DIVISÃO DE COISA COMUM
COMPROPRIEDADE
DIVISIBILIDADE
ÓNUS DA PROVA
Sumário


I - A divisibilidade ou indivisibilidade da coisa afere-se em termos jurídicos, e não físicos ou naturalísticos.
II - Na ação de divisão de coisa comum, cabe ao autor alegar a compropriedade e indicar as quotas de cada comproprietário, cabendo ao réu contestar a compropriedade, alegando e demonstrando, ou que a proporção é outra, diversa da indicada na petição inicial, ou que não há compropriedade porque nunca houve ou porque deixou de haver.

Texto Integral


 ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I. Relatório

AA e marido BB instauraram contra CC e marido DD, EE e mulher FF e Herança Ilíquida e GG, representada pelas suas únicas herdeiras HH e II, a presente ação especial de divisão de coisa comum, peticionando que:

“A) Seja declarada a Divisibilidade do prédio identificado no Art.º 1º da PI e consequentemente,
B) Se proceda à divisão material do prédio de harmonia com os quinhões fixados na proporção das quotas de cada um dos consortes e elencados no Art.º 34º, seguindo-se os ulteriores termos dos artigos 925º. e ss. do CPC,
C) Que os RR. sejam citados para contestarem querendo, a invocada divisibilidade”.

Para tanto, alegam em síntese que as partes são donas e legítimas proprietárias, em comum, de prédio Rústico, composto por mato e ..., sito em ... com a área inscrita na matriz predial de 3.000m2 a confrontar a Norte com Junta de Freguesia, a Sul com caminho público, a Nascente com caminho público e a Poente com Estrada, inscrito na matriz predial da freguesia ... e ..., na matriz atual sob o artigo ...51,tendo a sua origem no artigo...68 da extinta freguesia ..., sendo que os Autores detém uma quota ideal na compropriedade, composta pela área da sua casa de habitação e respetivo logradouro com 439,50m2, acrescida dos 3/16 que lhe foram doados, e, por seu turno, os 1º RR. detém uma quota ideal de 3/16, os 2ºs RR. de 5/16 e as 3ºas RR. de 5/16.

Mais alegam que a realidade física existente é diferente do que consta da caderneta predial rústica e certidão de registo, sendo que, o que efetivamente existe presentemente, são 3 casas de habitação implantadas e o restante do terreno rústico, pois, pelos 1ºs RR. CC e marido foi construída uma casa de habitação situada a nascente da dos AA., inscrita na matriz predial no ano de 2003, sob o artigo ...39 e atual artigo 487º, onde consta, prédio urbano destinado à habitação de 3 pavimentos- cave, ... e ... andar, sito em Bairro ..., com a área total de 814m2, sendo área de implantação do edifício- superfície coberta de 109m2 e área descoberta de 705m2, a confrontar a norte com caminho público, sul com JJ, nascente com KK e poente com LL, agora a casa de habitação dos AA., da freguesia ... e ..., conforme caderneta predial e certidão de registo e, da mesma forma, as herdeiras de JJ, as 3ªs Rés, implantaram também uma casa de habitação, que se situa a poente da dos AA. que foi inscrita na matriz predial no ano de 1994, sob o artigo ...58 e o atual artigo ...08, onde consta, prédio urbano destinado à habitação de 3 pavimentos- ..., 1º e ... andar, sito em Av. Senhor ..., com a área total de 365m2, sendo a área de implantação do edifício- superfície coberta de 230m2, e área descoberta de 135m2, a confrontar a norte com Estrada Municipal, sul e poente com HH e a nascente com MM da freguesia ... e ....

Alegam ainda que a área toral do prédio que está em compropriedade não é efetivamente de 3.000m2, mas sim de 2.266m2 e que as posições relativas de cada consorte e o volume das respetivas quotas ideias deverá fazer-se da seguinte forma:

-AA.- caberá uma quota com a área de 820,75m2 e que corresponde às áreas- 1 e 3, assinaladas a verde escuro e verde claro no levantamento topográfico;
- 1ºs RR.- Caberá uma quota com a área de 381,25 m2 e que corresponde à área- 2, assinalada a vermelho no levantamento topográfico, deduzido o excesso de 24,75m2 que deverá ingressar na quota dos AA;
- 2ºsRR.- Caberá uma quota com a área de 708m2 e que corresponde à área- 5, assinalada a NN no levantamento topográfico;
- 3ªs RR.- Caberá uma quota com a área de 231m2 e que corresponde à área- 4, assinalada a azul no levantamento topográfico.

Concluem sustentando que deverão fixar-se dessa forma as quotas de cada um dos consortes e proceder-se à divisão em substância da coisa comum, formando assim realidades prediais autónomas, cessando a situação de comunhão.

Os Réus CC e marido DD e EE e mulher FF vieram contestar quer por exceção, quer por impugnação, para além de que deduziram reconvenção, peticionando:

“a) Ser declarado e reconhecido que os 1.ºs réus reconvintes adquiriram, por usucapião, o direito de propriedade singular sobre o prédio atualmente inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... e ... sob o artigo ...87 e registado a seu favor na Conservatória do Registo Predial ... sob a descrição n.º ...06, com a área coberta de 109 m2 e descoberta de 705m2, a confrontar de norte com caminho público (Rua ...), de sul com JJ (atualmente herdeiras, 3.ºs rés), do nascente com KK (atualmente do réu EE, em virtude da compra por este realizada em 1999) e do poente com AA (limite do edificado da casa que atualmente é dos autores), tudo melhor retratado no levantamento junto em anexo sob doc. 5.
b) Ser declarado e reconhecido que os 2.ºs réus reconvintes adquiriram, por usucapião, o direito de propriedade singular sobre o prédio rústico sito em ..., freguesia ... e ..., não descrito na Conservatória do Registo Predial, com a área total de 634m2, a confrontar de norte com caminho público (Rua ...), de sul com JJ (atualmente herdeiras, 3.ºs rés), do nascente com OO e do poente com DD (limite nascente do sobredito prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ...87.º), tudo melhor retratado no levantamento junto em anexo sob doc. 7;
c) Serem os autores reconvindos condenados a reconhecer que os reconvintes são os únicos e exclusivos donos e proprietários dos sobreditos prédios, abstendo-se os mesmos da prática de quaisquer atos que contendam com tais direitos de propriedade singular”.
Os Autores apresentaram réplica pugnando pela improcedência da reconvenção.
Notificadas as partes para, querendo, se pronunciarem sobre a exceção dilatória inominada de manifesta falta dos pressupostos de procedência da presente ação especial de divisão de coisa comum, insuprível, que o Tribunal ponderava conhecer, vieram os Réus CC e marido DD e EE e mulher FF pugnar pela procedência de tal exceção e os Autores pugnar pela improcedência da mesma.
Pelo Tribunal a quo foi proferida a seguinte decisão:
“Nos termos e pelos fundamentos expostos, decido julgar verificada a exceção dilatória inominada de manifesta falta dos pressupostos de procedência da presente ação especial de divisão de coisa comum e, em consequência, absolvo os Réus da instância.
Por outro lado, uma vez que os pedidos reconvencionais deduzidos pelos Réus/Reconvintes CC e marido, DD, EE, e mulher, FF depende do pedido formulado pelos Autores/Reconvindos (emerge do facto jurídico que serve de fundamento à defesa), ao abrigo do disposto nos art.ºs 266.º, n.º 6 e 277.º, al. e), ambos do Código de Processo Civil, declaro a extinção da instância reconvencional por impossibilidade superveniente da lide.
Custas a cargo dos Autores, fixando-se o valor da causa em € 8.000,00 – cfr. art.º 302.º, n.º 2, 527.º, n.º 1 e 536.º, n.º 3, todos do Código de Processo Civil.
Registe e notifique”.

Inconformados, os Autores recorreram, concluindo as suas alegações da seguinte forma:

“A) Da Sentença recorrida, emerge a seguinte fundamentação de direito:

Cumpre apreciar e decidir.
Sobre o recurso à ação especial de divisão de coisa comum, estipula o art.º 925.º do Código de Processo Civil que “todo aquele que pretenda pôr termo à indivisão de coisa comum requer, no confronto dos demais consortes, que, fixadas as respetivas quotas, se proceda à divisão em substância de coisa comum ou à adjudicação ou venda desta, com repartição do respetivo valor, quando a considere indivisível, indicando logo as provas”.
Da leitura do supracitado normativo resulta, assim, desde logo, inequívoco que o recurso à ação especial de divisão de coisa comum tem como pressuposto básico e essencial a existência de compropriedade sobre um determinado bem e visa a efetivação do direito à divisão, que o art.º1412.º do Código Civil confere aos comproprietários, divisão essa que se poderá efetuar, nos casos de divisibilidade material da coisa, mediante a fixação de quinhões e a sua adjudicação aos respetivos interessados, em conformidade com os art.ºs 927.º e 929.º, nº 1, do Código de Processo Civil e, nos casos de indivisibilidade material, por adjudicação da coisa a algum ou a alguns dos consortes e preenchimento em dinheiro das quotas dos demais, mediante acordo de todos os interessados, ou, na falta deste acordo, por venda executiva e subsequente repartição do produto da venda na proporção das quotas dos comproprietários, podendo os consortes concorrer à venda, conforme o disposto no art.º 929.º, nºs 2 e 3, do mesmo diploma legal.
No caso em apreço, invocam os Autores que a realidade física existente no prédio objeto dos presentes autos (prédio rústico cuja divisão é requerida) é diferente do que consta da caderneta predial rústica e certidão de registo, pois o que, efetivamente, existe presentemente são três casas de habitação implantadas e o restante do terreno rústico, sendo que cada casa de habitação encontra-se devidamente inscrita junto da Autoridade Tributária e Aduaneira e, bem assim, registada junto da Conservatória do Registo Predial quer por doação, quer por compra, quer por usucapião, tendo, deste modo, cada parte adquirido a propriedade de cada casa de habitação (cfr. cadernetas prediais e certidões de registo predial juntas aos autos com a Petição Inicial).
Assim, além de se nos afigurar inexistir qualquer direito de compropriedade, é nosso entender que os Autores apenas se socorreram dos presentes autos porquanto entre estes e os primeiros Réus não existe acordo quanto ao total da área que lhes pertencerá fruto da divisão ocorrida e que levou à construção das habitações.
Resulta, deste modo, manifestamente evidente a falta de verificação do pressuposto básico subjacente à ratio da ação de divisão de coisa comum: a compropriedade.
Com efeito, resulta do alegado inexistir qualquer direito de compropriedade sobre o imóvel objeto destes autos, mas antes o direito de propriedade de cada uma das partes sobre cada uma das parcelas desse mesmo imóvel e que, inclusive, levou a da uma partes procedesse à inscrição junto da Autoridade Tributária e Aduaneira e ao registo junto da Conservatória do Registo Predial de cada uma dessas parcelas em seu nome, originando novos artigos matriciais e números de registo predial.
Ora, a verificação da inexistência de compropriedade, pressuposto essencial da procedência da presente lide, obsta ao conhecimento do mérito da presente ação.
A ação de divisão de coisa comum visa, conforme se assinalou já, a efetivação do direito à divisão, que o art.º 1412.º do Código Civil confere aos comproprietários.
In casu, resultando patente a inexistência de compropriedade, necessária e logicamente se conclui pela inexistência de qualquer direito à divisão e, por conseguinte, pela manifesta falta dos pressupostos de procedência da ação, circunstâncias estas que obstam à apreciação do mérito da presente causa (neste sentido ver, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 13.05.2014, processo n.º 315/08.0TBAVR.C1, disponível in www.dgsi.pt). Pelo exposto, ante a assinalada manifesta falta dos pressupostos de procedência da presente ação especial de divisão de coisa comum, concluímos pela verificação de uma exceção dilatória inominada insuprível, de conhecimento oficioso, que obsta à apreciação do mérito da presente causa e dá lugar à absolvição da instância (cfr. art.ºs 278.º, n.º 1, al. e), 576.º, n.ºs 1 e 2, e 578.º, todos do Código de Processo Civil). “

B) E do seu Dispositivo emerge, a seguinte Decisão:

“Nos termos e pelos fundamentos expostos, decido julgar verificada a exceção dilatória inominada de manifesta falta dos pressupostos de procedência da presente ação especial de divisão de coisa comum e, em consequência, absolvo os Réus da instância.
Por outro lado, uma vez que os pedidos reconvencionais deduzidos pelos Réus/Reconvintes CC e marido, DD, EE, e mulher, FF depende do pedido formulado pelos Autores/Reconvindos (emerge do facto jurídico que serve de fundamento à defesa), ao abrigo do disposto nos art.ºs 266.º, n.º 6 e 277.º, al. e), ambos do Código de Processo Civil, declaro a extinção da instância reconvencional por impossibilidade superveniente da lide.”
C) O tribunal, fundamentou a sua decisão, para julgar verificada a excepção inominada de falta de pressupostos de procedência da presente acção especial de divisão de coisa comum, no facto de os AA. alegarem que a realidade física existente no prédio objecto dos presentes autos( prédio cuja divisão é requerida) é diferente do que consta da caderneta predial rústica e de registo, pois o que, efetivamente , existe presentemente são três casas de habitação implantadas e o restante terreno rústico;
D) E nesta circunstância, chega à conclusão de que, não há acordo entre os AA. e os 1ºs RR, quanto ao total da área que lhes pertencerá fruto da divisão ocorrida e que levou à construção das habitações, tão-só, portanto que os prédio estaria já dividido
E) O tribunal desatendeu, toda a factualidade alegada, quer na P.i , quer na réplica e deu como certo que houve a aquisição do direito de propriedade singular, por cada um dos RR., sem produzir qualquer prova!
F) Como é entendimento da jurisprudência, designadamente do supremo Tribunal de Justiça, mesmo nas situações em que o estado de facto criado pela divisão amigável efectuada pelos comproprietários sem ter sido precedida de escritura ou auto público, aqui leia-se escritura de divisão de coisa comum, se pode converter em estado de direito, através do instituto da usucapião, se cada um dos comproprietários tiver exercido posse exclusiva sobre o quinhão que ficou a pertencer-lhe na divisão e tal posse se revestir dos requisitos legais, sendo certo que, por ser possuidor em nome alheio, relativamente à parte da coisa que excede a sua quota, não pode adquirir, por usucapião, sem inverter o título de posse.
G)- Desatendeu, a prova documental junta- certidões de registo, caderneta predial, certidão judicial do inventário e levantamentos topográficos, que numa análise mesmo perfunctória e concatenada, com a matéria factual alegada, determinaria, avaliar se as questões suscitadas pelo pedido de divisão, e também da alegada aquisição por usucapião do direito sobre uma parte do prédio rústico em compropriedade, alegado pelos RR. sepodiam ser sumariamente decididas e, se o não fossem, mandar seguir os termos subsequentes à contestação, do processo comum, conforme o vertido no Artº 926º nº 3 do CPC;
Ou,
H) Tendo em conta que o tribunal tem conhecimento da interposição da acção de impugnação da escritura de justificação de 28/12/2001, realizada pelos 1ºs RR. a qual corre seus termos neste tribunal sob o proc. nº 316/23...., a qual, vindo a ser declarada ineficaz caí por terra o fundamento alegado pelos RR., e obsta ao conhecimento do pedido reconvencional deduzido, com base naquela invocada aquisição;
I)- Deveria, o tribunal, ter determinado a suspensão da presente instância até que se ache decidida aquela acção, por revestir questão prejudicial nos termos do disposto no Artº 272º do CPC.
J) -A sentença, ateve-se a critérios meramente formais/processuais e que além do mais, não se verificam, em detrimento da substância e da justiça material, ao arrepio, do primado da justiça material sobre a justiça formal, princípio acolhido pela lei, que impõe ao julgador a efectiva resolução de mérito das questões que são submetidas à sua apreciação, em detrimento das soluções meramente processuais.
L) -Entendemos assim, que o tribunal se precipitou ao julgar verificada a excepção inominada de falta de pressupostos da presente acção de divisão de coisa comum, sem qualquer prova produzida, e sem, averiguar primeiro se, se impunha determinar o prosseguimento da presente acção, segundo as regras do processo comum, nos termos do disposto do Artº 926º nº3 do CPC, ou, determinar a suspensão da presente instância, até à decisão final da referida acção de impugnação de escritura notarial, interposta pelos AA. por se tratar de questão prejudicial nos termos do disposto no Artº 272º do CPC.
M)- Verifica-se assim, errada interpretação das normas dos artigos- 1.412º do código Civil, 925º, 926º nº3, 927º nº1 e consequentemente,
N) -Foram violadas as normas dos Artºs: 1.412º do código Civil, 925º, 926º nº3, 927º nº1 e 272º, 278º nº 1 al e), 576º nº 1 e 2 e 578º do CPC”.
Pugnam os Recorrentes pela procedência do recurso e, consequentemente, pela revogação da sentença recorrida e a determinação do prosseguimento dos autos, segundo as regras do processo comum ou a suspensão da instância por estar pendente ação de impugnação da escritura de justificação notarial, outorgada pelos 1ºs Réus e se verificar questão prejudicial.
Pelos Réus EE e mulher FF foram apresentadas contra-alegações pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
Cumpre apreciar e decidir.

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II. Delimitação do Objeto do Recurso

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (artigo 639º do Código de Processo Civil, de ora em diante designado apenas por CPC).
A questão a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pelos Recorrentes é apenas a de saber se os autos devem prosseguir.
***
III. Fundamentação

Os Recorrentes vieram interpor o presente recurso por se não conformarem com a decisão proferida pelo Tribunal a quo que julgou verificada a exceção dilatória inominada de manifesta falta dos pressupostos de procedência da presente ação especial de divisão de coisa comum e, em consequência, absolveu os Réus da instância.
Vejamos se lhes assiste razão, sendo que as incidências fáctico-processuais a considerar são as descritas no relatório e na decisão recorrida.
Importa ainda considerar que, apesar dos Autores o não alegarem, nem terem junto aos autos a respetiva certidão, o prédio urbano inscrito na matriz predial no ano de 1994, sob o artigo ...58, e atualmente sob o artigo ...08, encontra-se registado na Conservatória do Registo Predial sob o artigo ...58.
Entendeu o Tribunal a quo que resulta patente a inexistência de compropriedade sendo de concluir pela inexistência de qualquer direito à divisão e, por conseguinte, pela manifesta falta dos pressupostos de procedência da ação, circunstâncias estas que obstam à apreciação do mérito da presente causa.
Em sentido contrário sustentam os Recorrentes que os autos devem prosseguir ou, pelo menos, deve ser determinada a suspensão da instância até à decisão final a proferir na ação de impugnação de escritura de justificação por si instaurada contra os Réus CC e marido DD.

Vejamos então.
Dispõe o artigo 925º do CPC que todo aquele que pretenda pôr termo à indivisão de coisa comum requererá, no confronto dos demais consortes, que, fixadas as respetivas quotas, se proceda à divisão em substância da coisa comum ou à adjudicação ou venda desta, com repartição do respetivo valor, quando a considere indivisível, indicando logo as provas.
O artigo 1412º do Código Civil consigna o direito de exigir a divisão: nenhum dos comproprietários é obrigado a permanecer na indivisão, salvo quando se houver convencionado que a coisa se conserve indivisa.
E a divisão pode ser feita de forma amigável, desde que respeitando a forma exigida para a alienação onerosa da coisa (artigo 1413º do Código Civil) ou, não havendo acordo entre os comproprietários quanto à divisão, procedendo-se à mesma nos termos do processo especial de divisão de coisa comum.
A ação especial de divisão de coisa comum tem por objeto a concretização do direito dos comproprietários à divisão, ou, no caso de indivisibilidade material da coisa, o acordo na sua adjudicação a algum dos titulares do direito de compropriedade e preenchimento dos quinhões dos outros com dinheiro, ou na falta de acordo, a venda executiva e subsequente repartição do seu produto na proporção das quotas de cada um (cfr. artigo 929º n.º 2 do CPC).
Trata-se de uma ação de natureza real constitutiva, implicando uma modificação subjetiva e objetiva do direito real que incide sobre a coisa pois, no caso da divisibilidade da coisa, o direito de compropriedade será fragmentado, quer quanto aos sujeitos, quer quanto ao objeto e, no caso de indivisibilidade, o direito de compropriedade irá dar lugar a um direito de propriedade singular.
Importa, por isso, a existência de coisa que esteja em compropriedade.
Nos termos definidos pelo n.º 1 do artigo 1403º do Código Civil existe propriedade em comum, ou compropriedade, quando duas ou mais pessoas são simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa.
A ação de divisão de coisa comum pressupõe que esteja previamente definida a compropriedade dos bens; na verdade, a ação de divisão de coisa comum tem como pressuposto essencial a compropriedade e tem como objetivo a efetivação do direito à divisão.
In casu, os Autores invocam a compropriedade com os Réus do prédio Rústico, composto por mato e ..., sito em ... com a área inscrita na matriz predial de 3.000 m2 a confrontar a Norte com Junta de Freguesia, a Sul com caminho público, a Nascente com caminho público e a Poente com Estrada, inscrito na matriz predial da freguesia ... e ..., na matriz atual sob o artigo ...51, tendo a sua origem no artigo...68 da extinta freguesia ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...43/....

Mais alegam que:
· Os Autores detêm uma quota ideal na compropriedade, composta pela área da sua casa de habitação e respetivo logradouro com 439,50 m2, acrescida dos 3/16 que lhe foram doados pelo irmão da Autora e da 1ª Ré, PP (que fez doação dos seus 3/16 por escritura de 17/08/2021, no cartório Notarial Dr. QQ);
· Os 1º Réus detém uma quota ideal de 3/16;
· Os 2ºs Réus detém uma quota ideal de 5/16;
· As 3ªs Rés detém uma quota ideal de 5/16.
Alegam ainda que a realidade física existente no referido prédio é diferente do que consta da caderneta predial rústica e certidão de registo pois o que efetivamente existe presentemente são 3 casas de habitação implantadas e o restante do terreno rústico e a área toral do prédio rustico que está em compropriedade não é de 3.000 m2, mas sim de 2.266 m2.

Da prova documental junta aos autos pelos Autores resulta o seguinte:
· Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...03 (freguesia ...) o prédio urbano situado no Bairro ..., com a área total de 220 m2 (120 m2 de área coberta e 100 m2 de área descoberta), composto por casa de ... e ... andar, destinada a habitação, inscrito na matriz urbana sob o artigo ...35 e registado a favor dos Autores pela AP....78 de 2010/10/22, por compra a RR, SS, AA e TT;
· No dia 17/08/2021, foi outorgada escritura de doação no cartório Notarial Dr. QQ, na qual PP, na qualidade de primeiro outorgante, declarou doar, pela sua quota disponível, aos segundos outorgantes AA e marido BB, três dezasseis avos indivisos do prédio rústico sito no lugar ..., ..., da freguesia ... e ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...43/..., tendo os segundos outorgantes declarado aceitar a doação;
· Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...06 (freguesia ...) o prédio urbano situado em ..., com a área total de 814 m2 (109 m2 de área coberta e 705 m2 de área descoberta), composto por habitação de três pavimentos de cave, ... e ... andar, inscrito na matriz urbana sob o artigo ...39 e registado a favor dos Réus CC e DD, pela AP. ... de 2002/03/06, por usucapião; pela AP ... de 2008/12/05 consta um Averbamento de Alteração relativo à área coberta de 166 m2 e descoberta de 648 m2, sendo uma casa de habitação de ... e ... andar; a confrontar a norte com caminho público, sul com JJ, nascente com KK e poente com AA;
· Da Caderneta Predial Urbana respeitante ao prédio inscrito sob o artigo ...87 da freguesia ... e ..., correspondente ao anterior artigo ...39 da freguesia ... (extinta), consta tratar-se de prédio urbano destinado a habitação de três pavimentos (cave, ... e ... andar), sito em Bairro ..., ..., com a área total de 814 m2 e inscrito em nome de DD; a confrontar a norte com caminho público, sul com UU, nascente com KK e poente com LL;
· Da Caderneta Predial Urbana respeitante ao prédio inscrito sob o artigo ...58 da freguesia ... e ..., correspondente ao anterior artigo ...08 da freguesia ... (extinta), consta tratar-se de prédio urbano de três pavimentos (..., ... andar e ... andar), sito na Av. Senhor ..., em ..., com a área total de 365 m2 e inscrito em nome da Herança de JJ; a confrontar a norte com Estrada Municipal, sul e poente com HH e a nascente com MM;
· Da referida Caderneta Predial consta ainda que o prédio se encontra descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...58.
Mais alegam os Autores, relativamente aos 2ºs Réus, que mantém os seus 5/16 avos como terreno rústico, que se situa no limite nascente do prédio rustico, o qual se encontra delimitado com um muro de suporte de terras.
Do exposto decorre que, presentemente, existem construídas três casas de habitação e o restante terreno rústico, sendo que cada uma das referidas casas corresponde a um prédio urbano, não só fisicamente delimitado, mas juridicamente autónomo, porquanto se encontram descritos na Conservatória do Registo Predial.
Porém, ainda que resulte documentado o direito de propriedade dos Autores, dos 1ºs Réus e das 3ªs Rés sobre cada um dos referidos prédios urbanos, registados a seu favor na Conservatória do Registo Predial, de onde decorre a presunção da sua titularidade (cfr. artigo 7º do Código de Registo Predial que dispõe que “o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define”), a verdade é que neste momento, da alegação dos Autores e dos elementos que constam dos autos não pode afirmar-se, salvo melhor opinião, que inexiste qualquer direito de compropriedade.
De facto, a circunstância dos comproprietários delimitarem fisicamente o prédio em compropriedade em parcelas, “dividindo-o” entre si não determina que não se possa recorrer à ação de divisão de coisa como para efetivamente se efetivar a divisão, sendo certo que a delimitação efetuada pelos comproprietários pode nem ser admissível e ser de concluir pela indivisibilidade.
Na verdade, a natureza – divisível ou indivisível – da coisa avalia-se em termos jurídicos e não físicos ou naturalísticos, ou seja, uma coisa ainda que seja fisicamente divisível pode não o ser do ponto de vista jurídico; vejam-se a este propósito entre vários outros os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 15/02/2018 (Processo n.º 11337/77.0TVLSB-B.L2.S1, Relator Pedro de Lima Gonçalves, da Relação do Porto de 13/10/2022 (Processo n.º 17/18.9T8VLC.P1, Relatora Judite Pires) e da Relação de Lisboa de 09/02/2023 (Processo n.º 21576/19.3T8LSB.L1-8, Relatora Carla Maria da Silva Sousa Oliveira), todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt.
Com efeito, da circunstância do prédio estar dividido, não se pode extrair pura e simplesmente que o mesmo é divisível em termos jurídicos.
A este propósito referem Antunes Varela e Pires de Lima (Código Civil Anotado, Vol. III, 2ª Edição, p. 387) que “[o] facto de se falar na indivisão da coisa e na forma de lhe pôr termo não significa que o direito conferido ao comproprietário vise forçosa ou sistematicamente a divisão da coisa em substância.
A divisão pode ser impossível, quer em virtude das prescrições da lei, cfr. (art. 1376º, nº 1), quer pela própria natureza da coisa, cfr. (art. 209º), e nem por isso deixa de ter aplicação o direito que o artigo 1412º atribui ao comproprietário. (…).
Quer isto dizer, por conseguinte, que o direito de que trata o artigo 1412º é, no fundo, um direito de dissolução da compropriedade (dissolução da comunhão é precisamente a expressão usada na epígrafe do art. 1111º do Código Civil Italiano), que normalmente se opera mediante a divisão em substância da coisa, mas que também pode realizar-se através da partilha do seu valor (ou preço).”
Veja-se ainda que, segundo o artigo 209º do Código Civil são divisíveis as coisas que podem ser fracionadas sem alteração da sua substância, diminuição de valor, ou prejuízo para o uso a que se destinam. Como se afirma no citado acórdão da Relação de Lisboa “[f)ace ao conceito normativo de divisibilidade acolhido no citado preceito, converge a doutrina e a jurisprudência no entendimento de que a divisibilidade ou indivisibilidade da coisa em termos jurídicos, e não físicos [cfr. José Alberto Vieira, Direitos Reais, 1ª edição, p. 184; Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 6ª edição, p. 229; acs. do STJ de 14.10.2004, processo nº 04B2961 e de 5.06.2008, processo nº 08A1372, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.].
Como esclarece Pedro Pais de Vasconcelos (Teoria Geral do Direito Civil, 2012, p. 201, apud o citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça) “(a)s coisas são naturalmente divisíveis até ao infinito. Mas não é essa a divisibilidade que é relevante nesta matéria. O critério da divisibilidade jurídica das coisas assenta sobre três fatores: a substância, o valor e o uso. Só podem ser tidas como divisíveis juridicamente as coisas que possam ser cindidas em partes, sem que percam a sua substância, sem que se reduza o seu valor e sem que o seu uso próprio seja prejudicado. Se faltar uma destas características, a coisa é juridicamente tida como indivisível.
Assim, do ponto de vista jurídico para que se possa concluir pela divisibilidade de uma coisa corpórea é necessário que: não se altere a sua substância, não haja diminuição do seu valor (detrimento), não seja prejudicado o uso da coisa; faltando qualquer destas circunstâncias a coisa é, para a lei civil, indivisível; a (in) divisibilidade de uma coisa comum deve ainda ser aferida em função da quota-parte de cada proprietário, de forma a que os interessados sejam inteirados em espécie, aquando da divisibilidade da coisa, sem que haja lugar a tornas (artigo 929º do atual CPC); por esta razão, a adjudicação deve ser feita por acordo e, na falta deste, por sorteio. (cfr. o citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça).
Ora, no caso concreto, o que resulta demonstrado nos autos neste momento é a existência do prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...43, da freguesia ... e três prédios urbanos juridicamente autónomos, compostos por casas de habitação, com as áreas respetivas de 200 m2, 814 m2 e 365 m2, num total de 1.399 m2.
No mais, mostram-se os factos controvertidos, sendo certo que os Réus CC e marido DD e EE e mulher FF, para além de invocarem a ineptidão da petição inicial, contestaram a situação de compropriedade, mas também alegaram como errático e falacioso o que consta dos artigos 19º a 32º da petição inicial, impugnando o levantamento topográfico em que os Autores baseiam a sua pretensão.
Assim, quer se considere neste momento a área constante da Conservatória do Registo Predial (3000 m2), quer a área que os Autores alegam existir fisicamente (2.266 m2), excluindo a área correspondente aos três prédios urbanos teríamos uma área do prédio rústico de 1701 m2 ou de 867 m2, respetivamente, excedendo sempre, de qualquer forma, a área que os próprios 2ºs Réus entendem como correspondendo à sua quota parte, no total de 634 m2 (e que os Autores alegam pertencer-lhes de 708 m2), pedindo estes em reconvenção que se declare que adquiriram por usucapião o direito de propriedade singular sobre um prédio rústico com a referida área, sito em ..., freguesia ... e ..., não descrito na Conservatória do Registo Predial.
Por isso, entendemos não se poder afirmar neste momento, perante os elementos que constam dos autos, a inexistência do pressuposto da compropriedade pois esta sempre existirá, pelo menos, entre os Autores e os 2ªs Réus relativamente ao prédio rústico com uma área de 1701 m2 ou de 867 m2.
De todo o modo, perante os elementos constantes dos autos não pode afirmar-se neste momento a inexistência de compropriedade.
Acresce dizer que os Autores alegam ainda terem interposto ação de impugnação da referida da escritura de justificação notarial de 28/12/2001, outorgada pelos 1º Réus, a correr termos no Juízo de Competência genérica de ... sob o nº 316/23...., tendo requerido também a suspensão da instância até que se ache decidida aquela, por revestir questão prejudicial nos termos do disposto no artigo 272º do CPC.
 Conforme decorre do preceituado no artigo 926º n.º 2 do CPC se houver contestação ou a revelia não for operante, o juiz, produzidas as provas necessárias, profere logo decisão sobre as questões suscitadas pelo pedido de divisão (n.º 2) e se o juiz verificar que a questão não pode ser sumariamente decidida, manda seguir os termos, subsequentes à contestação, do processo comum (n.º 3); em conformidade com o n.º 4 deste preceito ainda que as partes não hajam suscitado a questão da indivisibilidade, o juiz conhece dela oficiosamente, determinando a realização das diligências instrutórias que se mostrem necessárias.
In casu, os Réus contestam alegando que não há compropriedade, e uma das questões que o pedido de divisão pode suscitar, é efetivamente a da compropriedade.
Na verdade, enquanto ao autor cabe alegar a situação de compropriedade e indicar as quotas de cada comproprietário, cabe ao réu contestar a compropriedade e(ou) a indivisibilidade (caso tenha sido alegada), afirmando e demonstrando, ou que a proporção é outra, diversa da indicada na petição inicial, ou que não há compropriedade, porque nunca houve ou porque deixou de haver (v. acórdão desta Relação de 29/04/2014, Processo n.º 973/13.3TBFAF.G1, Relatora Ana Cristina Duarte, também disponível para consulta em www.dgsi.pt).
Porém, tal questão não pode ser decidida neste momento liminarmente, importando para a sua apreciação a produção das provas necessárias, desde logo no que respeita a áreas, pelo que os autos deverão prosseguir conforme pretensão dos Recorrentes para conhecimento das questões suscitadas, designadamente da exceção de ineptidão da petição inicial invocada pelos Réus, a qual não faz parte do objeto do presente recurso, e da suspensão da instância requerida pelos Autores, sendo que esta, por decorrência lógica, apenas deve ser apreciada após decisão sobre aquela exceção.
Em face de todo o exposto, procede, pois, a apelação, sendo de revogar a decisão recorrida e determinar o prosseguimento dos autos.
As custas são da responsabilidade dos Réus EE e mulher FF atento o seu decaimento (artigo 527º do Código de Processo Civil), sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficiam.
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IV. Decisão

Pelo exposto decide-se julgar procedente a apelação e, revogando a decisão recorrida, determinar o prosseguimento dos autos para apreciação das questões suscitadas, designadamente da exceção de ineptidão da petição inicial invocada pelos Réus e da suspensão da instância requerida pelos Autores.
Custas da responsabilidade dos Réus EE e mulher FF, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficiam.
                                                          
Guimarães, 13 de fevereiro de 2025
Texto elaborado em computador e integralmente revisto pela signatária

Raquel Baptista Tavares (Relatora)
Paulo Reis (1º Adjunto)
António Beça Pereira (2º Adjunto)