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MANDATÁRIO FORENSE
HONORÁRIOS
RECURSO
QUESTÃO NOVA
Sumário
I - Tendo o Autor prestado serviços aos Réus, a pedido expresso destes, no exercício da sua profissão de advogado, ao longo da fase administrativa do processo de expropriação, não tendo sido alegado e demonstrado ter sido acordada a gratuitidade dos referidos serviços, serão sempre devidos ao Autor honorários pelos serviços comprovadamente prestados e o reembolso das despesas feitas que este fundadamente tenha considerado indispensáveis. II - Não tendo os Réus/Apelantes alegado perante o tribunal de 1ª Instância que o trabalho do Apelado fora desenvolvido em prol de outros interessados e não em benefício exclusivo dos Apelantes, nem peticionado a redução dos honorários para um terço em função do número de interessados por aquele representados, tal constitui questão nova, que não sendo de conhecimento oficioso não pode ser conhecida em sede de recurso.
Texto Integral
Processo n.º 1854/13.6TJPRT-C.P1- APELAÇÃO Juízo Local Cível do Porto- Juiz 1
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Sumário (elaborado pela Relatora):
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I. RELATÓRIO:
1.AA intentou ação declarativa de condenaçãoem processo comum contra BB e CC peticionando a condenação dos Réus a pagarem-lhe a quantia de €15.990,00 a título de honorários, e €3.075,00 a título de despesas (custo da assessoria técnica a que teve de recorrer), decorrentes da execução do contrato de mandato celebrado com os Réus, tendo-os patrocinado na qualidade de advogado, a pedido daqueles, no âmbito de um processo de expropriação, mantendo-se por pagar a totalidade da nota de honorários e despesas que lhes foi apresentada.
2. Os Réus apresentaram contestação, alegando que não incumbiram o Autor de os representar naquele processo de expropriação, nem de recorrer da decisão arbitral, que não tiveram conhecimento e não autorizaram a despesa com a assessoria técnica, bem como que o Autor nunca lhes prestou qualquer informação sobre o andamento do processo.
3. Realizada audiência prévia, veio a ser proferido despacho saneador, com fixação do objecto do litígio e temas de prova.
4. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: “Pelo exposto, julgo parcialmente procedente a presente acção e, consequentemente, condeno os RR. BB e CC a pagarem ao A. AA: - a quantia de 15 990 € (quinze mil, novecentos e noventa euros), acrescida de juros de mora à taxa legal civil contados desde a citação dos RR; e - a quantia de 3 075 € (três mil e setenta e cinco euros), acrescida de juros de mora à taxa legal civil contados desde a presente data. As custas da acção ficam na íntegra a cargo dos réus, na medida em que a parte em que o autor decaiu – relativa aos juros das despesas peticionadas, os quais só se contarão a partir da presente data e não desde a citação – não foi considerada na fixação do valor da acção (art. 527º, nºs. 1 e 2, do CPC). Registe e notifique.” 5. Inconformados, os Réus interpuseram recurso de apelação da sentença final, formulando as seguintes CONCLUSÕES a) Ao abrigo do disposto no artigo 644.º, n.º 1, alínea a) do C.P.C., os Recorrentes interpõem o presente recurso de apelação da Sentença que, condena os réus a pagarem ao autor: 1. A quantia de 15.990€, acrescida de juros de mora desde a citação, a título de honorários forenses e 2. A quantia de 3.0745€ acrescida de juros de mora desde a Sentença, a título de serviços de assessoria. b) Da Sentença resultam como factos provados: 1. “Em 10-3-2024, o A., a pedido dos RR., instaurou recurso judicial da referida decisão arbitral, tendo elaborado e apresentado as respectivas alegações.” 2. “Tal recurso foi instaurado pelo A. em representação dos RR e, bem assim, em representação dos interessados DD e EE.” c) Contudo, o Tribunal a quo não valorizou corretamente tais factos na decisão ulteriormente tomada. d) O facto de o autor representar além dos réus, ora Recorrentes, mais duas partes com interesses necessariamente convergentes, tem de ser valorado pelo Tribunal. e) Todo o trabalho dado como provado foi em prol das três partes representadas pelo autor e não em benefício exclusivo dos Recorrentes. f) O laudo de honorários emitido pela Ordem dos Advogados Portugueses foi no sentido de considerar as 290 horas no tratamento da questão e um total global de 13.000€ (+ IVA) como adequados e justificados atenta a complexidade do assunto em causa. g) Tendo como pressuposto o patrocínio de um advogado e de uma parte interessada… h) E não, que o advogado representava, na realidade, três partes! i) Vendo o caso tão só por este prisma, mais justo seria, os Recorrentes serem responsabilizados apenas por um terço daquele valor. j) E pela mesma ordem de ideias, a redução para um terço do valor a que os réus foram também condenados por força da assessoria técnica prestada pela entidade “A..., SA” no valor de 2.500€ (+ IVA). k) Na Sentença que agora se recorre consta como facto não provado: “ 1. O A. disse aos RR. que apenas os interessados que recorressem da decisão arbitral iriam receber o valor que viesse a ser fixado pelo Tribunal.” l) Elaborando, ainda, na Fundamentação de facto: “Finalmente, quanto ao “facto não provado” nº 1, não adveio ao conhecimento do tribunal qualquer elemento que permitisse a sua verificação.” m) Esteve mal o Tribunal a quo, pois tal não corresponde à verdade, quando foi o próprio autor que veio no seu requerimento (erroneamente classificado de “Réplica”) datado de 21-04-2021 argumentar: “ 13. Alegam os réus que não precisavam de ter recorrido da decisão arbitral pois beneficiariam do recurso dos demais. E, que foram induzidos em erro na decisão que tomaram de recorrer da decisão arbitral. 14. Esta alegação contraria a tese de que recorreram da decisão arbitral na ignorância, por impulso do Autor. 15. Mas, para além de se tratar de alegação falsa também juridicamente é errada. 16. Desde logo porque nada impede que a entidade expropriante adquira por acordo parte do direito expropriado (por exemplo 1/6 ou outro). 17. Uma vez que não se verificam os requisitos do artigo 634º do CPC, o recurso da decisão arbitral dos demais não lhes aproveitava. 18. A decisão arbitral transita em julgado para aqueles que dela não recorrem. 19. É pois falso o alegado nos artigos 6º a 23º ambos inclusive.” n) Tendo conhecimento deste facto, que o Tribunal não poderia ignorar, só por si implica necessariamente uma decisão diversa da proferida. o) Pelo que, não podem a aqui os Apelantes concordar com a conclusão a que chegou o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo. p) Em relação às compartes num processo de expropriação estamos perante um litisconsórcio necessário, uma vez que se exige “a intervenção dos vários interessados na relação controvertida” e que “a falta de qualquer deles é motivo de ilegitimidade”. “É igualmente necessária a intervenção de todos os interessados quando, pela própria natureza da relação jurídica, ela seja necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal”. Tudo conforme os n.os 1 e 2 do artigo 33.º do C.P.C.. q) Com os mesmos argumentos, mutatis mutandi, valem também para as compartes que recorram daquela decisão arbitral. r) Os Apelantes são do entendimento que na fase judicial de processo de expropriação estamos perante um litisconsórcio necessário passivo, como no caso dos autos principais. s) Portanto, afigura-se-nos evidente a aplicação do artigo 634.º, n.º 1 do C.P.C., onde “o recurso interposto por uma das partes aproveita aos seus compartes no caso de litisconsórcio necessário”. t) Esta mesma posição foi a seguida pelo Tribunal no processo que correu termos nos autos principais, bastando consultá-los para constatar isso mesmo. u) Salvo o devido respeito, que aliás é muito, entendem os Recorrentes que errou o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo ao não absolver os réus pois não pode ser igualmente ignorado para efeitos de honorários, alegadamente, devidos que se o autor não representasse os réus, estes seriam beneficiados da mesma forma, à semelhança do que aconteceu com as partes FF e GG. v) Pois também está claro que não colhe o argumento popular de que, “mas alguém o teria que fazer!” porque o trabalho e dedicação do autor já iria acontecer, tendo em conta que representava mais duas partes nos respetivos autos que recorreram. w) O Tribunal a quo ao considerar aqueles factos como não provados e não os levar em consideração na elaboração da decisão da Sentença violou nomeadamente o artigo 607.º, n.º 5, parte final onde ao juiz é vedada a livre apreciação da prova quando os factos “estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes”. x) Também estamos perante factos notórios (não carecendo de prova ou alegação) todos aqueles que constam do processo principal e são conducentes à tese defendida pelos réus: que a inércia naqueles autos resultariam no aproveitamento (como aproveitou) dos que não recorreram. y) Foi perante aquele aconselhamento, atrás referido no ponto 16 das presentes alegações, que se mostra inquinadode objetividade, que originou os Apelantes em anuir no patrocínio em sede de recurso da decisão arbitral. z) Por outras palavras, se o autor não tivesse induzido em erro os Recorrentes, estes jamais teriam recorrido da decisão arbitral e como tal não haveria lugar ao pagamento de quaisquer honorários! aa)A decisão em análise fez uma incorreta interpretação dos factos e desadequada aplicação do Direito, designadamente das citadas disposições legais, que violou, devendo, por isso, ser determinada a anulação da decisão que condenou os réus ao pagamento dos honorários e respetivo apoio técnico. bb)Termos em que a decisão proferida deve ser revogada e substituída por outra que em primeira linha que absolva os Apelantes do pagamento dos honorários alegados pelo autor, assim como da quantia invocada a título de retribuição dos serviços de assessoria prestados pela entidade “A..., SA”. cc)Assim não se considerando, ainda assim, não poderão deixar de ordenar a redução proporcional dos honorários e respetiva assessoria para um terço, pelos motivos atrás explanados. Concluiram, pedindo que seja concedido provimento ao presente recurso e revogada a Sentença proferida no âmbito da ação de honorários, substituindo-se por outra que Absolva os Apelantes do pagamento dos honorários alegados pelo autor, assim como da quantia invocada a título de retribuição dos serviços de assessoria prestados pela entidade “A..., SA”. Subsidiariamente, ordenar a redução proporcional dos honorários e respetiva assessoria para um terço. 6. O Apelado apresentou contra-alegações pugnando pela confirmação do julgado. 7. Foram observados os vistos legais.
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II. DELIMITAÇÃO do OBJECTO do RECURSO:
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635º, nº 3, e 639º, n.ºs 1 e 2, do CPC.
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As questões a decidir, em função das conclusões de recurso, são as seguintes: 1ª Questão- se a decisão sobre a matéria de facto deve ser alterada; 2ªQuestão-se os Apelantes devem ser absolvidos do pagamento de honorários e despesas em que foram condenados; 3ª Questão- se o quantitativo dos honorários e despesas deve ser reduzido para um terço.
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III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO: 1. O Tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos:
1 - O Autor é advogado, inscrito na Ordem dos Advogados, e tem a cédula profissional nº ...04-P
2 - Exerce a sua profissão na Comarca do Porto, fazendo do exercício da profissão de Advogado o seu modo de vida
3 - O escritório, composto por dois andares, é amplo, moderno e situa-se na Rotunda ....
4 - Em Outubro de 2012, foi o Autor contactado pelos Réus, no sentido de os patrocinar na expropriação promovida pela “B..., SA” das Parcelas 1 e 2 da Unidade de Intervenção do Quarteirão de ..., a qual veio a dar origem ao processo de expropriação que correu termos nos autos principais.
5 – Em Outubro de 2012, o A. reuniu com os RR..
6 – O A. acompanhou a vistoria “ad perpetuam rei memoriam” e a tomada de posse administrativa.
7 – Foi auxiliado, nessas diligências, por técnico da empresa “A..., SA”
8 – O A. acompanhou a fase da arbitragem daquele processo expropriativo.
9 - Depois de recebida a decisão arbitral, o Autor procedeu à sua análise.
10 – Os valores indemnizatórios fixados nessa decisão arbitral foram de € 259 627,20 para a parcela 1 e de € 282 074,77 para a parcela 2.
11 – Em 10-3-2024, o A., a pedido dos RR., instaurou recurso judicial da referida decisão arbitral, tendo elaborado e apresentado as respectivas alegações.
12 – Tal recurso foi instaurado pelo A. em representação dos RR e, bem assim, em representação dos interessados DD e EE.
13 – Foi auxiliado, na elaboração do recurso, por técnico da empresa “A...”.
14 - Analisou os restantes recursos da decisão arbitral apresentados pelos co-expropriados e pela expropriante.
15 - Estudou a resposta da expropriante ao recurso interposto pelos RR..
16 – Elaborou e remeteu a tribunal, em 9-5-2014, resposta ao recurso da decisão arbitral apresentado pela expropriante.
17 – Posteriormente, elaborou requerimentos a respeito da pretensão de levantamento da indemnização por parte da irmã da Ré-mulher, igualmente co-expropriada.
18 - O que veio a dar origem ao incidente previsto no artigo 52º, n.º 3, do C.E., vindo o Autor a elaborar oposição ao mesmo.
19 - Posteriormente, na sequência da decisão proferida a este respeito, recorreu da mesma, elaborando e apresentando as necessárias alegações.
20 - O Acórdão do Tribunal da Relação proferido a este respeito foi notificado a 6/12/2017.
21 - O Autor acompanhou os peritos na inspecção ao local realizada no âmbito da avaliação determinada pelo Tribunal.
22 – Recebida a avaliação, o Autor procedeu à sua análise, tendo do mesmo reclamado e pedido esclarecimentos complementares aos peritos
23 - E pronunciou-se sobre a reclamação e pedido de esclarecimentos solicitados pela expropriante, elaborando requerimento que apresentou nos autos.
24 – O A. analisou os esclarecimentos prestados pelos peritos.
25 – Tal esclarecimento mereceu nova reclamação da expropriante, que o Autor apreciou, tendo apresentado a juízo requerimento com as críticas que a mesma lhe mereceu.
26 - Posteriormente e em cumprimento de despacho judicial, o A. elaborou requerimento com a especificação da concreta matéria sobre a qual se deveriam pronunciar as testemunhas arroladas.
27 - Na sequência da tramitação processual, o A. elaborou e apresentou em juízo as alegações a que se refere o art. 64º do Código das Expropriações.
28 – O A. analisou as alegações apresentadas quer pela expropriante, quer pelos restantes co-expropriados.
29 - Entretanto, foi proferida sentença, que o A. analisou, tendo decidido dela não recorrer.
30 - A sentença fixou a indemnização de 637 558,80 € para a parcela nº 1 e 601 437,83 € para a parcela nº 2.
31 - Desta sentença apenas recorreu a expropriante para o Tribunal da Relação do Porto.
32 - O Autor estudou as respectivas alegações e elaborou e apresentou em tribunal, em 29-1-2018, as respectivas contra-alegações.
33 – Por Acórdão de 15-11-2018, o Tribunal da Relação confirmou a sentença na parte relativa à atribuição das indemnizações anteriormente referidas.
34 - Na sequência da conclusão do processo, o Autor elaborou e remeteu às contrapartes a nota discriminativa e justificativa de custas de parte.
35 - E apresentou reclamações quanto às notas discriminativas e justificativas de custas, quer nos autos principais, quer no incidente anteriormente referido.
36 – Ao longo do processo, o A. teve reuniões com os Réus, em número e com duração temporal não concretamente apurada, nas quais os informava do seu andamento, discutiam a estratégia no que respeita, designadamente a determinadas intervenções processuais, bem como as vicissitudes várias do desenrolar do processo.
37 - O Autor remeteu aos Réus, por carta registada, datada de 23/07/2020 e remetida no dia seguinte, a nota de honorários junta como doc, nº 1 à petição, no valor de 13 000 €, acrescida de IVA, no total de 15 990 €.
38 – Tal carta foi devolvida, por não ter sido recebida pelos RR..
39 – O A. enviou aos RR. a nota de honorários, por “e-mail”, em 13-9-2020.
40 – O A. solicitou à sociedade “A...” assessoria técnica no acompanhamento do processo, tendo esta entidade solicitado o pagamento, por força desses serviços, do valor de 2 500 €, acrescido de IVA, no total de 3 075 €.
41 – No acompanhamento do processo, na elaboração das peças processuais acima referidas e na realização de reuniões com os RR., o A. despendeu 290 horas.
42 – Os RR. tiveram conhecimento dos serviços de assessoria prestado pela “A...”, nunca a tal se tendo oposto.
2.O Tribunal de 1ª instância julgou não provados os seguintes factos:
1 – O A. disse aos RR. que apenas os interessados que recorressem da decisão arbitral iriam receber o valor que viesse a ser fixado pelo Tribunal.
2 – O A. sugeriu aos RR. a colaboração, no processo, da “A...”, tendo estes anuído expressamente na intervenção desta entidade.
3 – O A. não informou os RR. do andamento do processo, nem dos actos que estavam a ser executados, nem dos trâmites que estavam a ser seguidos.
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IV. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto
Perante as exigências estabelecidas no art. 640º do CPC, constituem ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, a seguinte especificação:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
“Quer isto dizer que recai sobre a parte Recorrente um triplo ónus:
Primeiro: circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento;
Segundo: fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa;
Terceiro: enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas.
Ónus tripartido que encontra nos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa fé processuais a sua ratio e que visa garantir, em última análise, a seriedade do próprio recurso instaurado, arredando eventuais manobras dilatórias de protelamento do trânsito em julgado da decisão.”[1]
São as conclusões das alegações de recurso que estabelecem os limites do objecto da apelação e, consequentemente, do poder de cognição do Tribunal de 2ª instância, de modo que quando há impugnação da decisão sobre a matéria de facto devem constar das conclusões de recurso necessariamente os concretos pontos de facto impugnados, pese embora a decisão alternativa que o recorrente propõe para cada um dos factos impugnados (AUJ nº 12/2023 de 14.11), bem como a análise pormenorizada dos concretos meios probatórios possa constar apenas do corpo das alegações ou motivação propriamente dita, tal como as concretas passagens das gravações ou transcrições dos depoimentos de que o recorrente se socorra.
Analisadas as conclusões deste recurso concluímos que tais ónus de impugnação da decisão da matéria de facto mostram-se minimamente cumpridos pelos Apelantes, uma vez que fizeram nelas constar o concreto ponto de facto impugnado (Conclusão K)) e a decisão alternativa pretendida (Conclusão n)), tendo sido feita menção, embora de forma bastante genérica, aos meios de prova que no entender dos Apelantes, impunham decisão diversa da proferida (Conclusões W) e x)).
Apenas foi impugnado pelos Apelantes o ponto 1 dos factos não provados, que tem a seguinte redação: “O A. disse aos RR que apenas os interessados que recorressem da decisão arbitral iriam receber o valor que viesse a ser fixado pelo Tribunal.”
Defendem os Apelantes que apesar de o tribunal a quo ter considerado tal facto como não provado por não ter tido conhecimento de qualquer elemento que permitisse a sua verificação, tal não corresponde à verdade porque foi o próprio Autor que no seu requerimento datado de 21.04.2021 o admitiu.
Os Apelantes fizeram ainda uma alusão genérica à violação pelo tribunal a quo do preceituado no art. 607º nº 5 parte final do CPC, dando a entender que estaríamos perante factos plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.
E, por fim, afirmaram que estamos perante factos notórios (não carecendo de prova ou alegação) uma vez que “constam do processo principal e são conducentes à tese defendida pelos réus: que a inércia naqueles autos resultariam no aproveitamento (como aproveitou) dos que não recorreram.”
Resulta, porém, da consulta dos autos que para além de não se verificar qualquer um daqueles argumentos, os Apelantes desconsideram, de forma evidente, a redação do facto por eles impugnado, só podendo a impugnação apresentada resultar de uma leitura pouco atenta da redação do ponto 1 dos factos não provados.
Senão vejamos.
O tribunal a quo deu como não provado queo Autor tivesse dito aos RR que apenas os interessados que recorressem da decisão arbitral iriam receber o valor que viesse a ser fixado pelo Tribunal.
O tribunal a quo considerou que não havia sido produzida prova naquele sentido e, para contrariar essa apontada ausência de prova vêm os Apelantes sustentar que o Autor admitiu tal facto na “resposta” à contestação (requerimento de 21.04.2021).
Não podemos deixar passar em claro que esta alegação recursiva contraria em absoluto o que fora afirmado pelos próprios Apelantes em sede de contestação, que nesse articulado haviam alegado que não conseguiram falar com o Autor sobre aquela questão.
Não se descortina como podem os Apelantes pretender que se dê como provado que o Autor lhes tivesse dito que apenas os interessados que recorressem da decisão arbitral iriam receber o valor que viesse a ser fixado pelo Tribunal, quando nos arts. 14º e 15º da contestação alegaram que sobre isso não conseguiram que o Autor desse a sua opinião, como deles resulta expressamente:
“14. Nunca foi explicado aos réus que uma vez que existiam vários expropriados e alguns destes já tinham manifestado a intenção de recorrer da decisão arbitral o resultado da ação, necessariamente, iria influenciar (no caso beneficiar) todos os demais (mesmo os que não avançassem com a ação).
15. Mais, os réus tendo conhecimento que alguns dos expropriados, nomeadamente, FF e GG, não iriam reagir e ficariam a aguardar o resultado da ação, sentiram necessidade de esclarecimento quanto àquela importante decisão de estratégia e tentaram solicitar opinião do autor quanto a essa estratégia, tendo—se deslocado várias vezes ao seu escritório, sem nunca terem conseguido falar com o autor. “
No requerimento de “resposta” à matéria de excepção suscitada na contestação (permitida por despacho judicial), o Apelado também não admitiu ou confessou ter dito aos RR que apenas os interessados que recorressem da decisão arbitral iriam receber o valor que viesse a ser fixado pelo Tribunal, o que o Apelado afirmou sob os artigos 13 a 18 dessa peça é que considerava aquela posição errada porque no seu entender o recurso dos demais da decisão arbitral não aproveitava aos aqui Apelantes.
Coisa diferente de “ter sido dito” é ser aquela porventura a posição perfilhada pelo advogado Autor quanto à questão jurídica em apreço, mas não foi isso que ficou vertido no ponto 1 dos factos não provados.
Naquele ponto impugnado não se diz que não seja aquela a posição do Apelado, apenas se diz que não ficou provado que o Apelado tenha dito aos Apelantes que apenas os interessados que recorressem da decisão arbitral iriam receber o valor que viesse a ser fixado pelo Tribunal.
E a prova evidente de que tal não lhes terá sido dito pelo Apelado é a admissão desse mesmo facto feita pelos próprios Apelantes na contestação apresentada nos autos.
Também contrariamente ao alegado pelos Apelantes sobre aquele facto não houve acordo ou confissão das partes, nem o mesmo está demonstrado por qualquer documento com força probatória plena.
E muito menos se trata de um facto notório, quer porque em nenhum momento destes autos ou do processo expropriativo o aqui Autor escreveu em qualquer das peças processuais por si subscritas ter dito aos réus que apenas os interessados que recorressem da decisão arbitral iriam receber o valor que viesse a ser fixado pelo Tribunal, quer porque um facto notório é apenas aquele que é do conhecimento comum, da generalidade das pessoas, ou mesmo do conhecimento do tribunal por virtude do exercício das suas funções, o que manifestamente não é o caso.
Concluindo, efectivamente nenhuma prova foi feita sobre aquele facto, desde logo porque nem sequer os Apelantes haviam feito tal alegação, pelo contrário, haviam alegado que sobre isso o Apelado nada lhes dissera!
É caso para dizer que o ponto 1 dos factos não provados deve-se não à ausência de prova, mas à confissão judicial desse mesmo facto pelos próprios Apelantes.
Pelo exposto, improcede totalmente a impugnação da decisão sobre a matéria de facto. Exclusão ou redução do quantitativo de honorários e despesas
Entre os aqui Apelantes e o Apelado (este na qualidade de advogado), foi outorgado um contrato de prestação de serviços, mais especificamente na modalidade de mandato, em que aquele se obrigou a praticar actos jurídicos por conta dos Apelantes– art. 1157º do CC- serviços esses profusamente demonstrados nos autos, conforme decorre da factualidade considerada provada na sentença recorrida, a qual nem sequer foi impugnada pelos Apelantes.
Aquele contrato presume-se oneroso, visto ter por objecto a prática de actos que o Apelado executa no exercício da sua profissão (pontos 1 e 2 dos factos provados).
Sendo o mandato oneroso, é sempre devida ao advogado retribuição pelos serviços prestados, desde que fique demonstrada a prestação dos serviços para os quais foi mandatado, retribuição essa que, não havendo ajuste entre as partes, é determinada nos termos do art. 1158ºnº 1e 2 do CC, como veio a sê-lo na sentença recorrida.
Conforme se extrai do art. 1167º al. b) e c) do CC, o mandante é obrigado a pagar ao mandatário a retribuição que ao caso competir, fazer-lhe provisão por conta dela segundo os usos e, a reembolsar o mandatário das despesas feitas que este fundadamente tenha considerado indispensáveis, com juros legais desde que foram efectuadas.
Em sede deste recurso vieram os Apelantes peticionar a sua absolvição do pagamento ao Apelado de quaisquer honorários e despesas, defendendo que o tribunal a quo errou ao não absolve-los por não poder ser ignorado para efeitos de honorários que se o Apelado não os representasse seriam sempre beneficiados da mesma forma, porque o recurso interposto da sentença arbitral por outros co-expropriados lhes aproveitaria.
Para o efeito discorreram algumas considerações sobre a obrigatoriedade do litisconsórcio necessário passivo em sede do processo de expropriação e a consequente aplicação do art. 634º nº 1 do CPC, perfilhando a posição de que beneficiariam do incremento indemnizatório atribuído judicialmente por mero efeito do recurso da sentença arbitral interposto por outros compartes no processo de expropriação.
Mais acrescentaram que caso o Apelado não os tivesse induzido em erro jamais teriam recorrido da decisão arbitral, concluindo que nesse caso não haveria lugar ao pagamento de quaisquer honorários.
Esquecem-se os aqui Apelantes que ficou provado que o Apelado foi contratado para os patrocinar na expropriação que deu origem aos autos principais (ponto 4 dos factos provados) e que os serviços prestados pelo Apelado não se iniciaram em Março de 2014 com a interposição do recurso da sentença arbitral, tendo-se iniciado em Outubro de 2012 quando os réus o contactaram para aquele efeito, com ele reuniram e o Apelado passou a acompanhar a fase administrativa do processo de expropriação, tendo aquele acompanhado a vistoria “ad perpetuam rei memoriam” e a tomada de posse administrativa (auxiliado por técnico), bem como acompanhado a fase da arbitragem daquele processo expropriativo, e depois de recebida a decisão arbitral, procedido à sua análise (pontos 4 a 9 dos factos provados).
Resultando evidenciado nos autos que o Apelado prestou serviços aos Apelantes, a pedido expresso destes, no exercício da sua profissão de advogado, ao longo da fase administrativa do processo de expropriação que decorreu entre Outubro de 2012 e Março de 2014, não tendo sido por eles alegado ter sido acordada a gratuitidade daqueles serviços, afigura-se-nos despropositada a pretensão dos Apelantes de absolvição do pagamento ao Apelado de quaisquer honorários e despesas porquanto sempre se manteriam devedores da retribuição pelos serviços que lhes foram prestados durante aquele hiato temporal.
Deste modo, sempre teriam de ser condenados no pagamento de honorários e despesas por serviços prestados naquela fase do processo, podendo apenas discutir a medida da retribuição.
Relativamente à retribuição dos serviços prestados já na fase judicial do processo de expropriação, mais uma vez não colhe a argumentação recursiva.
Afigura-se-nos irrelevante para o desfecho deste recurso tomar posição sobre a questão abordada pelos Apelantes quanto ao litisconsórcio passivo necessário ou voluntário em sede de processo de expropriação, ou sobre a correção ou não da ilação que dela extraíram os Apelantes quanto ao benefício que sempre retirariam do recurso que foi interposto da sentença arbitral pelos demais co-expropriados, porquanto ainda que se secundasse a posição dos Apelantes, o que não concedemos, certo é que está dado como provado- ponto 11 dos factos provados, o qual não foi impugnado- que analisada a decisão arbitral pelo Apelado, este instaurou recurso judicial da referida decisão arbitral, a pedido dos aqui Apelantes, não foi o Apelado quem, por auto recriação, decidiu dela interpor recurso.
Igualmente improcedente é a alegação dos Apelantes de que só recorreram da decisão arbitral porque foram induzidos em erro pelo Apelado, que os teria alegadamente aconselhado a recorrer ao dizer-lhes que apenas os interessados que recorressem da decisão arbitral iriam receber o valor que viesse a ser fixado pelo Tribunal, porquanto para além de tal alegação não encontrar qualquer respaldo na factualidade dada como provada na sentença recorrida, como já afirmamos anteriormente contraria em absoluto a defesa até agora apresentada pelos Apelantes nestes autos, tendo sido os próprios a alegar na contestação que sobre essa questão nunca conseguiram falar com o Apelado.
Por fim, e de forma subsidiária, peticionaram os Apelantes que seja ordenada a redução proporcional dos honorários e respectiva assessoria para um terço, alegadamente porque o tribunal a quo terá desconsiderado o facto de ter dado como provado que o recurso da decisão arbitral foi instaurado pelo Apelado não só em representação deles, mas também em representação de outros dois interessados- DD e EE- com interesses necessariamente convergentes, tendo o laudo de honorários sido emitido pela Ordem dos Advogados tendo como pressuposto que o advogado patrocinava apenas uma parte interessada quando na realidade representava três partes.
Concluíram que todo o trabalho dado como provado foi em prol das três partes representadas pelo Apelado e não em benefício exclusivo dos Apelantes, e como tal será mais justo serem responsabilizados apenas por um terço daquele valor fixado na sentença recorrida.
Se é certo que nos presentes autos foi dado como provado que o recurso judicial da decisão arbitral foi instaurado pelo Apelado em representação dos Apelantes e, bem assim, em representação dos interessados DD e EE (ponto 12 dos factos provados), não é menos certo que em nenhum momento anterior à apresentação das alegações de recurso os Apelantes haviam suscitado aquela questão, ou haviam peticionado a redução dos honorários por alegadamente o trabalho do Apelado ter sido desenvolvido em prol de outros interessados e não em benefício exclusivo dos Apelantes, e como tal, sobre ela não se pronunciou o tribunal de 1ª Instância na sentença recorrida nem tinha de o fazer porque nem a questão lhe foi colocada para decisão, nem mesmo os factos em que a questão se mostra agora colocada foram oportunamente alegados pelos Apelantes no articulado de defesa.
Assim sendo, enquanto questão nova, dela não pode tomar conhecimento este Tribunal, que se limita a reapreciar decisões proferidas pelo tribunal recorrido, não podendo conhecer de questões não antes conhecidas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, não sendo este o caso (neste sentido Ac STJ de 2/2/2023, Proc. Nº 314/19.6YHLSB.L2.S1, www.dgsi.pt).
Neste sentido, entre outros, A. Abrantes Geraldes escreve que, “(…) a natureza do recurso, como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial, determina outra importante limitação ao seu objecto decorrente do facto de, em termos gerais, apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o tribunal ad quem com questões novas.
Na verdade, os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando, nos termos já referidos, estas sejam de conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha os elementos imprescindíveis. Seguindo a terminologia proposta por Teixeira de Sousa, podemos concluir que tradicionalmente temos seguido um modelo de reponderação, que visa o controlo da decisão recorrida, e não um modelo de reexame no sentido da repetição da instância no tribunal de recurso.”[2]
Também F. Amâncio Ferreira refere que, (…) vem a nossa jurisprudência repetidamente afirmando que os recursos são meios para obter o reexame de questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre.”[3]
Deste modo, impedida como está esta instância de recurso de conhecer daquela questão nova, a qual não é de conhecimento oficioso, dela não se conhecerá.
Perante a improcedência dos argumentos recursivos confirma-se a sentença recorrida.
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V. DECISÃO: Em razão do antes exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pelos Réus,confirmando-se a sentença recorrida.
Custas a cargo dos Apelantes, que ficaram vencidos.
Notifique.
Porto, 11.02.2025
Maria da Luz Teles Meneses de Seabra
(Relatora)
Rodrigues Pires
(1º Adjunto)
Anabela Andrade Miranda
(2ª Adjunta)
(O presente acórdão não segue na sua redação o Novo Acordo Ortográfico)
__________________________________ [1] Cadernos Temáticos De Jurisprudência Cível Da Relação, Impugnação da decisão sobre a matéria de facto, consultável no site do Tribunal da Relação do Porto, Jurisprudência [2] A. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7ª edição, pág. 139 e 140 [3] Manual dos Recursos em Processo Civil, 8ª edição, pág. 147