EXECUÇÃO
JUNÇÃO DE DOCUMENTOS COM O RECURSO
COMUNICABILIDADE DA DÍVIDA
INCIDENTE
Sumário


1) No caso de recurso, a apresentação de documentos com as alegações, apenas é admissível quando se verifique uma de duas situações: a) Quando a sua apresentação não tenha sido possível até ao encerramento da discussão, quer por impossibilidade objetiva (inexistência do documento em momento anterior), quer subjetiva (v.g. ignorância sobre a sua existência); ou b) Quando a sua junção se tenha tornado necessária devido ao julgamento na 1ª instância;
2) O incidente da comunicabilidade também pode ser deduzido pelo exequente a título superveniente, até ao início das diligências para venda ou adjudicação, devendo oferecer logo a prova e correndo tal incidente por apenso, caso em que o cônjuge do executado é citado, nos termos e com a cominação a que já se aludiu, podendo impugnar a comunicabilidade da dívida, em oposição a apresentar em 20 dias;
3) Dada a natureza superveniente deste incidente, a sua dedução determina a suspensão da venda, quer dos bens próprios do cônjuge inicialmente executado, que já estejam penhorados, quer dos bens comuns do casal, aguardando-se pela decisão a proferir, mantendo-se, entretanto, a penhora já realizada.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

A) Nos autos de Execução ordinária que os exequentes AA e BB intentaram contra os executados CC, DD e EE, foi proferido o seguinte despacho, datado de 06/05/2024:
Expediente que antecede:
Visto.
Atento o incidente de comunicabilidade, autuado como apenso B dos presentes autos, em que são requerentes os aqui exequentes, e requerida FF, separada de pessoas e bens do executado EE, tendo aquela impugnado a comunicabilidade da dívida, para além de ter deduzido oposição à execução mediante embargos, incidente aquele cuja procedência ou improcedência irá determinar qual a quota parte dos bens suscetível de venda, determina-se a suspensão das diligências de venda nos presentes autos de execução até à decisão que venha naquele incidente a ser proferida.
Notifique.
Comunique ao/à AE.

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B) Inconformados  com o referido despacho, vieram os exequentes AA e BB, interpor recurso, o qual foi admitido como sendo de apelação, com subida em separado e efeito devolutivo.
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Importando notar que o recurso versava duas decisões diferentes, do mesmo processo, em que foram apresentadas alegações conjuntamente no mesmo requerimento, embora delimitadas e que, estranhamente, foi determinado na 1ª Instância, a sua tramitação separada, dando origem aos apensos E e F (esta apelação), opta-se por destacar das mesmas a parte necessária à apreciação desta.

Nas alegações de recurso dos apelantes AA e BB, são formuladas as seguintes conclusões:

DAS RAZÕES DE DISCORDÂNCIA

I - DA TRAMITAÇÃO PROCESSUAL
1. No dia 12.07.2018, os exequentes instauraram execução contra os executados CC, DD e EE.
(Cfr. requerimento executivo do dia 12.07.2018, ref. ...84, junto aos autos principais)
2. No dia 01.08.2018, foram penhorados seguintes bens imóveis:
- prédio urbano composto de terreno para construção, com a área de 1536 m2, sito em ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz predial sob o artigo nº ...34 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...09; e,
- prédio rústico, denominado por ..., sito no lugar da ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...86 e inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo ...80.
(Cfr. doc. nº 3 da notificação realizada pelo Senhor Agente de Execução no dia 13.09.2022, documento g2Ljzb7typW – autos principais)
3. No dia 28.08.2018 foi elaborado auto de penhora pela Senhora Agente de Execução constando do mesmo penhorados os bens imóveis supra referidos sob as verbas nºs 5 e 6.
(Cfr. auto de penhora elaborado pela Senhora Agente de Execução no dia 28.08.2018 – autos principais)
4. No dia 06.09.2018, a cônjuge do executado insolvente, FF, foi citada, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 740º CPC, para, no prazo de 20 dias, requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência de ação em que a separação já tenha sido requerida, sob pena de serem penhorados os bens comuns.
5. No dia 27.09.2018, foi decretada a separação de pessoas e bens, por mútuo consentimento, do executado insolvente e FF.
(Doc. nº 2 junto aos autos com o requerimento apresentado no dia 17.01.2024, ref.ª: ...23)
6. No dia 31.10.2018, em consequência da partilha subsequente à separação de pessoas e bens, os bens imóveis supra descritos, que pertenciam ao património comum do dissolvido casal, foram alegadamente adjudicados ao cônjuge do executado-insolvente, FF.
(Cfr. doc. n.º 1 junto ao apenso B dos autos principais com a impugnação da comunicabilidade da dívida e oposição à execução mediante embargos deduzidas no dia ../../2024, ref.ª ...53)
7. No dia ../../2018, foi registada na CRP a aquisição dos bens imóveis acima descritos pelo cônjuge do executado insolvente, FF.
(Cfr. descrição predial junta aos autos com o requerimento apresentado pelo Senhor Agente de Execução no dia 28.03.2024, documento 4JndjkXTrooZ)
8. Nos dias 04.01.2024 e 09.01.2024, os executados EE e CC foram declarados insolventes.
(Cfr. anúncios dos dias 04.01.2024 e 09.01.2024, ref.ª ...29 e ...36)
9. Nos dias 08.01.2024 e 11.01.2024, o Tribunal a quo declarou suspensa a instância quanto aos executados CC e EE.
(Cfr. despachos proferidos nos dias 08.01.2024 e 11.01.2024, ref.as ...92 e ...47
10. No dia 17.01.2024, os exequentes requereram o prosseguimento dos autos de execução e respetiva venda do prédio urbano descrito no art.º 2º, atento que este bem imóvel não fazia, como não faz, parte integrante da massa insolvente do executado EE e a penhora acompanha o bem transmitido e sujeita o seu adquirente à execução.
(Cfr. requerimento apresentado pelos exequentes no dia 17.01.2024, ref.ª: ...23)
11. No dia 08.04.2024, o Tribunal a quo ordenou o prosseguimento dos autos com a venda do prédio urbano descrito supra.
(Cfr. despacho proferido pelo Tribunal a quo no dia 08.04.2024, ref.ª: ...77)      19
12. No dia 08.04.2024, os exequentes requereram o prosseguimento dos autos de execução e respetiva venda do prédio rústico descrito no art.º 2º, atento que este bem imóvel também não fazia, como não faz, parte integrante da massa insolvente do executado EE e a penhora acompanha o bem transmitido e sujeita o seu adquirente à execução. (Cfr. requerimento apresentado pelos exequentes no dia 08.04.2024, ref.ª:...37)
13. No dia 16.04.2024, o Tribunal a quo declarou extinta a presente instância quanto aos executados EE e CC, uma vez que considerou que os autos de insolvência referentes aos mencionados coexecutados se encontravam a aguardar a respetiva liquidação, sendo que apenas um de dois fins se adivinhavam – quais sejam o de encerramento por força da realização do respetivo rateio ou por insuficiência da massa.
(Cfr. decisão proferida no dia 16.04.2024, REF.ª: ...99)
14. No dia 17.04.2024, os exequentes requereram ao Tribunal a quo para reformular a sentença proferida no dia 16.04.2024, revogando-a e substituindo-a por outra em que não fosse declarada extinta a presente instância quanto ao executado-insolvente EE, uma vez que, entendiam, como entendem, que os autos tinham de prosseguir ulteriores termos até à venda dos supra mencionados bens imóveis, que não fazem parte integrante da massa insolvente daquele (executado-insolvente), para satisfação do crédito dos exequentes, apesar de terem sido transmitidos para terceiro.
(Cfr. requerimento dos exequentes do dia 17.04.2024, ref.ª: ...96)
15. No dia 22.04.2024, o executado-insolvente EE requereu a suspensão da venda dos bens imóveis supra mencionados.
(Cfr. requerimento do executado do dia 22.04.2024, ref.ª: ...71)
16. No dia 06.05.2024, o Tribunal a quo determinou a suspensão das diligências de venda nos presentes autos de execução até à decisão que venha a ser proferida no incidente de comunicabilidade, autuado como apenso B dos presentes autos, em que são requerentes os exequentes e requerida FF, separada de pessoas e bens do executado EE, uma vez que considerou que, tendo aquela (requerida) impugnado a comunicabilidade da dívida, para além de ter deduzido oposição à execução mediante embargos, a procedência ou improcedência daquele incidente irá determinar qual a quota parte dos bens suscetível de venda.
(Cfr. despacho proferido no dia 06.05.2024, ref.ª: ...75)
17. Até ao dia ../../2024, o cônjuge do executado insolvente, FF, nada disse ou se pronunciou sobre os atos que foram praticados ao longo da tramitação processual dos presentes autos.
18. Os exequentes ainda não foram notificados para contestar a oposição à execução mediante embargos deduzida pelo cônjuge do executado-insolvente, FF.

II - DA SENTENÇA PROFERIDA NO DIA 16.04.2024, REF.ª: ...99

19. No dia 08.04.2024, o Tribunal a quo ordenou o prosseguimento dos autos de execução e respetiva venda do prédio urbano composto de terreno para construção, com a área de 1536 m2, sito em ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz predial sob o artigo nº ...34 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...09, penhorado à ordem dos presentes autos no dia 01.08.2018.
(Cfr. despacho proferido pelo Tribunal a quo no dia 08.04.2024, ref.ª: ...77)
20. O despacho proferido pelo Tribunal a quo no dia 08.04.2024, ref.ª: ...77, que ordenou o prosseguimento dos autos com a venda do prédio urbano supra descrito, já transitou em julgado.
(Art.os 619.º, 620.º e 621.º CPC)
21. Por outro lado, na data em que foram penhorados os supra referidos bens imóveis 21 (01.08.2018), estes encontravam-se registados na CRP em nome do executado-insolvente EE, apesar de, no dia ../../2018, ter sido, entretanto, registada na CRP a aquisição daqueles (bens imóveis) a favor do cônjuge do executado-insolvente, FF.
22. Na data em que o executado foi declarado insolvente (04.01.2024), os bens imóveis acima descritos já se encontravam registados na CRP em nome do cônjuge do executado insolvente, FF, desde o dia ../../2018.
23. Na data (04.01.2024) em que o executado-insolvente, EE, foi declarado insolvente os bens imóveis supra descritos já não lhe pertenciam, como não fazem parte integrante da massa insolvente do executado, EE.
24. A declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providencias requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente e obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer ação executiva intentada pelos credores da insolvência; porém, se houver outros executados, a execução prossegue contra estes.
(Art.º 88.º n.º 1 CIRE)
25. A massa insolvente destina-se à satisfação dos credores da insolvência, depois de pagas as suas próprias dívidas, e, salvo disposição em contrário, abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo.
(Art.º 46.º CIRE)
26. O ato de disposição do executado que envolveu alienação dos bens penhorados supra referidos é ineficaz em relação aos exequentes.
(Art.º 819.º CC)
27. A penhora acompanha os bens transmitidos e sujeita o seu adquirente à execução.
28. A penhora dos bens imóveis em apreço permite, por força da sequela, executar os bens no património daquele que for o seu proprietário ou possuidor.
29. Por via disso, os exequentes continuam a poder executar os bens imóveis penhorados supra mencionados, que não fazem parte integrante da massa insolvente, para satisfação do seu crédito, apesar de terem sido transmitidos para terceiro.
30. Pelo que, não pode ser declarada extinta a presente instância quanto ao executado-insolvente EE, atento que os autos têm de prosseguir ulteriores termos até à venda dos mencionados bens imóveis, que não fazem parte integrante da massa insolvente daquele (executado-insolvente), para satisfação do crédito dos exequentes, apesar de ter sido transmitido para terceiro.
31. Destarte, ao assim não entender, violou o tribunal recorrido o disposto nos art.os 619.º, 620.º e 621.º CPC, 819.º CC e 46.º e 88.º CIRE.

III - DO DESPACHO PROFERIDO NO DIA 06.05.2024, REF.ª ...75
32. Apesar de, no dia 27.09.2018, o executado EE e FF se terem separado de pessoas e bens e terem partilhado os bens imóveis supra descritos, que pertenciam ao património comum do dissolvido casal, a verdade é que estes continuam a fazer vida em comum, dormindo e tomando refeições juntos.
(Doc. n.º 2 junto aos autos com o requerimento apresentado no dia 17.01.2024, ref.ª: ...23, e doc. n.º 1 junto ao apenso B dos autos principais com a impugnação da comunicabilidade da dívida e oposição à execução mediante embargos deduzidas no dia ../../2024, ref.ª:...53)
33. Os bens imóveis acima referidos já há muito que foram partilhados entre o executado insolvente e FF,
34. tendo sido aqueles e a dívida resultante do empréstimo contraído junto da instituição bancária Banco 1..., C.R.L. àquela (FF) adjudicados,
35. sendo que, feita a compensação entre o ativo e o passivo, resultou que cada um levou bens correspondentes à sua meação, não tendo dado lugar ao pagamento de tornas.
(Cfr. doc. nº 1 junto ao apenso B com a impugnação do incidente de comunicabilidade da dívida)
36. O cônjuge do executado-insolvente, FF, aceitou que lhe fossem adjudicados os mencionados bens imóveis com as penhoras que neles se encontravam, como encontram, registadas.
37. Os exequentes não foram tidos nem achados na partilha subsequente à separação de pessoas e bens realizada entre executado-insolvente e FF.
38. E, por isso, qualquer decisão que venha a ser proferida no incidente de comunicabilidade da dívida não vai determinar qual é a quota-parte dos bens imóveis suscetíveis de venda.
39. Com efeito, ao ter sido realizada a partilha subsequente à separação de pessoas e bens e tendo sido adjudicados ao cônjuge do executado-insolvente, FF, os bens imóveis supra referidos no art.º 2º e a dívida acima descrita,
40. nada mais existe a partilhar ou quotas-partes a determinar em consequência da decisão que venha a ser proferida no incidente de comunicabilidade da dívida.
41. Apenas nos casos em que é deduzido o incidente previsto na segunda parte do nº 1 do art.º 741º CPC é que tem de ser determinada a suspensão da venda, quer dos bens próprios do cônjuge executado que já se mostrem penhorados, quer dos bens comuns do casal, a qual aguarda a decisão a proferir, mantendo-se, entretanto, a penhora já realizada.
(Art.º 741º nº 4 CPC)
42. O que não é manifestamente o caso sub judice, atento que os bens imóveis que se encontram penhorados não são bens próprios do cônjuge executado (EE), como já não são bens comuns do casal.
43. A única consequência que se pode extrair é que, caso a dívida seja considerada comum, a execução prossegue também contra o cônjuge não executado, cujos bens próprios podem ser nela subsidiariamente penhorados.
(Art.os 741º nº 5 CPC, 1691º nº 1 al. c) e d) e 1695º CC)
44. E, se a dívida não for considerada comum, a execução não prossegue contra o cônjuge não executado, sendo que não há que aplicar o disposto no nº 6 do art.º 741º CPC, atento que a partilha subsequente à separação de pessoas e bens já foi realizada e foram adjudicados ao cônjuge do executado-insolvente, FF, os bens imóveis supra referidos no art.º 2º e a dívida acima descrita.
45. Mas, nesta última hipótese, as penhoras que se encontram registadas nos bens imóveis em apreço nos autos não podem ser levantadas, como não pode ser ordenado o cancelamento do registo das mesmas.
46. Na verdade, não é por o cônjuge de um executado requerer a separação de pessoas e bens, lhe serem adjudicados determinados bens imóveis por via da partilha subsequente e estes passarem a ser bens próprios daquele (cônjuge não executado),
47. que as penhoras que naqueles (bens imóveis) já se encontravam registadas em data anterior à partilha têm de ser levantadas e cancelados os seus registos, por terem sido àquele (cônjuge não executado) adjudicados.
48. Quer numa circunstância, quer noutra, as penhoras em apreço nos autos têm de se manter registadas nos bens imóveis supra descritos, sendo que os exequentes delas não prescindem.
49. Pelo que, os bens imóveis em apreço nos autos sempre terão de ser vendidos, independentemente, de a dívida ser considerada comum ou não, uma vez que, já foi realizada a partilha subsequente à separação de pessoas e bens e foi adjudicado ao cônjuge do executado-insolvente, FF, os bens imóveis supra referidos - que os aceitou com as penhoras que neles se encontravam, como encontram, registadas - e a dívida acima descrita.
50. Caso assim não fosse, estava encontrada a forma para todos os devedores que fossem casados se eximirem ao pagamento das suas dívidas e preservarem o seu património.
51. Além disso, não existem mais bens para partilhar entre o executado e FF, uma vez que todos aqueles que existiam no dia 31.10.2018 já há muito que foram partilhados.
52. E, na decisão que venha a ser proferida no incidente de comunicabilidade da dívida, não pode o executado “receber” bens que já partilhou com FF na partilha subsequente à separação de pessoas e bens e que a esta já pertencem.
53. É que os bens imóveis são os mesmos e não podem ser duplamente partilhados.
54. E, caso existissem esses pretensos bens ou a alegada quota-parte que o Tribunal a quo considera que ainda tem de ser determinada no incidente de comunicabilidade da dívida, sempre estes teriam de ser apreendidos para a massa insolvente do executado-insolvente. (Art.º 46º CIRE)
55. Por todo o exposto, a pendência do incidente de comunicabilidade da dívida não impossibilita a realização das diligências de venda dos bens penhorados supra referidos.
56. As diligências de venda não têm de aguardar pela decisão que vier a ser proferida no incidente de comunicabilidade da dívida.
57. Face ao exposto, não deve ser ordenada a suspensão da venda dos bens penhorados acima mencionados.
58. Destarte, ao assim não entender, violou o tribunal recorrido o disposto nos art.os 733º e 741º nºs 4 a 6 CPC, 1691º nº 1 al. c) e d) e 1695º CC e 46º CIRE.
Termos em que, e no que mais Vossas Excelências doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso, alterando-se a decisão na parte em apreço nos termos expostos, revogando-se a sentença proferida, substituindo-se por outra, tudo de molde a que seja ordenado o prosseguimento dos presentes autos de execução e respetiva venda dos bens imóveis penhorados à ordem dos presentes autos no dia 01.08.2018, constantes das verbas nºs 5 e 6 do auto de penhora elaborado no dia 28.08.2018.
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Pelo apelado EE foi apresentada resposta onde entende que deve o recurso de apelação apresentado pelos exequentes/recorrentes ser julgado totalmente improcedente.
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C) Foram colhidos os vistos legais.
D) As questões a decidir neste recurso são as de saber;
1) Se devem ser admitidos com o presente recurso os dois documentos juntos com as alegações;
2) Se deve ser revogado o despacho que determinou a suspensão das diligências de venda até à decisão que venha a ser proferida naquele incidente de comunicabilidade, ordenando-se o prosseguimento dos presentes autos de execução e respetiva venda dos bens imóveis penhorados à ordem dos presentes autos no dia 01.08.2018, constantes das verbas nºs 5 e 6 do auto de penhora elaborado no dia 28.08.2018.
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II. FUNDAMENTAÇÃO

A) Os factos a considerar são os que constam do relatório que antecede.
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B) O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo o tribunal conhecer de outras questões, que não tenham sido suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras (artigos 608º nº 2, 635º nº 2 e 3 e 639º nº 1 e 2, todos do NCPC).
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C) Relativamente à junção de documentos, como se pode ler no Acórdão desta Relação de Guimarães de 29/04/2014, proferido na Apelação nº 5439/12.6TBBRG, relatado pelo Desembargador António Santos, “para decisão da questão em apreço, importa no essencial atentar no preceituado no artigo 651 nº 1 do CPC, aprovado pela Lei nº 41/2013,de 26 de Junho (NCPC) [ … ], rezando ele que “as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425º NCPC ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância”.
De igual modo e desde logo em face da referência ao mesmo no âmbito do preceito do artigo 651º nº 1 citado, justifica-se atentar no disposto no artigo 425º do NCPC, preceito este que dispõe: “depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento”.
Conjugando ambas as referidas disposições com a do artigo 423º, quer o seu nº 1, quer o respetivo nº 2 do NCPC, tudo aponta para que os documentos possam ser juntos pelas partes até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, e, após o referido momento, podem ainda ser carreados para o processo e para serem ainda valorados pela primeira instância, até ao momento do encerramento da discussão (cfr. artigo 425º do NCPC) ou seja, até à conclusão das alegações orais (de facto e de direito - cfr. alínea e) do nº 3 do artigo 604º) e subsequente encerramento da audiência, e desde que a sua apresentação não tenha sido possível até então, objetiva ou subjetivamente, ou a sua apresentação se tenha tornado necessária em virtude de uma ocorrência posterior (cfr. nº 3 do artigo 423º do NCPC).
Já depois do encerramento da audiência, no caso de recurso, a apresentação de documentos, sendo permitida desde que juntos com as alegações, lícita/admissível é tão só desde que se verifique uma de duas situações, a saber: a) Quando a sua apresentação não tenha sido possível até ao encerramento da discussão, quer por impossibilidade objetiva (inexistência do documento em momento anterior), quer subjetiva (v.g. ignorância sobre a sua existência); b) Quando a sua junção se tenha tornado necessária devido ao julgamento na 1ª instância - v. g. quando a decisão proferida não era de todo expectável, tendo-se ancorado em regra de direito cuja aplicação ou interpretação as partes, justificadamente, não contavam.”
No que à situação referida em segundo lugar concerne, explica Abrantes Geraldes (In Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 2010, pág. 254) que a admissibilidade da junção de documentos em sede recursória, justifica-se designadamente quando a parte/recorrente tenha sido surpreendida com o julgamento proferido, maxime quando este se revele de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos documentos já constantes do processo.
Dito de uma outra forma (cfr. Brites Lameiras, in Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª Edição, Almedina, pág. 123),” a junção só tem razão de ser quando a fundamentação da sentença ou o objeto da decisão fazem surgir a necessidade de provar factos cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes dela.”
Ainda com referência à situação referida em segundo lugar, mas com a habitual clareza, sabedoria e rigor, diz-nos o Prof. Antunes Varela (em anotação ao Ac. do STJ de 09.12.1980, na Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 115º, págs. 91 e segs.) que não basta, para que a junção do documento seja permitida, que ela seja necessária em face do julgamento da 1ª instância, exigindo-se outrossim que tal junção só (apenas) se tenha tornado necessária em virtude desse julgamento.
Tal equivale a dizer que, se a junção já era necessária (quer para fundamentar a ação, quer para ancorar a defesa) antes de ser proferida a decisão da 1ª instância, então não deve ela ser permitida.
Em suma, esclarece o saudoso Mestre, a decisão da 1ª instância “pode criar, pela primeira vez a necessidade de junção de determinado documento, quer quando se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação os litigantes justificadamente não contavam.
Só nessas circunstâncias a junção do documento às alegações da apelação se pode legitimar à luz do disposto na parte final do nº 1 do artigo 706º do Código de Processo Civil.”
Comparando agora os atuais normativos que regulam a junção de documentos em sede recursória, com os artigos 524º e 693º-B, ambos do pretérito CPC, dir-se-á que, com as alterações introduzidas (maxime com a não inclusão no atual artigo 425º do nº 2, do pretérito artigo 524º, e, com a eliminação no atual 651º, da alusão que constava do pretérito artigo 693º-B, a algumas situações de recursos interpostos de decisões interlocutórias), lícito é concluir que o legislador como que deu um passo atrás no que concerne à possibilidade de junção de documentos em sede de recurso, alinhando e reforçando o entendimento de que, em rigor, a junção de prova documental deve ocorrer preferencialmente na 1ª instância.”
Os documentos em questão são uma certidão de uma cessão de crédito hipotecário e uma fotocópia do assento de nascimento do executado EE, os quais não preenchem as condições de admissibilidade de junção com o presente recurso, motivo pelo qual não são admissíveis e não se admitem.
*
Relativamente à decisão recorrida que determinou a suspensão das diligências de venda nos presentes autos execução até à decisão que venha naquele incidente a ser proferida.
Importa notar que nos termos do disposto no artigo 741º NCPC, movida execução apenas contra um dos cônjuges, o exequente pode alegar fundamentadamente que a dívida, constante de título diverso de sentença, é comum; a alegação pode ter lugar no requerimento executivo ou até ao início das diligências para venda ou adjudicação, devendo, neste caso, constar de requerimento autónomo, deduzido nos termos dos artigos 293.º a 295.º e autuado por apenso (nº 1).
Nesse caso, o cônjuge do executado é citado para, no prazo de 20 dias, declarar se aceita a comunicabilidade da dívida, baseada no fundamento alegado, com a cominação de que, se nada disser, a dívida é considerada comum, sem prejuízo da oposição que contra ela deduza ((nº 2).
No caso presente o título executivo é um documento particular autenticado de confissão de dívida e foi apresentado pelos exequentes em requerimento autónomo, antes das diligências para venda, tendo FF, cônjuge do executado EE, sido citada, a qual veio impugnar a comunicabilidade da dívida e deduzir oposição à execução, mediante embargos, achando-se designada data breve para a realização da audiência.
Conforme se refere in A Ação Executiva Anotada e Comentada, 2ª Edição, Virgínio da Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo, a páginas 286, em anotação ao artigo 741º, “Face ao disposto no nº 3, ao cônjuge não executado apresentam-se duas vias possíveis para a impugnação da comunicabilidade da dívida:
   a) Se a alegação tiver sido incluída no requerimento executivo, poderá fazê-lo na oposição à execução, se a pretender deduzir, ou em articulado próprio quando não pretenda opor-se à execução. No primeiro caso, se o recebimento da oposição não suspender a execução, apenas podem ser penhorados bens comuns do casal e a sua venda aguardará que seja proferida decisão sobre a questão da comunicabilidade;
b) Tendo a alegação sido feita em requerimento autónomo, o qual, como vimos, deverá ser autuado e tramitado por apenso, a impugnação poderá ser deduzida na respetiva oposição, na qual deverá igualmente observar-se o disposto nos artigos 293º a 295º.
Por força do nº 4, tendo o incidente de comunicabilidade da dívida sido deduzido em requerimento autónomo, a venda dos bens que já tiverem sido penhorados fica suspensa, mantendo-se as penhoras realizadas até que o incidente seja decidido, quer se trate de bens próprios do executado, quer sejam bens comuns do casal.”
No mesmo sentido se refere no Código de Processo Civil Anotado, António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Vol. II, a páginas 116, em anotação ao mesmo artigo 741º que, “Nos termos do nº 1, 2ª parte, o incidente da comunicabilidade também pode ser deduzido pelo exequente a título superveniente, até ao início das diligências para venda ou adjudicação, devendo oferecer logo a prova e correndo tal incidente por apenso (nº 1, 2ª parte; artigo 293º nº 1). Nesta sequência, o cônjuge do executado é citado, nos termos e com a cominação a que já se aludiu, podendo impugnar a comunicabilidade da dívida, em oposição a apresentar em 20 dias [nºs 2 e 3, alínea b)]. Seguem-se os termos do incidente, com produção de prova e decisão, nos termos já referidos. Dada a natureza superveniente deste incidente, a sua dedução determina a suspensão da venda, quer dos bens próprios do cônjuge inicialmente executado, que já estejam penhorados, quer dos bens comuns do casal, aguardando-se pela decisão a proferir, mantendo-se, entretanto, a penhora já realizada (nº 4).”
Também neste mesmo sentido se pronunciou o Acórdão da Relação de Guimarães, de 17/12/2018, no processo 7539/15.1T8VNF-D.G1, relatado pela Desembargadora Alexandra Rolim Mendes, in www.dgsi,pt, onde se refere que “Parece-nos que a diferença de regimes entre o caso em que a comunicabilidade é invocada no requerimento executivo e aquela em que tal comunicabilidade apenas é alegada posteriormente em incidente autónomo (prevista no art. 741º, nº 3 do C. P. Civil), se prenderá, essencialmente, com razões de celeridade processual.
Efetivamente, sendo a questão da comunicabilidade invocada em requerimento autónomo, quando a execução já se encontra “em marcha”, a dedução de oposição ao incidente far-se-á de forma independente da eventual dedução de embargos à execução, já que a tramitação de um incidente processual, cujas regras se encontram previstas nos art. 293º a 295º e seguintes, será mais célere que o processamento de uma oposição à execução mediante embargos de executado, desde logo porque o prazo para a oposição ao incidente é de 10 dias, enquanto os prazos para a dedução e para a contestação dos embargos são, respetivamente, de 20 dias contados da respetiva citação/notificação (v. art. 293º, nº 2 e nº 2 do art. 732º, ambos do C. P. Civil).
Na verdade, determinando a dedução do incidente de comunicabilidade da dívida, na pendência da execução, a suspensão da venda, quer dos bens próprios do cônjuge executado que já se mostrem penhorados, quer dos bens comuns do casal, até à decisão a proferir (v. art. 741º, nº 4 do C. P. Civil), justifica-se que de forma célere se decida que bens respondem pela dívida invocada na execução e, portanto, que bens poderão aí ser penhorados e vendidos (v. arts. 1695º e 1696º do C. Civil).”
Importa notar que o que está em causa no incidente a que se refere o artigo 741º NCPC, que, aliás, foi suscitado pelos exequentes, é a eventual comunicabilidade da dívida e da decisão a proferir resultam ou podem resultar consequências para o património da cônjuge do executado, como se viu, pelo que não se mostram violadas as normas legais invocadas.
Tanto basta para que se conclua que, tendo sido suscitado o incidente de comunicabilidade da dívida pelos exequentes, em momento anterior ao início das diligências para venda e impugnada a comunicabilidade pela requerida FF, separada de pessoas e bens do executado GG, se nos autos de execução até à decisão que venha a ser proferida naquele incidente deverá manter a suspensão das diligências de venda, motivo pelo qual a apelação terá de ser julgada improcedente.
Face ao decaimento da pretensão dos apelantes, sobre estes recai a obrigação de pagamento das custas (artigo 527º nº 1 e 2 NCPC).
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III. DECISÃO

Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente, confirmando-se o douto despacho recorrido.
Custas pelos apelantes.
Notifique.
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Guimarães, 13/02/2025

Relator: António Figueiredo de Almeida
1ª Adjunta: Desembargadora Alexandra Rolim Mendes
2ª Adjunta: Desembargadora Raquel Baptista Tavares