Tendo a recorrente interposto um primeiro recurso de revista com fundamento em ofensa do caso julgado, e tendo esse recurso sido admitido exclusivamente para conhecimento de tal questão, rejeitando-se – por acórdão do STJ que transitou em julgado – o conhecimento das arguidas nulidades do acórdão da Relação com o fundamento de não terem as mesmas conexão com a ofensa do caso julgado (única questão a apreciar nesse recurso de revista – art. 629.º, n.º 1, al. a), do CPC), e tendo os autos baixado ao TR para, nos termos gerais (que incluem a verificação do pressuposto da tempestividade da respectiva arguição), serem apreciadas as ditas nulidades, do (novo) acórdão da Relação que procedeu a esse juízo não cabe (novo) recurso de revista (cfr. art. 671º, n.ºs 1 e 2, do CPC).
«1. Sociedade Turística e Hoteleira Quinta da Ameixieira, Lda. veio deduzir oposição à execução contra Mateus & Sequeira, Douro, Lda. e, a final, formulou pedido reconvencional que, por decisão de 26/04/2021, foi julgado inadmissível. Requereu ainda a condenação da embargada no pagamento de multa e indemnização por litigância de má-fé e por abuso de direito.
A exequente embargada apresentou contestação, peticionando ainda a condenação da embargante executada como litigante de má-fé.
Realizado o julgamento foi, a 05/07/2022, proferida sentença que decidiu:
a) Declarar nulo o contrato de compra e venda em causa nos autos e que tem como objecto a “Quinta da ...”, outorgado entre a “Sociedade Agrícola Quinta ...” e a “Sociedade Turística e Hoteleira Quinta da Ameixieira” e, em consequência, julgar improcedentes os presentes embargos de executado.
b) Condenar a executada embargante como litigante de má-fé, em multa que se fixou em oito UC’s.
2. Inconformada, a embargante interpôs recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação de Guimarães, a 11/05/2023, proferido acórdão que julgou o recurso improcedente, confirmando a decisão recorrida.
3. Novamente inconformada, veio a embargante interpor recurso de revista, por via normal, ao abrigo dos arts. 629.º, n.º 2, alínea a), 671.º, n.º 1, 674.º e 854.º, segunda parte, todos do CPC; e, subsidiariamente, por via excepcional, ao abrigo do art. 672.º, n.º 1, alíneas a) e c), do CPC.
4. Pelo então relator do Supremo Tribunal de Justiça, foi admitida a revista interposta por via normal, com fundamento na invocada ofensa do caso julgado, ao abrigo da alínea a) do n.º 2 do art. 629.º do CPC, tendo-se determinado a remessa dos autos à formação de juízes prevista no n.º 3 do art. 672.º do CPC para a verificação dos pressupostos invocados pela recorrente para a admissão da revista por via excepcional.
5. Por acórdão de 17/01/2024, a formação de juízes prevista no n.º 3 do art. 672.º do CPC não admitiu o recurso de revista por via excepcional.
6. Apreciando o recurso de revista na parte admitida por via normal, foi, a 27/02/2024, proferido acórdão que, considerando não verificada a invocada ofensa do caso julgado, julgou o recurso improcedente, confirmando a decisão do acórdão recorrido.
Mais decidiu o mesmo acórdão de 27/02/2024, não ser de conhecer das invocadas nulidades do acórdão recorrido (acórdão da Relação de 11/05/2023), por as mesmas não terem conexão com a questão da ofensa do caso julgado, determinando-se, em consequência, a baixa dos autos ao Tribunal da Relação para conhecimento das mesmas.
7. Regressados os autos ao Tribunal da Relação veio, a 11/07/2024, a ser proferido acórdão pelo qual se decidiu o seguinte: «Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a arguição das nulidades extemporânea e, como tal, se indefere».
O acórdão foi proferido com um voto de vencido, no qual se toma posição no sentido da tempestividade da arguição das nulidades.
8. Desta decisão do acórdão da Relação de 11/07/2024, veio o embargante interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
Não foram apresentadas contra-alegações.
9. O recurso foi admitido pelo relator do Tribunal da Relação por despacho de 07/11/2024.
10. Não sendo tal despacho vinculativo para o tribunal ad quem, a presente relatora, em conformidade com as exigências do princípio do contraditório (cfr. art. 3.º, n.º 3, do CPC), exarou despacho ao abrigo do art. 655.º do CPC, ordenando a notificação das partes para, querendo, se pronunciarem, no prazo único de dez dias, sobre a possibilidade de não conhecimento do recurso por o acórdão ora recorrido não ser acórdão da Relação proferido sobre decisão da 1.ª instância, que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo (cfr. art. 671.º, n.º 1, do CPC), nem tampouco se verificar qualquer das hipóteses previstas nos n.ºs 2 e 3 do art. 671.º ou no art. 673.º do CPC.
11. Veio a recorrente pronunciar-se nos seguintes termos:
“1. Para aqui chegar, do Acórdão da Relação interpôs a Recorrente recurso de revista normal, nos termos do disposto nos arts. 629º, n.º 2, al. a), 671º, n.º 1, 674º e 854º, 2ª parte, todos do CPC – em cujas alegações integrou a arguição de nulidades do acórdão – e, subsidiariamente, recurso de revista excecional, nos termos do art. 672º, n.º 1, als. a) e c), do CPC.
2. A título principal interpôs recurso de revista normal (ou nos termos gerais) com fundamento, entre o mais, na ofensa de caso julgado e, a título subsidiário, recurso de revista excecional.
3. O recurso de revista normal, interposto a título principal, com fundamento no disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 629º do CPC (caso julgado) foi admitido (pelo relator) na Relação e mais foi determinada a remessa dos autos à Formação de Juízes a que alude o n.º 3 do art. 672º do CPC para a verificação dos pressupostos invocados pela recorrente para a admissão da revista excecional, sendo que a Formação não admitiu esse recurso de revista excecional. Por outro lado, o STJ apreciou e decidiu negar a revista normal (quanto ao caso julgado) e, consequentemente, manteve o acórdão recorrido.
4. Os autos baixaram então ao Tribunal da Relação para apreciar as nulidades arguidas pela recorrente (n.º 4 do art. 615º do CPC).
5. Ora, não tendo o Tribunal da Relação apreciado as nulidades por as ter julgado extemporâneas, veio a recorrente interpor revista daquela decisão para o supremo.
6. Aqui chegados, o Sr. Juiz Conselheiro, entende que a presente revista não deve ser admitida, por não estar em causa “acórdão da relação proferido sobre decisão da 1.ª instância, que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo…, nem tampouco qualquer das hipóteses previstas nos n.° 2 e 3 do art. 671. ° ou no art. 673. ° do CPC, o presente recurso não será admissível".
7. Não concorda a Recorrente com a tese sufragada pelo Sr. Dr. Juiz Conselheiro, pois que, desde logo, a Revista apresentada tem como fundamento, nos termos preceituados no artigo 674.º do CPC, n.º 1, a violação da lei substantiva, com erro de interpretação normativa e aplicação.
8. Considerando para o efeito que nos termos dos artigos 615º, 617º do CPC, a arguição das nulidades não é extemporânea e o douto Tribunal da Relação delas teria de conhecer.
9. O Acórdão do qual recorre a Recorrente, no fundo assenta sobre uma decisão de 1.ª instância, que poderia pôr termo ao processo.
10. Pois que, independentemente do giro dos presentes autos, certo é que, as nulidades que não foram apreciadas, foram invocadas ao Tribunal da Relação, que delas fez tábua rasa, não uma, mas duas vezes.
11. Sendo que, a discordância daquela decisão tão só poderia ter sido feita através da presente revista, para o STJ.
12. O Tribunal da Relação pela primeira vez tomou aquela posição e o seu Tribunal hierarquicamente superior é o Supremo Tribunal de Justiça. Sendo que, a revista é o meio processual capaz de fazer o STJ tomar posição sobre aquela decisão.
13. A decisão fez uma errada interpretação da Lei, pois que, ainda que esteja dado como provado nos presentes autos que, o recurso de revista normal interposto pela Recorrente foi admitido e apreciado, certo é que, a base da sustentação do Acórdão recorrido assenta na não procedência do recurso para considerar a arguição das nulidades extemporâneas.
14. É uma questão de interpretação normativa quanto à tempestividade da arguição das nulidades perante o Tribunal da Relação.
15. Se releva a admissibilidade ou a procedência do Recurso, como capaz de fazer dilatar o prazo de arguição de nulidades, de 10 para 30 dias.
16. Sendo que, as nulidades foram invocadas numa decisão que conheceu o mérito da causa e até mereceu apreciação dos Senhores Conselheiros que devolveram à Relação tal apreciação.
17. Por outro lado, ainda que se considere aquela uma decisão como interlocutória, na Jurisprudência, existem Acórdãos proferidos pelo STJ, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito que diferem do lá pugnado.
18. Vejamos – Acórdão do STJ, de 02.03.2021, Processo 1035/10.0TYLSB-B.L1.S1 – “A apreciação das nulidades decisórias do acórdão recorrido da Relação, nos termos dos arts. 615.º, n.º 4, («As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades»), e 666.º, n.º 1, aplicáveis por força do art. 679.º, sempre do CPC, implica a admissibilidade da revista, uma vez que são fundamentos acessórios do objecto recursivo alegado.”
19. Assim, em primeira instância, na ótica da Recorrente o Acórdão que dá origem ao presente recurso e que é a base de sustentação da presente revista, assenta sobre decisão de 1.ª instância que conheceu o mérito da causa, sendo admissível a revista nos termos do artigo 671.º, n.º 1 do CPC.
20. A Relação não quis apreciar as nulidades da decisão que ela mesmo proferiu. Sendo que, foi o Supremo Tribunal de Justiça quem a mandou apreciar tais nulidades. Existindo uma verdadeira denegação da justiça.
21. Só através da presente revista, por violação da Lei Substantiva, poderá a Relação apreciar as nulidades tempestivamente suscitadas pela Recorrente.
22. Se assim não fosse, estaria o Estado a frustrar-se de apreciar uma primeira apelação de uma decisão que denega um direito básico da Recorrente.
23. O que viola flagrantemente o acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, direito constitucionalmente consagrado no artigo 20.º da CRP.
24. Como se referiu, também a revista teria de ser admitida, nos termos do artigo 671.º, n.º 2, alínea b), por existir Acórdão do STJ, contrário ao sufragado no Acórdão recorrido.
25. Motivos pelo qual, e salvo melhor opinião, deve a revista interposta pela Recorrente ser conhecida e também, ser julgada procedente.”.
12. Não houve resposta.
Cumpre decidir.
13. Invoca a recorrente diversos argumentos para, na sua perspectiva, o presente recurso ser admissível.
Vejamos cada um desses argumentos:
- “[A] Revista apresentada tem como fundamento, nos termos preceituados no artigo 674.º do CPC, n.º 1, a violação da lei substantiva, com erro de interpretação normativa e aplicação” (concl. 7).
Trata-se certamente de um lapso porque, como é manifesto, a questão suscitada no recurso – intempestividade da arguição das nulidades do acórdão da Relação de 11/05/2023 – não convoca a violação da lei substantiva, mas sim da lei processual (cfr. art. 674.º, n.º 1, alínea b), do CPC).
De qualquer forma, ainda que devidamente qualificado dentro das diversas alíneas do n.º 1 do art. 674.º do CPC, o âmbito da recorribilidade geral de revista não é definido por este preceito, mas sim pelo regime do art. 671.º do CPC, tal como reiteradamente afirmado na jurisprudência deste Supremo Tribunal.
- “O Acórdão do qual recorre a Recorrente, no fundo assenta sobre uma decisão de 1.ª instância, que poderia pôr termo ao processo”; “Assim, em primeira instância, na ótica da Recorrente o Acórdão que dá origem ao presente recurso e que é a base de sustentação da presente revista, assenta sobre decisão de 1.ª instância que conheceu o mérito da causa, sendo admissível a revista nos termos do artigo 671.º, n.º 1 do CPC.” (concls. 9 e 19).
Como a recorrente reconhece, o acórdão da Relação que se enquadra no âmbito do n.º 1 do art. 671.º do CPC (acórdão da Relação proferido sobre decisão da 1.ª instância, que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo) é o acórdão de 11/05/2023 (que julgou o recurso improcedente, confirmando a decisão da 1.ª instância) e não o acórdão da Relação, ora recorrido, que se limitou a decidir não apreciar, por intempestividade, as arguidas nulidades do dito acórdão de 11/05/2023.
- “A Relação não quis apreciar as nulidades da decisão que ela mesmo proferiu. Sendo que, foi o Supremo Tribunal de Justiça quem a mandou apreciar tais nulidades. Existindo uma verdadeira denegação da justiça (concl. 20)
Ainda que este argumento se afigure o mais impressivo dos argumentos aduzidos pela recorrente, é ele também improcedente. Vejamos porquê, considerando o teor completo da decisão do acórdão deste Supremo Tribunal de 27/02/2024, proferido nos autos:
“IV. Decisão
Posto o que precede, acorda-se em negar a revista, e, consequentemente, em manter o Acórdão recorrido.
Custas pela Recorrente.
Baixem os autos ao Tribunal da Relação de Guimarães para apreciar as nulidades arguidas pela Recorrente (n.º 4 do artigo 615.º do Código de Processo Civil).”.
Podendo ler-se na fundamentação do mesmo acórdão (pág. 17) o seguinte:
“Considerando que não foram invocadas quaisquer nulidades do Acórdão recorrido, cf. artigo 615.º do Código de Processo Civil, conexas com a ofensa do caso julgado, não é este o momento processual para apreciar das nulidades invocadas.”.
Temos, pois, que, para além da decisão em matéria de custas, este acórdão, na sequência da decisão do relator que admitira a revista por via normal, apenas para conhecer da invocada questão da ofensa do caso julgado pelo acórdão da Relação de 11/05/2023, decidiu:
i. Julgar improcedente tal invocação da ofensa do caso julgado;
i. Não conhecer das invocadas nulidades do referido acórdão por não terem as mesmas conexão com a questão da ofensa do caso julgado, única questão susceptível de recurso de revista; em consequência, determinar a baixa dos autos à Relação para, nos termos gerais– como resulta claro pela expressa referência ao n.º 4 do art. 615.º do CPC (“Baixem os autos ao Tribunal da Relação de Guimarães para apreciar as nulidades arguidas pela Recorrente (n.º 4 do artigo 615.º do Código de Processo Civil”) – serem, eventualmente, conhecidas tais nulidades.
O n.º 4 do art. 615.º do CPC dispõe que “[a]s nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário (...)”. Assim, dúvidas não subsistem de que – estando o objecto do recurso a apreciar pelo acórdão deste Supremo Tribunal de 27/02/2024 restringido à questão da ofensa do caso julgado, excluindo-se expressamente do mesmo objecto a apreciação da questão das arguidas nulidades sem conexão com a dita ofensa do caso julgado – a decisão de mandar baixar os autos à Relação constitui tão só e apenas uma determinação para que o Tribunal da Relação considere nos termos gerais (entre os quais se coloca a verificação do pressuposto da tempestividade) as arguidas nulidades do acórdão de 11/05/2023.
- Invoca ainda a recorrente que, “para o efeito que nos termos dos artigos 615º, 617º do CPC, a arguição das nulidades não é extemporânea e o douto Tribunal da Relação delas teria de conhecer (concl. 8, assim como concls. 10 a 16).
Como é evidente, esta argumentação prende-se com o mérito da decisão e não com a recorribilidade do recurso pelo que, para o que ora está em causa, se mostra irrelevante.
- A decisão de não admissão do presente recurso de revista estaria em contradição com o “Acórdão do STJ, de 02.03.2021, Processo 1035/10.0TYLSB-B.L1.S1 – “A apreciação das nulidades decisórias do acórdão recorrido da Relação, nos termos dos arts. 615.º, n.º 4, («As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades»), e 666.º, n.º 1, aplicáveis por força do art. 679.º, sempre do CPC, implica a admissibilidade da revista, uma vez que são fundamentos acessórios do objecto recursivo alegado.”.
Cita a recorrente o referido acórdão deste Supremo Tribunal pelo ponto III do respectivo sumário que, afigura-se, poderá ter mais do que uma leitura.
Consultado, porém, o conteúdo do acórdão em causa – e é esse que releva –, encontramos o seguinte:
“O art. 615º, 4, do CPC, aplicável por força dos arts. 666º, 1, e 679º do CPC estatui que «[a]s nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do nº 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades». O que implica que, uma vez convocado o art. 674º, 1, c), do CPC, essa arguição – Conclusões 17.º a 19.ª –, não é admitida autonomamente se não for admissível recurso ordinário, em termos gerais, e, se for pela ocorrência de dupla conforme que tal recurso não se admite, só será admissível suscitar a questão de nulidade decisória como fundamento do recurso de revista se este recurso ainda for admissível, em especial na modalidade de revista excepcional (art. 672º, 1, 3, CPC).
De tal sorte que fica prejudicado, por ora, o conhecimento e qualquer decisão sobre a arguição que o Recorrente suscita, como vício do acórdão recorrido, em relação à previsão do art. 615º, 1, c), do CPC, tendo em conta a acessoriedade de tal fundamento recursivo no que toca à admissibilidade da revista.
Tendo presente o exposto, estamos perante circunstâncias processuais que, considerando a previsão legislativa restrita de revista das decisões interlocutórias com incidência processual (art. 671º, 2, CPC), por um lado, e de irrecorribilidade das decisões materiais finais (art. 671º, 1, CPC) consagrada no art. 671º, 3, do CPC, obstam à admissibilidade e conhecimento do objecto do recurso de revista normal interposto pelo Recorrente, o que afecta, igualmente e por ora, o conhecimento da nulidade do acórdão recorrido, dependente dessa admissibilidade.”. [negritos nossos]
O sentido que se extrai da leitura do conteúdo do referido acórdão deste Supremo Tribunal é, afinal, precisamente o mesmo que vem sendo afirmado na presente decisão: não é admissível recurso de revista autónomo que incida exclusivamente sobre a questão da nulidade (ou nulidades) decisórias do acórdão recorrido.
- Por fim, alega a recorrente que, se o presente recurso não for admissível, “estaria o Estado a frustrar-se de apreciar uma primeira apelação de uma decisão que denega um direito básico da Recorrente”; “O que viola flagrantemente o acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, direito constitucionalmente consagrado no artigo 20.º da CRP” (concls. 22 e 23).
Como o Tribunal Constitucional tem afirmado uniforme e repetidamente, salvo em matéria penal (cfr. art. 32.º, n.º 1), não resulta da Constituição nenhuma garantia de duplo grau de jurisdição, ou seja, nenhuma garantia genérica de direito ao recurso de decisões judiciais; nem tal direito faz parte integrante e necessária do princípio constitucional do acesso ao direito e à justiça, expressamente consagrado no art. 20.º da Constituição.
Assim, conclui-se que a não recorribilidade da decisão do acórdão da Relação, ora recorrido, que, com fundamento em intempestividade, não conheceu das arguidas nulidades de anterior acórdão da Relação (o acórdão de 11/05/2023), não desrespeita qualquer norma ou princípio constitucional.
14. Pelo exposto, não se admite o recurso.
Custas pelo recorrente.».
II – Desta decisão veio a recorrente impugnar para a conferência em requerimento excessivamente extenso e prolixo (de 26 páginas), no qual tece essencialmente considerações:
i. Sobre o mérito da acção, o que – importa esclarecer – não corresponde nem ao objecto do recurso de revista nem ao objecto da presente reclamação;
ii. Sobre a natureza e regime do meio processual adequado à arguição de nulidades da decisão, questão que – importa também esclarecer – corresponde ao objecto do recurso de revista, mas não ao objecto da presente reclamação.
Veio o recorrido pronunciar-se pugnando pelo indeferimento da reclamação.
Vejamos.
O objecto da presente reclamação (cfr. art. 652.º, n.º 3, primeira parte, do CPC) é exclusivamente a decisão da relatora de não admissão do recurso de revista. Ora, a recorrente reclamante não impugna a fundamentação da decisão da relatora que é objecto de reclamação para a conferência nem sequer retoma a argumentação por si aduzida aquando da resposta ao despacho de notificação proferido ao abrigo do art. 655.º do CPC.
Na verdade, do requerimento de impugnação para a conferência, apenas a última conclusão («XLIX. Pelo exposto, julgar-se o recurso procedente, revogando-se o acórdão recorrido, datado de 07-01-2025, determinando-se a baixa dos autos ao Tribunal da Relação conforme ordenado a 17-01-2024 [rectius: 27-02-2024] pelo Supremo Tribunal para apreciação das nulidades») indicia que a recorrente, ora reclamante, pretende retomar a argumentação anteriormente invocada, segundo a qual o presente recurso de revista deveria ser admitido por, em seu entender, o acórdão ora recorrido (o acórdão da Relação de 11/07/2024, que decidiu que «Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a arguição das nulidades extemporânea e, como tal, se indefere») não respeitar a decisão proferida pelo acórdão deste Supremo Tribunal de 27-02-2024 que conheceu da invocada ofensa do caso julgado, julgando-a improcedente e determinando a baixa dos autos à Relação para apreciação das arguidas nulidades.
Ainda que não venha como tal identificado ou qualificado, afigura-se que esta argumentação teria subjacente a admissibilidade do recurso de revista com fundamento em ofensa do caso julgado formado com o acórdão deste Supremo Tribunal de 27-02-2024.
Reitera-se aqui o que consta, a este respeito, da fundamentação da decisão ora impugnada:
«Ainda que este argumento [o alegado desrespeito da decisão do acórdão do STJ de 27/02/2024] se afigure o mais impressivo dos argumentos aduzidos pela recorrente, é ele também improcedente. Vejamos porquê, considerando o teor completo da decisão do acórdão deste Supremo Tribunal de 27/02/2024, proferido nos autos:
“IV. Decisão
Posto o que precede, acorda-se em negar a revista, e, consequentemente, em manter o Acórdão recorrido.
Custas pela Recorrente.
Baixem os autos ao Tribunal da Relação de Guimarães para apreciar as nulidades arguidas pela Recorrente (n.º 4 do artigo 615.º do Código de Processo Civil).”.
Podendo ler-se na fundamentação do mesmo acórdão (pág. 17) o seguinte:
“Considerando que não foram invocadas quaisquer nulidades do Acórdão recorrido, cf. artigo 615.º do Código de Processo Civil, conexas com a ofensa do caso julgado, não é este o momento processual para apreciar das nulidades invocadas.”.
Temos, pois, que, para além da decisão em matéria de custas, este acórdão, na sequência da decisão do relator que admitira a revista por via normal, apenas para conhecer da invocada questão da ofensa do caso julgado pelo acórdão da Relação de 11/05/2023, decidiu:
ii. Julgar improcedente tal invocação da ofensa do caso julgado;
iii. Não conhecer das invocadas nulidades do referido acórdão por não terem as mesmas conexão com a questão da ofensa do caso julgado, única questão susceptível de recurso de revista; em consequência, determinar a baixa dos autos à Relação para, nos termos gerais– como resulta claro pela expressa referência ao n.º 4 do art. 615.º do CPC (“Baixem os autos ao Tribunal da Relação de Guimarães para apreciar as nulidades arguidas pela Recorrente (n.º 4 do artigo 615.º do Código de Processo Civil”) – serem, eventualmente, conhecidas tais nulidades.
O n.º 4 do art. 615.º do CPC dispõe que “[a]s nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário (...)”. Assim, dúvidas não subsistem de que – estando o objecto do recurso a apreciar pelo acórdão deste Supremo Tribunal de 27/02/2024 restringido à questão da ofensa do caso julgado, excluindo-se expressamente do mesmo objecto a apreciação da questão das arguidas nulidades sem conexão com a dita ofensa do caso julgado – a decisão de mandar baixar os autos à Relação constitui tão só e apenas uma determinação para que o Tribunal da Relação considere nos termos gerais (entre os quais se coloca a verificação do pressuposto da tempestividade) as arguidas nulidades do acórdão de 11/05/2023.». [negritos nossos]
Por outras palavras, tendo a recorrente interposto um primeiro recurso de revista com fundamento em ofensa do caso julgado, e tendo esse recurso sido admitido exclusivamente para conhecimento de tal questão, rejeitando-se – por acórdão do STJ de 27/02/2024 que transitou em julgado – o conhecimento das arguidas nulidades do acórdão da Relação de 11/05/2023 com o fundamento de não terem as mesmas conexão com a ofensa do caso julgado (única questão a apreciar nesse recurso de revista – cfr. art. 629.º, n.º 1, alínea a), do CPC), e tendo os autos baixado ao Tribunal da Relação para, nos termos gerais (que incluem a verificação do pressuposto da tempestividade da respectiva arguição), serem apreciadas as ditas nulidades, do (novo) acórdão da Relação que procedeu a esse juízo não cabe (novo) recurso de revista.
Quer dizer que – segundo decidido pelo acórdão do STJ de 27/02/2024, que, repete-se, transitou em julgado – tendo o primeiro recurso de revista sido admitido apenas para apreciar da invocada ofensa do caso julgado alegadamente cometida pelo acórdão da Relação de 11/05/2023, as arguidas nulidades desse mesmo acórdão da Relação, que não tinham conexão com a ofensa do caso julgado, apenas pelo Tribunal da Relação poderiam ser conhecidas, não cabendo desta última decisão (o acórdão ora recorrido) um (novo) recurso de revista. Com efeito, e em última análise, este segundo recurso de revista – cuja admissibilidade está agora em causa – não é admissível porque o acórdão ora impugnado pela recorrente (o acórdão da Relação de 11/07/2024) não se enquadra nem no âmbito dos n.ºs 1 e 2 do art. 671.º do CPC, nem tampouco em qualquer das hipóteses em que o recurso é sempre admissível (cfr. art. 629.º, n.º 2, do CPC).
Deste modo, e contrariamente ao que pretende a recorrente ao insistir na discussão da problemática do meio processual adequado para a arguição de nulidades da decisão (e respectivo regime), não havendo lugar a recurso de revista, não cabe a este Supremo Tribunal pronunciar-se sobre tal questão. Fazê-lo seria, afinal, conhecer do mérito do recurso, o que, logicamente, só seria possível se o mesmo recurso fosse admissível. E conclui-se que não é.
IV – Pelo exposto, indefere-se a reclamação, confirmando-se a decisão da relatora de não admissão do recurso.
Custas pela reclamante.
Lisboa, 13 de Fevereiro de 2025
Maria da Graça Trigo (relatora)
Isabel Salgado
Catarina Serra