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EXECUÇÃO
MÚTUO
AMORTIZAÇÃO
PRESCRIÇÃO EXTINTIVA
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR
Sumário
I - O Supremo Tribunal de Justiça vem aplicando, sem divergências, o curto prazo de prescrição (de cinco anos) do art. 310.º, al. e), do Código Civil às prestações de reembolso de contratos de mútuo, prestações essas em que os juros estão integrados. II - Tal aplicação é extensiva ao caso das prestações serem declaradas antecipadamente vencidas, nos termos do art. 781º do Cód. Civil (entendimento que foi uniformizado pelo Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 6/2022, de 30/06/2022, publicado in Diário da República, Iª Série, n.º 184, de 22/09/2022) e ao caso do crédito resultar da resolução do contrato de mútuo.
Texto Integral
Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório
Por apenso aos autos de execução ordinária n.º 100/23...., intentados por EMP01... – Stc, os executados AA e BB deduziram oposição à execução, por embargos de executado, visando a extinção da execução (ref.ª ...95).
Alegaram para tanto, e em síntese, que:
- a embargante não tinha consciência de se vincular nos termos que são alegados pela exequente;
- há preenchimento abusivo;
- prescreveu o título cambiário;
- não foi interpelado para cumprimento;
- prescreveu o crédito da exequente e os juros, e
- a exequente age em abuso de direito.
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Recebidos liminarmente, a exequente/embargada apresentou contestação, na qual concluiu pela improcedência dos embargos de executado e pelo prosseguimento da execução (ref.ªs ...09 e ...32).
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Por despacho de 23/05/2024, a exequente foi convidada a esclarecer a data de resolução do contrato (ref.ª ...99).
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A exequente respondeu ao despacho convite (ref.ª ...34).
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Cumprido o contraditório, os embargantes sustentaram novamente a prescrição do crédito subjacente à livrança (ref.ª ...37).
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Notificadas as partes da intenção do tribunal em proferir saneador-sentença, não foi deduzida oposição (ref.ª ...27).
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Foi proferido despacho saneador-sentença, datado de 1/01/2024, onde se reconheceu a prescrição do crédito exequendo, tendo-se decidido julgar totalmente procedentes os embargos de executado e determinar a extinção da execução relativamente aos embargantes (ref.ª ...02).
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Inconformada com esta sentença, dela interpôs recurso a embargada/exequente (ref.ª ...72), tendo rematado as suas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem):
«i. O presente recurso de apelação tem por objeto a sentença proferida pelo Juízo de Execução de Guimarães, Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Braga (doravante Tribunal a quo), que julgou procedentes os embargos, reconhecendo a prescrição do crédito exequendo e, em consequência, julgou extinta a execução. ii. Em suma, o douto Tribunal a quo decidiu declarar a prescrição do crédito exequendo, na medida em que considera que a restituição do capital, no âmbito de um contrato de crédito, deve ser submetido ao prazo de prescrição mais curto, de 5 (cinco) anos, sob pena de se desvirtuar a sua ratio, que vista estimular uma cobrança imediata e célere dos montantes fraccionados. iii. Salvo o devido respeito, que é muito, por opinião contrária, a decisão judicial recorrida merece total reparo na medida em que, a mesma, não foi proferida conforme aos ditames da lei e do direito, pois entende a Recorrente que não terá sido apreciada nos termos que eram exigidos no que tange à aplicação do direito. iv. Não obstante e salvo o devido respeito, que é muito, não pode a Recorrente conformar-se com tal decisão, sendo seu firme entendimento que o Douto Tribunal a quo não fez justa e sã aplicação do Direito, tendo decidido da forma mais gravosa para a Recorrente. v. O Banco 1..., S.A., no exercício da sua atividade bancária, celebrou, em 15 de Abril de 2013, a pedido dos Executados /Embargantes AA E BB, um contrato de empréstimo, ao qual foi atribuído o n.º ...43, mediante o qual aquele concedeu aos referidos Executados/Embargantes um crédito no montante de € 26.137,95 (vinte e seis mil cento e trinta e sete euros e noventa e cinco cêntimos). vi. Para garantia do bom e fiel cumprimento do referido contrato, foi subscrita uma livrança em branco pelos Executado, ora Embargante, AA, na qualidade de Gerente, e avalizada pelos Executados, ora Embargantes AA E BB, livrança à qual foi dado o n.º ...95.... vii. O referido empréstimo foi integralmente utilizado, tendo os referidos Executados/Embargantes deixado de efetuar os pagamentos a que estavam adstritos a 15 de Abril de 2014. viii. Com o vencimento da totalidade das prestações, após a resolução do contrato, o plano de amortização contratualmente convencionado foi dado sem efeito, deixando, em consequência, de ser exigíveis as quotas de amortização de capital e juros. ix. Pelo que, entende a Recorrente que não serão exigíveis as diversas prestações periódicas acordadas para a liquidação do financiamento, mas sim a totalidade do montante ainda em dívida. x. Neste seguimento, estamos perante uma obrigação única, que resulta da celebração do contrato de crédito, passível de ser fracionada no tempo, mas não poderá ser equiparada a uma prestação periódica e renovável dependente do decurso do tempo. xi. Dada a natureza do contrato de crédito celebrado, como uma obrigação pecuniária única cujo pagamento é diferido no tempo, não deve, nem poderá ser equiparado a um plano de amortização de capitais e juros – prestações duradouras. xii. Atendendo à necessária distinção entre obrigações únicas com pagamentos fracionados e prestações periódicas, é certo que a obrigação em apreço se situa nas primeiras: obrigação única com pagamentos fracionados, razão pela qual não poderá ser aplicável o prazo de prescrição de 5 anos, previsto no artigo 310.º, alínea e) do Código Civil. xiii. Salvo o devido respeito, que é muito, estamos perante uma situação que exige a aplicação prazo de prescrição de 20 anos, aplicável nos termos do disposto no artigo 309.º do Código Civil. xiv. Assim mesmo determina a Doutrina (vide “Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Sérvulo Correia, volume III, página 47, 1.º, 2.º e 3.º parágrafos do ponto IV”): “Na verdade, na situação prevista no artigo 310.º, alínea e) não estará em causa uma única obrigação pecuniária emergente de um contrato de financiamento, ainda que com pagamento diferido no tempo, a que caberia aplicar o prazo ordinário de prescrição de vinte anos.” xv. Pelo que não é, nem pode ser subsumível a presente situação à previsão contida na alínea e) do artigo 310º do Código Civil, uma vez que estamos na presença de uma única obrigação (um contrato de empréstimo) que, embora passível de ser fracionada e diferida no tempo, jamais pode ser equiparada a uma prestação periódica, renovável e cuja constituição depende do decurso do tempo, sendo que, os mútuos bancários, independentemente das várias formas que possam assumir, nunca prescrevem antes de decorridos, pelo menos, 20 anos. xvi. De acordo com o contrato que titula a livrança executada, o reembolso seria feito no prazo de 10 (dez) anos, com o vencimento da última prestação a ocorrer apenas em 15/04/2023, que de acordo com a jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça por força do acórdão n.º 6/2022, de 22 de setembro: «I - No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do artigo 310.º alínea e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação. II - Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do artigo 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo 'a quo' na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas.» xvii. Assim, cfr. supra exposto, tendo a resolução contratual operado em 28/07/2023, o prazo de prescrição de 5 (cinco) anos aplica-se relativamente a cada amortização de capital e juros. xviii. Resolvido o contrato extrajudicialmente, como o foi, com base no incumprimento definitivo de um contrato de empréstimo em que as partes haviam acordado num plano de pagamento em prestações mensais e sucessivas, que englobava o pagamento de parte do capital e dos juros, e reclamando a Recorrente o montante total da dívida, não tem aplicação o disposto no artigo 310.º, alínea e) do Código Civil. xix. Nada resulta do disposto no artigo 310.º do Código Civil que permita a interpretação que aquele prazo de prescrição tem aplicabilidade nos mútuos bancários à totalidade do capital em dívida à data do incumprimento. xx. O vencimento imediato das prestações restantes significa, por si só, que o plano de pagamento faseado anteriormente acordado deixa de estar em vigor, ocorrendo uma perda do benefício do prazo de pagamento contido em cada uma das prestações, pelo que, fica sem efeito o plano de amortização da dívida inicialmente acordado e os valores em dívida voltam a assumir a sua natureza original de capital e de juros. xxi. Desfeita a união anteriormente contida em cada uma das prestações entre uma parcela de capital e outra a título de juros, nenhuma razão subsiste para sujeitar a dívida de capital e dívida de juros ao mesmo prazo prescricional. xxii. Aquando a instauração da acção executiva, a Recorrente peticionou pela condenação da Embargada no pagamento do capital acrescido de juros moratórios em face do seu vencimento exigiu a totalidade da dívida e não o pagamento de prestações avulsas, pois embora tenha existido um plano de pagamento este não influencia o conteúdo global e unitário desta obrigação. xxiii. A este propósito vejamos o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 16/03/2017, Relator Jorge Teixeira, proferido no processo nº 589/15.0T8VNF-A.G1, que refere que: “I- No mútuo bancário, em que o reembolso da dívida foi objecto de um plano de amortização, composto por diversas quotas, que integram uma parcela de capital e outra de juros remuneratórios, que se traduzem na existência de várias prestações periódicas, com prazos de vencimento autónomos, cada uma destas prestações mensais encontrar-se-á sujeita ao prazo prescricional privativo de cinco anos, previsto na al. g), do artigo 310º, do CC. II- Mas se em caso de incumprimento, o mutuante considerar vencidas todas as prestações, ficando sem efeito o plano de pagamento acordado, os valores em divida voltam a assumir em pleno a sua natureza original de capital e de “juros, ficando o capital sujeito ao prazo ordinário de 20 anos.” xxiv. E o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12/06/2018, Relator Jorge Arcanjo, proferido no processo nº 17012/17.8YIPRT.C1, que refere que: “Resolvido extrajudicialmente com base no incumprimento definitivo um contrato de mútuo em que as partes haviam acordado num plano de pagamento em prestações mensais e sucessivas, que englobava o pagamento de parte do capital e dos juros, e reclamando a credora o montante da dívida, não tem aplicação o disposto no art. 310º, e) do Código Civil – prescrição de cinco anos – porque o crédito reclamado já não se configura como “quotas de amortização”, mas antes como dívida (global) proveniente da “relação de liquidação.” xxv. É, pois, esta a interpretação que decorre do enunciado normativo, a qual não se pode, nem deve, deslocar dos critérios de correspondência verbal impostos pelo artigo 9.º do Código Civil. xxvii. Semelhante entendimento é sufragado na doutrina ensinada pelo Dr. António Menezes Cordeiro que dita que “(…) a prescrição quinquenal apenas se irá aplicando escalonadamente, na medida do plano de pagamento inicial, pois é este o combinado e que as partes têm como referência; (…) podemos acrescentar que na eventualidade do vencimento antecipado, já não se trata de quotas de amortização. (…) “(Tratado de Direito Civil, V, págs. 175 e 176). xxvii. Não estando perante quotas de amortização e por uma pluralidade de prestações, mas antes sim na presença de obrigações unitárias que aquando do seu incumprimento recuperam a sua globalidade, a decisão a ser proferida por este colendo Tribunal e que melhor satisfará os ditames da justiça, apenas será a de revogar a decisão recorrida. xxviii. Considerando que ao caso em apreço se aplica o prazo prescricional de 20 anos e que por conseguinte, à data da instauração da acção executiva ainda não havia decorrido o prazo de prescrição ordinário para o cumprimento da obrigação exequenda. xxix. A interpretação do artigo 310.º, al. e) do Código Civil, de que se aplicará a regra prescricional excecional de cinco anos aos contratos de financiamento liquidáveis em prestações mensais e sucessivas, de capital e juros, quando o vencimento antecipado das obrigações ocorre por incumprimento contratual dos mutuários e que essa prescrição abrange a totalidade da dívida, viola os princípios constitucionais da segurança jurídica, proporcionalidade e, ainda o princípio da tutela jurisdicional efetiva. xxx. Não se vislumbra qualquer alteração legislativa e/ou da realidade existente que permitisse ou permita à ora Recorrente entender que a sua possibilidade de recuperação de créditos seria mitigada por um prazo de cinco anos. xxxi. Neste seguimento, entende a Recorrente que está em causa a violação de expectativas legítimas criadas em função de uma alteração de entendimento doutrinal e jurisprudencial quanto à aplicação das normas referentes à prescrição das dívidas. xxxii. Criar um mecanismo de ilibar os devedores de honrar os seus compromissos é nada mais, nada menos, de que frustrar os princípios basilares que regem a celebração dos contratos: pacta sunt servanda. xxxiii. A Recorrente não pode conceber que sejam prioritários os interesses de incumprimento reiterado de créditos que, em última instância, podem colocar em causa o sistema financeiro, face a interesses de cumprimento rigoroso e coercivo das obrigações contratualmente assumidas. xxxiv. Acresce que a referida interpretação normativa tende a impedir o acesso aos Tribunais para cobrança de créditos, decorridos mais de cinco anos, desde que a dívida seja liquidável em prestações, aquando da sua constituição, violando, assim, o princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva, previsto no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa. xxxv. Esta limitação da possibilidade de cobrança judicial dos créditos, imposta por tal interpretação normativa, fundamenta-se num manifesto erro interpretativo que tem por base uma proteção desnecessária e desmesurada dos Devedores, tendo em consideração os mecanismos existentes na nossa Ordem Jurídica para prevenir situações de insolvência xxxvi. No entendimento da Recorrente, o douto Tribunal a quo não pode distinguir onde a lei não distingue, sob pena de se limitar injustificadamente o acesso aos tribunais. xxxvii. Nesta sequência, deverá ser considerada, concretamente, inconstitucional a interpretação segundo a qual aos contratos liquidáveis em prestações, de capital e juros, se aplica o prazo excecional de cinco anos. xxxviii. Atendendo aos motivos supra explanados, é forçoso concluir pelo manifesto erro de apreciação do Direito na douta sentença proferida pelo Tribunal a quo.
NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO, QUE VOSSAS EXCELÊNCIAS DOUTAMENTE SUPRIRÃO, DEVE O PRESENTE RECURSO SER RECEBIDO, ADMITIDO POR PROVADO E EM CONSEQUÊNCIA REVOGADA A SENTENÇA QUE ORA SE RECORRE, DETERMINANDO-SE O PROSSEGUIMENTO DA EXECUÇÃO.».
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Contra-alegaram os embargantes/executados, pugnando pelo não provimento do recurso e manutenção da sentença recorrida (ref.ª ...28).
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O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (ref.ª ...10).
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Delimitação do objeto do recurso
Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, a questão que se coloca à apreciação deste Tribunal consiste em saber da prescrição da dívida exequenda, por aplicação do art. 310.º, alínea e), do Código Civil.
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III. Fundamentos
IV. Fundamentação de facto
A decisão recorrida deu como assentes, face aos articulados e documentos juntos, os seguintes factos e dinâmica processual:
Do requerimento executivo:
a) Por Deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal tomada em reunião extraordinária, de 20 de Dezembro de 2015, foi aprovada a aplicação de uma medida de resolução ao Banco 1..., S.A. e na sequência da qual foi constituída a sociedade EMP02..., S.A. (inicialmente designada por “EMP03...”), tendo-se determinado a transferência para a mesma, dos ativos, passivos e elementos extrapatrimoniais sob gestão do Banco 1..., S.A;
b) Por contrato de cessão de créditos celebrado em ../../2016, a EMP02..., S.A. cedeu à sociedade EMP04..., S.A.R.L., os créditos que detinha sobre os Executados AA, CC e BB, bem como todas as garantias e acessórios a eles inerentes;
c) A carteira de créditos objecto de cessão inclui o Contrato n.º ...43;
d) Por contrato de cessão de créditos celebrado em ../../2022, a EMP04...., cedeu à sociedade EMP05..., essas mesmas responsabilidades bancárias;
e) Por contrato de cessão de créditos outorgado em 29 de Junho de 2022, a EMP05.... cedeu-os à sociedade EMP01... - STC, S.A., ora Exequente tendo-lhe sido transmitidas todas as garantias e acessórios do mesmo.
f) É dada à execução uma livrança subscrita em 15.04.2013 pelos Executados, no montante total de € 58.652,34 (cinquenta e oito mil, seiscentos e cinquenta e dois euros e trinta e quatro cêntimos), a qual se venceu em 11.08.2023, destinada a garantir o cumprimento das obrigações emergentes do contrato referido em c);
g) Os Executados, AA, CC e BB, apuseram, pelo seu punho, no verso do título e por baixo da expressão "Bom por aval ao subscritor" as respectivas assinaturas;
h) A exequente remeteu aos Executados as cartas juntas ao requerimento executivo como documento 5 as quais não foram recepcionadas pelos executados.
Da petição de embargos:
i) A livrança apresentada à execução foi avalizada pelos Embargantes em branco, em 15/04/2013;
j) Os Embargantes nunca foram notificados para sua inclusão em PERSI;
k) A EMP06... foi declarada insolvente por sentença de 28/09/2021, no processo 3779/21...., do Juízo de Comércio de Guimarães – Juiz ....
Da contestação:
l) Os Embargantes subscreveram o contrato de empréstimo referido em c) que serviu de pacto de preenchimento em relação à livrança em causa e cujo teor se encontra plasmado no documento junto à contestação aos embargos como doc. 1 – “contrato de mútuo” e se dá por integralmente reproduzido;
m) As missivas referidas em h) foram enviadas para a morada contratual.
Dos requerimentos de 17/6 (da exequente) e de 18/6 (dos executados):
n) O mutuante resolveu o contrato referido em c) no dia 15/4/2014;
l) A execução de que estes autos são apenso foi intentada em 20/1/2024.
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V. Fundamentação de direito.
1. Da prescrição das quotas de amortização de capital e dos juros com elas pagáveis (art. 310.º, alínea e), do Código Civil).
Na sentença recorrida, a Mm.ª Juíza “a quo” julgou procedente a invocada excepção de prescrição do crédito exequendo, aduzindo para o efeito estar-se perante “amortizações de capital pagáveis com os juros”, subsumível à previsão normativa do art. 310º, al. e) do Cód. Civil.
Alicerçou-se para o efeito no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 6/2022, de 22 de Setembro (publicado no Diário da República n.º 184/2022, Série I de 2022-09-22, páginas 5 – 15), concretizando que o «contrato subjacente ao título que se pretende executar prevê a restituição do capital (acrescido de juros) em 120 prestações, que devem ser submetidos ao prazo de prescrição mais curto de cinco anos, sob pena de se desvirtuar a sua ratio, que visa estimular uma cobrança imediata e célere dos montantes fraccionados, impedindo um avolumar de dívidas de capital e juros».
Do assim decidido discorda a embargada/recorrente, argumentando para o efeito que, «estamos perante uma obrigação única, que resulta da celebração do contrato de crédito, passível de ser fracionada no tempo, mas não poderá ser equiparada a uma prestação periódica e renovável dependente do decurso do tempo», que, «[d]ada a natureza do contrato de crédito celebrado, como uma obrigação pecuniária única cujo pagamento é diferido no tempo, não deve, nem poderá ser equiparado a um plano de amortização de capitais e juros – prestações duradouras», estando-se perante obrigação única com pagamentos fracionados, razão pela qual não será aplicável o prazo de prescrição de 5 anos, previsto no art. 310.º, alínea e) do Cód. Civil, mas antes o prazo ordinário de prescrição do art. 309.º do mesmo diploma legal, sendo que os mútuos bancários, independentemente das várias formas que possam assumir, nunca prescrevem antes de decorridos, pelo menos, 20 (vinte) anos.
Vejamos como decidir.
De acordo com o disposto no art. 298.º, n.º 1, do Código Civil (CC), estão sujeitos a prescrição, pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição.
A prescrição é ditada, numa primeira linha, pelo valor da segurança jurídica e da certeza do direito, embora também em nome do interesse particular do devedor, funcionando como reação à inércia do titular do direito, fundando-se num imperativo de justiça[1].
Segundo a lição de Orlando de Carvalho, «a prescrição é uma forma de extinção de direitos de crédito, na área dos direitos das obrigações, direitos que deixam de ser judicialmente exigíveis, passando a obrigação civil a obrigação natural»[2].
Na verdade, o decurso do tempo é um facto jurídico não negocial, é um acontecimento natural juridicamente relevante, ou seja, produtor de efeitos jurídicos.
Uma vez completado o prazo de prescrição, o beneficiário da mesma tem a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito, como decorre do disposto no art. 304.º, n.º 1, do CC. Ou seja, a prescrição não extingue a obrigação; o efeito da prescrição é o de facultar ao obrigado o poder de recusar o cumprimento. Oposta com êxito a prescrição, o titular do direito perde uma das faculdades que lhe assistia, deixando de poder exigir o cumprimento judicial da prestação.
A prescrição configura-se como uma excepção peremptória, assumindo a natureza de um facto obstativo do exercício de um direito e tendo como consequência a absolvição, total ou parcial, do pedido (cfr. art. 576º, n.º 3, do CPC).
Estabelece o art. 309º do CC que o prazo ordinário de prescrição é de vinte anos, prevendo, o art. 310º do mesmo diploma legal, as designadas presunções de curto prazo, isto é, de cinco anos.
Entre os casos de prazo de prescrição de cinco anos, prevê-se, no art. 310º, alínea e), “[a]s quotas de amortização do capital pagáveis com os juros”.
A prescrição a que se refere o citado normativo não é uma prescrição presuntiva como a que vem prevista nos arts. 312º e ss. do CC, mas sim uma prescrição de curto prazo, uma prescrição extintiva, destinada a evitar que o credor retarde demasiado a exigência de créditos periodicamente renováveis, tornando excessivamente pesada a prestação a cargo do devedor[3].
Esta prescrição destina-se a evitar a ruína do devedor, pela acumulação da dívida, derivada designadamente de quotas de amortização de capital pagável com juros. Numa situação destas, a exigência do pagamento de uma só vez, decorridos demasiados anos, poderia provocar a insolvência do devedor a viver dos rendimentos, nomeadamente do trabalho, e que o legislador, conhecedor das opções possíveis, quis prudentemente prevenir, colocando no credor maior diligência temporal na recuperação do seu crédito[4].
Em todo o caso, a “ratio” das prescrições de curto prazo, se radica na protecção do devedor, protegido contra a acumulação da sua dívida, também visa estimular a cobrança pontual dos montantes fraccionados pelo credor, evitando o diferimento do exercício do direito de crédito[5].
A circunstância do direito de crédito se vencer na sua totalidade, em resultado do incumprimento, não altera o seu enquadramento em termos da prescrição, sob pena de se poder verificar uma situação de insolvência, a qual, manifestamente, o legislador pretendeu evitar, quando consagrou o prazo comum da prescrição da alínea e) do art. 310.º do CC.
Como tem sido salientado, os contratos de mútuo são o caso paradigmático de acordos de amortização.
No Ac. do STJ de 29/09/2016 (relator Lopes do Rego), in www.dgsi.pt. – no qual estava igualmente em causa a efectivação de direitos emergentes de um mútuo bancário –, explicitou-se que o Código Civil de 1966 veio a considerar, no art. 310.º, al. e), que a amortização fracionada do capital em dívida, quando realizada conjuntamente com o pagamento dos juros vencidos, originando uma prestação unitária e global, envolve a aplicabilidade a toda essa prestação do prazo quinquenal de prescrição, equiparando tal situação à das prestações periodicamente renováveis, “(…) ou seja, o legislador entendeu que, neste caso (das amortizações de capital pagas conjuntamente com os juros), o regime prescricional do débito parcelado ou fracionado de amortização do capital deveria ser absorvido pelo que inquestionavelmente vigora em sede da típica prestação periodicamente renovável de juros, devendo valer para todas as prestações sucessivas e globais, convencionadas pelas partes, quer para amortização do capital, quer para pagamento dos juros sucessivamente vencidos, o prazo curto de prescrição decorrente do referido art. 310.º”.
Como se explicita no Ac. do STJ de 15/09/2022 (relator Nuno Pinto Oliveira), in www.dgsi.pt., a obrigação unitária assumida pelos mutuários é “compartimentada num mútuo e respectivos juros”. Está em causa uma “obrigação de valor predeterminado cujo cumprimento, por acordo das partes, foi fraccionado ou parcelado num número fixado de prestações mensais”. A obrigação unitária, compartimentada num mútuo e respectivos juros, “converte-se numa prestação mensal de fraccionada quantia global”. Estando em causa uma “obrigação de valor predeterminado cujo cumprimento, por acordo das partes, foi fraccionado ou parcelado”, — estando em causa uma obrigação fraccionada ou repartida —, a dívida “seria amortizada na medida em que se processasse o seu cumprimento”.
O acordo pelo qual se “compartimenta” a obrigação de restituição do capital em prestações é um acordo de amortização e cada uma das prestações em que a obrigação de restituição se “compartimenta” é uma quota de amortização. Em consequência, cada uma das prestações mensais devidas pelo mutuário ao mutante é uma quota de amortização do capital no sentido do art. 310.º, alínea e), do CC.
Pode assim afirmar-se que, na doutrina maioritária, não suscitava particular controvérsia a aplicabilidade do prazo curto de prescrição de cinco anos às obrigações, de natureza híbrida, que visam simultaneamente operar a amortização e a remuneração do capital mutuado.
A questão em apreço, como se disse, prende-se com a prescrição das quotas de amortização do capital pagáveis com juros no caso de, em razão do incumprimento de uma delas, haver sido declarado o vencimento de todas as quotas de amortização, o mesmo valendo no caso do crédito resultar da resolução do contrato de mútuo.
Questão esta – saber se passa a ser aplicável o prazo ordinário de prescrição de 20 anos (como propugnado pela recorrente) ou se continua a ser aplicável o prazo de prescrição de cinco anos do art. 310.º, al. e) do CC (como decidido na sentença impugnada) como propugnado pelos recorrentes) – suscitou alguma divergência jurisprudencial[6].
A resposta, no sentido aliás já dominante, foi dada pelo Supremo Tribunal de Justiça, em Pleno das Secções Cíveis, em Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 6/2022, de 30/06/2022 (relator Vieira e Cunha), no processo n.º 1736/19.8T8AGD.B.P1.S1, publicado in Diário da República, Iª Série, n.º 184, de 22/09/2022, tirado por unanimidade, que clarificou a questão, fixando, no segmento uniformizador, a seguinte jurisprudência:
«I. No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do artigo 310º, alínea e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação. II. Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do artigo 781º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incluindo o seu termo ‘a quo’ na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas».
Donde se refira que o STJ vem aplicando, sem divergências, o curto prazo de prescrição do art. 310.º, al. e), do CC às prestações de reembolso de contratos de mútuo, prestações essas em que os juros estão integrados; aplicação essa extensiva ao caso das prestações serem declaradas antecipadamente vencidas, nos termos do art. 781º do C. Civil (entendimento esse uniformizado pelo citado AUJ n.º 6/2022) e ao caso do crédito resultar da resolução do contrato de mútuo[7].
É indubitável, como se explicitou no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 13/2024, de 12/09/2024 (relator António Barateiro Martins), publicado in D.R. Iª Série, n.º 200 (2024-10-15) P. 1-16, que «a previsão do art. 310.º/e) do C. Civil abrange as hipóteses de obrigações pecuniárias, pagáveis em prestações sucessivas e que incorporem duas frações distintas: uma de capital e, outra, de juros, em proporção variável, a pagar conjuntamente, o que significa que a situação prevista» no citado normativo «pressupõe, em termos factuais, a individualização de um plano de amortização, assente numa distribuição, temporal e parcelar, do capital e dos juros correspondentes, a título de remuneração de capital. Em síntese, subjacente à consagração desta prescrição de curto prazo está a estipulação, entre as partes, de um plano de reembolso gradual e ao longo do tempo do capital, que visa facilitar e agilizar o pagamento através do fracionamento da dívida em parcelas de capital, o que faz com que se passe a estar perante prestações que se vencem em certo e determinado tempo, levando consigo o perigo sério de acumulação de dívida».
Como refere Ana Filipa Morais Antunes[8]: “[N]a situação prevista no art. 310.º/e) não estará em causa uma única obrigação pecuniária emergente de um contrato de financiamento, ainda que com pagamento diferido no tempo, a que caberia aplicar o prazo ordinário de prescrição, de 20 anos, mas sim, diversamente, uma hipótese distinta resultante do acordo entre credor e devedor e cristalizada num plano de amortização do capital e dos juros correspondentes, que, sendo composto por diversas prestações periódicas, impõe a aplicação de um prazo especial de prescrição de curta duração. O referido plano, reitera-se, obedece a um propósito de agilização do reembolso do crédito, facilitando a respetiva liquidação em prestações autónomas, de montante mais reduzido. Por outro lado, visa estimular a cobrança pontual dos montantes fracionados pelo credor, evitando o diferimento do exercício do direito de crédito para o termo do contrato, tendo por objeto a totalidade do montante da dívida. Constituirão, assim, indícios reveladores da existência de quotas de amortização de capital pagáveis com juros: em 1.º lugar, a circunstância de nos encontrarmos perante quotas integradas por duas frações – uma de capital e outra de juros, a pagar conjuntamente; em 2.º lugar, o facto de serem acordadas prestações periódicas, isto é, várias obrigações distintas, embora todas emergentes do mesmo vínculo fundamental, de que nascem sucessivamente, e que se vencerão uma após outra. A vontade das partes deverá, pois, ser atendida, não se podendo desconsiderar a referida intenção comum de agilizar a amortização do capital e o pagamento dos juros correspondentes. Caberá, pois, nessa eventualidade, reconhecer a existência de várias prestações pecuniárias, com prazos de vencimento autónomos, cada qual sujeita a um prazo prescricional privativo, de 5 anos (…)”.
Com vista à subsunção das prestações de reembolso dos contratos de mútuo ao curto prazo de prescrição quinquenal do art. 310.º, al. e) do CC é reiteradamente apresentada a seguinte argumentação[9]:
- a obrigação unitária, compartimentada num mútuo e respetivos juros, converte-se numa prestação mensal fracionada da quantia global;
- estando em causa uma obrigação de valor predeterminado cujo cumprimento, por acordo das partes, foi fracionado ou parcelado, a dívida será amortizada na medida em que se processe o seu cumprimento;
- o acordo pelo qual se “compartimenta” a obrigação de restituição do capital é um acordo de amortização e cada uma das prestações em que a obrigação de restituição se “compartimenta” é uma quota de amortização;
- em consequência, cada uma das prestações mensais devidas pelo mutuário é uma quota de amortização do capital no sentido do art. 310.º, alínea e), do Código Civil.
O que significa ser liminarmente de rejeitar o entendimento propugnado pela recorrente no sentido de que o prazo de prescrição aplicável é o prazo de prescrição de vinte anos, previsto no art. 309.º do CC, bem como o de que os mútuos bancários nunca prescrevem antes de decorridos, pelo menos, 20 (vinte) anos.
Os termos em que o Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça uniformizou a jurisprudência não deixam margem para dúvidas – o prazo de prescrição de cinco anos conta-se desde a data do vencimento antecipado e em relação a todas as prestações/ a todas as quotas antecipadamente vencidas[10].
Efectivamente, ocorrendo o vencimento antecipado, nos termos do art. 781.º do CC, das quotas de amortização de capital mutuado pagável com juros, continua a aplicar-se às quotas assim antecipadamente vencidas o prazo de prescrição de 5 anos do art. 310.º, al. e) do CC; prazo esse que se inicia e começa a correr, em relação a todas as quotas assim vencidas, na data em que ocorreu o vencimento antecipado (por ser nesta data que o direito passa a poder ser exercido – cfr. art. 306.º, n.º 1, do CC.
Para efeitos de prescrição, o vencimento ou exigibilidade imediata das prestações, por força do disposto no art. 781.º do CC, não altera a natureza das obrigações inicialmente assumidas – continuam a ser quotas de amortização do capital –, só se alterando o momento da sua exigibilidade, o que também significa que o aproveitamento da faculdade prevista no art. 781.º do CC não equivale à resolução contratual, não se estando na relação de liquidação (mas ainda na ação de cumprimento) quando, ao abrigo do citado normativo, se pede o pagamento de todas as prestações.
O que significa, no que aqui interessa – e diferentemente do defendido pela recorrente –, que, vencendo-se e tornando-se exigíveis todas as prestações, por força do disposto no art. 781.º do CC, a prescrição quinquenal não tem como termo inicial, em relação a cada uma das prestações, a data de vencimento (de cada uma dessas prestações) constante do plano de reembolso inicialmente gizado pelas partes, mas sim que a prescrição quinquenal se reporta e conta em relação a todas as prestações a partir da data – termo inicial – em que foi exercida a faculdade prevista no art. 781.º, ou seja, a partir da data em que se venceram e tornaram exigíveis todas as prestações[11].
Em concreto, o contrato de mútuo foi resolvido em 15/04/2014 e a livrança, por que se garantia o cumprimento das obrigações emergentes do contrato de mútuo, foi avalizada pelos Embargantes em branco, em 15/04/2013; a acção executiva foi proposta no dia 20/01/2024 (ref.ª ...69) e os embargantes (AA e BB) foram citados para a execução no dia 12/02/2024 (ref.ªs ...08 e ...16); entre a data da resolução do contrato, com o vencimento da totalidade da dívida, e a data da citação dos aludidos executados para a propositura da acção executiva passaram mais de nove anos.
Logo, secundando o decidido na sentença recorrida, deverá dizer-se que a dívida prescreveu, por aplicação do art. 301.º, alínea e), do Código Civil.
Com vista a impedir a verificação da invocada exceção da prescrição extintiva contrapõe a exequente/recorrente afirmando que «a interpretação do art. 310.º, al. e) do CC, de que se aplicará a regra prescricional excecional de cinco anos aos contratos de financiamento liquidáveis em prestações mensais e sucessivas, de capital e juros, quando o vencimento antecipado das obrigações ocorre por incumprimento contratual dos mutuários e que essa prescrição abrange a totalidade da dívida, viola os princípios constitucionais da segurança jurídica, proporcionalidade e, ainda o princípio da tutela jurisdicional efetiva», acrescentando não se vislumbrar «qualquer alteração legislativa e/ou da realidade existente que permitisse ou permita à ora Recorrente entender que a sua possibilidade de recuperação de créditos seria mitigada por um prazo de cinco anos».
De acordo com a jurisprudência do Tribunal Constitucional, o princípio da confiança enquanto decorrência do princípio do Estado de direito consagrado no art. 2.º da Constituição da República Portuguesa exige uma certa constância da actuação do Estado, incluindo da actuação dos tribunais, a fim de se alcançar alguma estabilidade da ordem jurídica[12]. O ponto é particularmente relevante na sucessão de prazos, designadamente de prescrição, sendo que o art. 297.º do CC tem a especial preocupação de proteger a confiança em caso de sucessão de prazos fixados por quaisquer autoridades, incluindo pelos tribunais.
O princípio da tutela jurisdicional efetiva é um direito fundamental previsto na Constituição da República Portuguesa (CRP) que implica o direito de acesso aos tribunais para defesa de direitos individuais, não podendo as normas que modelam este acesso obstaculizá-lo ao ponto de o tornar impossível ou dificultá-lo de forma não objetivamente exigível.
O princípio da proporcionalidade está consagrado no art. 18º, n.º 2, da CRP, o qual se desdobra em três subprincípios[13]:
«Princípio da adequação (as medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias devem revelar-se como um meio para a prossecução dos fins visados, com salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); Princípio da exigibilidade (essas medidas restritivas têm de ser exigidas para alcançar os fins em vista, por o legislador não dispor de outros meios menos restritivos para alcançar o mesmo desiderato); Princípio da justa medida ou proporcionalidade em sentido estrito (não poderão adoptar-se medidas excessivas, desproporcionadas para alcançar os fins pretendidos).»
De igual modo, atento o teor da divergência colocada pela recorrente, impõe-se tecer breves considerações sobre o valor da jurisprudência uniformizada.
Como é sabido, o Acórdão de uniformização de jurisprudência é uma decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ) que tem por objetivo, em nome da segurança jurídica, pôr termo a uma divergência ou contradição entre acórdãos proferidos por este Tribunal ou pelos Tribunais da Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão de direito.
Os acórdãos de uniformização jurisprudencial visam garantir a certeza do direito e o princípio da igualdade, evitando que decisões judiciais que envolvam a mesma lei e a mesma questão de direito obtenham dos tribunais colegiais respostas diferentes. O acórdão de uniformização de jurisprudência vale inter partes mas não tem efeito vinculativo extra-processual, sem prejuízo do seu caráter orientador e persuasivo.
A jurisprudência uniformizada não é vinculativa para quaisquer tribunais – mesmo para os tribunais judiciais. O seu acatamento pelas instâncias é assegurado de forma indirecta, através da admissibilidade de recurso das decisões que a contrariem, independentemente do valor da causa e da sucumbência da parte[14] (art. 629º, n.º 2, al. c) do CPC).
A lei não deixou, porém, de lhe atribuir um especial relevo, conferindo-lhe implicitamente força persuasiva[15].
Como se explicitou no Ac. do STJ de 24/05/2022 (relatora Graça Amaral), in www.dgsi.pt., “não obstante a jurisprudência uniformizada possu[a] apenas uma natureza persuasiva, a mesma deve ser respeitada pelos tribunais de instância e pelo próprio STJ, pois a aplicação do direito não pode ser alheada dos valores da igualdade, da segurança e da certeza jurídicas, pressupostos da própria legitimação da decisão. Assim, a linha interpretativa fixada nos acórdãos uniformizadores só deverá ser objecto de desvio, no âmbito do mesmo quadro legal, perante diferenças fácticas relevantes e/ou (novos) argumentos jurídicos que não encontrem base de ponderação nos fundamentos que sustentaram tais arestos. Nessa medida, a natureza persuasiva dos acórdãos uniformizadores encontra respaldo em normas processuais de admissibilidade dos recursos (como é o caso da alínea [c)] do n.º 2 do artigo 629.º do CPC) visando a natural aceitação e acatamento da respectiva jurisprudência pelos tribunais inferiores e pelo próprio Supremo Tribunal de Justiça”[16][17].
Para contrariar a doutrina uniformizada pelo Supremo devem valer fortes razões ou outras especiais circunstâncias que porventura ainda não tenham sido suficientemente ponderadas[18].
Ora, estando em causa a interpretação do art. 310º, al. e), do CC, impõe-se ter presente e acatar o sentido interpretativo que lhe foi fixado pelo referido acórdão Uniformizador n.º 6/2022, já que, no caso, não se encontram razões (fácticas e/ou jurídicas) para não poder ser acolhido.
Para se poder divergir de tal sentido interpretativo, impunha-se que a situação registasse especificidades relevantes ao nível fáctico e/ou em termos de argumentação jurídica, que não tivessem sido levadas em conta no acórdão uniformizador.
Tal, porém, não acontece, pois, a recorrente limita-se a invocar em abono da sua posição os argumentos já expressos na jurisprudência que propugnava pela aplicação do regime prescricional previsto no art. 309º do CC, ao invés do art. 310º, al. e) do CC, sendo que aquele entendimento foi rejeitado, por unanimidade, isto é, sem qualquer voto de vencido, no referido acórdão uniformizador. Tal sentido de voto por unanimidade não pode deixar de relevar no sentido de não ser de acolher a tese oposta à que veio a obter total vencimento.
Assim sendo, não se verificando razões (tanto ao nível fáctico, como em termos de argumentação jurídica) para não acatar o inequívoco sentido interpretativo fixado pelo AUJ n.º 6/2022, forçoso será concluir pela prescrição do crédito exequendo.
Acresce que, atento o curto lapso de tempo decorrido desde a prolação do AUJ, não se encontrando razões de natureza jurídica nem argumentação de carácter económica/financeira para divergirmos do entendimento uniforme do nosso mais alto Tribunal Superior, não se nos oferece dúvidas que é esse que é aqui de sufragar.
Mais se dirá que a solução consagrada no citado AUJ n.º 6/2022 não traduz uma ruptura com a anterior jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (cf. art. 686.º do CPC), visto que já anteriormente era essa a posição predominante no STJ (e nos demais Tribunais Superiores[19]). Ou seja, nem se poderá dizer que estamos perante a possibilidade de uma ruptura com uma jurisprudência constante e estabilizada, através de um acórdão proferido pelo Pleno das Secções Cíveis, o que poderia ter como correlato necessário a possibilidade de uma compressão dos seus efeitos, incluindo do seu efeito uniformizador[20].
Por conseguinte, nem se coloca a necessidade de limitar temporalmente os efeitos da decisão – a alínea e) do art. 310.º do Cód. Civil –, de modo a que não deveria aplicar-se sem que decorresse um período razoável para que os particulares adaptassem o seu comportamento a uma nova jurisprudência, em ruptura com a anterior.
Importa, por fim, relembrar que, com os curtos prazos de prescrição de 5 anos, visou a lei evitar que o credor deixasse acumular os seus créditos (retardando em demasia a exigência de créditos periodicamente renováveis) a ponto de ser mais tarde ao devedor excessivamente oneroso pagar[21], o que se mostra salvaguardado com a solução acolhida na decisão recorrida.
Em suma, tendo decorrido o prazo de cinco anos, sem que tenha sido invocada e provada qualquer causa interruptiva ou suspensiva, o direito de crédito exequendo, em relação a todas as prestações / a todas as quotas antecipadamente vencidas, encontra-se prescrito em relação aos embargantes, ora recorridos, pelo que estes podem recusar o cumprimento da prestação e opor-se à exigência coerciva do direito de crédito.
Termos em que improcede a apelação, sendo de confirmar a sentença recorrida (que, reconhecendo a prescrição do crédito exequendo, julgou procedentes os embargos de executado com a consequente extinção da execução quanto aos embargantes).
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2. Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art. 527º do CPC, a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte que lhes tiver dado causa, presumindo-se que lhes deu causa a parte vencida, na respetiva proporção.
Como a apelação foi julgada improcedente, mercê do princípio da causalidade, as respetivas custas serão da responsabilidade da recorrente (art. 527º do CPC).
*
VI. DECISÃO
Perante o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso de apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas da apelação a cargo da recorrente (art. 527.º do CPC).
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Guimarães, 13 de fevereiro de 2025
Alcides Rodrigues (relator)
Maria Luísa Duarte Ramos (1ª adjunta)
Maria dos Anjos Melo Nogueira (2ª adjunta)
[1] Cfr. Ana Filipa Morais Antunes, Prescrição e Caducidade, Anotação aos artigos 296.º a 333.º do Código Civil (“O tempo e a sua repercussão nas relações jurídicas”), Coimbra Editora, 2008, pp. 20 e ss. [2] Cfr. Sumários desenvolvidos de Teoria Geral do Direito Civil, Centelha, Coimbra, 1981, p. 153. [3] Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª ed., Coimbra Editora, 1987, p. 280. [4] Cfr. Vaz Serra, BMJ, n.º 107, p. 285. [5] Cfr. Ana Filipa Morais Antunes, Algumas Questões sobre Prescrição e Caducidade, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Sérvulo Correia, III, 2010, pg. 47 [6] Cfr. Nos Tribunais da Relação, preconizando a aplicação do prazo ordinário de 20 anos; o Ac. da RC. 26/4/2016 (relatora Maria João Areias), Ac. da RC de 15/12/2020 (relatora Maria Teresa Albuquerque), Ac. da RL de 12/11/2020, (relatora Maria do Céu Silva), Ac. da RL de 19/1/2021 (relatora Isabel Salgado), Ac. da RG de 16/3/2017 (relator Jorge Teixeira) e Ac. da RE de 12/4/2018 (relator Mário Coelho), in www.dgsi.pt.; no Supremo Tribunal de Justiça, perfilhando o entendimento da aplicação do prazo de prescrição de cinco anos, os Acs. de 29/9/2016 (relator Lopes do Rego) de 8/4/2021 (relator Nuno Pinto Oliveira), de 9/2/2021 (relator Fernando Samões), de 14/1/2021 (relator Tibério Nunes da Silva), de 12/11/2020 (relatora Maria do Rosário Morgado), de 3/11/2020 (relatora Fátima Gomes), de 23/1/2020 (relator Nuno Pinto Oliveira) e de 27/3/2014 (relator Silva Gonçalves) ), in www.dgsi.pt. [7] Cfr. Ac. do STJ de 23.01.2020 (relator Nuno Pinto Oliveira), proferido no processo n.º 4518.17.8T8LOU-A.P1.S1, in ECLI:PT:STJ:2020:4518.17.8T8LOU.A.P1.S1 e Acs. do STJ de 03/11/2020 (relatora Fátima Gomes) e de 06/07/2021 (relatora Fátima Gomes), in www.dgsi.pt. [8] Cfr. “Algumas Questões sobre a Prescrição e Caducidade”, em Estudos de Homenagem ao Prof. Sérvulo Correia, p. 47 e ss. [9] Cfr. Ac. do STJ de 23-01-2020 (relator Nuno Pinto Oliveira), proferido no processo n.º 4518/17.8T8LOU-A.P1.S1, in ECLI:PT:STJ:2020:4518.17.8T8LOU.A.P1.S1. [10] Cfr. Ac. do STJ de 15/09/2022 (relator Nuno Pinto Oliveira), in www.dgsi.pt. [11] Cfr., seguindo a uniformizada jurisprudência, Acs. do STJ de 12/07/2022 (relator António Barateiro Martins), de 29/09/2022 (relator Ferreira Lopes), de 29/09/2022 (relator Vieira e Cunha), de 28/09/2022 (relator Luís Espírito Santo), de 11/10/2022 (relatora Ana Resende), de 13/10/2022 (relator Rijo Ferreira) e de 15/09/2022 (relator Nuno Pinto Oliveira), todos disponíveis in www.dgsi.pt. [12] Cfr. Ac. do Tribunal Constitucional n.º 202/2014, de 3/03/2014, in www.dgsi.pt. [13] Cfr. Ac. do Tribunal Constitucional n.º 187/2001, de 2/05/2001, in www.dgsi.pt. [14] Cfr. Luís Correia de Mendonça/Henriques Antunes, Dos Recursos (regime do Dec. Lei n.º 303/2007), Quid Iuris, 2009, p. 329. [15] Cfr., Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017 – 4ª ed., Almedina, p. 463. [16] “Saindo beneficiados com a resolução ou prevenção de querelas jurisprudenciais os valores da segurança e certeza do direito e também o princípio da igualdade perante a lei interpretanda, o incremento dessa actividade judicativa repercutir-se-á também, em termos mediatos, na redução da litigância, ante a perspectiva da previsível resposta a determinada questão jurídica que tenha sido objecto de uniformização jurisprudencial. Também não devem ser desconsiderados os efeitos positivos na valorização da actividade do próprio Supremo no sistema judiciário e na sua visibilidade perante a sociedade. Através da uniformização de jurisprudência sai valorizada a competência que exclusivamente é atribuída ao Supremo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal de revista, traduzida através de acórdãos com valor para-legislativo, ao mesmo tempo que, sanando ou prevenindo polémicas jurisprudenciais, potencia os factores da segurança e da certeza na aplicação do direito, contribuindo também para a maior eficácia e celeridade do sistema judiciário.” – Abrantes Geraldes, Uniformização de Jurisprudência, acedido em https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2015/07/painel_3_recursos_abrantesgeraldes.pdf [17] Cfr. Reclamação do STJ de 12-05-2016 (relator Abrantes Geraldes), proferida no âmbito do Processo n.º 982/10.4TBPTL.G1-A.S1, constando do seu sumário “Os Acórdãos de Uniformização de Jurisprudência, conquanto não tenham a força obrigatória geral que era atribuída aos Assentos pelo revogado art. 2º do CC, têm um valor reforçado que deriva não apenas do facto de emanarem do Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça, como ainda de o seu não acatamento pelos tribunais de 1ª instância e Relação constituir motivo para a admissibilidade especial de recurso, nos termos do art. 629º, nº 2, al. c), do CPC. 2. Esse valor reforçado impõe-se ao próprio Supremo Tribunal de Justiça, sendo projectado, além do mais, pelo dever que recai sobre o relator ou os adjuntos de proporem ao Presidente o julgamento ampliado da revista sempre que se projecte o vencimento de solução diversa da uniformizada”. [18] Cfr., Abrantes Geraldes, Recursos (…), p. 465. [19] Cfr., reconhecendo a predominância desse entendimento, Júlio Gomes, Comentário ao Código Civil, Parte Geral, 2ªed., 2014, 2018, UCP/Editora, p. 922 (anotação ao art. 310º). [20] Cfr., a propósito o voto de vencido do Sr. Conselheiro Nuno Manuel Pinto Oliveira, no citado Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 13/2024, de 12/09/2024 (relator António Barateiro Martins), publicado in D.R. Iª Série, n.º 200 (2024-10-15), pp. 1-16. [21] Cfr. Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, II, 1983, p. 452, e Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, 4ª ed., 1987, Coimbra Editora, p. 280.