COMPETÊNCIA MATERIAL
PROCESSO CRIME
PEDIDO CÍVEL EM SEPARADO
Sumário

I - Instaurado e pendente processo de natureza crime a instância cível pela qual se formula pedido de indemnização civil, impõe a Lei que a questão da indemnização seja obrigatoriamente discutida e decidia no processo crime.
II - Somente nos casos contados e expressamente previstos na Lei, artigo 72.º do Código de Processo Penal, é admissível a dedução em separado do pedido de indeminização civil, sob pena de falta de competência material do Tribunal.
III - O pedido cível formulado em processo-crime, tem que dizer respeito ao dano causado pelo crime, ie, o pedido de indemnização civil deduzido em processo penal tem como causa de pedir os factos típicos de um crime.

Texto Integral

PROC. N.º[1] 2674/23.5T8VFR.P1


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Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro

Juízo Central Cível de Santa Maria da Feira - Juiz 2

RELAÇÃO N.º 200

Relator: Alberto Taveira

Adjuntos: Maria da Luz Seabra

Artur Dionísio Oliveira


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ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

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I - RELATÓRIO.

AS PARTES


AA.: Citizens' Voice - Consumer Advocacy Association. E

Autores Populares

R.: A..., S.A..


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As AA. vieram demandar, ao abrigo do artigo 31.º, do Código de Processo Civil, e artigos 2.º, n.º 1, 3.º e 12.º, da Lei n.º 83/95, e artigo 3.º e 19.º, da Lei n.º 23/2018, a R. formulando os seguintes pedidos:

Nestes termos e nos demais de direito, que Vossa Excelência doutamente suprirá, deve a presente ação ser julgada procedente, por provada, e ser declarado que a ré:

A. teve o comportamento descrito no §3 supra;

B. violou qualquer uma das seguintes normas:

1. artigo 35 (1, c), do decreto lei 28/84;

2. artigos 6, 10, 11 (1), 12, do decreto lei 330/90;

3. artigo 311 (1, a, e), do decreto lei 110/2018;

4. artigos 4, 5 (1), 6 (b), 7 (1, b, d), 9 (1, a), do decreto lei 57/2008;

5. artigos 3 (a) (d) (e) (f), 4, 7 (4) e 8 (1, a, c, d) (2), da lei 24/96;

6. do artigo 11, da lei 19/2012;

7. artigos 6, 7 (1) (2) e 8, da diretiva 2005/29/CE;

8. artigo 3, da diretiva 2006/114/CE;

9. artigos 2 (a) (b), 4 (1), da diretiva 98/6/CE;

10. artigo 102, do TFUE;

C. especulou nos preços das embalagens de Queijo sem casca meio gordo, da marca ..., 450 g, pão de forma 8 cereais, da panificadora do B..., Lda, 350 g, e snacks tira para cão da marca ..., 115 g na sua sucursal, localizada em Rua ..., ..., ..., ..., ..., distrito de Aveiro;

D. publicitou enganosamente o preço das embalagens de Queijo sem casca meio gordo, da marca ..., 450 g, pão de forma 8 cereais, da panificadora do B..., Lda, 350 g, e snacks tira para cão da marca ..., 115 g, na sua sucursal localizada em Rua ..., ..., ..., ..., ..., distrito de Aveiro;

E. teve o comportamento supra descrito em qualquer um dos pedidos anteriores e que o mesmo é ilícito e

1. doloso; ou, pelo menos,

2. grosseiramente negligente;

F. agiu com culpa e consciência da ilicitude no que respeita aos factos supra referidos, com os autores populares;

G. com a totalidade ou parte desses comportamentos lesou gravemente os interesses dos autores populares, nomeadamente os seus interesses económicos e sociais, designadamente os seus direitos enquanto consumidores;

H. causou e causa danos aos interesses difusos de proteção do consumo de bens e serviços, sendo a ré condenada a reconhece-lo.

e em consequência, de qualquer um dos pedidos supra, deve a ré ser condenada a:

I. a indemnizar integralmente os autores populares pelos danos que lhes foram causados por estas práticas ilícitas, no que respeita ao sobrepreço, seja a titulo doloso ou negligente, em montante global:

1. a determinar nos termos do artigo 609 (2), do CPC;

2. acrescido de juros vencidos e que se vencerem, à taxa legal em vigor a cada momento, contados desde a data em que as práticas consideradas ilícitas foram praticadas até ao seu integral pagamento, tendo como base para o cálculo dos juros os valores que a ré for condenada a indemnizar os autores populares pelo sobrepreço;

3. e com método para determinação e distribuição de indemnizações individuais determinado pelo tribunal;

J. subsidiariamente ao ponto anterior, ser a ré condenada a indemnizar integralmente os autores populares pelos danos que resultou do sobrepreço causado pelas práticas ilícitas, em montante global:

1. a fixar por equidade, nos termos do artigo 496 (1) e (4) do CC, determinado em 1,02 euros, 0,31 euros e 0,65 euros por cada embalagem de Queijo sem casca meio gordo, da marca ..., 450 g, pão de forma 8 cereais, da panificadora do B..., Lda, 350 g, e snacks tira para cão da marca ..., 115 g, respectivamente vendida na sua sucursal, com estabelecimento localizado em Rua ..., ..., ..., ..., ..., distrito de Aveiro, desde 27.06.2023, às 08h00, até, pelo menos, 04.07.2023, às 21h00;

2. acrescido de juros vencidos e que se vencerem, à taxa legal em vigor a cada momento, contados desde a data em que as práticas consideradas ilícitas foram praticadas até ao seu integral pagamento, tendo como base para o cálculo dos juros os valores que a ré for condenada a indemnizar os autores populares pelo sobrepreço;

3. e com método para determinação e distribuição de indemnizações individuais determinado pelo tribunal;

K. ser a ré condenada a indemnizar integralmente os autores populares pelos danos morais causado pelas práticas ilícitas, em montante global:

1. a fixar por equidade, nos termos do artigo 496 (1) e (4), do CC, mas nunca inferior a 1,02 euros, 0,31 euros e 0,65 euros por autor popular;

2. acrescido de juros vencidos e que se vencerem, à taxa legal em vigor a cada momento, contados desde a data em que as práticas consideradas ilícitas foram praticadas até ao seu integral pagamento, tendo como base para o cálculo dos juros os valores que a ré for condenada a indemnizar os autores populares pelos danos morais;

3. e com método para determinação e distribuição de indemnizações individuais determinado pelo tribunal;

L. ser a ré condenada a indemnizar integralmente os autores populares, in casu, todos os consumidores em geral, medidos por agregados familiares privativos, pelos danos de distorção da equidade das condições de concorrência, e montante global:

1. nos termos do artigo 9 (2), da lei 23/2018, ou por outra medida, justa e equitativa, que o tribunal considere adequada, mas nunca menos que 1,02 euros, 0,31 euros e 0,65 euros por autor popular, in casu, agregados familiares privativos;

2. acrescido de juros vencidos e que se vencerem, à taxa legal em vigor a cada momento, contados desde a data em que as práticas consideradas ilícitas foram praticadas até ao seu integral pagamento, tendo como base para o cálculo dos juros os valores que a ré for condenada a indemnizar os autores populares pelos danos de distorção da equidade das condições de concorrência;

3. e com método para determinação e distribuição de indemnizações individuais determinado pelo tribunal;

M. ser a ré condenada a pagar todos os encargos que a autora interveniente tiver ou venha ainda a ter com o processo e com eventual incidente de liquidação de sentença, nomeadamente, mas não exclusivamente, com os honorários advocatícios, pareceres jurídicos de professores universitários, pareceres e assessoria necessária à interpretação da vária matéria técnica [tanto ao abrigo do artigo 480 (3), do CPC, como fora do mesmo preceito], que compreende uma área de conhecimento jurídico-económico complexa e que importa traduzir e transmitir com a precisão de quem domina a especialidade em causa e em termos que sejam acessíveis para os autores e seu mandatário, de modo a que possam assim (e só assim) exercer eficazmente os seus direitos, nomeadamente de contraditório, e assim como os custos com o financiamento do litígio (litigation funding) que venha a ser obtido pela autora interveniente;

N. porque o artigo 22 (2), da lei 83/95, estatui, de forma inequívoca e taxativa, que deve ser fixada uma indemnização global pela violação de interesses dos titulares ao individualmente identificados, mas por outro lado é omissa sobre quem deve administrar a quantia a ser paga, nomeadamente quem deve proceder à sua distribuição pelos autores representados na ação popular, vêm os autores interveniente requerer que declare que CITIZENS’ VOICE – CONSUMER ADVOCACY ASSOCIATION, agindo como autora interveniente neste processo e em representação dos restantes autores populares, têm legitimidade para exigir o pagamento das supras aludidas indemnizações, incluindo requerer a liquidação judicial nos termos do artigo 609 (2), do CPC e, caso a sentença não seja voluntariamente cumprida, executar a mesma, sem prejuízo do requerido nos pontos seguintes.

subsidiariamente, e nos termos do §4 (m):

O. o comportamento da ré, tido com todos os autores populares e descritos no §3, subsidiariamente, para o caso de não se aplicar nenhum dos casos supra, deve ser considerado mediante o instituto do enriquecimento sem causa e os autores populares indemnizados pelo sobrepreço cobrado, tal como sustentando em § 4 (m) supra.

em qualquer caso, deve:

P. o comportamento da ré, tido com todos os autores populares e descritos no §3, sempre deve ser considerado com abuso de direito e, em consequência, paralisado e os autores populares indemnizados por todos os danos que tal comportamento lhes causou;

requer-se ainda que Vossa Excelência:

Q. decida relativamente à responsabilidade civil subjetiva conforme § 15, apesar de tal decorrer expressamente da lei 83/95, sem necessidade de entrar no pedido;

R. decida relativamente ao recebimento e distribuição da indemnização global nos termos do § 16, apesar de tal decorrer expressamente da lei 83/95, sem necessidade de entrar no pedido;

S. seja publicada a decisão transitadas em julgado, a expensas da ré e sob pena de desobediência, com menção do trânsito em julgado, em dois dos jornais presumivelmente lidos pelo universo dos interessados, apesar de tal decorrer expressamente do artigo 19 (2), da lei 83/95, sem necessidade de entrar no pedido, e com o aviso da cominação em multa de € 100.000 (cem mil euros) por dia de atraso no cumprimento da sentença a esse respeito;

T. declare que a autora interveniente tem legitimidade para representar os consumidores lesados na cobrança das quantias que a ré venha a ser condenada, nomeadamente, mas não exclusivamente, por intermédio da liquidação judicial das quantias e execução judicial de sentença;

U. declare, sem prejuízo do pedido imediatamente anterior, que a ré deve proceder ao pagamento da indemnização global a favor dos consumidores lesados diretamente à entidade designada pelo tribunal para proceder à administração da mesma tal como requerido em infra em §16, fixando uma sanção pecuniária compulsória adequada, mas nunca inferior a € 100.000 (cem mil euros) por cada dia de incumprimento após o trânsito em julgado de sentença que condene a ré nesse pagamento;

V. declare uma remuneração, com uma taxa anual de 5 % sobre o montante total da indemnização global administrada, mas nunca inferior a € 100.000(cem mil euros) nos termos do requerido infra em §16, a favor da entidade que o tribunal designar para administrar as quantias que a ré for condenada a pagar;

W. declare que a autora interveniente tem direito a uma quantia a liquidar em execução de sentença, a título de procuradoria, relativamente a todos os custos que teve com a presente ação, incluindo honorários com todos os serviços prestados, tanto de advogados, como de técnicos especialistas, como com a obtenção e produção de documentação e custos de financiamento e respetivo imposto de valor acrescentado nos termos dos artigos 21 e 22 (5), da lei 83/95, sendo tais valores pagos exclusivamente daquilo que resultarem dos montantes prescritos nos termos do artigo 22 (4) e (5), da lei 83/95.

X. declare a autora interveniente isenta de custas;

Y. condene a ré em custas».

Oficiosamente os autos foram ao Ministério Público, tendo este suscitada a excepção da incompetência territorial do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo Central Cível de Santa Maria da Feira.

Os AA. vieram pronunciar-se quanto ao pedido pelo Ministério Público.

A M.ma Juíza, a 24.11.2023, profere despacho pelo qual determina a audição das partes, AA: e Ministério Público, para querendo se pronunciar nos seguintes termos:

Pelo anteriormente exposto, determina-se a notificação dos autores e do Ministério Público para o que tiverem por pertinente alegar e/ou requerer quanto à questão suscitada da incompetência deste Juízo Central Cível, em razão da matéria, para a tramitação e conhecimento da presente acção – arts. 3º, nº 3, 6º, 7º, nº 1 e 2 e 547º do Código de Processo Civil.”, realçado nosso.

A R., veio por requerimento de 20.02.2024 veio juntar procuração com poderes forenses gerais.


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DA DECISÃO RECORRIDA


Com data de 01.04.2024, foi proferida SENTENÇA, nos seguintes termos:

Por todo o anteriormente exposto, decide-se julgar este Juízo Central Cível incompetente, em razão da matéria, para a presente acção, indeferindo-se liminarmente a mesma e absolvendo-se a demandada da instância – arts. 96º, al. a), 97º, nº 1, 99º, nº 1, 278º, nº 1, al. a), 576º, nº 1 e 2 e 577º, al. a) do Código de Processo Civil.


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Custas a cargo dos autores – art. 527º, nº 1 e 2 do Código de Processo Civil.

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Valor da acção: o atribuído pelos autores – arts. 296º, nº 1 e 2, 297º, nº 1 e 2, 299º, nº 1 e 306º, nº 1 e 2 do Código de Processo Civil.“.

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DAS ALEGAÇÕES

Os AA., vêm vem desta decisão interpor RECURSO, acabando por pedir o seguinte:

Termos em que, ex vi do alegado supra, os apelantes rogam a Vossa Excelências, Venerandos(as), Senhores(as), Juízes(as) Desembargadores(as), que o presente recurso de apelação seja considerado meritoriamente procedente. Consequentemente, impõe-se a revogação da douta sentença exarada pelo tribunal a quo, e, concomitantemente, seja declarado os Juízos Central Cíveis competente sem razão da matéria para julgar a presente ação.“.

Mais formulam pedido:

Requer-se, caso Vossas Excelências entendam necessário e que os acórdãos do TJUE supra citados não são suficientemente elucidativos, o reenvio para interpretação prejudicial pelo TJUE das questões que importa suscitar considerando o exposto em §7 supra e a suspensão da instância até a pronúncia do TJUE sobre tais questões. Requer-se que Vossas Excelências, se assim o entenderem, que permitam aos autores contribuir para a formulação das questões a colocar ao TJUE, pois pese embora essa seja uma prerrogativa confiada aos juízes, as partes deverão cooperar nesse sentido, desde logo como impõe o artigo 7, do CPC.


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Os apelantes, AA., apresentam as seguintes CONCLUSÕES:

1. Os autores interpõem recurso de apelação nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 627, 629 (1), 631, 637, 639, 644 (1,a) e 647 (1), todos do CPC, por terem legitimidade para tal e estarem em tempo de o fazer (cf. artigo 638, do CPC), por não se conformarem com a decisão proferida e ora recorrida e com a mesma discordarem.

2. O tribunal a quo considerou-se incompetente ratione materiae, por entender, em suma, que estamos perante um caso de adesão obrigatória ao processo penal.

3. Isto porque o pedido e causa de pedir pode implicar a apreciação do disposto no artigo 35 (1, c) do decreto lei 28/84, que pune tal comportamento com prisão de 6 meses a 3 anos e multa não inferior a 100 dias.

4. Os factos que estribam a causa de pedir são os que contam no §3, que aqui se dão como reproduzidos por uma questão de proficiência, mas que se resume à ré cobrar aos consumidores, no momento do pagamento, um valor superior ao anunciado para aos produtos estimação, gerando uma discrepância significativa entre o preço afixado nas etiquetas e o preço cobrado no momento do pagamento.

5. O petitum, tal como articulado na petição inicial, para onde se remete, é que a presente ação seja julgada procedente e que seja declarado que, a ré, ora recorrida, incorreu nos comportamentos ilícitos descritos no § 3 da petição inicial (e que são a causa de pedir referida no número anterior), pretendendo-se, então, quem virtude desses comportamentos, a ré seja condenada ao pagamento de indemnizações aos autores populares pelos prejuízos causados – sendo este o fim último da ação.

6. Exceções ao Princípio da Adesão Obrigatória: Embora o princípio da adesão obrigatória ao processo penal esteja previsto no artigo 71 do CPP, existem exceções significativas elencadas no artigo 72 (1) do mesmo código, as quais permitem a dedução de pedido de indemnização civil em separado, perante o tribunal civil. Este caso particular enquadra-se em várias dessas exceções, justificando a tramitação da ação civil independente do processo penal. Vejamos quais:

7. Até à data da sentença, não foi deduzida acusação contra a ré nem iniciado qualquer processo penal pelos factos aqui alegados, apesar da notícia do crime datar a 8 meses antes. Esta demora ultrapassa o prazo referido no artigo 72 (1,a) do CPP, configurando uma das exceções ao princípio da adesão obrigatória e justificando a separação dos processos penal e civil.

8. À data da propositura da presente ação era impossível identificar todos os lesados e conhecer a total extensão dos danos, especialmente os indiretos, como os que afetam a equidade concorrencial. Tal situação configura mais uma exceção ao princípio da adesão obrigatória, conforme previsto no artigo 72 (1, d, i) do CPP.

9. O princípio da adesão, tal como estruturado no artigo 71 do CPP, não se coaduna com a natureza das ações populares, que possuem uma dimensão coletiva e visam tutelar interesses individuais homogéneos com base numa origem fáctica comum. Assim, aplicar rigidamente este princípio a ações populares poderia resultar numa restrição inadmissível ao acesso à justiça e ao direito de ação popular, contrariando tanto o direito constitucional de acesso aos tribunais quanto o princípio da efetividade no âmbito do private enforcement das regras da União Europeia em matéria de concorrência.

10. A aplicação estrita do artigo 71 do CPP às ações populares, sem considerar as exceções do artigo 72 (1,d,i), constituiria uma dupla inconstitucionalidade material, por violar os princípios constitucionais do direito de ação popular e do acesso ao direito e aos tribunais. Tal interpretação poderia impedir indevidamente o exercício da ação popular em defesa de interesses coletivos, em casos onde os lesados, apesar de determináveis, não estão individualmente identificados.

11. Finalmente, menciona-se um acórdão do Colendo Supremo Tribunal de Justiça chamado à colação na douta sentença ora sob recurso, que, embora tenha negado revista e confirmado a sentença recorrida com base na competência material do tribunal, não considerou as exceções previstas no artigo 72 do CPP.

12. Por fim, a douta sentença decidiu ainda condenar os autores em custas nos termos do artigo 527 (1) e (2), do CPC, no entanto, atento ao regime actual de custas processuais na ação popular, que resulta da conjugação do artigo 4 (1, b) e (5) do decreto-lei 34/2008, os autores estão isentos de custas, uma vez o pedido não foi julgado manifestamente improcedente - o pedido não foi manifestamente improcedente, o tribunal apenas concluiu que este tribunal não era competente em razão da matéria.

13. Dada a complexidade e a novidade das questões de direito da UE suscitadas neste caso, é imperativo solicitar uma interpretação prejudicial ao TJUE para garantir uma decisão informada e alinhada com os princípios e normativas europeias. Tal passo é crucial não apenas para a resolução justa do caso em apreço mas também para estabelecer precedentes valiosos para litígios futuros com questões semelhantes, tal como se sustenta em §7, que aqui se considera reproduzido por questão de ineficiência, mas que em resumo se justifica pelo seguinte:

14. Jurisprudência Relevante do TJUE: São mencionados acórdãos significativos do TJUE, como os casos Sales Sinués e Agrokonsulting, que fornecem orientações pertinentes para o caso em análise. Estes acórdãos ilustram a interpretação do TJUE sobre a interação entre ações coletivas e individuais, bem como os princípios da equivalência e da efetividade, enfatizando a necessidade de não impedir ou dificultar excessivamente o exercício dos direitos conferidos pela legislação da UE.

15. Compatibilidade do Princípio da Adesão com o Direito da UE: Solicita-se uma análise específica sobre a compatibilidade do princípio da adesão obrigatória ao processo penal, especialmente em casos de ações coletivas como a ação popular, com as normativas e princípios da UE. Esta questão é essencial para entender se o direito interno, no que se refere ao princípio da adesão, alinha-se com os requisitos e expectativas do direito da União, garantindo a tutela efetiva dos direitos dos consumidores e outros participantes do mercado.

16. Enquadramento Legislativo e Diretivo da UE: Enfatiza-se a importância de considerar a legislação e as diretivas relevantes da UE, como a Diretiva 2011/83/EU sobre os direitos dos consumidores e a Diretiva 98/6/Código da Estrada relativa à indicação dos preços dos produtos, na análise e decisão do presente caso. Tal consideração é fundamental para assegurar a conformidade com o direito da UE e a proteção eficaz dos direitos dos consumidores“.


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Subiram os autos a este Tribunal da Relação do Porto, tendo a R. impetrado requerimento pelo qual arguiu nulidade por falta de citação da R. nos termos do artigo 641.º, n.º 7 do Código de Processo Civil.

Foi ordenada a remessa dos autos à primeira instância a fim de conhecer tal questão – nulidade por falta de citação.


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Cumprido o disposto no artigo 641.º, n.º 7 do Código de Processo Civil, veio a R. interpor RECURSO SUBORDINADO.

Acaba por pedir:

Nestes termos e sempre com o mui douto suprimento do Colendo Supremo Tribunal de Justiça, deverá ser dado provimento ao presente recurso subordinado e, em consequência,

(i) Ser declarada procedente a exceção de incompetência territorial, absolvendo-se a Ré da instância,

(ii) Subsidiariamente, deverá ser declarada procedente a exceção de falta de personalidade judiciária da sucursal da Ré, identificada pela Autora na p.i., absolvendo-se a Ré da instância;

(iii) Subsidiariamente, deverá ser ordenado ao Tribunal a quo o imediato conhecimento das mencionadas excepções.

Em qualquer caso, ser a Autora condenada em custas, assim se fazendo a costumada justiça!”

Acaba por apresentar as seguintes conclusões:

1º. Em caso de procedência do Recurso da Autora quanto à declaração de incompetência material do Tribunal a quo, cabe a este douto Tribunal conhecer, subordinadamente das manifestas exceções de incompetência territorial e falta de personalidade judiciária da sucursal da Ré, demandada nos presentes autos.

2º. Quando à incompetência territorial, a mesma tem sido já declarada com avisada jurisprudência, em ações populares decalcadas da presente, designadamente, pelo Tribunal da Relação do Porto e Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo Central Cível da Póvoa do Varzim, termos da qual “No caso concreto, face aos valores peticionados, estarão em causa factos ilícitos praticados em todo o território nacional – é consabido que a ré possui estabelecimentos espalhados por todo o país; ora, a nosso ver, não seria compaginável ou adequada uma solução que permitisse uma escolha casuística do foro mais conveniente já que, em todos os estabelecimentos se alega ter existido uma discrepância entre o preço afixado e o efetivo; neste sentido, a forma possível de determinar o local da prática do facto ilícito será, naturalmente, o de considerar como tal o domicílio/sede do alegado infrator”.

3º. Por seu turno, a Ré não tem sucursais, uma vez que não possui órgãos de administração local pelo que, tal figura seria insuscetível à prática de factos relacionados com fixação de preços e a prática de crime ou contraordenações.

4º. O facto, tal como configurado pela Autora, traduz-se na decisão de vender com sobrepreço e, como ocorre em muitas situações de responsabilidade civil extracontratual, o lugar do facto ilícito causal não coincide com o lugar do dano. O facto ilícito, a ter existido, teria sido praticado na sede da Autora e não onde, alegadamente terá ocorrido o dano (o qual, também, nas palavras da Autora, terá ocorrido em todo o território nacional.)

5º. Em suma, aos presentes autos aplica-se a regra geral de aferição da competência prevista nos artigos 71.º n.º 2 e 81.º n.º 2 do CPC, isto é, na sede da Ré, sendo competentes para conhecer a presente ação, os Juízos Centrais Cíveis do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa.

6º. Ao longo da p.i. é clara e sucessivamente demonstrada a intenção da Autora em intentar a presente ação contra a sucursal da Ré em ..., distrito de Aveiro, a quem imputa a prática de ilícitos, com relevância penal e contraordenacional e a quem pede a condenação de diversos danos.

7º. A Autora esclarece que “é à sucursal e não à Ré A...” que pretende fazer seguir a ação, no entanto, é facto notório que não carece de prova que a A..., SA, não tem órgãos de administração local, i.e., não tem sucursais. Na verdade, as lojas não têm autonomia de gestão e, qualquer facto ilícito relacionado com alegada fixação de preços ou sobrepreço, a ter sido cometido, tê-lo-ia sido por decisão centralizada (na sede) da Ré, em Lisboa.

8º. Em suma, a Autora imputa factos e pede a condenação de uma entidade sem personalidade judiciária. Ora, “[n]ão existindo a referida sucursal, mas apenas um estabelecimento comercial da sociedade, a conclusão óbvia é a que falece personalidade judiciária à ré. Assim decidiu o Tribunal da Relação de Guimarães e assim decidiu o Juiz 3 e o Juiz 5 do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, em ações populares intentadas pela Autora contra a Ré.

9º. Os presentes autos dispõem de todos os elementos necessários para o conhecimento das exceções de incompetência territorial e falta de personalidade judiciária (i) seja porque a Autora sobre elas se pronuncia na p.i.; (ii) seja porque a Ré sobre elas se pronuncia em sede de recurso subordinado; (iii) seja porque ambas as exceções são de conhecimento oficioso.

10º. Em qualquer caso, ainda que este douto Tribunal assim não entenda, sempre se dirá que deverá ser ordenada a pronúncia, pelo Tribunal a quo, quanto às exceções suscitadas pelas partes e de caráter oficioso.


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A R. vem apresentar CONTRA-ALEGAÇÕES, acabando por pugnar pela improcedência do recurso das AA..

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As AA. vieram apresentar CONTRA-ALEGAÇÕES, ao recurso subordinado da R., acabando por pugnar pela improcedência do recurso da R..

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II-FUNDAMENTAÇÃO.


O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 3 do Código de Processo Civil

Como se constata do supra exposto, a questão a decidir, é a seguinte:

Da competência em razão da matéria do Juízo Central Cível para conhecer da demanda.


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OS FACTOS


Os factos com interesse para a decisão da causa e a ter em consideração são os constantes no relatório, e que aqui se dão por reproduzidos.

Do processado dos autos, quanto ao que aqui está em discussão, resulta:

i) A presente demanda deu entrada em juízo a 05.08.2023;

ii) Na sequência da promoção do Ministério Público, foi extraída certidão por eventualmente os factos alegados na petição inicial “integrarem o crime de especulação [de preços] previsto no art.º 35.º do Decreto-Lei nº 28/84 de 20/01/1984, desde já se requer se extraía certidão da petição e dos documentos referentes às facturas do A... e fotos das prateleiras do estabelecimento com alimentos, e se enviem ao DIAP de S. João da Madeira, com vista à instauração de procedimento criminal, pela prática do referido crime.”, e remetida a 21.09.2023 – realçado nosso.

iii) Existe uma solicitação formulado pelo Ministério Público, 17.10.2023, Procuradoria da República da Comarca de Aveiro Departamento de Investigação e Ação Penal - Secção de São João da Madeira, Inquérito 947/23.6T9SJM, a estes autos pedindo elementos (documentos).


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DE DIREITO.


A primeira instância, alicerçando a sua decisão em Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 898/22.1T8VRL.S1, de 12.10.2023, relatado pelo Cons. FERREIRA LOPES, julgou o Juízo Central Cível incompetente em razão da matéria para conhecer da presente demanda.

Em síntese, estando em causa o conhecimento de factualidade que reveste natureza criminal, por força do princípio da adesão incito no artigo 71.º do Código de Processo Penal, o pedido de indemnização deverá ser formulado no processo crime e não em separado.

Por sua vez, os apelantes, argumentam que no caso dos presentes autos, estamos perante a verificação de excepções a tal princípio, previstas no artigo 72.º do Código de Processo Penal – não foi deduzida acusação com notícia do crime há mais de oito meses, artigo 72.º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Penal; o desconhecimento de todos os lesados e extensão dos danos, artigo 72.º, n.º 1, alíneas d) e i) do Código de Processo Penal. Que a aplicação do princípio da adesão à acção popular viola o direito constitucional de acesso aos Tribunais.

A apelada, contra-argumenta, que o decidido não padece dos vícios, apontados no recurso dos AA..

Vejamos as normas legais em discussão.

Artigo 71.º (Princípio de adesão)

O pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei.

Artigo 72.º (Pedido em separado)

1 - O pedido de indemnização civil pode ser deduzido em separado, perante o tribunal civil, quando:

a) O processo penal não tiver conduzido à acusação dentro de oito meses a contar da notícia do crime, ou estiver sem andamento durante esse lapso de tempo;

(…)

d) Não houver ainda danos ao tempo da acusação, estes não forem conhecidos ou não forem conhecidos em toda a sua extensão;

(…)

i) O lesado não tiver sido informado da possibilidade de deduzir o pedido civil no processo penal ou notificado para o fazer, nos termos dos artigos 75.º, n.º 1, e 77.º, n.º 2.

Considerandos.

Vigora no nosso sistema jurídico o princípio de adesão, com letra de Lei no artigo 71.º do Código de Processo Penal.

Instaurado e pendente processo de natureza crime a instância cível pela qual se formula pedido de indemnização civil, impõe a Lei que a questão da indemnização seja obrigatoriamente discutida e decidia no processo crime. É pressuposto que a causa de pedir da instância civil tenha o mesmo sustento factual da instância crime, ie, que os factos criminalmente imputados ao(s) arguido(s) sejam a causa e fundamento do pedido de condenação civil. Por outras palavras, o pedido cível formulado em processo-crime, tem que dizer respeito ao dano causado pelo crime, ie, o pedido de indemnização civil deduzido em processo penal tem como causa de pedir os factos típicos de um crime.

A indemnização por perdas e danos que emerge da prática de crime tem a sua regulação pela lei civil, designadamente nos seus pressupostos. Por sua vez, em termos adjectivos é regulada pela lei do processo penal.

Somente nos casos contados e expressamente previstos na Lei, artigo 72.º do Código de Processo Penal, é admissível a dedução em separado do pedido de indeminização civil, sob pena de falta de competência material do Tribunal.

Recai sobre o impetrante o ónus de demonstrar os pressupostos da dedução em separado pois que se tratará de facto ao fim e ao cabo condicionante do correspondente direito de acção, por, na sua ausência, resultar a incompetência do tribunal cível.

Estamos perante uma excepção dilatória que é de conhecimento oficioso, entre muitas outras decisões jurisdicionais, cfr Acórdão Tribunal da Relação de Lisboa 1412/07-2, de 15.03.2007, relatado pelo Des EZAGUY MARTINS.

De acordo com argumentação dos apelantes está em apreciação a verificação ou não da excepção do aludido princípio de adesão obrigatório, plasmadas nas alíneas a), d) e i) do n.º 2 do artigo 72.º do Código de Processo Penal.

Contudo, no entender deste Tribunal a questão não se coloca na verificação das apontadas excepções.

A solução da questão diz respeito a saber se a presente demanda deduzida pelos AA. apenas tem por objecto as perdas e danos emergentes do crime que é imputado à R..

A resposta não pode deixar de ser negativa.

Os AA. formulam variadíssimos pedidos, os quais não têm o seu fundamento ou causa no imputado crime de especulação – artigo 35.º, n.º 1, alínea c) do Decreto-Lei n.º 28/84 de 20.01 – “Será punido com prisão de 6 meses a 3 anos e multa não inferior a 100 dias quem: Vender bens ou prestar serviços por preço superior ao que conste de etiquetas, rótulos, letreiros ou listas elaborados pela própria entidade vendedora ou prestadora do serviço”.

Como se pode constatar, as AA. formulam pedidos de condenação que dizem respeito ao Código de publicidade, sem que seja imputada a prática de uma contra-ordenação – artigos 6.º, 10.º, 11.º, n.º 1, e 12.º do Decreto-Lei n.º 330/90 de 23.10 –, na violação das regras concorrência desleal decorrente do Código da Propriedade Industrial artigo 311.º, n.º 1, alínea a) e e) (Decreto-Lei n.º 110/2018 de 10.12.) –, na violação das regras da concorrência desleal artigos 4.º, 5.º, n.º 1, 6.º, alínea b), 7.º, n.º 1, alínea b, d), 9.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 57/2008 de 26.03 –, na violação das regras da defesa do consumidor artigos 3.º, alínea a), d), e), f), 4.º, 7.º, n.º 4 e 8.º, n.º 1, alínea a), c), d) e 2, da Lei n.º 24/96 –, e na violação regras da concorrência, abuso de posição dominante, artigo 11.º, da Lei n.º 19/2012 de 08.05.

Deste modo, podemos concluir, por os vários pedidos de indemnização não terem unicamente sustento no imputado crime de especulação, indo buscar sustento, entre outros fundamentos, na violação das regras da concorrência e da protecção de consumidores.

Tanto basta, para se afirmar que o pedido de indemnização não é fundado único da responsabilidade aqui assacada pelos AA. à R..

Tendo assente este considerando, a responsabilidade que poderá ser apreciada no processo penal apenas será àquela que emerge da violação de uma norma de natureza criminal – bem jurídico protegido por tal incriminação.

De acordo com MARCELINO ANTÓNIO ABREU, Crime de especulação de preços, portal da O. A., https://portal.oa.pt/upl/%7B48bb29b1-8c11-4b30-9d1a-582f9748cbe9%7D.pdf, “o legislador quis incriminar condutas lesivas de interesses próprios do sector económico e do regular funcionamento da economia e só colateralmente, porque essas condutas podem lesar interesses dos consumidores, é que o legislador protegeu interesses dos consumidores. (…) bem jurídico respeitante à economia, mais concretamente ao salvaguarda da estabilidade dos preços em si, a salvaguarda da estabilidade do próprio mercado e, com isso, permitir que se criem condições para o desenvolvimento económico em geral. Nesta medida, é a estabilidade dos preços um bem jurídico de natureza supra individual.” Não estando protegidos directamente pela incriminação os interesses dos consumidores, estes não têm a natureza de ofendidos, e consequentemente não podem formular pedidos de indemnização.

Mas ainda que assim não fosse, sempre a presente apelação teria sucesso.

É jurisprudência assente que o excerto civil no processo penal terá que ter como causa de pedir “(…) os mesmos factos que são também pressuposto da responsabilidade criminal e pelos quais o arguido é acusado.”, Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 08P3638, de 10.12.2008, relatado pelo Cons SANTOS CABRAL. “A acção civil que adere ao processo penal, ficando nele enxertada, é apenas a que tem por objecto a indemnização de perdas e danos emergentes do facto que constitua crime.”, “Se o pedido não é de indemnização por danos ocasionados pelo crime, não se funda na responsabilidade civil do agente pelos danos que, com a prática do crime causou, então esse pedido não é admissível em processo penal”, cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 2647/06.2TAGMR.G1.S1, de 28.05.2015, relatado pela Cons HELENA MONIZ. “No pedido de indemnização civil deduzido ao abrigo da previsão normativa do artigo 71.º do CPP, a causa de pedir é constituída pelos factos constitutivos da prática de um crime. Dito de outro modo, os factos geradores da responsabilidade civil e os que justificam a responsabilidade criminal são necessariamente coincidentes”, cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra 68/11.4TAPNI.C1, de 18.10.2017, relatado pela Des ISABEL VALONGO. “Os danos indemnizáveis em processo penal são os que decorrem da prática do crime, pelo que terão de ser excluídos todos os demais, mesmo que os requerentes a eles tenham direito por outra razão que não a criminal”, cfr Acórdão do Tribunal da Relação do Porto 342/10.7TACHV.P1, de 09.01.2013, relatado pelo Des JOSÉ CARRETO. “Portanto, os factos geradores da responsabilidade civil têm que ser os mesmos que justificam a responsabilidade criminal (integralmente coincidentes), pelo que no âmbito do regime de aplicação do art. 129º do CPPenal, em que se remete a regulação da indemnização de perdas e danos emergentes do crime para a Lei Civil, apenas é abrangida a responsabilidade por factos ilícitos, sendo total a exclusão da responsabilidade contratual e da responsabilidade por factos lícitos, nos casos contemplados na Lei.“ cfr Acórdão Tribunal da Relação de Coimbra 871/17.1PBCBR-A.C1, de 07.06.2023, relatado pelo Des LUÍS TEIXEIRA.

Portanto, é manifesto que o pedido de indemnização civil em processo penal terá que ter como sustentáculo ou apoio, como causa de pedir, os mesmos factos que decorrem da imputação criminal, ie, no processo penal apenas será de admitir pedido de indemnização civil que tenha como suporte os mesmos factos da responsabilidade criminal.

O fundamento do princípio da adesão obrigatória tem plena justificação quando ocorre tal coincidência de “causas”.

A aludida adesão obrigatória tem, necessariamente, vantagens, importando economia processual, dado que num mesmo e único processo se resolvem todas as questões atinentes ao facto criminoso, sem necessidade de fazer correr mecanismos diferentes e em sede autónomas, outrossim, por razões de economia de meios, uma vez que os interessados não necessitam de despender e dispersar custos, a par das razões de prestígio institucional, porquanto se evitam contradições de julgados, neste sentido, Leal Henriques e Simas Santos, apud, Código de Processo Penal anotado, 1º volume, páginas 378 e seguintes, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Abril de 2013 (Processo n.º 1718/02 da 3º Secção), in, www.dgsi.pt.

Aprecia-se, pois, num só Tribunal os mesmos factos, na sua essencialidade, importando uma análise global do acontecimento, quer na perspectiva penal, quer na perspectiva civil, afastando-se a possibilidade de contradição de julgados entre as duas Jurisdições, importando, pois, que o pedido de indemnização civil, tenha de ser deduzido no processo penal, tendo como factos jurídicos donde emerge a pretensão do lesado, os mesmos factos que são pressuposto da responsabilidade criminal do arguido, neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Março de 2014 (Processo n.º 512/07.5TAVFR.P1.S1), in, www.dgsi/stj.pt, onde se consignou “pedido será “fundado” [na prática de um crime] se, além do mais, respeitar a exigência do art.º 71º do CPP, isto é, se tiver como causa de pedir os factos imputados ao arguido como sendo integradores de um ou mais crimes que fazem parte do objecto do processo penal em que é deduzido, e se esses factos se provam, pelo menos numa vertente que sustente a condenação em indemnização civil”.“, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 199/17.7T8TCS.C1.S1, de 22.11.2018, relatado pelo Cons OLIVEIRA ABREU.

Então podemos concluir tal como o fez o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães 2647/06.2TAGMR.G1, de 10.07.2014, relatado pelo des JOÃO LEE FERREIRA,I– O pedido de indemnização civil deduzido em processo penal tem sempre que ser fundado na prática de um crime. II – O poder de cognição do tribunal criminal é limitado pelo objeto do processo, que é delineado pelos factos e sujeitos referidos na acusação e/ou pronúncia se a houver. Salvo a possibilidade de alteração prevista na lei adjetiva, na sentença penal o tribunal só se pode pronunciar sobre os factos e as pessoas referidos naquelas peças processuais.

Ora, não havendo coincidência de “causas”, entre a presente demanda civil e o inquérito crime noticiado nos autos, terá que proceder a apelação, com a consequente revogação da decisão, devendo estes autos prosseguir os seus termos.


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Por força do decidido, fica prejudicado o conhecimento do recurso subordinado formulado pela R..

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III DECISÃO


Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto, em julgar procedente o recurso interposto, consequentemente revogando a decisão recorrida, declarando a competência do tribunal recorrido em razão da matéria para a apreciação dos autos.

Custas do recurso pela recorrida (confrontar artigo 527.º do Código de Processo Civil).


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Sumário nos termos do artigo 663.º, n.º 7 do Código de Processo Civil.

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Porto, 11 de Fevereiro de 2025
Alberto Taveira
Maria da Luz Seabra
Artur Dionísio Oliveira
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[1] O relator escreve de acordo com a “antiga ortografia”, sendo que as partes em itálico são transcrições cuja opção pela “antiga ortografia” ou pelo “Acordo Ortográfico” depende da respectiva autoria.