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PRESTAÇÃO DE CONTAS
INTERVENÇÃO DE TERCEIROS
Sumário
- Numa ação de prestação de contas intentada pela herdeira, relativa a atos de administração de bens realizados no âmbito de uma procuração outorgada à Ré por pessoa entretanto falecida (mãe da A.), não pode proceder o pedido da A. de intervenção na ação como seu associado do legatário de um direito real (usufruto) que não faz parte do objeto da ação e que, por isso, não qualquer interesse no destino dos bens referidos na petição inicial ou dos frutos que os mesmos geraram, não podendo exigir à Ré a prestação de contas relativas a esses bens. - Sendo o legado em causa constituído por determinado direito real, o legatário apenas teria legitimidade para intervir como autor na ação, caso a prestação de contas abrangesse atos referentes a esse direito.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
Relatório:
No âmbito da ação especial para prestação de contas que AA intentou contra BB, veio a Autora, na petição inicial, requerer a intervenção provocada (como seu associado) de CC, alegando para tanto que o pedido de prestação de contas se refere a atos de administração do património pertencente a DD praticados pela R., sendo que aquela faleceu no dia ../../2018, tendo-lhe sucedido, por força do testamento que outorgou em 11 de agosto de 2004, para além da própria requerente e da requerida, o referido CC (este e aquela na qualidade de herdeiros legatários), pelo que a presente ação tem de ser intentada, sob pena de ilegitimidade, por todos os herdeiros da referida DD.
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No Tribunal recorrido foi proferida decisão que julgou improcedente o incidente de intervenção de terceiros, com os seguintes fundamentos:
“(…) Cumpre decidir: O âmbito do incidente de intervenção principal provocada é delimitado pelo artigo 316.º do CPC. Dispõe o n.º 1 dessa disposição legal que “Ocorrendo preterição de litisconsórcio necessário, qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com direito a intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária”. Por sua vez, nos termos do disposto no artigo 941.º do CPC “A ação de prestação de contas pode ser proposta por quem tenha o direito de exigi-las ou por quem tenha o dever de prestá-las e tem por objeto o apuramento e aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra bens alheios e a eventual condenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se”. Tal norma contém uma regra relativa à legitimidade, conferindo-a àquele que tenha o direito de exigir a prestação de contas. Na situação em apreço encontramo-nos perante uma ação de prestação de contas intentada pela única herdeira de DD, falecida no dia ../../2018 (dizemos única, pois, como veremos, não existe na lei a figura do “herdeiro legatário”). Nos termos do testamento que esta última outorgou no dia 11 de Agosto de 2004, deixou a suceder-lhe a sua filha e aqui A. AA (instituindo-a herdeira do remanescente da herança, o que nem sequer seria necessário dado que a mesma é herdeira legitimária da testadora, atento o disposto no artigo 2157.º do Código Civil), bem como CC e BB, mas quanto a estes tão-somente na qualidade de legatários, sendo certo que os mesmos, ao contrário do que sucede com a A., uma vez que são sobrinhos da falecida, não são herdeiros legitimários desta última. Pois bem, “Os sucessores são herdeiros ou legatários” – artigo 2030.º, n.º 1, do Código Civil –, e “Diz-se herdeiro o que sucede na totalidade ou numa quota do património do falecido e legatário o que sucede em bens ou valores determinados” – artigo 2030.º, n.º 2, do Código Civil. Como decorrência da circunstância do direito de o legatário incidir sobre bens ou valores determinados, não lhe é reconhecido, desde logo, ao contrário do que sucede com os co-herdeiros ou com o cônjuge meeiro, o direito de exigir a partilha (cfr. artigo 2101.º, n.º 1, do Código Civil), sendo-lhe apenas reconhecido o direito de exigir o cumprimento do legado aos herdeiros (artigo 2265.º, n.º 1, do Código Civil), podendo inclusivamente reivindicar de terceiro a coisa legada (artigo 2279.º do Código Civil). As considerações acima tecidas relevam para a decisão do caso concreto já que não subsistem quaisquer dúvidas de que, estando em causa a administração do património de uma pessoa já falecida, a acção de prestação de contas deve ser proposta por todos os herdeiros contra a pessoa que o tenha administrado (seja na qualidade de cabeça-de-casal da herança, seja como mandatário daquele, atento o disposto no artigo 1161.º, alínea d), do Código Civil, como será o caso da situação que nos ocupa), sob pena de ilegitimidade, por preterição de litisconsórcio necessário activo. Em suma, sendo vários os titulares do direito de exigir a prestação de contas, há litisconsórcio necessário activo, devendo a acção ser proposta por todos, sob pena de ilegitimidade do autor, pois, como se explica no Ac. do TRC de 24.06.2014 (processo 373- A/2001.C1, acessível em www.dgsi.pt), só “com a presença de todos na acção é que a decisão que vier a ser proferida poderá produzir o seu efeito útil – art.º 28º, n.º 2, do C. P. Civil – ou seja o apuramento do saldo – respeitando a todos eles a relação material controvertida”, isto porque “As contas a prestar representam um todo único, não fazendo sentido que possam existir tantas contas quantos os interessados e que, aquilo que constitui caso julgado para uns, o não seja para outros”. Tal ilegitimidade activa não ocorre no caso concreto, como já se intui da exposição antecedente. Como já dissemos, nos termos do disposto no artigo 941.º do CPC, e para o que interessa no caso a quo, a acção de prestação de contas tem que ser proposta por quem tenha o direito de exigi-las, e, tendo a pessoa cujo património foi administrado por terceiro falecido, essas pessoas serão apenas os respectivos herdeiros, e já não eventuais legatários. É que, dada a individualização dos bens ou direitos que lhes cabem por óbito do autor da herança que lhes permite exigir, desde logo, em acção comum, a entrega dos bens ou direitos que constituem o legado, carecem os legatários de legitimidade activa para exigir a prestação forçada de contas a quem tenha administrado, no caso em vida e por força de um mandato outorgado para o efeito, o património da pessoa entretanto falecida. No caso concreto a única e universal herdeira de DD é, como vimos, apenas a A., sua filha, pelo que sendo o requerido CC apenas legatário de bens que integram a herança daquela, não se pode falar em ilegitimidade activa por preterição de litisconsórcio necessário. Em face do exposto, julga-se o incidente deduzido pela A. improcedente, em consequência do que se decide não admitir a intervenção principal provocada de CC. Custas do incidente a cargo da A. Notifique.”
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No seu recurso, a Requerente do incidente, veio formular as seguintes conclusões:
1. A decisão liminar proferida no âmbito do incidente de intervenção principal provocada é recorrível;
2. O recurso é de apelação e enquadra-se na previsão da al. h) do n.º 2 do artigo 644º do CPC, porquanto a inclusão da sua impugnação no recurso a apresentar a final, tornaria o esperado provimento inútil, praticando-se, para além disso, atos processuais que se revelariam totalmente inaproveitáveis. Assim:
3. “Estando em causa movimentações de bens levadas a cabo em vida [da mandante], durante a vigência da relação de mandato, caducado [o mandato] com o falecimento da mandante”, não podem os herdeiros em nome da herança substituir-se ao então mandante (…), arrogando-se de um direito que não lhe pertence”,
4. Não se transmite assim aos herdeiros (e/ou legatários) o direito à prestação de contas decorrente de relação de mandato constituída em vida da mandante autora da herança ou legado, pelo que é ilegítimo o pedido de prestação de contas. Ainda que assim se não entende e sem prescindir;
5. Tanto o herdeiro como o legatário são sucessores do autor da herança, como o estabelece o artigo 2030º do CC, que define como herdeiro “o que sucede na totalidade ou numa quota do património do falecido e legatário o que sucede em bens ou valores determinados”;
6. Ambos os sucessores, herdeiro e legatário, estão sujeitos às limitações impostas à liberdade de dispor, decorrentes de legitimas subjetivas, no caso de sobrevirem herdeiros legitimários, podendo, os legatários, ver o seu legado reduzido por inoficiosidade, como decorre dos artigos 2168º, 2169º e 2171º e 2172º, todos do CC.
7. É, assim, também relevante para os legatários a prestação de contas por parte do mandatário constituído em vida pelo mandante falecido, designadamente, para concluir se existem na herança bens suficientes para a integração das legitimas subjetivas, reduzindo ou eliminando o risco de redução por inoficiosidade
8. Razão pela qual se não pode aqui aplicar restritivamente as normas que permitem exigir a prestação de contas ao cabeça de casal, designadamente o artigo 2093º do CC.
9. Em conclusão, entendendo-se que o direito à prestação de contas se transmite aos sucessores do mandante, sempre se terá de entender que se transmitem, tanto a herdeiros como a legatários, que, assim, deverão exercer conjuntamente esse direito, sob pena de ilegitimidade.
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Os factos com interesse para a decisão da causa são os que contam do relatório do presente acórdão.
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O Direito:
O art. 260º do C. P. Civil consagra o princípio da estabilidade da instância, sendo que, uma das possibilidades da sua modificação subjetiva é através dos incidentes de intervenção de terceiros.
Existem três tipos de incidentes de intervenção de terceiros e encontram-se previstos nos artigos 311º a 324º.
No caso foi requerida a intervenção principal provocada de um terceiro.
Sobre este tipo de intervenção, refere o art. 316º do C. P. Civil, na parte com interesse para o caso em apreço, que, ocorrendo preterição de litisconsórcio necessário, qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com legitimidade para intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária.
Explica Salvador da Costa (in Os incidentes da Instância, 11ª edição atualizada e ampliada, pág. 86) que “É para o caso de preterição do litisconsórcio necessário do lado passivo que o normativo em análise permite a qualquer das partes o chamamento a juízo, como seu associado ou da parte contrária, do interessado com legitimidade para o efeito, definida pelo interessa do chamado igual ao do autor ou do réu, nos termos dos artigos 33º e 34º. Assim, o próprio autor pode chamar a intervir alguém, seja na posição de autor, seja na posição de réu, e este pode chamar a intervir outrem em paralela à sua ou à do autor.”
Acrescenta este Autor que “O chamamento para intervenção principal litisconsorcial assume especial interesse para sanar a ilegitimidade plural, delineada nos artigos 33º e 34º (…)”.
O litisconsórcio necessário verifica-se quando a lei ou o negócio jurídico exigem a intervenção de vários interessados na relação controvertida ou quando, pela natureza da relação jurídica, ela seja necessária para que a decisão produza o seu efeito útil normal. A decisão produz o seu efeito útil normal sempre que, não vinculando embora os restantes interessados, possa regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado. (v. art. 33º do C. P. Civil).
No art. 32º encontra-se caracterizado o litisconsórcio voluntário, dizendo este preceito que “se a relação material controvertida respeitar a várias pessoas, a ação respetiva pode ser proposta por todos ou contra todos os interessados mas se a lei ou o negócio for omisso, a ação pode também ser proposta por um só ou contra um só dos interessados, devendo o tribunal, neste caso, conhecer apenas da respetiva quota parte do interesse ou da responsabilidade, ainda que o pedido abranja a totalidade.
Por seu turno, o autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar, exprimindo-se este interesse pela utilidade derivada da procedência da ação (v. art. 30º, nºs 1 e 2, do C. P. Civil).
No caso, estamos perante uma ação de prestação de contas, em que a A. é herdeira da mandante, já falecida, e pretende chamar à ação um dos legatários (a outra legatária está na ação na qualidade Ré/mandatária).
Relativamente à prestação de contas no âmbito de uma ação judicial, dispõe o art. 941.º do Código de Processo Civil, “A ação de prestação de contas pode ser proposta por quem tenha o direito de exigi-las ou por quem tenha o dever de prestá-las e tem por objeto o apuramento e aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra bens alheios e a eventual condenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se”.
Isto significa que a ação terá de ser intentada por todos aqueles que têm direito a exigir a prestação de contas relativas à administração dos bens da herança.
Vejamos então se o legatário acima identificado pode/deve estar na ação como associado da A.:
Tal como dispõe o art. 2030.º, nº 1, do C. Civil, os sucessores são herdeiros ou legatários.
Diz-se herdeiro o que sucede na totalidade ou numa quota do património do falecido e legatário o que sucede em bens ou valores determinados” (v. art. 2030.º, n.º 2, do C. Civil.
Como explica Rabindranath Capelo de Sousa (in Lições de Direito das Sucessões, vol. I, 3ª edição, pág. 62), o legislador recorreu a um critério de determinação ou indeterminação dos bens sucessíveis como critério geral de distinção entre herdeiros e legatários
Oliveira Ascenção (in Direito Civil – Sucessões”, pág. 476), salienta que o legislador ao utilizar os termos herdeiros e legatários, evitou a aceção imprópria do conceito de herdeiro como suscetível de abranger todos os beneficiários da sucessão.
No caso, pretende-se a prestação de contas relativamente aos atos de administração que a Ré praticou ao abrigo de procuração outorgada a ser favor pela mãe da A, entretanto falecida, relativa às vendas do imóvel sito na Rua ...., fração autónoma ... e do imóvel sito na Avenida ...., fração autónoma ... (também designada por Rua ...), destino dos respetivos produtos das vendas e eventuais rendas provenientes dos mesmos até à data de sua venda e ainda da administração do imóvel sito na Rua ..., fração autónoma ....
Lido o testamento junto aos autos, outorgado pela mãe da A., vemos que através do mesmo legou ao sobrinho CC (cuja intervenção a A. requereu) o usufruto da fração autónoma designada pela letra ..., sita na Rua ..., concelho .... À sobrinha, ora Ré, deixou a nua propriedade do mesmo imóvel e à A, deixou o remanescente dos seus bens.
Vemos, pois, que o imóvel cujo usufruto foi legado à pessoa que a A. quer ver na ação na qualidade de seu associado, não faz parte do objeto da ação, pelo que, aquele não tem qualquer interesse no destino dos bens referidos na petição inicial ou dos frutos que os mesmos geraram, não podendo exigir à Ré a prestação de contas relativas a esses bens. Não tem, assim, legitimidade para intervir na ação (v. art. 30º, nºs 1 e 2, do C. P. Civil)
Na verdade, sendo o legado em causa constituído por determinado direito real, o legatário apenas teria legitimidade para intervir como autor na ação, caso a prestação de contas abrangesse atos de administração referentes a esse bem, o que não ocorre no caso em apreço.
Pelo exposto, a intervenção requerida não é admissível, confirmando-se a decisão recorrida.
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DECISÃO:
Pelo exposto, acorda-se nesta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.
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Guimarães, 13 de fevereiro de 2025
Alexandra Rolim Mendes António Beça Pereira Maria Luísa Duarte Ramos