APOIO JUDICIÁRIO
NOMEAÇÃO DE PATRONO
FALTA JUNÇÃO AOS AUTOS DO REQUERIMENTO COMPROVATIVO DO PEDIDO FORMULADO
EFEITOS
Sumário

I - O requerente de apoio judiciário que pretenda usufruir da interrupção do prazo nos termos do artigo 24.º, n.º 4 da LAJ tem o dever de diligência de juntar aos autos o comprovativo de tal pedido ainda na pendência do prazo.
II - A comunicação de tal pedido ao Tribunal pode ser feita pelo requerente ou terceiro.
III - Não tendo sido junto aos autos, no decurso do prazo da contestação, qualquer documento comprovativo de que foi requerido nesse prazo a nomeação de patrono, nem informação da qual se pudesse deduzir esse requerimento e a respectiva tempestividade, o prazo para contestar não se interrompeu ao abrigo do n.º 4 do artigo 24.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, ainda que mais tarde se tenha apurado que a ré apresentara esse requerimento na segurança social.
IV - Este entendimento não viola qualquer direito da requerente designadamente do exercício do direito de defesa e de acesso à justiça.

Texto Integral

PROC. N.º[1] 12579/23.4T8PRT-A.P1


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Tribunal Judicial da Comarca do Porto

Juízo de Execução do Porto - Juiz 4

RELAÇÃO N.º 199

Relator: Alberto Taveira

Adjuntos: Anabela Andrade Miranda

Maria da Luz Seabra


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ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO


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I - RELATÓRIO.

AS PARTES

Executada: AA.

Exequente: A... Gmbh - Sucursal Em Portugal.


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Por apenso à execução movida por A... Gmbh - Sucursal Em Portugal contra BB e AA, veio esta deduzir oposição à penhora.

Nos autos de execução foi efectuada a penhora de vencimento ao Centro Nacional de Pensões, da executada, ora oponente cfr. ofício de notificação datado de 17.07.2023.

Foi elaborado auto de penhora da pensão da executada, pensão no valor de 396,74 € - cfr. auto de penhora de 15.01.2024. Constando do mesmo: “O montante a ser descontado na verba n.º 1, resulta de 1/3 da soma total da pensão líquida da executada e do subsídio de férias/natal. Os descontos tiveram início no mês de Dezembro 2023, e manter-se-ão até perfazer a quantia exequenda e custas judiciais. A penhora ocorre nos meses em que a pensão total líquida for superior ao SMN, nomeadamente nos meses de subsídios de férias/natal.

A executada é citada por carta registada com AR, datada de 15.01.2024.

Com data 19.04.2024 a secretaria do Tribunal informa a Agente de Execução “de que não deu entrada nesta Secretaria, até à presente data, qualquer oposição/embargo”. Informação renovada a 24.05.2024.

Com data de 28.06.2024 foi dada notícia de que a executada AA formulou pedido de apoio judiciário tendo sido nomeado patrono. Foi junto documento de notificação ao patrono da nomeação com data 28.06.2024.

Com data de 19.07.2024 é dada notícia aos autos da decisão de deferimento do apoio judiciário nas modalidades de nomeação de patrono pagamento de compensação de patrono, e bem como de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo. A decisão tem a data de 28.06.2024.

A oposição à penhora dá entrada a 18.07.2014.


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DA DECISÃO RECORRIDA

É proferida DECISÃO, nos seguintes termos:

Pelo exposto, indefiro liminarmente a oposição à penhora aqui apresentada, com a sua consequente extinção, determinando-se o oportuno arquivamento destes autos.

Custas pela aqui executada/oponente (arts. 527.º, n.ºs 1 e 2, e 529.º do CPC), sem prejuízo do apoio judiciário, fixando-se como valor desta causa o da execução (€3.486,33).“.


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DAS ALEGAÇÕES

A executada/oponente, vem desta decisão interpor RECURSO, acabando por pedir o seguinte:

Termos em que revogando-se a douta sentença proferida em Ia instância será feita inteira justiça“.


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A apelante apresenta as seguintes CONCLUSÕES:
A. A aqui apelante e executada discorda, respeitosamente, de que a presente oposição à execução tenha sido apresentada fora de prazo legal, sendo irrelevante para tal o pedido de apoio judiciário, consagrado em 28/06/2024.
B. E certo que é um dever comunicar o pedido de apoio judiciário ao Tribunal, mas muitas vezes os requerentes não são efectivamente informadas dos procedimentos a adoptar em relação ao pedido de apoio judiciário.
C. O que in casu aconteceu: a recorrente é pessoa idosa, sem possibilidades económicas, e não foi informada do que teria de fazer.
D. Dispõe o artigo 24°, n° 4 da Lei n° 34/2004, de 29 de Julho, que a interrupção do prazo previsto no artigo 728°, n° 1 do Código de Processo Civil, efectua-se com a junção aos autos pelo executado do comprovativo do pedido de apoio judiciário.
E. Admitindo apenas a letra da lei, estamos perante a violação dos direitos de defesa e tutela jurisdicional efectiva, bem como o direito a um processo equitativo, consagrados nos artigos 13° e 20° da Constituição da República Portuguesa.
F. O instituto do apoio judiciário foi consagrado constitucionalmente para assegurar que a insuficiência económica não seja impeditiva para que os cidadãos que pretendam fazer valer os seus direitos nos tribunais acedam à Justiça. O douto Tribunal recorrido, ao efectuar a interpretação literal e acrítica do artigo 24°, n° 4, da Lei n° 34/2004, de 29 de Julho, mesmo que a aplicando à informação trazida ao processo pelos serviços externos (Ordem dos Advogados e Segurança Social), está a descurar a interpretação teleológica e sistemática do preceito legal acima aludido, parecendo descurar a ratio do instituto do apoio judiciário.
G. É certo que, a recorrente tinha que apresentar a sua oposição à execução, no decurso do respectivo prazo, requereu a concessão de apoio judiciário junto do Instituto da Segurança Social, IP., pelo que, numa interpretação e redacção conformes com a Constituição da República Portuguesa, sempre se dirá que o prazo de 20 dias a que alude o artigo 728°, n° 1 do Código de Processo Civil, ficou interrompido, com o respectivo requerimento de protecção jurídica apresentado pela apelante junto dos serviços competentes da Segurança Social.
H. Só com a nomeação de patrono oficioso é que a recorrente teve condições de poder exercer os seus direitos de defesa e de acesso ao direito, tendo sido após a designação daquele que a executada, enquanto beneficiária de apoio judiciário, teve conhecimento claro e cabal dos factos que podia e devia contestar, em que medida o poderia fazer e como enquadrá-los juridicamente, exercendo em termos minimalistas o seu direito a um processo equitativo e ao patrocínio judiciário.
I. A concretização do artigo 20° da Constituição da República Portuguesa não pode ser impeditiva por acasos burocráticos e por falta de junção a processos judiciais dos comprovativos de pedidos de apoio judiciário, quando requerida com a consequente concessão de patrono oficioso, uma vez que a Constituição pretende, com o n° 2 do normativo referido, que efectivamente a pessoa tenha um patrono judiciário.
J.- Em harmonia com o previsto no artigo 9o do Código Civil, não nos devemos cingir à letra da lei, mas, outrossim, reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico.
K.- Com todo o respeito e consideração que nos merece o Tribunal de Ia instância, e perante um processo executivo, de que está claramente estatuído na Lei Processual Civil a gravidade das consequências para a executada de que a não dedução de oposição implica a confissão dos factos invocados pela exequente, enquanto revelia operante, em conformidade com o preceituado no artigo. 567°, n° 1 do Código de Processo Civil.
L.- Pelo que, decidindo como decidiu o douto Tribunal recorrido, a recorrente perde o seu direito à justiça.
M.- Pelas razões supra enunciadas, no modesto entendimento da recorrente, a interpretação perfilhada pelo douto Tribunal a quo violou, assim, o disposto no artigo 24°, n° 4 da Lei n° 34/2004, de 29 de Julho, bem como os artigos 13° e 20°, ambos da Constituição da República Portuguesa.
N.- Pelo que, deve ser proferido douto acórdão revogando o douto despacho recorrido, considerando-se tempestivo, relevante e legal a oposição à penhora da pensão de reforma da recorrente, e em consequência o prosseguimento dos autos.

O - Entende a aqui a executada e apelante, que os subsídios de Natal e de férias são direitos dos trabalhadores/cidadãos e não meros complementos facultativos, que também estão garantidos pela legislação que garante o salário mínimo nacional.
P - Os subsídios contribuem para garantia de uma subsistência condigna, permitindo a quem deles aufere, garantir o pagamento de despesas anuais, como seguros ou outras prestações, ou mesmo permitir determinados gastos que, pela exiguidade dos rendimentos mensais, só lhe são permitidas duas vezes ao ano;
Q - Na penhora de bens da executada, o princípio da dignidade da pessoa humana é um importante travão ao desígnio do cumprimento das obrigações. A satisfação dos direitos de crédito não é um interesse a proteger a qualquer preço, não se podendo esquecer que o artigo Io da Constituição da República Portuguesa proclama um dos princípios fundamentais, baseada na dignidade da pessoa humana, o que obriga, no regime da penhora de bens, que se salvaguarde as condições mínimas de uma vida digna da executada e aqui apelante.
R - A penhorabilidade dos subsídios de férias e de Natal de pensões e salários, face à limitação à penhora de bens instituída no art.° 738° do Código do Processo Civil tem sido objecto de decisões desencontradas nos tribunais e opiniões divergentes na doutrina. Resulta da segunda parte do n.° 3 daquele preceito, que são impenhoráveis os salários e pensões quando a executada não tenha qualquer outro rendimento e estes não excedam o valor do salário mínimo nacional (cf Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 07/11/2023, Processo n° 5404/18.0T8VIS-A.C1).
S.- No presente caso, o valor da pensão auferida pela executada não excede, mensalmente, o valor do salário mínimo nacional, pelo que, além das respectivas prestações mensais, também estão a salvo de qualquer penhora os respectivos subsídios de férias e de Natal.
T - Por isso conclui-se que, no confronto do direito do exequente à satisfação do seu crédito com o direito da executada á protecção na doença e velhice através da pensão que lhe garante um mínimo de subsistência, deve prevalecer este último, pois que, a penhora de pensões não superiores ao valor do salário mínimo nacional constitui um sacrifício excessivo e desproporcionado do direito da executada e pensionista, na medida em que esta vê o seu nível de subsistência básico descer abaixo do mínimo considerado necessário para a existência com a dignidade humana que a Constituição da República Portuguesa garante.
U - No caso concreto, sucede que a executada e apelante recebe uma pensão mensal de velhice do Centro Nacional de Pensões de € 649,70, inferior à remuneração mínima mensal garantida (RMMG), nos termos em que foi actualizada pelo Decreto-Lei n° 107/2023, de 17 de Novembro, que fixou em € 820,00 mensais para 2024.
V - Ora, no presente caso das pensões pagas mensalmente com direito a subsídio de férias e de Natal, a impenhorabilidade tem que salvaguardar qualquer uma das suas prestações, incluindo os subsídios, quando estas têm um valor inferior ao salário mínimo nacional.
W - Mesmo o facto, nos meses em que são pagos esses subsídios (de férias e de Natal), a soma do valor da pensão mensal com o valor do subsidio ultrapassar o valor do salário mínimo nacional, não permite que tais prestações passem a estar expostas à penhora para satisfação do direito do exequente, uma vez que elas, por serem pagas no mesmo momento, não deixam de ser necessárias à subsistência condigna do seu titular«
X - A sentença da Ia instância, atenta, designadamente a clamorosa e injustificada violação do princípio da dignidade da pessoa humana, que salvaguarde as condições mínimas de uma vida digna da executada.“.

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Não foram apresentadas contra-alegações.


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II-FUNDAMENTAÇÃO.

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 3 do Código de Processo Civil

Como se constata do supra exposto, as questões a decidir, são as seguintes:

A) Da tempestividade da apresentação da oposição à penhora; desconsideração da letra da Lei (artigos 2.º, n.º 4 da Lei n.º 34/2004 de 29.07 – interrupção do prazo); violação de princípios e normas constitucionais.

B) Os subsídios de férias e de Natal não devem ser objecto de penhora.


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OS FACTOS

Os factos com interesse para a decisão da causa e a ter em consideração são os constantes no relatório, e que aqui se dão por reproduzidos.


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DE DIREITO.

A)

Da tempestividade da apresentação da oposição à penhora; desconsideração da letra da Lei (artigos 2.º, n.º 4 da Lei n.º 34/2004 de 29.07 – interrupção do prazo); violação de princípios e normas constitucionais.

Sustenta a apelante, que tendo como assente a dedução da oposição ser intempestiva, discorda da argumentação da primeira instância quando declara que não ocorreu qualquer interrupção do prazo para deduzir oposição à penhora.

Que a não comunicação ao processo de haver formulado pedido de apoio judiciário com nomeação de patrono, que nos termos do artigo 24.º, n.º 4 da LAJ (Lei n.º 34/2004, de 29.07) interrompe o prazo em curso, a leitura da norma em termos literais, conclui a apelante que “estamos perante a violação dos direitos de defesa e tutela jurisdicional efectiva, bem como o direito a um processo equitativo, consagrados nos artigos 13° e 20° da Constituição da República Portuguesa”. Que a “interpretação literal e acrítica do artigo 24°, n° 4, da Lei n° 34/2004, de 29 de Julho, mesmo que a aplicando à informação trazida ao processo pelos serviços externos (Ordem dos Advogados e Segurança Social), está a descurar a interpretação teleológica e sistemática do preceito legal acima aludido, parecendo descurar a ratio do instituto do apoio judiciário”.

Que o prazo ficou interrompido com o requerimento de apoio judiciário junto dos serviços ad Segurança Social, independentemente da comunicação ou não ao processo de tal pedido. “Só com a nomeação de patrono oficioso é que a recorrente teve condições de poder exercer os seus direitos de defesa e de acesso ao direito, tendo sido após a designação daquele que a executada, enquanto beneficiária de apoio judiciário, teve conhecimento claro e cabal dos factos que podia e devia contestar, em que medida o poderia fazer e como enquadrá-los juridicamente, exercendo em termos minimalistas o seu direito a um processo equitativo e ao patrocínio judiciário”.

Vejamos.

Com efeito, a primeira instância fundamenta a sua decisão do seguinte modo:

(…)

Como resulta dos autos, foi apresentada pela aqui executada/oponente a presente oposição à penhora da sua pensão de reforma, o que sucedeu no dia 18/07/2024.

No caso em apreciação, está em causa uma execução sumária e foi elaborado auto de penhora da pensão de reforma da executada em 15/01/2024, como se retira dos autos de execução, estando a aqui executada/oponente citada desde 17/01/2024, também para efeitos de oposição à referida penhora, como tudo consta do A/R junto aos autos, mas não ofereceu qualquer oposição à execução e a tal penhora, ficando precludido tal direito.

Por outro lado, foi depois efetuada outra penhora/penhora do crédito/IRS, a qual foi notificada à respetiva executada pela carta de 03/05/2024, mas não foi apresentada qualquer oposição a tal concreta penhora.

Com efeito, a citação postal/pessoal da referida executada ocorreu no dia 17/01/2024, na área desta cidade e Comarca do Porto, sendo citada a executada na sua pessoa, como informou o Sr. AE e consta do A/R junto aos autos e dos demais elementos juntos na execução, sendo de considerar válida e relevante tal citação postal (arts. 228.º, n.ºs 1 a 4, e 230.º, n.º 1, todos do CPC).

Por outro lado, por falta dos requisitos legais, também não se aplica aqui o regime previsto no art.º 24.º, n.ºs 4 e 5, da Lei n.º 34/2004, de 29/07, na atual versão, sob pena de fraude à lei e abuso de direito.

Com efeito, por si só, o facto de ter sido solicitado perante a Segurança Social o aludido apoio judiciário pela aqui executada/oponente não releva nestes autos para efeitos de interrupção do prazo em curso.

É que, conforme resulta dos autos, a aqui executada/oponente nada comunicou aos autos de execução, nem juntou a tal processo executivo qualquer comprovativo de ter efetuado o pedido de apoio judiciário – não cumprindo o ónus de, dentro do prazo que estava em curso, juntar tal documento/pedido de apoio judiciário aos presentes autos.

Assim, no âmbito do apoio judiciário (apenas aqui conhecido em 28/06/2024-com a nomeação de advogado/patrono pela OA, como indicado na execução) e por força deste regime legal, não ocorreu qualquer válida e eficaz interrupção ou suspensão do prazo em curso para apresentar a oposição à execução ou à penhora (cfr., sobre esta temática, entre muitos outros, o Ac. do TRG de 15/09/2011 (relator: Des. Dr. Carvalho Guerra), in www.dgsi.pt/jtrg.; bem como o Ac. do TRL de 21/06/2011 (relator: Des. Dr.ª Filomena Lima), in www.dgsi.pt/jtrl.); e ainda o Ac. do TRP de 15/11/2018 (relator: Des. Dr.ª Anabela Tenreiro), no proc. n.º 30488/15.9T8PRT-A.P1, desta secção/juízo).

O decurso do citado prazo perentório legalmente fixado extinguiu o direito de praticar o ato, inexistindo fundamento válido a permitir a dedução extemporânea/infundada de oposição à penhora.

Assim, é de considerar que a presente oposição à penhora (da pensão de reforma) foi deduzida fora do prazo legal/normal (em 18/07/2024), sendo que para efeitos de oposição à penhora do referido bem/pensão de reforma o prazo normal terminou no dia 06/02/2024.

A presente oposição à execução foi assim apresentada fora do prazo legal, como tudo consta dos autos, sendo irrelevante para tal efeito o pedido de apoio judiciário (apenas aqui conhecido em 28/06/2024, como consta da execução).

O ato em causa também não foi por si praticado nos três dias úteis subsequentes ao termo do prazo (até 09/02/2024), pelo que não se aplica aqui o disposto no art.º 139.º, n.º 5, do CPC.

A presente oposição à penhora foi assim apresentada fora do prazo legal e de forma inválida, sendo de considerar intempestiva, irrelevante e ilegal, ficando perdido o direito de praticar tal ato. (…)

Claramente, nestes autos, não se discute em que momento a executada deduziu oposição e que tal momento é para além daquela que a Lei fixa. Isto é, assume a apelante/executada que a dedução da oposição à penhora foi feita fora de tempo.

Argumenta que a mesma deve ser apreciada como tempestiva, pois que quando apresentou e formulou pedido de apoio judiciário de nomeação de patrono ainda não havia tal prazo decorrido na integra, não podendo ser considerado em seu desfavor a “mera” circunstância de não haver comunicado tal pedido ao processo no mesmo momento.

Dispõe o artigo 24.º, n.º 4 da LAJ o seguinte:

4 - Quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de acção judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo.

Desde já afirmamos que de todo em todo não assiste razão à apelante.

A lei faz depender a interrupção do prazo da verificação de um conjunto de pressupostos:

- o pedido de apoio judiciário formulado tem de incluir o pedido de nomeação de patrono;

- a junção aos autos pelo requerente ou terceiro do documento comprovativo da apresentação desse pedido; e

- a comprovação enquanto o prazo estiver a correr.

Na realidade, tendo sido formulado pedido de apoio judiciário para nomeação de patrono no âmbito de processo judicial, o prazo em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo, a efectuar pelo requerente do apoio judiciário ou por terceiro, designadamente, pelos serviços da Segurança Social.

A consequência de tal não apresentação junto do processo no qual se pretende satisfeita e concretizada tal pretensão é aquela que a Lei determina. A redacção do artigo 24.º da LAJ, nos seus vários números tem sido objecto de inúmeras decisões do Tribunal Constitucional, sempre no sentido da sua constitucionalidade, mais concretamente na questão ora em apreço.

Não estando demonstrado o ónus de apresentação/junção aos autos de documento comprovativo da apresentação do requerimento que deu início ao procedimento administrativo até ao término do prazo em curso, o prazo não se considera interrompido. É essencial e determinante que seja dada notícia aos autos que deu entrada nos serviços da Segurança Social do pedido de apoio judiciário de nomeação de patrono até ao terminus do prazo em curso. Quer seja pelo requente do apoio judiciário, quer pela OA, quer pela Segurança Social, ou mesmo terceira pessoa. Importa é que os autos tenham conhecimento da pendência de processo administrativo do apoio judiciário.

É requisito essencial e indispensável para ver interrompido o prazo em curso o cumprimento do comando legal do n.º 4 do artigo 24.º da LAJ. Recai sobre o beneficiário da interrupção do prazo o ónus ou o dever de diligência da junção do comprovativo do requerimento de apoio judiciário no decurso do prazo para contestar. Se, por ventura, no decurso do prazo em curso para contestar, não estiver feita essa comprovação no tribunal onde pende a acção, e o tribunal não aceder de outra forma à comprovação documental do pedido formulado na segurança social, recairão sobre ele os efeitos da omissão do acto processual previsto na norma.

Neste sentido, aferindo da constitucionalidade da norma em causa e a este propósito o Tribunal Constitucional Acórdão 859/2022, podemos ler:

O artigo 24.º integra o conjunto das disposições da Lei n.º 34/2004 que regulam a proteção jurídica na modalidade de apoio judiciário, dispondo sobre os efeitos do pedido de apoio judiciário quando o requerente pretende a nomeação de patrono (alíneas b) e e) do n.º 1 do artigo 16.º) para assegurar a sua representação no âmbito de uma ação judicial pendente. De acordo com o n.º 4 do referido artigo, tal determina a interrupção do prazo judicial que estiver em curso, o qual se reiniciará nas condições previstas no n.º 5: em caso de deferimento do pedido, com a notificação ao patrono nomeado da sua designação (alínea a)); se a decisão for de indeferimento, com a respetiva notificação ao requerente (alínea b)).

A norma sindicada versa sobre as condições de cuja verificação depende a interrupção do prazo processual já iniciado em ação judicial pendente por efeito da apresentação por quem nela pretenda ou deva intervir de um pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono. No essencial, o seu sentido é o seguinte: a neutralização do prazo já iniciado no âmbito de ação pendente constitui um efeito da formulação do pedido de apoio judiciário que se produz no processo se e quando for junto aos autos o documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo junto dos competentes serviços da segurança social; se essa junção não ocorrer até à sobrevinda do termo final do prazo em curso, este esgotar-se-á sem antes ter sido interrompido, com todas as consequências que daí advêm para o requerente do apoio judiciário, tendo em conta a natureza perentória e preclusiva que, em regra, caracteriza os prazos que a lei fixa aos interessados para intervirem na lide. Daqui se segue que a pessoa carenciada de meios económicos que recorra ao apoio judiciário para suportar os encargos inerentes ao patrocínio judiciário em causa judicial pendente na qual «[…] tenha um interesse próprio» (artigo 6.º, n.º 2, da Lei n.º 34/2004) tem um ónus acrescido de comprovar no tribunal, no decurso do prazo em curso, que formulou esse pedido nos serviços da segurança social.

É certo que a norma sindicada não impõe que seja o próprio requerente do apoio judiciário a providenciar pela junção aos autos do documento comprovativo de que o requereu, não excluindo assim que o efeito interruptivo se produza através do conhecimento do pedido de nomeação de patrono por outra via (v.g. comunicação da segurança social, de outro interveniente no processo ou até de pessoa estranha à lide, ou por conhecimento funcional do tribunal), desde que a comunicação e comprovação cheguem ao processo antes de completado o prazo em curso. Porém, sendo ao requerente do apoio judiciário que aproveita a interrupção do prazo em curso na ação em que pretende intervir, tal ónus é-lhe indiretamente imposto pelo n.º 4 do artigo 24.º da Lei n.º 34/2004. Em rigor, trata-se do encargo que advém para o requerente do apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono de, no decurso do prazo em curso, fazer a correspondente comprovação no tribunal onde pende a ação judicial, sob pena de, se o não fizer e, até ao termo daquele prazo, o tribunal não aceder à comprovação documental do pedido formulado junto dos serviços da segurança social por outros meios, se produzirem os efeitos correspondentes à omissão do ato processual que àquele incumbia praticar no processo.

É este, em rigor, o conteúdo do ónus que a recorrente considera violar o «disposto nos artigos 1.º, 2.º, 18.º e 20.º, n.ºs 1, 2 e 4, e 65.º da Constituição da República Portuguesa».

10. A norma sindicada foi já apreciada na jurisprudência deste Tribunal, que a não julgou inconstitucional, primeiro no Acórdão n.º 285/2005 e, subsequentemente, nos Acórdãos n.ºs 350/2016 e 586/2016, este por remissão para aquele. (…)

(…)

Como atrás se viu, é há muito pacífica na jurisprudência constitucional a ideia de que o instituto do apoio judiciário, na medida em que «visa obstar a que, por insuficiência económica, seja denegada justiça aos cidadãos que pretendem fazer valer os seus direitos nos tribunais», corresponde, na sua criação, a um «imperativo constitucional plasmado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição», o mesmo é dizer ao resultado de uma prestação normativa a que o legislador se encontra vinculado de forma expressa. Simplesmente, se essa medida não fosse acompanhada de outras, de natureza processual, destinadas a evitar que aquele que recorre ao apoio judiciário na pendência de uma ação judicial veja a sua intervenção no processo dificultada, ou até mesmo obstruída, por essa circunstância, o direito deste aceder aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva, através de um processo equitativo que assegure a igualdade de armas e garanta a proibição da indefesa, seria largamente comprometido ou eliminado até. O instituto da interrupção do prazo processual em curso na ação para a intervenção na qual foi requerida a concessão de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono responde precisamente a essa exigência. Isto é, constitui a medida que, no plano da tramitação processual», acautela «a defesa dos direitos do requerente do apoio judiciário», tendo em conta que, «desacompanhada de mandatário forense, a parte não dispõe de meios para, no processo, defender (ou defender adequadamente) os seus direitos» (Acórdão n.º 98/2004).

Não há dúvidas, pois, de que a interrupção do prazo processual em curso, por efeito da formulação pela parte que dele é destinatária de um pedido de apoio judiciário, na modalidade de nomeação de patrono, constitui, como este Tribunal tem reiteradamente afirmado, uma «garantia inerente ao direito de acesso à justiça e aos tribunais, estatuído no n.º 1 do artigo 20.º da Constituição» (Acórdão n.º 515/2020). Tendo em conta que a apreciação do pedido de proteção jurídica formulado na pendência da ação pode bem ocorrer após o esgotamento do prazo processual, quase sempre preclusivo, previsto para a intervenção do requerente na ação, qualquer solução que não excecionasse a regra da continuidade dos prazos, designadamente nos termos que resultam dos n.º 4 e 5 do artigo 24.º da Lei n.º 35/2004, comprometeria irremediavelmente a posição dos sujeitos carecidos dos meios económicos necessários à contratação de advogado para fazerem valer as suas razões em juízo, além de pôr em causa o «imperativo constitucional de igualdade entre os cidadãos (artigo 13.º da Constituição), na vertente da igualdade de armas» (idem), e a proibição da indefesa. Porém, de acordo com a norma sindicada, é necessário, para que o efeito interruptivo se produza, que seja dado conhecimento ao processo de que a parte contra quem corre o prazo processual em curso requereu o apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, isto é, que seja junto aos autos o documento comprovativo desse requerimento. Inexistindo qualquer garantia, ou sequer expetativa, de que essa junção venha a ocorrer por outra via, assegurar que a mesma se efetivará a tempo de se produzir na ação a interrupção do prazo em curso constitui, assim, um ónus do requerente.

Para além da citada decisão do Tribunal Constitucional e demais jurisprudências aí citada, temos também que nos Tribunais comuns têm vindo a decidir de modo pacífico o mesmo entendimento.

Entre muitos outros, Acórdão Supremo Tribunal de Justiça 4833/23.1T8MTS.P1.S1, de 19.09.2014, relatado pelo Cons FERNANDO BAPTISTA, sumariado “I. Nos termos do artigo 24.º, n.º 4, da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, a interrupção do prazo processual em curso, depende da junção aos autos, no decurso desse prazo, do documento comprovativo da apresentação do pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono. II. Parece, porém, possível (e desejável) interpretar a norma legal como abarcando no seu objecto e fim social a situação em que a comprovação da apresentação do pedido no prazo legal advém não da junção pelo requerente de cópia do requerimento apresentado, mas da chegada aos autos (por iniciativa das partes, de terceiros ou de instituição ou entidades envolvidas), dentro do prazo em curso, de informação que demonstre que o pedido foi apresentado em tempo. III. Assim, não tendo sido junto aos autos, no decurso do prazo da contestação, qualquer documento comprovativo de que a ré requereu nesse prazo a nomeação de patrono, nem informação da qual se pudesse deduzir esse requerimento e a respectiva tempestividade, o prazo para contestar não se interrompeu ao abrigo do n.º 4 do artigo 24.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, ainda que mais tarde se tenha apurado que a ré apresentara esse requerimento na segurança social. IV. Donde não ter lugar a interrupção do prazo processual em curso (in casu, da contestação) apesar de, já depois de esgotado esse prazo, o tribunal ter sido informado que a parte apresentou na Segurança Social um pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, apesar de essa apresentação ter sido feita no decurso do prazo.”, Acórdão Tribunal da Relação do Porto 3955/22.0T8MAI-B.P1, de 17.06.2024, relatado pela Des ANA OLÍVIA LOUREIRO, sumariado “(…) II - A interrupção do prazo em curso por via da dedução de pedido de concessão do benefício do apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de encargos com patrono depende da comunicação e comprovação desse pedido ao respetivo processo. II - Tal interpretação não viola qualquer direito de efetivo exercício de direitos/defesa nem impõe a quem quer beneficiar de tal interrupção uma diligência desproporcionada ou injustificada.”, Acórdão Tribunal da Relação do Porto 5724/23.1T8MTS.P1, de 24.10.2024, relatado pela Des FRANCISCA MOTA VIEIRA, sumariado “I - O requerente do apoio judiciário que quer aproveitar da interrupção do prazo encontra-se indirectamente onerado pelo n.º 4 do artigo 24.º da Lei n.º 34/2004 com um dever de diligência na junção do comprovativo no decurso do prazo para contestar. II - Se, no decurso do prazo em curso para contestar, ele não fizer essa comprovação no tribunal onde pende a acção, e o tribunal não aceder de outra forma à comprovação documental do pedido formulado na segurança social, recairão sobre ele os efeitos da omissão do acto processual previsto na norma.”, Acórdão Tribunal da Relação do Porto 1546/20.0T8MAI-B.P1, de 07.06.2021, relatado pela Des ANA PAULA AMORIM e Acórdão Tribunal da Relação de Lisboa 10119/23.4T8LSB-A.L1-2, de 26.09.2024, relatado pelo Des ARLINDO CRUA.

Pelo exposto, improcede a pretensão da apelante.


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B)

Os subsídios de férias e de Natal não devem ser objecto de penhora.

Em face da improcedência do primeiro fundamento do recurso e em face da precedência daquele perante este, ie, sendo julgada extemporânea a oposição à penhora, não se conhece do fundamento em apreço.


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III DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto, em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pela apelante, sem prejuízo do apoio judiciário concedido (confrontar artigo 527.º do Código de Processo Civil).


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Sumário nos termos do artigo 663.º, n.º 7 do Código de Processo Civil.

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Porto, de 2025/2/11.

Alberto Taveira

Anabela Andrade Miranda

Maria da Luz Seabra

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[1] O relator escreve de acordo com a “antiga ortografia”, sendo que as partes em itálico são transcrições cuja opção pela “antiga ortografia” ou pelo “Acordo Ortográfico” depende da respectiva autoria.