia das janelas de alumínio não tem corte térmico. 7. Em maio de 2017 o representante da ré esteve presente no edifício, onde lhe foi mostrado o descrito em 6, reconhecendo este a existência de deficiências de construção nas partes comuns do edifício, comprometendo-se a proceder à sua reparação. 8. Realizando depois trabalhos em junho de 2017, que não corrigiram o que se descreve em 6, em agosto de 2017. (Da fração do autor AA) 9. Encontra-se registada na Conservatória do Registo Predial de Lousada, sob a AP. ...67 de 2013/10/25, a aquisição como proprietário a favor do autor AA da fração autónoma designada pela letra “D”, destinada à habitação, em regime de propriedade horizontal, sita na Travessa ..., na freguesia ..., do concelho ..., descrita na Conservatória do Registo Predial de Lousada sob o n.º ...64... – ... e inscrita na matriz predial respetiva no artigo ...19. 10. O autor adquiriu tal fração à ré, por escritura pública de compra e venda lavrada na Conservatória do Registo Predial de Lousada no dia 25 de outubro de 2013. 11. Foi a ré que construiu a fração. 12. A fração em apreço foi entregue ao autor no dia 25 de outubro de 2013, passando o mesmo a habitá-la, conjuntamente com a sua família, desde essa data. 13. Realizada vistoria à fração em apreço, verifica-se que: a. Na parede do alçado lateral direito, na zona da sala, existe uma zona com uma mancha que evidencia resultar de infiltrações de águas pluviais, com origem no exterior; b. As paredes dos muros exteriores frontais e traseiros da fração apresentam fissuras, deterioração da pintura e empolamentos e manchas em toda a sua extensão; c. As pedras de revestimento existentes nas paredes exteriores da fração apresentam manchas e bolor em toda a sua extensão; d. As paredes do hall de acesso à fração, por cima da caixa do correio, apresentam fissuras, deterioração da pintura e manchas em toda a sua extensão; e. As madeiras dos parapeitos da janela da cozinha encontram-se descoladas, denotando-se manchas e falta de envernizamento; f. As guarnições em madeira das portas interiores da fração exibem desalinhamento da esquadria e verniz deteriorado; g. Puxadores das portas interiores da fração não funcionam corretamente; h. A caixilharia das janelas de alumínio não tem corte térmico. 14. Em maio de 2017, o autor comunicou à ré a existência do referido em 13 [corrige-se o manifesto lapso de escrita constante da sentença recorrida que aludia ao «referido em 12»], com vista à sua reparação.
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ii) … E não provados os seguintes factos: (Das partes do edifício a que alude o autor condomínio) A. Que o portão pequeno de acesso às garagens encontra-se inoperacional e com sinais de ferrugem. B. Que a bomba do poço se encontra avariada e inoperacional. C. Que a espessura das paredes não corresponde ao que está projetado e licenciado, apresentando medidas inferiores e utilizando blocos de tijolo de medida inferior. D. Que por falta de isolamento adequado, o edifício permite a propagação de todos os sons entre as habitações vizinhas, mesmo das mais afastadas. E. Que em agosto de 2017, a autora comunicou à ré o descrito em 6, com vista à sua reparação. F. Que, com exceção do referido em 6.i., o descrito em 6 se verifica desde a entrega das habitações. (Da fração do autor AA) G. Que a ré reconheceu a existência das deficiências de construção na fração e se comprometeu a proceder à sua reparação. H. Que para além do referido em 13, as paredes interiores das divisões da fração apresentam fissuras e deterioração da pintura, expondo empolamento e diversas manchas em toda a sua extensão. I. Que a espessura das paredes da fração não corresponde ao que está projetado e licenciado, apresentando medidas inferiores e utilizando blocos de tijolo de medida inferior. J. Que por falta de isolamento adequado das paredes da fração, estas permitem a propagação de todos os sons entre as habitações vizinhas, mesmo das mais afastadas. K. Que, com exceção do referido em 13.h., o descrito em 13 se verifica desde a entrega das habitações.
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IV. Apreciação das questões indicadas em II:
1. Se a sentença recorrida padece da nulidade prevista no art. 615º nº 1 al. d) do CPC
A recorrente, nas conclusões 2 a 5 das alegações, começa por arguir a nulidade da sentença por referência ao que dispõe a al. d) do nº 1 do art. 615º do CPC. Diz, para tal, que o tribunal a quo desvalorizou depoimentos de testemunhas essenciais para apreciação da factualidade relativa à exceção de caducidade que invocou, sem ter sequer justificado a sua não valoração, o que se traduz, segundo ela, em omissão de pronúncia geradora daquele vício.
Dispõe o preceito e alínea indicados que a sentença é nula quando «[o] juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento». Na 1ª parte está-se perante a chamada omissão de pronúncia, ao passo que a 2ª parte se reporta ao excesso de pronúncia.
Esta nulidade constitui o contraponto, resultante da sua não observância, do que estabelece o nº 2 do art. 608º do mesmo corpo de normas, que impõe que «[o] juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras».
Ou seja, na sentença o juiz deve “conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e de todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer”, pois, não o fazendo e não estando o conhecimento de algum deles prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão, incorre na nulidade prevista na referida alínea. No polo oposto, o juiz também não pode “conhecer de causas de pedir não invocadas, nem de exceções na exclusiva disponibilidade das partes (…)”, sendo “nula a sentença em que o faça” [Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, in Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, pg. 670, anotação ao antigo art. 668º do CPC, cuja al. d) do nº 1 era, em tudo, igual à al. d) do nº 1 do atual art. 615º].
«Questões» para este efeito são “todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os pressupostos específicos de qualquer ato (processual) especial, quando realmente debatidos entre as partes” [Antunes Varela, in RLJ, ano 122, pg. 112], o que significa que aquela expressão “deve ser tomada em sentido amplo: envolverá tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das exceções e da causa de pedir (melhor à fundabilidade ou infundabilidade dumas e doutras) e às controvérsias que as partes sobre elas suscitem», embora daí não decorra «que a sentença haja de examinar toda a matéria controvertida, se o exame de uma só parte impuser necessariamente a decisão da causa, favorável ou desfavorável» [Anselmo de Castro, in Direito Processual Civil Declaratório, vol. III, Almedina, 1982, pg. 142]. Porém, não deve confundir-se «questões» com «considerações» ou «argumentos», como amiúde acontece nos recursos [segundo Amâncio Ferreira, in Manual dos Recursos em Processo Civil, 8ª ed., Almedina, pg. 55, “[t]rata-se da nulidade mais invocada nos tribunais, originada na confusão que se estabelece com frequência entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos no decurso da demanda”], já que são “coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzido pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” [Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, vol. V, Coimbra Editora, 1984, pg. 143].
Limitando a apreciação ao que consta da 1ª parte do nº 2 do art. 608º - que é o segmento que está aqui em causa, com referência à 1ª parte da al. d) do nº 1 do art. 615º -, não há dúvida de que aí se proclama constitui o “corolário do princípio da disponibilidade objetiva», previsto no art. 5ºs nº 1 e 3 do CPC, “que significa que o tribunal deve examinar toda a matéria de facto alegada pelas partes e analisar todos os pedidos formulados por elas, com exceção apenas das matérias ou pedidos que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se torne inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões. (…) Também a falta de apreciação de matéria de conhecimento oficioso constitui omissão de pronúncia.» [Teixeira de Sousa, in Estudos sobre o Novo Código de Processo Civil, Lex, 1997, pgs. 220-221].
Reportando estes considerandos à decisão sobre a matéria de facto e respetiva fundamentação/motivação, já que é isso que está em questão, importa começar por dizer que a nulidade invocada só ocorre quando se verifique total omissão de pronúncia sobre matéria de facto alegada pelas partes e que seja relevante para decisão das pretensões ou exceções por elas invocadas, ou total omissão da motivação dos factos dados como provados e/ou não provados, pois quando esteja em causa apenas a insuficiência da decisão de facto, seja esta atinente aos factos provados e/ou não provados ou à respetiva fundamentação/motivação, já não estaremos perante vício enquadrável na previsão da al. d) do nº 1 do art. 615º, mas sim face ao que se prevê na al. d) do nº 2 do art. 662º, igualmente do CPC, ou seja, já não se tratará de uma nulidade de sentença, mas sim de um caso de erro de julgamento da decisão de facto [factos e respetiva motivação].
A recorrente parece relacionar a nulidade que invoca nas conclusões 2 a 5 com o que refere nas conclusões seguintes acerca dos factos não provados F e K, que, na sua ótica, deviam ter sido dados como provados e só não o foram porque o tribunal a quo desconsiderou os depoimentos das testemunhas que indica nas conclusões 11, 14 e 17.
Mas sendo assim, é, desde logo, evidente que não houve omissão de pronúncia sobre aqueles dois factos; o tribunal pronunciou-se quanto a eles dando-os como não provados.
E quanto à respetiva fundamentação/motivação, diz-se na sentença que «[o]s demais factos ajuizados, designadamente o mencionado em E, F, G e K, careceram do necessário suporte probatório, e a restante matéria alegada e não mencionada representa substância irrelevante, conclusiva ou de argumentação jurídica, insuscetível de aproveitamento como facto”. Fundamentação sintética sem dúvida, mas não ausência de fundamentação.
Consequentemente, a sentença recorrida não padece do invocado vício de nulidade relativo à matéria de facto dada como provada e não provada e/ou à respetiva fundamentação/motivação.
Se a transcrita fundamentação dos factos não provados F e K é suficiente e correta ou se, pelo contrário, nela foram desconsiderados depoimentos [ou outros meios de prova] pertinentes e que, devidamente valorados, impunham outra decisão quanto a esses factos [que, em vez de não provados, fossem dados como provados, como defende a recorrente] é questão que iremos apreciar no item seguinte, por, como se disse atrás, dizer já respeito a eventual erro de julgamento de tal materialidade fáctica.
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2. Se houve erro no julgamento da matéria de facto relativamente aos factos que a recorrente põe em causa e se há que alterá-la nos termos que pretende
Nas conclusões 8 a 24 das alegações, a recorrente põe em causa a decisão dos factos não provados F e K, pretendendo que os mesmos sejam dados como provados, por entender que os depoimentos das testemunhas BB, CC e DD não foram devidamente valorados [foram desvalorizados, segundo refere] pelo tribunal a quo e que, se o tivessem sido, aqueles tinham que ser considerados provados.
Mostram-se cumpridos os ónus da impugnação da matéria de facto estabelecidos no art. 640º nºs 1 als. a) a c) e 2 als. a) e b) do CPC, já que a recorrente:
- especifica, no corpo das alegações e nas conclusões, os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
- indica, também no corpo das alegações e nas conclusões [bastava que o tivesse feito ali, sendo desnecessários nestas últimas], os concretos meios probatórios, constantes do processo e da gravação áudio, que, na sua perspetivas, impunham decisão diversa da que foi dada na decisão recorrida, referindo com exatidão as passagens da gravação de cada um dos depoimentos que chama à colação em que funda a sua pretensão recursória, além de, sem necessidade, ter, ainda, procedido à transcrição dos excertos que considera relevantes;
- e especifica a decisão que, no seu entender, deve ser proferida nesta 2ª instância sobre as questões de facto impugnadas.
Há, por isso, sem necessidade de outros considerandos acerca de tais ónus de impugnação, que indagar, à luz do que estabelece o art. 662º do CPC, se a decisão de facto da 1ª instância deve ser alterada relativamente àqueles dois pontos.
Antes disso, importa apenas recordar que o poder de reapreciação da prova pelos Tribunais da Relação, quando ela assenta, no todo ou em parte, em depoimentos gravados [como acontece in casu], não tem hoje o alcance restrito, quase residual, que teve no passado, em que se sustentava que os Tribunais da Relação não podiam procurar uma nova convicção e que deviam limitar-se, apenas e só, a aferir se a do julgador «a quo», vertida nos factos provados e não provados e na fundamentação desse seu juízo valorativo, tinha suporte razoável no que a gravação, em conjugação com os demais elementos probatórios dos autos, permitiam percepcionar. Pelo contrário, actualmente impera uma concepção mais ampla de tal poder que, embora reconheça que a gravação dos depoimentos áudio ou vídeo [ainda assim, mais ali do que aqui] não consegue traduzir tudo quanto pôde ser percecionado pelo tribunal a quo, designadamente, o modo como as declarações foram prestadas, as hesitações que as acompanharam, as reacções perante as objecções postas, a excessiva firmeza ou o compreensível enfraquecimento da memória e que existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas são percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia, entende, ainda assim, que os Tribunais da Relação têm a mesma amplitude de poderes que tem a 1ª instância, devendo proceder à audição dos depoimentos e fazer incidir as regras da experiência, como efectiva garantia de um segundo grau de jurisdição.
Por isso, quando, ao reapreciar a prova e valorando-a de acordo com o princípio da livre convicção a que também está sujeito, conseguir formar, relativamente aos concretos pontos impugnados, uma convicção segura acerca da existência de erro de julgamento da matéria de facto, o Tribunal da Relação deve proceder à modificação da decisão, fazendo «jus» ao reforço dos poderes que lhe foram atribuídos enquanto tribunal de instância que garante um segundo grau de jurisdição [neste sentido, Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 7ª ed. atualiz., Almedina, 2022, pgs. 333-334; relativamente ao art. 712º nº 1 do CPC na versão anterior a 2013, mas válidos para o atual art. 662º nº 1 do CPC, vejam-se ainda Amâncio Ferreira, in Manual dos Recursos em Processo Civil, 2008, pg. 228 e Remédio Marques, in A Ação Declarativa à Luz do Código Revisto, 3ª ed., pgs. 638-646; na jurisprudência, entre muitos outros, Acórdãos do STJ de 27.02.2024 (proc. 7997/20.2T8SNT.L1.S2), de 17.10.2023 (proc. 2154/07.6TBPVZ.P2.S1), de 28.11.2023 (proc. 2898/17.4T8CSC.L1.S1), de 12.10.2023 (proc. 1358/19.3T8PTM.E2.S1) e de 10.03.2022 (proc. 6640/12.3TBMAI.P2.S2), todos disponíveis in www.dgsi.pt/jstj].
A recorrente pretende que os factos não provados F e K sejam considerados provados com base no que disseram as três testemunhas já atrás referenciadas. Indica, quanto à testemunha BB o que consta dos minutos 00:12:38 a 00:21:58 e 00:24:13 a 00:21:11 da gravação do seu depoimento [prestado na sessão de julgamento de 01.06.2023]; quanto à testemunha CC o que está gravado sob os minutos 00:12:00 a 00:15:00 do seu depoimento [ouvida na mesma sessão da audiência final]; e quanto à testemunha DD o segmento do seu depoimento gravado entre os minutos 00:10:50 e 00:18:18 [na sessão de julgamento de 12.12.2023].
Relembremos o teor de tais alíneas F e K dos factos não provados: «F. Com exceção do referido em 6.i., o descrito em 6 verifica-se desde a entrega das habitações.» «K. Com exceção do referido em 13.h., o descrito em 13 verifica-se desde a entrega das habitações.»
Já se indicou atrás a fundamentação da 1ª instância que levou a que tivesse considerado como não provados estes dois factos: «careceram do necessário suporte probatório». Ou seja, segundo o tribunal a quo não foi produzida prova sobre tais factos, pois se tal tivesse acontecido e a mesma não tivesse convencido suficientemente o Mmo. Julgador a fundamentação teria sido necessariamente outra, com explicação, ainda que sucinta, mas cabal, dos motivos do seu não convencimento.
Procedemos à audição integral dos depoimentos daquelas testemunhas, ao abrigo dos poderes de investigação conferidos na parte inicial da al. b) do nº 2 do art. 640º do CPC.
Tais testemunhas foram arroladas pelos autores das duas ações [principal e apensa], mas depuseram sobre a materialidade contida naquelas alíneas F e K, que integra defesa por exceção alegada pela ré. Nada impede, por isso, desde que se verifiquem os necessários requisitos, a valoração dos seus depoimentos nesta parte.
Todas elas foram proprietárias de frações que integram o edifício identificado nos nºs 2 a 4 dos factos provados. As duas primeiras [BB e CC], marido e mulher, adquiriram uma das frações [que identificaram] à ré e nela passaram a residir a partir de finais de 2011 ou início de 2012, até que a venderam já na pendência desta ação [e ação apensa]; a última [DD] adquiriu também uma das frações [que identificou] à ré em 2011, tendo-a habitado até à data em que a vendeu, também posterior à instauração desta ação [os anos de aquisição das frações indicados por estas testemunhas não se afastam do que consta da certidão de registo predial que foi junta com a petição inicial].
Nos seus testemunhos todas elas demonstraram conhecimento pessoal das anomalias mencionadas nos nºs 6 e 13.a. a d. e h. dos factos provados, tendo-as descrito. E todas referiram também que as fissuras, infiltrações de águas pluviais e manchas nas paredes exteriores e nas paredes do hall de acesso às residências, fissuras e manchas na pintura dos muros exteriores, manchas e bolores nas pedras de revestimento das paredes, pedras descoladas no revestimento das escadas, fissuras e buracos no piso da garagem e parafusos levantados e chapas metálicas com deficiências na placa do telhado [correspondentes ao que consta dos nºs 6.a. a 6.h. e 13.a. a 13.d. dos factos provados], não existiam nem eram visíveis nas datas em que começaram a habitar as frações que adquiriram, nem nos anos seguintes. Depois, a perguntas e insistências do ilustre mandatário da ré, mas sem certeza e de forma bastante titubeante, sem aludirem a qualquer circunstância que tornasse inequívoco ou, pelo menos, suficientemente seguro este segmento dos seus depoimentos, referiram que algumas daquelas anomalias terão começado a surgir [tornaram-se visíveis] a partir do “terceiro inverno ou até mais tarde” [como disseram], tendo em conta as datas em que passaram a habitar as suas frações. As primeira e terceira testemunhas aludiram, ainda, à inexistência de corte térmico nas caixilharias das janelas de alumínio e que tal se verifica desde a construção do edifício, embora só se tivessem apercebido disso mais tarde porque não tinham conhecimentos técnicos que ab initio lhes permitissem detetar esta anomalia. Quanto às anomalias descritas nas als. e., f. e g. do nº 13 dos factos provados nada disseram, por desconhecimento das mesmas.
Perante estes testemunhos e inexistindo outras provas a que possamos atender [os relatórios periciais não se pronunciam sobre a matéria dos factos aqui em questão], impõem-se duas conclusões:
A primeira é que os referidos depoimentos não permitem responder afirmativamente e nos seus precisos termos ao que consta das ditas alíneas, já que deles não resultou [bem pelo contrário] que o descrito em 6 [à exceção de 6.i.] e 13 [à exceção de 13.h.] se verificasse «desde a entrega das habitações».
Em segundo lugar, que também não é possível indicar-se uma data [posterior às entregas das frações às referidas testemunhas], ainda que por referência a uma estação do ano, em que as anomalias descritas em 6.a. a 6.h) e 13.a a 13.g. começaram a evidenciar-se e a tornarem-se visíveis e detetáveis, já que, nesta parte, como se disse, aquelas testemunhas não revelaram certeza nem consistência que permita a este tribunal uma conclusão segura sobre tal assunto.
Por isso, nenhuma censura merece, nesta parte, a decisão recorrida, impondo-se a manutenção das ditas als. F e K como não provadas. Improcede, assim, o recurso neste segmento.
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3. Se procede a exceção da caducidade do direito dos autores e se as pretensões destes têm que improceder, com a consequente revogação da sentença.
O terceiro ponto de discórdia da recorrente, constante das restantes conclusões das alegações e de algumas das apontadas no início do item anterior, diz respeito à exceção perentória da caducidade do direito dos autores que a mesma invocou nas contestações das duas ações e que a sentença recorrida julgou parcialmente improcedente com a seguinte fundamentação: «O primeiro passo para discernir as decorrências jurídicas que emanam da factualidade trazida à lide é, naturalmente, o de encontrar no ordenamento jurídico a sua previsão, para daí inferir a correta disciplina que sobre ela incide. Convocando-se o estatuído pelo art.º 1207.º, relativo à noção de empreitada, descobre-se este conteúdo normativo: Empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço. Este contrato compromete uma das partes, o empreiteiro, a executar uma determinada tarefa, onerosa, de onde resultará um produto, uma obra, que pertencerá ao outro contraente, sendo este o traço essencial deste tipo de negócio jurídico. Ora, quando o resultado final da atividade do empreiteiro, a obra, não corresponde ao estipulado contratualmente e pretendido pelo dono da obra, por não estar adequadamente executada, ordena a lei civil, no n.º 1 do art.º 1221.º do Código Civil, que se os defeitos puderem ser suprimidos, o dono da obra tem o direito de exigir do empreiteiro a sua eliminação; se não puderem ser eliminados, o dono pode exigir nova construção. Todavia, o exercício de tais direitos depende da prévia denúncia do defeito e do exercício tempestivo dos direitos a que aludem os artigos 1221.º a 1223.º, considerando ainda o previsto no art.º 1225.º, todas normas do Código Civil. Estabelece este preceito, sobre imóveis destinados a longa duração: 1 - Sem prejuízo do disposto nos artigos 1219.º e seguintes, se a empreitada tiver por objeto a construção, modificação ou reparação de edifícios ou outros imóveis destinados por sua natureza a longa duração e, no decurso de cinco anos a contar da entrega, ou no decurso do prazo de garantia convencionado, a obra, por vício do solo ou da construção, modificação ou reparação, ou por erros na execução dos trabalhos, ruir total ou parcialmente, ou apresentar defeitos, o empreiteiro é responsável pelo prejuízo causado ao dono da obra ou a terceiro adquirente. 2 - A denúncia, em qualquer dos casos, deve ser feita dentro do prazo de um ano e a indemnização deve ser pedida no ano seguinte à denúncia. 3 - Os prazos previstos no número anterior são igualmente aplicáveis ao direito à eliminação dos defeitos, previstos no artigo 1221.º 4 - O disposto nos números anteriores é aplicável ao vendedor de imóvel que o tenha construído, modificado ou reparado. Perante o invocado em 7 e 14, com a comunicação à ré do referenciado em 6 e 13, e nada mais se demonstrando, conclui o tribunal com as exceções que de seguida se abordarão, que não caducou o direito dos autores, porquanto a denúncia ocorreu, bem como a interposição da respetiva ação, quer no caso do autor condomínio, quer no caso do autor AA. A exceção prende-se com a caixilharia em alumínio, colocada sem corte técnico desde o início, o que conduz a concluir que esta situação ocorria há mais de um ano quando se discutiram as deficiências do imóvel, pelo que quanto a este elemento caducou o direito à sua reparação.»
Daqui se afere que a exceção da caducidade foi julgada procedente quanto aos defeitos apontados em 6.i. e 13.h. dos factos provados e improcedente quanto aos demais defeitos enunciados em 6.a. a 6.h. e 13.a. a 13.g.
É contra este segmento final [e só quanto a esta parte] que a recorrente se insurge, defendendo que também quanto a estes defeitos [factos provados 6.a. a 6.h. e 13.a. a 13.g] a caducidade devia ter sido declarada procedente [embora, para este efeito, contasse também com a procedência do recurso na parte apreciada no item anterior, o que não aconteceu].
Estão em causa defeitos nas partes comuns do edifício identificado no nº 2 dos factos provados e defeitos na fração que é propriedade de AA, mencionada no nº 9 igualmente dos factos provados, aqueles alegados nesta ação principal e estes na ação que a esta está apensa.
A ré, ora recorrente, entende que o direito de ação dos respetivos autores, com vista à eliminação e reparação daqueles se mostra caducado, por não lhe terem sido denunciados no prazo de um ano após o conhecimento dos mesmos pelo condomínio e pelo indicado proprietário.
Vejamos se lhe assiste razão.
Não vem questionado que o descrito nos nºs 6.a. a 6.h. e 13.a. a 13.g dos factos provados [que são, repete-se, os que aqui estão em causa] constituam verdadeiros defeitos para efeitos, nomeadamente, do que estabelecem os arts. 1221º e 1225º do CCiv., pelo que não perderemos tempo a aferir se integram o conceito de defeitos que para os mesmos releva.
Está provado que foi a ré recorrente, que se dedica com intuito lucrativo à atividade de construção civil e venda de imóveis por si edificados, que construiu o referido edifício e que vendeu as frações autónomas que o integram.
A decisão recorrida julgou a exceção ao abrigo do que dispõe o art. 1225º do CCiv., face ao que consta do nº 4 deste preceito.
Reza este artigo que: «1 - Sem prejuízo do disposto nos artigos 1219.º e seguintes, se a empreitada tiver por objeto a construção, modificação ou reparação de edifícios ou outros imóveis destinados por sua natureza a longa duração e, no decurso de cinco anos a contar da entrega, ou no decurso do prazo de garantia convencionado, a obra, por vício do solo ou da construção, modificação ou reparação, ou por erros na execução dos trabalhos, ruir total ou parcialmente, ou apresentar defeitos, o empreiteiro é responsável pelo prejuízo causado ao dono da obra ou a terceiro adquirente. 2 - A denúncia, em qualquer dos casos, deve ser feita dentro do prazo de um ano e a indemnização deve ser pedida no ano seguinte à denúncia. 3 - Os prazos previstos no número anterior são igualmente aplicáveis ao direito à eliminação dos defeitos, previstos no artigo 1221.º 4 - O disposto nos números anteriores é aplicável ao vendedor de imóvel que o tenha construído, modificado ou reparado.».
Este normativo, relativo aos imóveis destinados a longa duração [em caso de construção, modificação ou reparação por parte de um empreiteiro], consagra, nos nºs 1 a 3, os prazos de que o dono da obra ou o terceiro adquirente gozam para a denúncia de vícios do solo ou da construção, modificação ou reparação, por erros na execução dos trabalhos que importem a ruína total ou parcial do imóvel, ou por apresentação de defeitos, estando previstos três prazos:
. o prazo de garantia de cinco anos a contar da entrega do imóvel ao dono da obra ou ao terceiro adquirente, conforme os casos;
. o prazo de um ano, após o conhecimento de qualquer dos vícios, erros ou defeitos previstos no nº 1, para o dono da obra ou o terceiro adquirente os denunciarem ao empreiteiro;
. e o prazo de um ano, após essa denúncia, para os mesmos exercerem contra este o direito à indemnização devida e/ou à eliminação dos defeitos, estando o direito à eliminação dos defeitos previsto no art. 1221º nº 1, igualmente do CCiv. [como esclarece o Acórdão do STJ de 14/01/2014, proc. 378/07.5TBLNH.L1.S1, disponível in www.dgsi.pt/jstj, “o direito de ação não tem, necessariamente, de ser exercido no prazo de garantia. Dentro desse prazo apenas se tem de revelar o defeito, o que é completamente diferente. Assim, se o vício apenas surge ou é conhecido pelo adquirente do prédio [ou pelo dono da obra] após o decurso do prazo de garantia, já não poderá ser exercido o direito de denúncia da ação, uma vez que, do contrário, ficaria o [empreiteiro] indefinidamente sujeito à obrigação de reparar o vício, sendo certo que foi exatamente essa vinculação indefinida que o legislador pretendeu evitar com a fixação de um prazo de garantia. Mas, ao contrário, se o defeito apenas se torna conhecido no período final do prazo [de garantia], mas antes deste se esgotar, então o adquirente [e o dono da obra] dispõe do prazo de 1 ano, a partir do conhecimento, para exercer o direito de denúncia e de outro ano, subsequente à denúncia, para exercer o direito de ação”; idem, Acórdãos do STJ de 17.11.2021, proc. 8344/17.6T8STB.E1.S1 e de 01.10.2024, proc. 24620/15.0T8PRT.P1.S1, disponíveis no mesmo sítio da DGSI].
O nº 4 do art. 1225º, aditado pelo DL 267/94, de 25/10, torna extensível às relações terceiro adquirente - «vendedor-construtor» o regime previsto nos nºs 1 a 3 para as relações dono da obra/terceiro adquirente – empreiteiro, constando os respetivos motivos do preâmbulo daquele DL: «Verifica-se que o crescente desenvolvimento da construção imobiliária, bem como a acentuada melhoria de condições de vida, vem determinando, ao longo dos últimos anos, um aumento acentuado de transações de imóveis; assim, se por um lado se deve continuar a incentivar o desenvolvimento da construção civil, por outro há que garantir boas condições de uso e fruição dos imóveis, deste modo se satisfazendo, no que respeita a esta área, o direito do cidadão adquirente enquanto consumidor; na realidade, trata-se de processo complexo, no qual, relativamente a todos os intervenientes, o cidadão adquirente assume, economicamente, uma posição mais desprotegida; e numa perspetiva de bem-estar social, aquele tem direito a exigir o reconhecimento da qualidade do bem que compra, assim como, em situações adversas, a responsabilização dos vários agentes intervenientes no sector em causa; ora, admitindo-se, face ao atual regime consagrado nos artºs 916ºss. e 1224ºss. C.Civ. dificuldades na integração de situações relacionadas com a existência de defeitos motivados por erros de construção e por erros de execução (…) entende-se alargar o prazo para a denúncia de tais defeitos e, bem assim, o período dentro do qual a mesma é admissível, no caso do contrato de compra e venda a que se refere o artº 916º».
A Jurisprudência mais significativa vem considerando que:
. O conceito de construtor que é aqui utilizado “é um conceito lato, que tanto abrange o construtor direto como aquele que, profissionalmente, constrói diretamente ou mediante contratos com terceiros para vender a adquirentes/consumidores, entendidos no sentido do nº 1 do artigo 2º da Lei nº 24/96, de 31 de Julho (Lei de Defesa dos Consumidores)”; ou seja, para integração daquele conceito “o que releva não é ter materialmente desenvolvido a atividade de construção (…), mas sim saber se o réu teve o domínio da construção, se (a) desenvolveu no âmbito profissional”. Isto porque “só um conceito amplo de construtor respeita a intenção de proteção do consumidor/adquirente do imóvel, reconhecendo-lhe o direito de responsabilizar «vários agentes intervenientes» no sector imobiliário, onde manifestamente «assume, economicamente, uma posição mais desfavorecida»” [Acórdão do STJ de 05/03/2013, proc. 3298/05.4TVLSB.L1.S1, supra citado];
. “(…) o conceito de devedor/construtor não deve ser interpretado num contexto puramente literal”, pois, relevante “não é tanto o ter-se materialmente desenvolvido a atividade de construção, mas sim ter-se o domínio da construção do imóvel, domínio esse desenvolvido no âmbito profissional”, pelo que o conceito lato de construtor que é utilizado no nº 4 do art. 1225º “tanto abrange o construtor direto como aquele que profissionalmente constrói mediante contratos com terceiros para vender a adquirentes/consumidores, entendidos no sentido do nº 1 do artigo 2º da Lei nº 24/96, de 31 de Julho” [Acórdão do STJ de 14/01/2014, proc. 378/07.5TBLNH.L1.S1, supra citado];
. “(…) para os efeitos da norma em causa, se deve considerar construtor o vendedor que teve o domínio da construção, enquanto interveniente não estranho à respetiva atividade, designadamente contratando terceiros para a execução das várias fases da obra, em termos de não dever ser reduzido à condição de mero vendedor” [Acórdão do STJ de 13/05/2014, proc. 2576/10.5TBTVD.S1, disponível in www.dgsi.pt/jstj; no mesmo sentido, cfr., ainda, Acórdãos do STJ de 19/04/2012, proc. 9870/05.5TBBRG.G1.S1 e desta Relação do Porto de 19/05/2010, proc. 139/08.4TBVCD.P1, disponíveis no mesmos locais do site da DGSI].
O Código Civil e seus preceitos não são, porém, os únicos que são convocáveis para a resolução da exceção de caducidade que está em análise. Há também que convocar legislação especial e, por isso, de aplicação preferencial.
Com efeito, nas duas ações temos do lado ativo um condomínio [na ação principal] e um comprador [na ação apensa] e do lado passivo uma sociedade comercial [por quotas] que foi quem construiu o edifício indicado nos autos e procedeu à venda das respetivas frações [atividades a que se dedica regularmente e com intuito lucrativo] aos adquirentes, para habitação destes.
Coloca-se, por isso, a questão da aplicação da legislação relativa à defesa dos direitos do consumidor, mais concretamente da Lei nº 24/96, de 31.07 [Lei de Defesa do Consumidor] e do DL 67/2003, de 08.04 [relativo à Venda de Bens de Consumo e das Garantias a ela Relativas] – diga-se que o DL 84/2021, de 18.10, que revogou o DL 67/2003, não é aqui aplicável ex vi do que prescreve o seu art. 53º nº 1, segundo o qual «[a]s disposições do presente decreto-lei em matéria de contratos de compra e venda de bens móveis e de bens imóveis aplicam-se aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor», o que, manifestamente, não é o caso, ante as datas em que as frações do edifício dos autos foram vendidas [cfr. facto provado nº 4].
Face às definições de consumidor que constam do art. 2º da Lei 24/96 e 1º-B al. a) do DL 67/2003 e, ainda, ao que dispõe o nº 6 do art. 4º deste último DL, não há qualquer dúvida de que o autor da ação apensa é considerado consumidor para efeito de aplicação de tais diplomas – de acordo com o primeiro destes artigos consumidor é «todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma atividade económica que vise a obtenção de benefícios», ao passo que no segundo se diz que «[p]ara efeitos de aplicação do disposto no presente decreto-lei, entende-se por ‘consumidor’, aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma atividade económica que vise a obtenção de benefícios, nos termos do n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho», acrescentando, ainda, o nº 6 do art. 4º do DL 67/2003 que «[o]s direitos atribuídos pelo presente artigo transmitem-se a terceiro adquirente do bem».
E quanto ao condomínio, autor desta ação principal?
A jurisprudência vem sustentando que o condomínio, na maioria dos casos, também deve ser considerado como consumidor face à definição plasmada nos dois preceitos indicados no parágrafo anterior, na medida em que “a palavra ‘aquele’ ou as palavras ‘todo aquele’ devem interpretar-se em termos de abranger associações ou comissões sem personalidade jurídica, e em termos de abranger o condomínio, pelo que há tão-só que enunciar o critério da qualificação do condomínio como consumidor” [Acórdão do STJ de 20.01.2022, proc. 1451/16.4T8MTS, disponível in www.dgsi.pt/jstj].
Dúvidas surgem apenas quando nem todas as frações do condomínio são destinadas a um uso privado, não profissional. O douto aresto do STJ acabado de citar dá também resposta a esta questão. Depois de questionar se ”[s]erá porventura necessário que todas as frações do condomínio sejam destinadas a um uso privado, não profissional”, se é, ainda assim, necessário «que a maioria das frações autónomas seja destinada a um uso privado, não profissional”, ou se “será suficiente (…) que uma das frações autónomas seja destinada a um uso privado, não profissional, para que todo o condomínio seja qualificado como consumidor”, responde que entre as hipóteses colocadas deve dar-se preferência à última, “pela razão seguinte: [o] art. 1420.º, n.º 1, do Código Civil, diz que “cada condómino é proprietário exclusivo da fração que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício”. Os negócios jurídicos - p. ex., os contratos de compra e venda ou os contratos de empreitada - relacionados com as partes comuns do edifício deveriam ser considerados como negócios jurídicos de consumo desde que o proprietário, ou desde que algum dos proprietários, das partes comuns devesse ser qualificado como consumidor. Em consequência, os negócios jurídicos relacionados com as partes comuns devem ser considerados como negócios jurídicos do consumo desde que um dos condóminos seja um consumidor” [cita em defesa desta tese Jorge Morais de Carvalho, in Manual de Direito do Consumo, Almedina, 2013, pgs. 13-14 e Nuno Pinto Oliveira, in Contrato de Compra e Venda, vol. I, Introdução e Formação do Contrato, Gestlegal, 2021, pgs. 162-165; no mesmo sentido decidiram, designadamente, o Acórdão do STJ de 01.10.2024, proc. 24620/15.0T8PRT.P1.S1, disponível no referido sítio da DGSI e o Acórdão da Relação do Porto de 02.12.2021, proc. 11255/19.7T8PRT.P2, disponível in www.dgsi.pt/jtrp; em sentido diferente, defendendo que o condomínio só pode ser considerado consumidor se a maioria das frações tiver um destino não profissional (por ex., se forem destinadas a habitação), veja-se João Cura Mariano, in Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 4ª ed. rev. e atualiz., Almedina, 2011, pgs. 211-212].
Como as quatro frações que constituem o edifício administrado [quanto às partes comuns] pelo condomínio, autor da ação principal, se destinam todas a habitação [nº 3 dos factos provados], não restam então dúvidas de que também o condomínio é considerado consumidor para efeitos de aplicação dos diplomas atrás referenciados.
Quanto à ré, aqui recorrente, é inequívoco que cabe na previsão da parte final do nº 1 do art. 2º da Lei 24/96 e no conceito de vendedor que consta da al. c) do art. 1º-B do DL 67/2003, na redação dada pelo DL 84/2008, de 21.05.
Sendo tais diplomas aplicáveis ao caso sub judice, ante o que aqui está em causa, e tratando-se de legislação especial de defesa do consumidor, é ao abrigo dos regimes neles instituídos que, em primeira linha, deve encontrar-se a solução da questão jurídica em análise, de acordo com o princípio que dá prevalência à lei especial sobre a lei geral, e só depois, supletivamente, se houver necessidade disso, designadamente, por não conterem toda a regulamentação para a solução do caso ou por conterem um regime mais favorável para o comprador/consumidor, é que há de recorrer-se às normas do Código Civil [assim, Acórdão do STJ de 17.10.2019, proc. 1066/14.1T8PDL.L1.S1, disponível in www.dgsi.pt/jstj que decidiu que “[a]s normas contidas na Lei de Defesa dos Consumidores constituem normas especiais relativamente às regras gerais do Código Civil, derrogando estas com as quais se revelem incompatíveis no seu campo de aplicação, que é o da relação de consumo, e como lei especial, deverá prevalecer o seu regime, a menos que a disciplina da venda de coisa defeituosa do Código Civil, se revele mais favorável para o comprador/consumidor”; idem, Acórdão do STJ de 31.05.2016, proc. 721/12.5TCFUN.L1.S1, disponível no mesmo sítio].
A aplicação dos regimes destes diplomas ao caso não pode ser posta em causa pelo facto de a recorrente, nas alegações/conclusões, não os ter invocado [não lhes fez qualquer referência], já que o tribunal «não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito», como proclama o nº 3 do art. 5º do CPC. Nem esta 2ª instância, como é evidente, está vinculada aos fundamentos jurídicos e normas legais constantes da decisão recorrida, que também não aplicou esta legislação especial, nem lhe fez qualquer referência.
A resolução da questão em apreço demanda a consideração do que dispõem os arts. 1º-A, 3º, 4º, 5º e 5º-A do DL 67/2003, na redação dada a alguns deles pelo Decreto-Lei 84/2008, de 21.05.
O art. 1º-A começa por dizer, quanto âmbito de aplicação deste DL, que «1 - O presente decreto-lei é aplicável aos contratos de compra e venda celebrados entre profissionais e consumidores. 2 - O presente decreto-lei é, ainda, aplicável, com as necessárias adaptações, aos bens de consumo fornecidos no âmbito de um contrato de empreitada ou de outra prestação de serviços, bem como à locação de bens de consumo.».
Já se disse atrás que está em questão a compra e venda e a construção do edifício e da fração indicados e que em tais contratos intervieram consumidores [os autores das duas ações] e um profissional [a ré recorrente].
Depois, o art. 3º refere que «1 - O vendedor responde perante o consumidor por qualquer falta de conformidade que exista no momento em que o bem lhe é entregue. 2 - As faltas de conformidade que se manifestem num prazo de dois ou de cinco anos a contar da data de entrega de coisa móvel corpórea ou de coisa imóvel, respetivamente, presumem-se existentes já nessa data, salvo quando tal for incompatível com a natureza da coisa ou com as características da falta de conformidade.». In casu estão em questão coisas imóveis [o edifício e suas frações] e os defeitos descritos em 6.a. a 6.h. e 13.a. a 13.g. foram denunciados dentro do período de 5 anos fixado no nº 2 deste normativo [as frações foram vendidas até outubro de 2013 e os defeitos foram denunciados em maio de 2017 – factos provados nºs 7 e 14.
No art. 4º, sob a epígrafe «Direitos do Consumidor», estabelece-se, no que para aqui interessa, que «1 - Em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato. 2 - Tratando-se de um bem imóvel, a reparação ou a substituição devem ser realizadas dentro de um prazo razoável, tendo em conta a natureza do defeito, e tratando-se de um bem móvel (…).».
O art. 5º, por sua vez, fixa o prazo da garantia, dispondo que «1 - O consumidor pode exercer os direitos previstos no artigo anterior quando a falta de conformidade se manifestar dentro de um prazo de dois ou de cinco anos a contar da entrega do bem, consoante se trate, respetivamente, de coisa móvel ou imóvel. (…) 7 - O prazo referido no n.º 1 suspende-se, a partir da data da denúncia, durante o período em que o consumidor estiver privado do uso dos bens.».
O prazo de garantia constante do nº 1 deste preceito para a falta de conformidade nas coisas imóveis é igual ao que prevê o nº 1 do art. 1225º do CCiv. - 5 anos a contar da entrega do imóvel.
Abrimos aqui um breve parêntesis para dizer que, relativamente ao condomínio, administrador das partes comuns dos imóveis com várias frações [art. 1430º nº 1 do CCiv.], quando o construtor do edifício é também o vendedor das frações, como acontece aqui, existe jurisprudência constante e firme do STJ no sentido de que “o prazo de garantia dos defeitos [nas partes comuns, como é evidente, já que só delas cabe a administração ao condomínio] deve contar-se a partir da data da entrega e de que a data da entrega coincide com a data da constituição da administração do condomínio” [Acórdão do STJ de 20.01.2022, já atrás citado], na medida em que “[a] entrega considera-se feita no momento em que o vendedor deixa de ter poder para determinar ou influir sobre o curso das decisões dos condóminos constituídos em assembleia de interesses autónomos, correspondendo, assim, o ‘dies a quo’ a partir do qual se conta o início do prazo dos cinco anos à transmissão dos poderes de administração das partes comuns para os condóminos, através da sua estrutura organizativa, reunindo em assembleia de condóminos e com plena autonomia para denunciar os eventuais defeitos existentes na obra” [mesmo aresto e, ainda, os Acórdãos do STJ de 31.05.2016, atrás mencionado e de 17.11.2021, proc. 8344/17.6T8STB.E1.S1, disponível no mesmo sítio da DGSI]. In casu desconhece-se a data da constituição da administração do condomínio autor da ação principal. Por este facto relevar para determinação do início da contagem do prazo de denúncia dos defeitos das partes comuns, sendo, portanto, elemento integrador da exceção de caducidade invocada pela ré, cabia a esta a respetiva alegação e prova, nos termos da parte final do nº 3 do art. 343º do CCiv. [como melhor veremos adiante]. Não o tendo feito tem de arcar com as consequências daí decorrentes.
Relativamente ao autor da ação apensa, o prazo de garantia terminava a 25.10.2018 [a fração que adquiriu e de que é proprietário foi-lhe entregue em 25.10.2013 – factos provados nºs 9, 10 e 12], pelo que os defeitos que surgissem durante este prazo podiam ser opostos à ré vendedora-construtora.
Finalmente, o art. 5º-A do DL em apreço, com a epígrafe «Prazo para exercício de direitos», estabelece, nomeadamente, que: «1 - Os direitos atribuídos ao consumidor nos termos do artigo 4.º caducam no termo de qualquer dos prazos referidos no artigo anterior e na ausência de denúncia da desconformidade pelo consumidor, sem prejuízo do disposto nos números seguintes. 2 - Para exercer os seus direitos, o consumidor deve denunciar ao vendedor a falta de conformidade num prazo de dois meses, caso se trate de bem móvel, ou de um ano, se se tratar de bem imóvel, a contar da data em que a tenha detetado. 3 - Caso o consumidor tenha efetuado a denúncia da desconformidade, tratando-se de bem móvel, os direitos atribuídos ao consumidor nos termos do artigo 4.º caducam decorridos dois anos a contar da data da denúncia e, tratando-se de bem imóvel, no prazo de três anos a contar desta mesma data. 4 – O prazo referido no número anterior suspende-se durante o período em que o consumidor estiver privado do uso dos bens com o objetivo de realização das operações de reparação ou substituição, bem como durante o período em que durar a tentativa de resolução extrajudicial do conflito de consumo que opõe o consumidor ao vendedor ou ao produtor, com exceção da arbitragem. 5 - (…)».
Deste artigo resulta, no que para aqui interessa, que, estando em causa defeitos [falta de conformidade, nos dizeres do preceito] em bens imóveis:
- a denúncia dos mesmos, a cargo do dono da obra ou do terceiro adquirente consumidor, deve ser efetuada no prazo de um ano a contar da data em que foram detetados ou, acrescentamos nós, pudessem ser por ele detetados em função da diligência exigida a um bonus pater familias;
- a ação com vista à eliminação ou reparação dos defeitos denunciados deve ser instaurada [também pelo dono da obra ou terceiro adquirente consumidor] no prazo de três anos a contar da data da denúncia, sem prejuízo do que dispõe o nº 4 do artigo em apreço.
Existe, por conseguinte, em matéria de prazos de garantia e de denúncia de defeitos em imóveis, grande similitude entre este regime especial e o regime geral previsto no art. 1225º do CCiv. – a principal diferença diz respeito ao prazo para propositura da ação subsequente à denúncia, que é mais dilatado –, valendo, por isso, também aqui, apenas com esta ressalva, os considerandos que tecemos atrás a propósito deste último preceito.
Aqui chegados é tempo de aferirmos se assiste ou não razão à recorrente quando sustenta que os defeitos não lhe foram atempadamente denunciados e que, por isso, o direito à eliminação e reparação dos mesmos, peticionado nas duas ações, se mostra caducado.
Os defeitos têm de ser denunciados [a denúncia é uma “declaração de vontade unilateral, válida independentemente da forma que revestir (art. 219º) e, para ser eficaz, basta que chegue ao poder da contraparte ou seja dela conhecida (art. 224º, nº 1)”], de forma inequívoca, precisa e circunstanciada, a fim de que o empreiteiro – ou o vendedor-construtor, como aqui acontece – possa determinar a respetiva natureza e importância, não sendo admitidas formas vagas de denúncia. Esta regra só comporta exceções em dois casos: em razão da imperícia do dono da obra ou do terceiro adquirente – no caso, do consumidor – ou da complexidade do defeito, que exijam a necessidade de estes recorrerem a um técnico para determinar a natureza do vício [cfr. Pedro Romano Martinez, in Contrato de Empreitada, Almedina, 1994, pgs. 203-205 e in Cumprimento Defeituoso em Especial na Compra e Venda e na Empreitada, Almedina, 2001, pgs. 330-332; idem, João Cura Mariano, obr. cit., pgs. 90-91].
A denúncia não é, no entanto, exigida se tiver havido, dentro dos prazos legais, reconhecimento dos defeitos pelo empreiteiro ou vendedor-construtor, reconhecimento que é possível por estamos no âmbito de direitos disponíveis – art. 331º nº 2 do CCiv..
Quanto ao reconhecimento impeditivo da caducidade não tem havido unanimidade de critérios.
Uma corrente restritiva defende que esse reconhecimento tem de ser “tal que tenha o mesmo efeito que teria a prática do ato sujeito a caducidade, devendo tornar certa a situação e fazendo as vezes da sentença pela qual o direito foi reconhecido”, considerando que “[o] simples reconhecimento do direito, antes do termo da caducidade, por aquele contra quem deve ser exercido, não tem relevância se, através desse reconhecimento, se não produzir o mesmo resultado que se alcançaria com a prática tempestiva do ato a que a lei ou uma convenção atribuam efeito impeditivo”, porquanto “[s]ó nos casos em que o reconhecimento assuma o mesmo valor do ato, normalmente, impeditivo é que deixará de verificar-se a caducidade” [assim, Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, vol. I, 4ª ed. rev. e act., Coimbra Editora, pgs. 295-296; idem, Vaz Serra, in Prescrição Extintiva e Caducidade, BMJ ano 107, pgs. 232 e segs. e Acórdãos do STJ de 29/06/2010, proc. 12677/03.0TBOER.L1.S1 e de 03/11/2009, proc. 4073/04.9TBMAI.P1.S1, disponíveis in www.dgsi.pt/jstj].
Outra corrente menos restritiva e que toma os aludidos preceitos mais à letra, entende que basta o reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido, não sendo necessário que assuma o mesmo valor do ato que deveria ser praticado em seu lugar, em virtude de o nº 2 do art. 331º do CCiv. falar só «em reconhecimento do direito». Acrescenta que a tese restritiva leva “a aceitar como válidas situações de manifesto abuso de direito” ao considerar que “não há impedimento da caducidade (…) quando o empreiteiro, reconhecendo as deficiências da obra, prometeu repará-las”, ou ainda quando ofereceu ao dono da obra determinada quantia para que este fizesse a reparação por sua conta. E conclui que “admitir em tais casos a impunidade do faltoso, mediante uma interpretação restritiva do nº 2 do art. 331º, não parece aceitável”, até “porque, perante as promessas daquele que cumpriu defeituosamente é natural que o credor não recorra, de imediato, à via judicial” [seguem este 2ª orientação, i. a., João Cura Mariano, obr. cit., pgs. 92-93 e 136-137 e Pedro Romano Martinez, in Cumprimento Defeituoso cit., pgs. 380-381].
Com o devido respeito pela primeira, temos a segunda orientação como mais consentânea com a letra da lei e com a natureza disponível dos direitos suscetíveis de reconhecimento como ato impeditivo da caducidade; por isso, seguimos a segunda orientação.
Finalmente, quanto ao ónus da prova, cabe ao dono da obra ou ao terceiro adquirente – ou, como no caso, ao condomínio [ação principal] e ao terceiro adquirente consumidor [ação apensa] – a prova da existência dos defeitos e que procedeu à respetiva denúncia ou então que o vendedor-construtor, no prazo de exercício daquela, reconheceu a sua existência; mas não lhe compete provar que denunciou os defeitos, nem que instaurou a ação, com vista à sua eliminação/reparação, dentro dos prazos legais. Pelo contrário, cabe ao vendedor-construtor o ónus da prova de que a denúncia foi feita depois de expirado o prazo legal, tal como lhe compete a prova de que, após a denúncia, o dono da obra ou o terceiro adquirente consumidor não instaurou a ação no prazo também legalmente estabelecido para o efeito. Isto porque estando o exercício destes dois direitos sujeito a termo final [a denúncia só pode ser exercida e a ação tem de ser proposta nos prazos atrás assinalados; no caso da primeira, que é a aqui está em questão, só pode ter lugar/ser comunicada até um ano depois do conhecimento dos defeitos e nunca depois de decorrido o prazo de garantia de cinco anos], é ao vendedor-construtor, de acordo com a parte final do nº 3 do art. 343º do CCiv., que cabe provar o vencimento destes prazos [cfr, i. a., João Cura Mariano, obr. cit., pgs. 91-92 e Acórdão do STJ de 26/10/2010, proc. 571/2002.P1.S1., disponível in www.dgsi.pt/jstj].
Daqui decorre que in casu competia aos autores a prova da existência dos defeitos e que os denunciaram à ré, ora recorrente, ou então a prova do reconhecimento dos mesmos por parte desta, ao passo que à ré, no primeiro caso, cabia provar que a denúncia foi feita fora do prazo legal e, no segundo, por similitude de fundamentos, que o reconhecimento é ineficaz por ter ocorrido depois de esgotado o prazo de denúncia dos defeitos.
Que concluir então face à factologia que vem dada como provada?
Quanto aos defeitos existentes nas partes comuns, releva o que consta dos nºs 7 e 8 dos factos provados.
Está aí provado que: Em maio de 2017 o representante da ré esteve presente no edifício, onde lhe foi mostrado o descrito em 6, reconhecendo este a existência de deficiências de construção nas partes comuns do edifício, comprometendo-se a proceder à sua reparação -facto 7. Realizando depois trabalhos em junho de 2017, que não corrigiram o que se descreve em 6, em agosto de 2017 – facto 8.
Está, portanto, demonstrado que a ré, em maio de 2017, confrontada com os defeitos descritos em 6 dos factos provados, reconheceu a existência de deficiências de construção nas partes comuns do edifício e comprometeu-se a proceder à sua reparação, o que não concretizou, apesar de em junho de 2017 ter realizado alguns trabalhos que, contudo, não corrigiram os aludidos defeitos.
Apesar da redação não ser a mais feliz, parece, ainda assim, evidente que, porque foi com eles confrontada [foram-lhe denunciados, embora não se saiba se pelo autor condomínio] e porque todos eles se situam nas partes comuns do edifício, a ré recorrente reconheceu, naquela data, a existência de todos os defeitos indicados naquele facto provado nº 6.
Daqui decorre então que, quanto a eles, o autor condomínio ficou dispensado de demonstrar que procedeu à respetiva denúncia, tendo, ainda, tal reconhecimento do direito daquele autor por parte da ré efeito impeditivo da caducidade, desde que tenha ocorrido dentro do prazo de denúncia [assim, Acórdão do STJ de 09.07.2015, proc. 3137/09.7TBCSC.L1.S1, disponível in www.dgsi.pt/jstj, que refere que “[e]merge do art. 331º, nº 2, do CC, que, estando em causa direitos disponíveis e estando fixado, por disposição legal, um prazo de caducidade, o reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido é impeditivo da caducidade”; idem, Acórdãos do STJ de 17.11.2021, já atrás indicado, e de 30.11.2023, proc. 10967/17.4T8PRT.P1.S1, disponível no mesmo sítio da DGSI].
Quedava então à ré recorrente a prova de que o reconhecimento foi extemporâneo, ou seja, que ocorreu depois de esgotado o prazo de denúncia dos ditos defeitos, para que o mesmo não tivesse efeito impeditivo da caducidade. Como não se apurou quando os referidos defeitos se tornaram aparentes e passaram a poder ser denunciados pelo condomínio – prova que competia à ré recorrente –, restaria o prazo de garantia, de cinco anos, para aferir se o reconhecimento foi feito neste prazo. Relativamente ao condomínio, o prazo começou a contar na data em que foi constituída a assembleia de condóminos. O reconhecimento dos defeitos por parte da ré recorrente teria que ter lugar no decurso dos cinco anos seguintes. Cabia à ré recorrente a prova de que tal reconhecimento se verificou depois de esgotado este prazo. Prova que, porém, não fez, já que nem sequer se sabe - e competia-lhe a respetiva alegação e prova, por integrar esta defesa por exceção - quando aconteceu a constituição da assembleia de condóminos.
Não tendo provado que o reconhecimento dos defeitos foi feito já depois de esgotado o referido prazo de garantia, tem de concluir-se que o mesmo é impeditivo da caducidade arguida pela ré recorrente.
Por isso, quanto aos defeitos existentes nas partes comuns, a exceção de caducidade invocada pela ré recorrente tem, obrigatoriamente, que improceder, estando esta obrigada a eliminá-los/repará-los, como determinado na sentença recorrida [excluído deste dever está, porém, o referido em 6.i., como resulta do que se exarou na parte inicial deste item], tanto mais que entre a data daquele reconhecimento e a da instauração da ação [24.04.2018] não decorreu sequer um ano, sendo certo que, de acordo com o disposto no nº 3 do art. 5º-A do DL 67/2003, a presente ação podia ser proposta no prazo de três anos a contar da data do reconhecimento que, como referido, equivale à denúncia.
Perante o alcance do dito reconhecimento e a natureza dos defeitos descritos em 13.a. a 13.d. dos factos provados, suscita-se, ainda, a questão de saber se estes defeitos também estão abrangidos por aquele reconhecimento. Isto porque tais defeitos se verificam, também eles, nas partes comuns do edifício [parede do alçado lateral direito, paredes dos muros exteriores, pedras de revestimento existentes nas paredes exteriores e pedras do hall de acesso à fração] que coincidem com as constantes dos nºs 6.a. a 6.f. [embora alguns danos deles decorrentes afetem o interior da fração, como, aliás, acontece também, por ex., com os defeitos descritos em 6.a. e 6.b. que, igualmente, causaram danos no interior das frações].
E sendo assim, como é, tais defeitos estão, por natureza, incluídos nos defeitos assinalados nas alíneas do nº 6 dos factos provados acabadas de referir.
Como tal, apesar de no nº 7 dos factos provados se fazer apenas menção aos defeitos descritos em 6, o reconhecimento da ré aí indicado [e complementado no nº 8] também abrange, necessariamente, os defeitos enunciados em 13.a. a 13.d..
Como, quanto ao autor da ação apensa vale, para início da contagem do prazo de garantia de cinco anos, a data em que a fração que adquiriu lhe foi entregue, o que aconteceu em 25.10.2013, daí decorre que o reconhecimento dos defeitos 13.a. a 13.d. ocorreu dentro de tal prazo e que, quanto aos apontados defeitos, também é impeditivo da caducidade do direito que aquele autor exerce na ação.
Assim sendo, a invocada exceção de caducidade improcede, igualmente, quanto aos defeitos 13.a a 13.d..
Sobram os defeitos mencionados em 13.e. a 13.g. [repete-se que o defeito 13.h. não está aqui em causa].
Quanto a estes não se apurou que já existissem ou fossem visíveis na data da entrega da fração ao autor AA, nem se apurou, igualmente, quando surgiram e passaram a poder ser detetados [por um cidadão/proprietário medianamente diligente], sendo certo que, pela sua natureza, não se trata de defeitos que, necessariamente, já existissem ou fosse detetáveis aquando da entrega da fração.
Desconhecendo-se a data a partir da qual estes defeitos poderiam ser denunciados à ré recorrente [sendo certo que competia a esta última a prova de quando os mesmos surgiram e se tornaram aparentes], não se coloca a questão de saber se após o conhecimento dos mesmos a denúncia foi feita no prazo legal de um ano.
Resta o prazo de garantia de cinco anos, contado desde a entrega da fração ao dito autor.
Como esta entrega ocorreu em 25.10.2013 [como efeito direto da compra e venda então outorgada – arts. 874º e 879º al. a) do CCiv.], a ação [apensa] foi instaurada em 24.04.2018 e a ré foi citada em 27.04.2018 [como constatámos do histórico do processo, em que consta o A/R da citação assinado], não resta dúvida que o direito de denúncia por parte daquele autor foi atempadamente exercido e conhecido pela ré. Isto porque a instauração da ação equivale ao exercício do direito de denúncia e com a citação a ré tomou conhecimento dessa mesma denúncia [cfr. João Cura Mariano, ob. cit., pg. 92, que expressamente refere que “[e]quivale à denúncia, a propositura da ação pelo dono da obra, em que exerça um dos direitos que lhe assistem em consequência da obra realizada se revelar defeituoso, devendo essa ação encontrar-se proposta dentro dos prazos estabelecidos para a denúncia dos defeitos”; idem, Acórdão do STJ de 31.05.2016, supracitado, que decidiu que “[a] denúncia pode ser dispensada no caso de o adquirente detetar o defeito dentro do prazo de garantia e intentar a ação no prazo de um ano a partir desse conhecimento, pois, então, a citação para a ação funcionará como denúncia”].
Esta conclusão vale também, diga-se, para os defeitos apontados em 13.a a 13.d. caso se entenda que estes não estão compreendidos no reconhecimento dos defeitos descrito nos nºs 7 e 8 dos factos provados [o que não é o nosso caso, como se depreende do que atrás expusemos].
Daí que também nesta parte se imponha a improcedência da exceção da caducidade invocada pela ré recorrente.
Em conclusão, improcede o recurso e, embora com fundamentação diversa, deve manter-se o decidido na sentença recorrida acerca da eliminação/reparação dos defeitos descritos em 6.a. a 6.h. e 13.a. a 13.g. dos factos provados.
As custas deste recurso ficam a cargo da recorrente, face ao total decaimento nesta 2ª instância - arts. 527º nºs 1 e 2, 607º nº 6 e 663º nº 2 do CPC..