SEGURO DE RESPONSABILIDADE PROFISSIONAL
SEGURO OBRIGATÓRIO
LEGITIMIDADE PROCESSUAL
LEGITIMIDADE PASSIVA
SEGURADORA
INTERVENÇÃO PROVOCADA
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
CONDENAÇÃO EM CUSTAS
TEMAS DA PROVA
RECURSO DE REVISTA
INADMISSIBILIDADE
REJEIÇÃO DE RECURSO
Sumário


Nas acções em que discute a obrigação de indemnização, cujo risco de constituição, no património do demandado, esteja coberto por um contrato de seguro, o n.º 1 do artigo 140.º da Lei do Contrato de Seguro reconhece legitimidade passiva ao segurador de responsabilidade civil para intervir nessa acção, ainda que, de acordo com a relação controvertida, tal como foi configurada pelo autor, ele não tivesse interesse em contradizer, designadamente por nenhum pedido ser deduzido contra ele.

Texto Integral


Acordam na 2.ª secção cível do Supremo Tribunal de Justiça

C..., S.A. (Sucursal em Portugal) propôs a presente acção declarativa com processo comum contra AA, residente na Quinta do ..., Rua ...., ..., pedindo:

a. Se declarasse o incumprimento contratual do contrato de prestação de serviços de TOC celebrado entre a Autora e o Réu e, em consequência,

b. Se condenasse a pagar à Autora, a título de danos patrimoniais, a quantia de € 221.243,09, acrescida dos respetivos juros de mora desde a citação até integral e efetivo pagamento pelo Réu. condenação do réu no pagamento da quantia de

Para o efeito alegou, em síntese, que o réu desempenhou para a autora as funções de técnico oficial de contas no período compreendido entre ...-...-2004 e ...-09-2010 e que faltou culposamente ao cumprimento da sua obrigação para com a autora, não reportando à administração da autora factos com incidência fiscal, efetuando um movimento contabilístico incorreto, elaborando a declaração periódica de IVA referente ao período de 03/2010 com incorreções ao nível das deduções do IVA, o que veio a forçar a Autora a apresentar uma declaração de substituição com consequências danosas para si, autora. Mais alegou que, independentemente do que tivesse sido contratado entre as partes, a alínea a) do n.º 1 do artigo 54.º, do Estatuto da Câmara dos TOC (Lei n.º 97/2009, de 3 de setembro) estabelece que os TOC nas relações com as entidades a que prestem serviços, têm o dever de “desempenhar conscienciosa e diligentemente as suas funções”, dever esse que foi incumprido pelo réu.

O réu contestou. Com interesse para a presente revista, requereu, ao abrigo do artigo 316.º, n.º 3, alínea a), do CPC, a intervenção principal nos autos, como associados dele, réu, de Lusitânia Companhia de Seguros S.A. e Allianz Portugal SA.

Para o efeito alegou o seguinte:

• Que é técnico Oficial de Contas/Contabilista Certificado há cerca de 25 (vinte e cinco) anos e inscrito na Ordem dos Contabilistas Certificados;

• Que de acordo com o artigo 52.º, número 4, do Estatuto da Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas, em vigor à data da ocorrência dos factos: “Os técnicos oficiais de contas com inscrição em vigor, por si ou através da Ordem, devem subscrever um contrato de seguro de responsabilidade civil e profissional de valor nunca inferior a (euro) 50 000”;

• Que a Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas celebrou com a “LUSITÂNIA COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.”, um contrato de seguro de responsabilidade civil profissional, que cobre o risco decorrente de ação ou omissão no âmbito da atividade de Técnico Oficial de Contas e em que são segurados todos os membros da Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas;

• A referida apólice teve o seu início de vigência em 27 de Março de 2004, retroagindo os seus efeitos de cobertura, ilimitadamente, a “sinistros” ocorridos antes de 1 de Agosto de 2011, desde que não considerados excluídos da aplicação de cobertura nos temos da mesma;

• Que a Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas celebrou com a “ALLIANZ PORTUGAL S.A.”, um contrato de seguro de responsabilidade civil profissional, a que corresponde a apólice n.º .......64, que cobre o risco decorrente de ação ou omissão no âmbito da atividade de Técnico Oficial de Contas ou Contabilista Certificado e em que são segurados todos os membros da Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas;

• Que a referida apólice teve o seu início de vigência em 1 de abril de 2017, e garante as reclamações apresentadas pela primeira vez ao segurado ou diretamente ao segurador durante o período de vigência deste contrato e tem como limite de indemnização o capital de €50.000,00 por sinistro e por lesado

Por despacho proferido em 13-11-2018, a Meritíssima juíza do tribunal de 1.ª instância admitiu a intervenção das duas seguradoras como associadas do réu.

A Companhia de Seguros Allianz contestou mediante articulado próprio. Com interesse para a presente revista, arguiu a sua ilegitimidade com um duplo fundamento. O primeiro consistiu na alegação de que o evento em causa na acção não estava coberto pelo contrato celebrado entre a Ordem dos Contabilistas Certificados e a Allianz, nomeadamente por falta de enquadramento no seu âmbito temporal. O segundo – deduzido a título subsidiário – consistiu na alegação de que, ainda que recaísse sobre a chamada o dever de indemnizar, nunca ela de indemnizar por parte poderia responder pela totalidade do putativo prejuízo reclamado, uma vez que a responsabilidade da seguradora estaria confinada aos aludidos € 50.000,00 por contabilista certificado aderente/sinistro e ano, aos juros e às coimas, excluindo sempre o imposto devido, a que haveria ainda que deduzir, um mínimo de € 500,00 ou de 10% dos prejuízos indemnizáveis.

Informou, no entanto, o seguinte:

• Que até 31/03/2016 a Ordem dos Contabilistas Certificados (OCC) mantinha em vigor contrato de seguro de grupo de obrigatório de responsabilidade civil profissional dos contabilistas certificados com a congénere Mapfre - Seguros Gerais, S.A., em regime de co-seguro com a AIG EUROPE, titulado pela apólice n.º ...........62 e que foi celebrado pelo prazo de 12 meses, com data de início às 0:00 horas do dia 1 de Abril de 2015 e termo às 0:00 horas do dia 1 de Abril de 2016;

• Que antes deste período, a OCC celebrou contrato de seguro com a AXA Portugal, Companhia de Seguros, S.A., actualmente AGEAS PORTUGAL – Companhia de Seguros, S.A., titulado pela apólice nº ............84, que teve início no dia 1 de Abril de 2012 e término a 31 de Março de 2015;

• E antes do seguro celebrado com a AXA Portugal, Companhia de Seguros, S.A., vigorava apólice similar junto da também interveniente principal Lusitânia – Companhia de Seguros, S.A. que já é parte nos autos.

Notificado da contestação da chamada Allianz, o réu, apesar de alegar que a interveniente era parte legítima e que os factos em questão no processo cabiam no âmbito temporal do contrato de seguro celebrado com a interveniente Allianz, requereu, por mera cautela de patrocínio, a intervenção nos autos como associado dele, réu, da Companhia de Seguros Mapfre – Seguros Gerais S.A e de Ageas Portugal – Companhia de Seguros S.A.

Para o efeito alegou:

• Que a Ordem dos Contabilistas Certificados celebrou com a “MAPFRE – SEGUROS GERAIS, S.A.”, em regime de co-seguro com a “AIG EUROPE”, um contrato de seguro de responsabilidade civil profissional, titulado pela Apólice n.º ...........62;

• Que a referida apólice iniciou o seu período de cobertura às 00h00 do dia 1 de Abril de 2015, vigorando até às 24h00 do dia 1 de Abril de 2016;

• Que de acordo com o número 2., do artigo 4.º, das cláusulas especiais do contrato de seguro: “O presente contrato garante as reclamações apresentadas pela primeira vez, ao segurado ou diretamente à MAPFRE, durante o período de vigência deste contrato ou, relativamente a erros, atos ou omissões geradores de responsabilidade, desconhecidos das partes e ocorridos durante o período de vigência do contrato, nos 24 (vinte e quatro) meses subsequentes ao seu termo;

• Que a Ordem dos Contabilistas Certificados celebrou com a “AXA PORTUGAL COMPANHIA DE SEGUROS S. A.”, atual “AGEAS PORTUGAL – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.”, um contrato de seguro de responsabilidade civil profissional, titulado pela Apólice n.º ..........84;

• Que a referida apólice iniciou o seu período de cobertura às 00h00 do dia 1 de Abril de 2012, e vigorou até 31 de Março de 2015;

• Que de acordo com o número 3., do artigo 3.º, das condições especiais do contrato de seguro: “A apólice garante as reclamações formuladas ao Segurado, ou diretamente ao Segurador, durante a vigência do contrato, ou se desconhecidos das partes durante a vigência do contrato, nos 12 meses subsequentes ao seu termo, relativamente a erros, atos ou omissões geradores de responsabilidade ocorridos no período da apólice”;

• Que os referidos contratos de seguro destinavam-se a cumprir a obrigação de seguro de responsabilidade civil emergente da atividade do segurado, na sua qualidade de Técnico Oficial de Contas.

Por despacho proferido em 3 de Maio de 2019, a Meritíssima juíza da 1.ª instância admitiu a intervenção nos autos, como associadas do réu, da Companhia de Seguros Mafre – Seguros Gerais, S.A. e Ageas Portugal.

Mafre – Seguros Gerais, S.A. contestou. invocando, com interesse para a presente revista, a sua ilegitimidade por o contrato de seguro celebrado entre ela e a Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas não ter aplicação temporal ao caso dos autos.

Ageas Portugal – Companhia de Seguros S.A. também contestou, alegando além do mais, que os factos alegadamente geradores do sinistro estavam excluídos do contrato de seguro celebrado com a ora interveniente por falta de cobertura temporal garantida pela apólice.

No despacho saneador, a Meritíssima proferiu decisão sobre a legitimidade das chamadas no seguinte sentido:

1. Julgou improcedente a excepção de ilegitimidade arguida pela chamada Allianz;

2. Julgou procedente a excepção de ilegitimidade invocada pela chamada Mapfre e julgou oficiosamente verificada a ilegitimidade das chamadas Axa Ageas e a Companhia de Seguros Lusitânia SA, com fundamento na inaplicabilidade temporal dos contratos de seguro com elas celebradas e, em consequência, absolveu-as da instância.

Apelação

O réu não se conformou com o despacho saneador, na parte em que julgou as chamadas partes ilegítimas e as absolveu da instância e na parte em que o condenou em custas e interpôs recurso de apelação, pedindo se revogassem tais decisões e ainda que se alterassem dos temas de prova em conformidade com o que alegara no recurso.

O Tribunal da Relação, por acórdão proferido em 25-06-2024, julgou improcedente a apelação e, em consequência, manteve a decisão recorrida, embora com fundamentação diferente, na parte respeitante à ilegitimidade das apeladas.

Revista:

O réu voltou a não se conformar com a decisão e interpôs recurso de revista, rematando a sua alegação pedindo se revogasse a decisão que julgou procedente a exceção de ilegitimidade invocada pelas intervenientes principais Mapfre – Seguros Gerais, S.A. e Axa/Ageas Companhias de Seguros S.A. e a que estendeu, pelas mesmas razões de facto e de direito, o conhecimento da exceção de ilegitimidade passiva à Companhia de Seguros Lusitânia, S.A., absolvendo as três intervenientes principais da instância, e a que condenou o réu, ora recorrente, na responsabilidade pelas custas, e se determinasse a alteração dos temas de prova em conformidade.

Os fundamentos do recurso expostos nas conclusões foram os seguintes:

1. Como já se referiu, o Tribunal da Relação de Lisboa entendeu que, tratando-se o seguro de responsabilidade civil profissional sub judice de um seguro obrigatório, tem a recorrida autora a liberdade para decidir demandar autonomamente o Contabilista Certificado, ou a Companhia de Seguros, podendo, igualmente, decidir demandar conjuntamente o profissional e a Companhia de Seguros, sendo que, tendo a RECORRIDA AUTORA decidido demandar apenas o ora RECORRENTE, Contabilista Certificado, as Companhias de Seguros RECORRIDAS, chamadas a intervir pelo RÉU, ora RECORRENTE, não são titulares da relação jurídica material controvertida que foi trazida a juízo, sendo, nessa conformidade, partes ilegítimas.

2. Ora, o RECORRENTE não pode concordar com tal posição, pelos motivos que se passam a expor.

3. De acordo com o disposto no artigo 70.º, número 4, do Estatuto da Ordem dos Contabilistas Certificados (doravante abreviadamente designado EOCC), os contabilistas certificados, por si ou através da Ordem, devem subscrever um contrato de seguro de responsabilidade civil profissional.

4. Sendo que o número 5, do mesmo artigo 70.º, do EOCC determina, mesmo, que a não subscrição do seguro de responsabilidade civil impede o contabilista certificado de exercer a atividade.

5. Das normas que vimos de referir decorre, necessariamente, que os seguros de responsabilidade civil em apreciação nos presentes autos se tratam de seguros obrigatórios (nesse sentido, vide, por todos, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 15.12.2022, proferido no Processo n.º 6864/18.4T8ALM.L1-6).

6. De acordo com o disposto no artigo 137.º do RJCS, no contrato de seguro de responsabilidade o segurador cobre o risco de constituição, no património do segurado, de uma obrigação de indemnizar terceiros.

7. Tratando-se de um seguro obrigatório, o lesado tem o direito de exigir o pagamento da indemnização diretamente ao segurador, como decorre da previsão contida no artigo 146.º, número 1., do RJCS.

8. Porém, ainda que o lesado não exerça o direito que lhe é conferido pelo disposto no artigo 146.º, número 1., do RJCS, sempre se verifica que o segurador de responsabilidade civil pode intervir em qualquer processo judicial ou administrativo em que se discuta a obrigação de indemnizar cujo risco ele tenha assumido, por assim determinar o artigo 140.º, número 1., do RJCS.

9. Ora, como resulta da citada norma contida no artigo 137.º, do RJCS, com a celebração do seguro de responsabilidade civil profissional, as seguradoras ora RECORRIDAS assumem a obrigação de indemnizar os lesados, em caso de se constituir na esfera jurídica do segurado a obrigação de indemnizar, na sequência do exercício da sua atividade profissional.

10. Sendo o contrato de seguro, assumidamente, um contrato a favor de terceiro (vide, por todos, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 16.10.1995, no Processo n.º 96S150 e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 26.10.2006, no Processo n.º 06A2496).

11. Segurado e seguradora respondem, solidariamente, perante uma obrigação única a favor de terceiro que este, verificado o facto lesivo, passa a poder exigir a qualquer dos devedores (segurado e/ou seguradora).

12. Assim sendo a relação material controvertida sempre respeita a vários devedores (segurado e seguradora), que detêm idêntico interesse em intervir na demanda.

13. De acordo com a previsão contida no artigo 30.º, do CPC, o réu é parte legitima quando tem interesse direto em contradizer, exprimindo-se o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha.

14. Assim sendo, atentas as consequências decorrentes da procedência ou improcedência dos pedidos formulados pelo lesado para as seguradoras é manifesto que estas detêm interesse direto em contradizer qualquer ação que seja proposta contra qualquer segurado e na qual se discutam os riscos cobertos pelo contrato do seguro.

15. Aliás, o interesse das seguradoras em intervir em qualquer demanda em que se discuta a obrigação de indemnizar cujo risco tenham assumido resulta expressamente reconhecido pelo legislador no disposto no já referido artigo 140.º, número 1., do RJCS.

16. Assim, ao contrário do que se afirma na decisão recorrida, é cristalino que as seguradoras ora RECORRIDAS são titulares da relação jurídica material controvertida, ainda que a RECORRIDA AUTORA tenha optado por demandar apenas o segurado, ora RECORRENTE.

17. Situações existem, como aquela que se verifica quanto aos contratos de seguro obrigatórios, em que apesar de haver vários titulares de interesses na relação jurídica material controvertida, a ação pode ser discutida sem intervenção de todos os interessados.

18. São estas as situações de litisconsórcio voluntário, previsto no artigo 32.º do CPC.

19. Sendo que, de acordo com o disposto no artigo 311.º do CPC, estando pendente uma causa entre duas ou mais pessoas, pode nela intervir como parte principal aquele que, em relação ao seu objeto, tiver um interesse igual ao do autor ou do réu, nos termos dos artigos 32.º, 33.º, e 34.º.

20. Tratando-se de litisconsórcio voluntário, como a situação que se verifica entre o ora RECORRENTE (segurado) e as companhias de seguros RECORRIDAS, essa intervenção não é obrigatória, mas constitui, antes, no aproveitamento da pendência da ação para resolver definitivamente um litígio que envolve terceiro, evitando-se a propositura de outra ação (vide José António de França Pitão e Gustavo França Pitão, in “Código de Processo Civil Anotado”, tomo I, p. 376).

21. Nos termos do disposto no 316.º, número 3., alínea a), do CPC, o chamamento no litisconsórcio voluntário pode ocorrer, por iniciativa do réu, quando este mostre interesse atendível em chamar a intervir outros litisconsortes voluntários, sujeitos passivos da relação material controvertida, o que se verifica, in casu, por força da transferência da responsabilidade do RÉU, ora RECORRENTE, para as Companhia de Seguros, ora RECORRIDAS.

22. O que releva é que existe uma obrigação única a favor de terceiro que este verificado o facto lesivo, como credor, passa a poder exigir de qualquer dos devedores, porque a relação material respeita a vários devedores, sendo inequívoco que também o segurado demandado tem o direito a fazer intervir a sua seguradora como ré, ao seu lado, através de intervenção principal provocada, para ser condenada no pedido (nesse sentido, vide, por todos, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 19-11-2015, no Processo n.º 814/13.1TJVNFA.G1; o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 11.01.2018, no Processo n.º 2812/16.4T8PTM-A.E1; e o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 04.06.2020, no Processo n.º 2767/18.0T8FAR-A.E1).

23. Atento todo o exposto, deve a decisão proferida no Acórdão ora recorrido ser revogada por decisão que julgue partes legítimas as ora RECORRIDAS “MAPFRE”, “AXA/AGEAS” e “LUSITÂNIA”.

24. Pese embora a fundamentação seguida pelo Tribunal da Relação de Lisboa para julgar as RECORRIDAS “MAPFRE”, “AXA/AGEAS” e “LUSITÂNIA” partes ilegítimas tenha sido diversa da sufragada na 1.ª instância, importa aqui, também, tomar posição quanto a tal fundamentação.

25. A atualmente designada Ordem dos Contabilistas Certificados tem celebrado seguros de responsabilidade civil da atividade profissional dos seus associados, que se têm sucedido no tempo.

26. Recuando ao ano de 2004, verifica-se que no período compreendido entre 27 de março de 2004 e 1 de agosto de 2011, vigorou o contrato de seguro celebrado com a “LUSITÂNIA, COMPANHIA DE SEGUROS S.A.”, que foi alterada pela ata n.º 001, emitida em 29 de julho de 2011.

27. No período compreendido entre 1 de abril de 2012 e 31 de março de 2015, vigorou o contrato de seguro celebrado com a “AXA PORTUGAL, COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.” (atual AGEAS), contrato este correspondente à Apólice ............84.

28. No período compreendido ente 1 de abril de 2015 e 1 de abril de 2016, vigorou o contrato de seguro celebrado com a “MAPFRE, SEGUROS GERAIS, S.A.”, correspondente à Apólice ...........62/0.

29. Por fim, no período compreendido 1 de abril de 2016 até 31 de março de 2017, vigorou o contrato de seguro celebrado com a “COMPANHIA DE SEGUROS ALLIANZ PORTUGAL, S.A.” a que corresponde a Apólice n.º ......33 e com a mesma companhia de Seguros “ALLIANZ” vigorou, no período compreendido entre 1 de abril de 2017 e 31 de março de 2018, a Apólice n.º .......64.

30. Visam tais seguros obrigatórios, não só proteger o Contabilista Certificado no exercício das suas funções, mas também apoiar o cidadão e as empresas, contra a falta de zelo daquele no tratamento das contas, reconhecendo-se a existência de interesse público na proteção conferida pelo seguro, que assim é obrigatório e não facultativo.

31. Pese embora nos contratos de seguros se estabeleça a regra da liberdade contratual, também é certo que o RJCS estabelece normas de imperatividade absoluta (vide artigo 12.º) e de imperatividade relativa (vide artigo 13.º).

32. No que diz respeito aos seguros de responsabilidade civil obrigatórios, é norma absolutamente imperativa a prevista no artigo 117.º, número 3., do RJCS, que estabelece que “Salvo disposição legal em contrário, a resolução após sinistro, a exercer pelo segurador, não pode ser convencionada nos seguros de vida, de saúde, de crédito e caução, nem nos seguros obrigatórios de responsabilidade civil.”

33. São, ainda, normas de imperatividade relativa, significando que pode ser contratualmente estabelecido um regime mais favorável ao tomador do seguro, ao segurado ou ao beneficiário da prestação de seguro, o disposto nos artigos 101.º, número 4., 139.º, número 3., 146.º, 147.º, do RJCS.

34. Importa ter aqui presente, dado que estamos perante um seguro de responsabilidade civil obrigatório, que o segurador apenas pode opor ao lesado os meios de defesa derivados do contrato de seguro ou de facto do tomador do seguro ou do segurado ocorrido anteriormente ao sinistro, nomeadamente, a invalidade do contrato, as condições contratuais e a cessação do contrato (vide artigo 147.º, do RJCS).

35. Por seu turno, do artigo 108.º, números 1., e 2., decorre que a cessação do contrato de seguro não prejudica os direitos adquiridos por terceiros durante a vigência do contrato e que da natureza e das condições do seguro pode resultar que terceiros beneficiem da cobertura de sinistro reclamado depois da cessação do contrato.

36. Sendo certo que, por força do disposto no artigo 101.º, número 4., e 13.º do RJCS, num contrato de seguro de responsabilidade civil profissional obrigatório, não são oponíveis aos lesados beneficiários as exceções de redução ou de exclusão fundadas no incumprimento pelo segurado dos deveres de participação do sinistro à seguradora.

37. Assim sendo, não é oponível ao lesado a falta de reclamação no prazo contratual.

38. Não é oponível ao lesado, igualmente, a cessação do contrato de seguro que ocorra após o sinistro.

39. Nesse sentido, doutamente decidiu o Tribunal da Relação de Lisboa, no Acórdão de 15.12.2022, proferido no Processo n.º 6864/18.4T8ALM.L1-6.

40. Atento o exposto, admitindo-se, como tem que se admitir o chamamento das Companhias de Seguros RECORRIDAS, para determinar a eventual inaplicabilidade temporal do contrato de seguro com cada uma delas celebrado, será necessário apurar: i) A data do sinistro; ii) Quando é que os factos determinantes da responsabilidade foram conhecidos da AUTORA ora RECORRIDA; iii) Quando é que os factos determinantes da responsabilidade foram conhecidos pelo RÉU, ora RECORRENTE; iv) Quando foi apresentada reclamação ao segurado/segurador.

41. Matéria essa que, salvo melhor opinião, não se encontra devidamente fixada nos presentes autos, tratando-se de matéria controvertida.

42. Nessa conformidade, e por forma a apurar-se e fixar-se a factualidade relevante, deve a decisão proferida ser revogada, julgando-se partes legítimas as ora RECORRIDAS “MAPFRE”, “AXA/AGEAS” e “LUSITÂNIA”.

43. Impondo-se, ainda, que sejam aditados os seguintes temas de prova: i) Em que data ocorreu o sinistro; ii) Quando é que os factos determinantes da responsabilidade foram conhecidos da AUTORA iii) Quando é que os factos determinantes da responsabilidade foram conhecidos pelo RÉU, ora RECORRENTE; iv) Quando foi apresentada reclamação ao segurado/segurador.

44. No que concerne à condenação do ora RECORRENTE em custas quanto à absolvição da instância das chamadas, entendeu o Tribunal a quo ser parte vencida o RÉU, ora RECORRENTE e, nessa medida, condenou-o em custas.

45. Porém, proferido o despacho que admitiu a Intervenção Principal das chamadas, as seguradoras, ora RECORRIDAS, assumiram, juntamente com o RÉU, ora RECORRENTE, a posição de réus na ação, nela intervindo como partes principais.

46. O interveniente principal tem um interesse próprio, paralelo ao do autor ou ao do réu.

47. Nessa conformidade não se vislumbra que, julgada que seja procedente a exceção de ilegitimidade de alguma das intervenientes principais, possa considerar-se que seja o RÉU, ora RECORRENTE, parte vencida, pois que na ação a relação material controvertida não é entre o RÉU, ora RECORRENTE e as intervenientes principais (igualmente do lado passivo da ação).

48. Ainda que assim não se entendesse, verifica-se que nos presentes autos, pese embora na sequência de incidente de intervenção provocada suscitada pelo RÉU, ora RECORRENTE, estamos perante litisconsórcio passivo.

49. Nessa conformidade, teriam de ser aplicáveis as regras especiais de custas previstas no artigo 528.º, do Código de Processo Civil, o que não se verificou.

50. Nestes termos impõem-se que seja revogada a decisão proferida por violação do disposto nos artigos 527.º, e 528.º, ambos do Código de Processo Civil.

As chamadas Mapfre – Seguros Gerais, S.A., Ageas – Companhia de Seguros S.A. e Lusitânia – Companhia de Seguros S.A. responderam ao recurso, pugnando pela decisão que as julgou partes ilegítimas sustentando a manutenção da decisão recorrida.


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Questões suscitadas pelo recurso:

• Saber se o acórdão recorrido é de revogar e substituir por outro que julgue que as chamadas Mapfre, Ageas e Lusitânia têm legitimidade para intervir no processo, como partes principais, associadas ao réu;

• Saber se o acórdão, na parte em que confirmou a decisão da 1.ª instância de condenar o réu, ora recorrente, no pagamento das custas, devidas pela absolvição das chamadas da instância, violou os artigos 527.º e 528.º do CPC e, em caso afirmativo, se é de substituir por decisão que não o condene nas custas;

• Saber se, admitindo-se a intervenção nos autos das chamadas, como associadas do réu, impõe-se aditar aos temas da prova as questões indicadas sob as alíneas i) a iv) na conclusão 65.ª.

Apesar de serem estas as questões suscitadas no recurso, a este tribunal não compete conhecer nem impugnação da decisão quanto a custas nem da pretensão de aditamento dos temas da prova.

Sobre a condenação em custas:

O segmento do acórdão que confirmou a decisão da 1.ª instância de condenar o réu, ora recorrente, no pagamento das custas devidas pela absolvição da instância das chamadas não comporta recurso de revista ao abrigo do n.º 1 do artigo 671.ºdo CPC, visto que não cabe em nenhuma das decisões aí previstas: acórdãos proferidos sobre decisão da 1.ª instância que tenham conhecido do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto ao pedido ou reconvenção deduzidos.

Quanto ao pedido de aditamento aos temas da prova:

A enunciação dos temas da prova cabe ao juiz de 1.ª instância (n.º 1 do artigo 596.º CPC). Na hipótese de não concordaram com tal enunciação, as partes têm a faculdade de reclamar (n.º 2 do mesmo preceito) e, no caso de não se conformarem com tal despacho, podem impugná-lo no recurso interposto da decisão final (n.º 3 do mesmo preceito CPC). Não cabe, pois, ao Supremo Tribunal de Justiça decidir sobre o aditamento aos temas da prova requeridos pelo recorrente.

Segue-se do exposto que a questão a decidir na revista é a enunciada em primeiro lugar.


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Os factos relevantes para a decisão são constituídos pelo que as partes e os intervenientes alegaram nos seus articulados.

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Resolução da questão:

Antes de apreciarmos os fundamentos do recurso, importa destacar os seguintes antecedentes processuais do acórdão recorrido.

A autora propôs a presente acção contra o réu, pedindo se declarasse que o mesmo incumpriu o contrato de prestação de serviços de TOC (técnico oficial de contas) que havia celebrado com ela e que, em consequência, fosse condenado a pagar-lhe indemnização por danos patrimoniais, que quantificou em € 221 243,09.

Apesar de o réu, enquanto técnico oficial de contas, estar sujeito ao dever de, por si ou através da Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas (designada Ordem dos Contabilistas Certificados pela Lei n.º 139/2015), subscrever um contrato de seguro de responsabilidade civil (artigo 52.º, n.º 4 do Estatuto dos Técnicos Oficiais de Contas aprovado pelo Decreto-lei n.º 452/99, de 5 de Novembro, e artigo 70.º, n.º 4 do Estatuto da Ordem dos Contabilistas Certificados), a autora demandou-o apenas a ele, omitindo, na petição, a existência/inexistência de tal seguro.

Mediante requerimento do réu, foram admitidas a intervir na acção, como associadas dele, com o estatuto de partes principais, 4 companhias de seguros (Lusitânia – Companhia de Seguros, Allianz Portugal S.A., Mapfre – Seguros Gerais, S.A. e Ageas Portugal) que celebraram, em diferentes momentos, contratos de seguro de responsabilidade civil ou com a Ordem dos Técnicos Oficias de Contas ou com a Ordem dos Contabilistas Certificados, que garantiam, até ao limite do capital seguro, as indemnizações que legalmente fosse exigíveis aos segurados (pessoas que exercia profissionalmente as funções de técnico oficial de contas ou contabilistas certificado) com fundamento em responsabilidade civil decorrente do exercício da sua atividade profissional.

Sucede que, depois de terem sido admitidas a intervir nos autos, como associadas do réu, as seguradoras “Mapfre”, “Ageas” e “Lusitânia” foram julgadas partes ilegítimas e absolvidas da instância, no despacho saneador. Esta decisão foi confirmada pelo acórdão recorrido, embora com fundamentação diferente da da 1.ª instância. Das chamadas, manteve-se, assim, como parte principal, associada ao réu, apenas a Companhia de Seguros Allianz.

O primeiro e principal argumento que levou a Relação a confirmar a decisão de julgar as três seguradoras atrás identificadas como partes ilegítimas foi o de que elas não eram sujeitos da relação material controvertida, tal como ela foi configurada pela autora. Aplicou-se, pois, como critério de determinação da legitimidade das seguradoras o previsto no n.º 3 do artigo 30.º do CPC, segundo o qual, o qual radica na titularidade da relação controvertida tal como ela é configurada pelo autor na petição inicial. No acórdão afastou-se ainda a hipótese de litisconsórcio necessário (legal, convencional ou natural) entre o réu e as chamadas. Hipótese essa que, a verificar-se, tornaria legítima a intervenção das chamadas.

O réu, ora recorrente, impugnou a decisão com uma pluralidade de argumentos. Invocando a circunstância de os contabilistas certificados terem o dever de subscrever seguros de responsabilidade civil, o disposto no n.º 1 do artigo 140.º do Lei do Contrato de Seguro, a natureza do contrato de seguro como contrato a favor de terceiro, a circunstância de o segurado e a seguradora responderem solidariamente perante o lesado e o interesse das seguradoras em contradizer, sustentou que as chamadas, julgadas partes ilegítimas, eram titulares da relação material controvertida, apesar de autora ter optado por demandar apenas o segurado. Mais alegou que havia uma relação de litisconsórcio voluntário entre o réu e as chamadas e que o segurado tinha o direito de as fazer intervir na acção.

O recurso é de julgar improcedente, embora não pelas exactas razões do acórdão recorrido.

Como se escreveu acima, o acórdão aplicou, como critério de determinação da legitimidade das seguradoras para intervir na acção, como associadas do réu, ora recorrente, o previsto no n.º 3 do artigo 30.º do CPC, segundo o qual são titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor.

Se fosse este o critério aplicável, era isento de dúvida que as chamadas não teriam legitimidade para intervir como partes principais, associadas do réu, visto que não figuram como sujeitos da relação controvertida (relação de responsabilidade civil contratual fundada no incumprimento culposo, pelo réu, dos seus deveres contratuais e legais de técnico oficial de contas), tal como ela foi configurada pela autora na petição inicial.

Sucede que este critério, que radica na titularidade da relação controvertida, tal como ela é configurada pelo autor na petição, vale apenas na falta de indicação da lei em contrário. É o que resulta da parte inicial do n.º 3 do artigo 30.º do CPC. Assim, sempre que a lei indicar os sujeitos com legitimidade passiva para a acção ou os que têm a faculdade de intervir nesse lado passivo essa indicação é de acolher.

Deste modo, a resposta à questão da legitimidade das seguradoras passava por responder à questão de saber se havia lei que permitia a intervenção delas no lado passivo, associadas ao réu, apesar de, à luz da relação controvertida, tal como ela foi configurada pelo autor, não terem interesse em contradizer.

A resposta a esta questão era afirmativa. Com efeito, em acções como a dos autos em que se discute a obrigação de indemnizar, o n.º 1 do artigo 140.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovado pelo Decreto-lei n.º 72/2008, de 16 de Abril, estabelece o seguinte: “o segurador de responsabilidade civil pode intervir em qualquer processo judicial ... em que se discuta a obrigação de indemnizar cujo risco ele tenha assumido, suportando os custos daí decorrentes”.

Socorrendo-nos das palavras de José Vasques, em anotação a este artigo, “O número 1 legitima a intervenção processual passiva do segurador quando, judicial ou administrativamente, se discuta a obrigação de indemnizar de que tenha coberto o risco, sendo da sua responsabilidade os custos decorrentes dessa intervenção.” (Lei do Contrato de Seguro Anotada, 2011, 2.ª Edição página 481).

Observe-se que esta intervenção interessa tanto ao segurador como ao segurado. Interessa ao segurador pois, como observa o autor acima referido, “... correspondendo a prestação do segurador à obrigação de indemnizar, será ao segurador que compete a direcção do litígio face ao lesado, evitando, assim, que o segurado seja levado a aceitar a responsabilidade por saber que a indemnização será paga pelo segurador e sem atender convenientemente, de boa ou má fé, ao fundamento da pretensão do lesado...” (obra supra citada página 482). E interessa ao segurado visto que, nos termos do artigo 320.º do CPC, “a sentença que vier a ser proferida sobre o mérito da causa aprecia a relação jurídica de que seja titular o chamado, constituindo, quanto a ele, caso julgado”. Tal significa que a intervenção do segurador, em caso de condenação do segurado, garantirá a vinculação daquele à decisão condenatória.

É, assim, de afirmar que nas acções em que se discute a obrigação de indemnização, cujo risco de constituição, no património do demandado, esteja coberto por um contrato de seguro, o n.º 1 do artigo 140.º da Lei do Contrato de Seguro reconhece legitimidade passiva ao segurador de responsabilidade civil para intervir nessa acção, ainda que, de acordo com a relação controvertida, tal como foi configurada pelo autor, ele não tivesse interesse em contradizer, designadamente por nenhum pedido ser deduzido contra ele.

Porém, uma coisa é dizer-se que o segurador de responsabilidade civil tem legitimidade para intervir em acções como a dos autos, outra, diferente, é afirmar-se, como faz o recorrente, que a circunstância de as chamadas terem celebrado os contratos de seguro de responsabilidade civil acima indicados passavam a ser titulares da relação jurídica controvertida.

Na verdade, a celebração dos contratos de seguro não altera os sujeitos da relação controvertida, tal como ela foi configurada na petição. A celebração de contratos de seguro faz nascer uma relação conexa com a responsabilidade civil do segurado. Sucede que, à luz do n.º 1 do artigo 140.º da Lei do Contrato de Seguro, essa relação conexa só confere ao segurador legitimidade para intervir passivamente na acção se dela (relação conexa) resultar a cobertura da obrigação de indemnizar discutida no processo judicial. Qualquer segurador que tenha celebrado contrato de seguro de responsabilidade civil, mas que não cubra a obrigação de indemnização que se discute no processo, não é titular da relação conexa que legitime a sua intervenção passiva no processo.

No caso, embora o réu recorrente pugne pela legitimidade das seguradoras “Mapfre”, “Ageas” e “Lusitânia” não o faz com a alegação de que os seguros por elas celebradas garantem a indemnização que lhe está a ser exigida na presente acção. O réu, ora recorrente, pede se declare a legitimidade de tais seguradoras “para determinar a eventual inaplicabilidade temporal do contrato de seguro com cada uma delas celebrada (62.ª conclusão). Daí que concomitantemente peça o aditamento dos temas da prova com novas questões de facto (65.ª conclusão). Isto é, na lógica argumentativa do recorrente, primeiro declaram-se as chamadas partes legítimas para intervir como associadas do réu com base no mero facto de terem celebrado contratos de seguro com a Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas e depois averiguar-se-á se tais contratos garantem ou não a indemnização em causa nos autos.

Sucede que contra esta incerta e eventual legitimidade, ergue-se a decisão proferida pelo tribunal de 1.ª instância, sem impugnação das partes, de que a seguradora que garante a indemnização em causa nos autos é a Allianz.

Assim sendo, à luz do n.º 1 do artigo 140.º da Lei do Contrato de Seguro é esta seguradora, e não as restantes chamadas, quem tem legitimidade para intervir como parte principal, associada do réu.

Diga-se, por fim, o seguinte contra a legitimidade das chamadas Mapfre – Seguros Gerais S.A. e Ageas Portugal. Apesar de neste recurso não estar em causa a legalidade do despacho que admitiu a intervenção destas seguradoras, não pode deixar de observar-se que tal chamamento não era processualmente admissível. Com efeito, o chamamento delas foi requerido ao abrigo da alínea a) do n.º 3 do artigo 316.º do CPC, em articulado de resposta à contestação da chamada Allianz. Resulta, no entanto, da alínea b) do n.º 1 do artigo 318.º do mesmo diploma que tal chamamento só podia ser requerido na contestação ou não pretendendo o réu contestar (hipótese que não era a do caso porque o réu contestou), em requerimento apresentado no prazo de que dispunha para o efeito.

Por todo o exposto, mantém-se a decisão de julgar as chamadas Mapfre, Ageas e Lusitânia partes ilegítimas para intervirem, no processo, como partes principais, associados ao réu.

Decisão:

Nega-se a revista e, em consequência, mantém-se o acórdão recorrido.

Responsabilidade quanto a custas:

Considerando a 1.ª parte do n.º 1 do artigo 527.º do CPC e o n.º 2 do mesmo preceito e a circunstância de o recorrente ter ficado vencido no recurso condena-se o mesmo nas respectivas custas.

Lisboa, 13 de Fevereiro de 2025

Relator: Emídio Santos

1.ª Adjunto: Fernando Baptista

2.ª Adjunto: Isabel Salgado