CATEGORIA PROFISSIONAL
CONDENAÇÃO ULTRA PETITUM
VIOLAÇÃO DO DIREITO A FÉRIAS
ÓNUS DE ALEGAÇÃO E PROVA
Sumário

- Sumário:
1. A atribuição de uma dada categoria profissional não se enquadra no conceito de “preceitos inderrogáveis de leis ou instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho” – art. 74.º do Código de Processo do Trabalho – pois apesar de ser genericamente proibida a redução da categoria profissional, há certas circunstâncias, previstas no art. 119.º do Código do Trabalho, que a permitem, pelo que não se pode afirmar que nesta matéria exista um direito de exercício necessário e absoluto.
2. Compete à empregadora alegar e provar, nos termos gerais do art. 342.º n.º 2 do Código Civil, que concedeu o gozo de férias à sua trabalhadora, e lhe pagou os subsídios de férias e de Natal, por se tratar de facto extintivo do direito invocado na acção.

Texto Integral


Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:

No Juízo do Trabalho de Faro, AA demandou Eva Transportes, S.A., pedindo o reconhecimento da existência de contrato de trabalho por tempo indeterminado desde 08.07.2006, a fixação de um salário base que tenha em conta o princípio da igualdade, o pagamento dos suplementos remuneratórios a que tenha direito e ainda indemnização por danos patrimoniais no montante de € 25.117,70.
Alegou a celebração de um contrato intitulado de agência, mas que se consubstanciava na prestação de trabalho a favor da Ré, sob as suas ordens e direcção e mediante remuneração, apesar de não receber subsídios de férias e de Natal, nem subsídio de refeição ou abono para falhas, nem gozar férias remuneradas.
Contestando, a Ré confessou o pedido na parte respeitante ao reconhecimento da existência de contrato de trabalho. Quanto ao mais, alegou que as funções exercidas pela A. correspondem à categoria de bilheteiro definida no Acordo de Empresa (AE), com um valor de retribuição-base, subsídio de alimentação e para falhas ali estabelecido, não compreendendo tal instrumento o pagamento de valores referentes a comissões (que a A. auferia). Em face disso, tivesse a A. sido remunerada como trabalhadora dependente a tempo completo, teria auferido, incluindo férias, subsídios de férias e de Natal, quantias inferiores às pagas, razão porque nada lhe é devido.
Após julgamento, a sentença decidiu julgar a acção procedente, declarando que a relação contratual estabelecida entre as partes, desde 08.07.2006, se subsume à figura de contrato de trabalho sem termo, pelo que condenou a Ré:
1. a proceder à atribuição de categoria profissional à A., condizente com as respectivas funções e respeito do princípio da igualdade por referência a outros trabalhadores que também as exerceram ou exerçam, fixando-lhe e pagando-lhe retribuição-base mensal e complementos remuneratórios em conformidade com a mesma e respectivo acordo de empresa;
2. a pagar à A. a remuneração de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal de 2006, inclusive, em diante, em montante a fixar em liquidação de sentença.

Interpõe a Ré recurso da sentença e conclui:
1) Quanto à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, decorrente da reapreciação da prova gravada:
A) Atenta a prova testemunhal produzida em audiência, cuja parte relevante se deixou transcrita em II-2.2. da Motivação, deverão ser aditados os seguintes factos aos Factos Provados:
Facto 17: A actividade predominante da Autora consubstancia-se e sempre se consubstanciou na venda de títulos de transporte, embora, complementarmente, também aceite e entregue despachos e preste informações ao público;
Facto 18: Os trabalhadores admitidos pela Ré foram sempre integrados nas categorias previstas no Anexo I do Acordo de Empresa aplicável, correspondendo-lhe sempre a remuneração-base prevista na Tabela Salarial constante do Anexo II do mesmo instrumento;
Facto 19: A Tabela Salarial que fazia o Anexo II do Acordo de Empresa aplicável, embora tratada como tabela de remunerações mínimas nos termos da sua cláusula 42ª nº 3, estabelecia, na verdade, os limites mínimos e máximos aplicáveis à remuneração base de cada uma das categorias que a compunham;
Facto 20: O Acordo de Empresa aplicável não previa a atribuição aos trabalhadores de comissões calculadas em função da venda de quaisquer bens ou serviços, nomeadamente, não as previa em relação aos trabalhadores com a categoria profissional de Bilheteiro em função da venda de títulos de transporte, nem era prática da R. praticar esse tipo de remuneração;
Facto 21: O valor das remunerações-base previstas na Tabela salarial, e bem assim o das demais prestações de natureza pecuniária, como, por exemplo, as diuturnidades, o subsídio de refeição e o abono para falhas, era actualizado anualmente, fosse em resultando de acordo entre a Ré e as associações sindicais celebrantes do Acordo de Empresa aplicável, fosse de decisão unilateral da Ré, quando esse acordo existiu.
2) Quanto à categoria profissional a atribuir à autora e respectiva remuneração:
B) Perante a matéria de facto provada, já considerados aqui os factos cujo aditamento se propõem após a reavaliação da prova gravada, e considerados os descritivos funcionais previstos no Acordo de Empresa aplicável, as funções desempenhadas pela Autora poderiam ser subsumíveis em duas categorias: na de Bilheteira ou na de Despachante;
C) A Autora procedia à venda de títulos de transporte, mas também recebia e entregava encomendas e prestava informações ao público. Porém, a sua actividade predominante era a de venda de títulos de transporte, sendo a actividade relacionada com despachos meramente complementar ou acessória daquela;
D) Aliás, para além de referir genericamente que procedia a despachos, a Autora não alegou, nem uma testemunha que fosse o referiu, que ela, Autora controlasse e verificasse o movimento das partidas e chegadas de mercadorias, bem como o respectivo expediente; zelasse pela conservação e armazenamento de mercadorias à sua guarda; podendo eventualmente efectuar a conferência de mercadorias ou despachos, fazendo ainda a sua pesagem quando necessário, tarefas, estas, próprias e exclusivas da categoria de Despachante;
E) Estando os conteúdos funcionais correspondentes às categorias das funções exercidas na Ré pré-determinados no Acordo de Empresa, à Autora deverá ser atribuída aquela que corresponda às funções efectivamente exercidas, devendo considerar-se que a actividade exercida corresponde à função principal do trabalhador;
F) E tal categoria não poderia deixar de ser a de Bilheteiro, pois, manifestamente, a Autora não desempenhava, com predominância, tarefas da categoria de Despachante e, em consequência, a remuneração base e demais suplementos remuneratórios que lhe deveriam corresponder seriam os previstos para a Categoria de Bilheteiro;
G) Ao relegar para incidente de liquidação da Sentença a definição da categoria profissional e respectiva retribuição, a Sentença recorrida interpretou incorrectamente, e, com isso violou, o disposto no artigo 609º nº 2 CPC, aplicável por via do artigo 1º nº 2 al. a) do CPT e a Cláusula 7ª do AE aplicável
3) Da condenação na remuneração de férias, subsídio de férias, subsídio de Natal e demais prestações:
H) A Sentença recorrida deu como provado que, em execução do contrato dos autos, a aqui Apelante pagou à Apelada os valores discriminados no ponto 15 do Factos Provados. Porém, recusa ter esses valores em conta e imputá-los no montante que a Autora tenha a receber em consequência da qualificação do contrato dos autos como um contrato de trabalho, o que faz com o argumento de que os pagamentos não foram feitos a título de retribuição de férias, subsídio de férias e de Natal;
I) Tais valores foram pagos pela Ré e auferidos pela Autora em execução do contrato dos autos; ou seja, só correram porque o contrato dos autos existia e estava a ser executado pelas partes. Esta foi a causa dos pagamentos. Não existisse contrato, não teria havido pagamentos;
J) A Ré pagou pontualmente -- isto é, pagou ponto por ponto --, as prestações pecuniárias a que se obrigou, as quais foram qualificadas como comissões, não tendo pago prestações que o contrato não previa, como as supra elencadas;
K) Não é convicção da Ré que não tem de pagar à Autora tudo aquilo que ela teria auferido se o contrato tivesse sido celebrado como um contrato de trabalho em vez de ter sido celebrado como um contrato de prestação de serviços. Pelo contrário, reconhece que deverá pagar, quando mais não seja porque, como salienta a Sentença recorrida, inexiste controvérsia (jurisprudencial ou doutrinária) quanto à imperatividade do pagamento dessas prestações e da sua irrenunciabilidade pelo trabalhador;
L) O que é manifestamente injusto, porque desproporcional, é desconsiderar o valor pago pela Ré e obrigá-la a pagar de novo, como se nada tivesse pago, com a justificação de que nunca procedeu a qualquer pagamento especificamente a tal título, ou seja, a título de remuneração das férias, ou de subsídio de férias, ou de subsídio de Natal, ou de abono para falhas, ou de subsídio de refeição, tendo os pagamentos sido feitos, apenas, em decorrência da execução do contrato;
M) No entanto, os pagamentos reclamados a título de remuneração das férias, de subsídio de férias, de subsídio de Natal, de abono para falhas e de subsídio de refeição, ou, ainda, de remuneração-base e de diuturnidades, também só são justificáveis e devidos em função do contrato dos autos enquanto contrato de trabalho, mas que, na verdade e para além de qualquer dúvida, é o mesmo contrato ao abrigo e em execução do qual a Ré fez os pagamentos discriminados no ponto 15 dos Factos Provados;
N) Mais: o reconhecimento da laboralidade do contrato dos autos, apesar de só correr no âmbito da presente acção, retroage à data da celebração do contrato de prestação (dito) de serviços, pelo que, por força dessa retroactividade, todos os pagamentos que foram feitos desde então deverão (terão) de ser considerados como feitos no âmbito do contrato de trabalho;
O) Assim sendo, do valor que venha a ser apurado como devido à Apelada, deverão ser imputados e deduzidos, os valores que anualmente a R. lhe pagou e que estão discriminados no referido ponto 15 dos Factos Provados, pois tais pagamentos foram feito em razão e por causa da existência do mesmo contrato;
P) De outro modo, nada se imputando, como decidido na Sentença recorrida, considerando o valor que venha a ser apurado de acordo com a categoria profissional da Autora, esta obterá um enriquecimento indevido e injustificado à custa da Ré, pois receberá todo o valor a que tiver direito em função do contrato de trabalho, que cumulará com o que já recebeu em contrapartida da execução do contrato enquanto este foi tratado como contrato de prestação de serviços;
Q) Ao decidir como decidiu, a Sentença recorrida violou manifestamente o princípio da equidade.

Não foi oferecida resposta.
Já nesta Relação, a Digna Magistrada do Ministério Público emitiu o seu parecer, propondo que ao recurso seja negado provimento.
Cumpre-nos decidir.

Da impugnação da matéria de facto:
Garantindo o sistema processual civil um duplo grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto, como previsto no art. 640.º do Código de Processo Civil, continua a vigorar o princípio da livre apreciação da prova por parte do juiz – art. 607.º n.º 5 do mesmo diploma, ao dispor que “o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.”
Deste modo, a reapreciação da prova passa pela averiguação do modo de formação dessa “prudente convicção”, devendo aferir-se da razoabilidade da convicção formulada pelo juiz da 1.ª instância, face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, sem prejuízo do poder conferido à Relação de formular uma nova convicção, com renovação do princípio da livre apreciação da prova Cfr. o Acórdão da Relação de Guimarães de 04.02.2016 (Proc. 283/08.8TBCHV-A.G1), e do Supremo Tribunal de Justiça de 31.05.2016 (Proc. 1572/12.2TBABT.E1.S1), ambos publicados em www.dgsi.pt..
Será à luz destes princípios que se analisará a impugnação deduzida.

*
A Recorrente pretende o aditamento de cinco conjuntos de factos – acima reproduzidos – começando por propor a introdução de um ponto, com o n.º 17, descrevendo a actividade predominante da A. (venda de bilhetes) e a actividade complementar (despachos e informações ao público).
Porém, para além das testemunhas indicadas pela Recorrente desconhecerem qual a actividade predominante da A. – executava todas aquelas tarefas – também não sabiam em qual dessas tarefas ocupava a maior parte do seu tempo de trabalho.
Acresce que a actividade desempenhada pela A. já está suficientemente descrita no elenco fáctico – no contrato de 08.07.2006 e no ponto 5 do elenco fáctico – em modo suficiente para a apreciação da causa de pedir e do pedido, tal como apresentados na petição inicial, pelo que esta parte da impugnação não procede.
Propõe a Recorrente a introdução de um facto n.º 18, relativo ao enquadramento dos demais trabalhadores no AE – mas, para além de conclusivo, o que releva é o enquadramento da A., não de outros trabalhadores, e a apreciação da causa de pedir, nos precisos termos como esta foi formulada na petição inicial.
Quanto ao facto n.º 19 proposto – a tabela salarial contida no AE contém os limites mínimos e máximos da remuneração-base de cada categoria profissional – mais uma vez revela-se conclusiva, pois reproduz a regulamentação colectiva desta matéria.
Quanto ao facto n.º 20 proposto – a tabela salarial contida no AE não previa comissões nem essa era a prática da Ré – sofre do mesmo demérito, por remeter para a regulamentação colectiva dessa matéria.
Finalmente, quanto ao ponto n.º 21 proposto – actualizações anuais das prestações pecuniárias previstas no AE – para além de irrelevante para a apreciação da causa de pedir formulada pela A., também é conclusivo – se houve actualizações, constam dos instrumentos de regulamentação colectiva aplicáveis.
Em suma, toda a impugnação fáctica não procede.

Em consequência, a matéria de facto provada fica assim estabelecida:
1. A Ré é uma empresa de transportes públicos de passageiros, que explora, directamente ou através de empresas de que é sócia, entre outros serviços, o Expresso de Qualidade, o Transrápido, a Linha Litoral, as carreiras interurbanas e Urbanas, estas últimas referentes ao distrito de Faro, além de serviços de aluguer e turismo.
2. Nesse sentido, além de outras formas de venda de bilhetes (nomeadamente vendas online, em site ou na app, e no próprio percurso), a Ré tem nas respectivas estações onde opera venda de bilhetes e serviços.
3. O que acontece em Quarteira.
4. No dia 8 de Julho de 2006, a A., na qualidade de segunda contratante, e a R., na de primeira, subscreveram o escrito de fls.8 vº a 10 epigrafado de “Contrato de agência” declarando que “(…)o segundo contraente será agente da Eva – Transportes, S.A. em Loulé.”
II
O segundo contraente promoverá a venda de títulos de transporte e angariação de despachos de mercadorias para todas as carreias de passageiros exploradas pelo primeiro contratante com passagem, início ou termo na referida localidade.
III
O segundo contratante responsabiliza-se por todos os bens e valores à sua guarda, tais como: dinheiro, mercadorias, livros de despacho e de título de transporte, de que seja depositário.
IV
As remessas de receitas provenientes de vendas de títulos de transporte serão depositadas diariamente numa conta bancária do primeiro contratante, servindo os respectivos talões de depósito para o preenchimento dos mapas diários de prestação de contas.
V
O segundo contratante promoverá e afixará todo o tipo de publicidade ou cartazes indicadores, fornecidos pela EVA- Transportes, S.A. (…).
VII
O segundo contratante receberá na venda de títulos de transporte e despachos, as comissões de acordo com as seguintes percentagens (…)
VIII
O segundo contratante manterá exclusividade com a EVA- Transportes, S.A., no mesmo ramo de serviços explorados por esta Empresa.
IX
Este contrato tem o seu início em 08 de Julho de 2006 (…).
X
O presente contrato consubstancia obrigação de promover, em nome e por conta da EVA – Transportes, S.A., a venda de títulos de transporte e angariação de despachos e mercadorias pelo que não se entende o mesmo como um Contrato de trabalho, por falta de subordinação jurídica.
XI
As partes contratantes assumem que o presente contrato não é de trabalho (…).
XII
O presente contrato é autónomo e é válido para a zona territorial de Loulé, não estando sujeito à disciplina normativa do artigo 1152º do Código Civil (…).”
5. Não obstante, desde a data em que iniciou a sua prestação de trabalho, a Autora tem-se limitado a vender os bilhetes e serviços que lhe são solicitados, não havendo qualquer promoção da sua parte, prestando além disso informações que lhe são requeridas sobre horários de partida e chegada e recebendo despachos que entrega posteriormente aos seus destinatários.
6. A A. limita-se a vender os bilhetes e serviços de quem se desloca à bilheteira nas condições que resultam dos contratos e cláusulas gerais decididas pela Ré.
7. Tal actividade é realizada pela A. no local estipulado pela Ré – o Terminal Rodoviário sito na Avenida Francisco Sá Carneiro, 8125-507 Quarteira.
8. E em horário igualmente decidido pela R., segunda-feira a domingo, sendo a entrada às 7:30 horas e a saída 18:30 horas, com um intervalo para almoço entre as 13:00 e as 14:00 horas.
9. A A., no desenvolvimento e execução do seu trabalho, utiliza as ferramentas que lhe são cedidas pela Ré, nomeadamente, secretária, cadeira, computador e impressora.
10. A A. reconhece como seu superior hierárquico …, de quem recebe ordens e instruções, que executa no interesse da Ré.
11. Como contrapartida da actividade a A. recebe um valor que tem por base o número de bilhetes e serviços vendidos.
12. O que sucede no final de cada mês, emitindo a A. factura-recibo referente ao valor que lhe é pago pela Ré.
13. A A. nunca recebeu subsídio de refeição, abono para falhas, subsídio de férias ou natal, nem lhe foi possível gozar férias remuneradas.
14. A A. não faz qualquer angariação de clientes.
15. A R. pagou à A. em execução do contrato dos autos, os seguintes valores:
AnosMesesValor
2006Jul-Dez6.792,71€
2007Jan-Dez13.928,24€
2008Jan-Dez14.869,55€
2009Jan-Dez13.647,75€
2010Jan-Dez12.973,80€
2011Jan-Dez13.046,68€
2012Jan-Dez13.143,55€
2013Jan-Dez12.076,96€
2014Jan-Dez12.100,63€
2015Jan-Dez14.237,74€
2016Jan-Dez15.263,73€
2017Jan-Dez15.849,07€
2018Jan-Dez16.582,90€
2019Jan-Dez18.556,56€
2020Jan-Dez13.719,08€
2021Jan-Dez12.676,82€
2022Jan-Dez18.706,68€
16. Por força do AE publicado no BTE nº38, 1ª série de 15/10/1991 e subsequentes alterações tem a categoria profissional de “bilheteiro” “ (…) o trabalhador que, nas estações de camionagem, efectua a venda de bilhetes e outros títulos de transporte, atende o público e presta informações, recebe documentação destinada à empresa e atende o telefone; pode ainda fazer a marcação de lugares nos autocarros e eventualmente anunciar ao público as partidas, passagens e chegadas de carreiras.” e a categoria de “despachante”(…) o trabalhador que, nas estações de camionagem, filiais ou postos de despachos, efectua despachos de quaisquer volumes a transportar, entrega de mercadoria chegada ou transportada e cobranças das quantias respectivas; controla e verifica o movimento das partidas e chegadas de mercadoria, bem como o respectivo expediente; zela pela conservação e armazenamento de mercadorias à sua guarda; pode eventualmente efectuar a conferência de mercadorias ou despachos, fazendo ainda a sua pesagem quando necessário, pode efectuar excepcionalmente a venda de títulos de transporte e fazer marcações nos autocarros.”

APLICANDO O DIREITO
Da categoria profissional
Nas suas alegações de recurso, a Recorrente define o objecto deste nos seguintes termos:
«(…) neste recurso a Apelante não pretende reagir quanto à caracterização jurídica do contrato dos autos, pois ele própria já tinha aceitado em sede de contestação que o mesmo configurava uma relação de trabalho subordinado e não um contrato de prestação de serviços.
E, naturalmente, também não pretende reagir da sua condenação no pagamento da retribuição-base mensal correspondente à categoria profissional da Apelada, bem como no pagamento (i) dos demais suplementos remuneratórios previstos no acordo de empresa, (ii) na remuneração das férias, (iii) no subsídio de férias e (iv) no subsídio de Natal, na medida em que esta condenação é uma decorrência da qualificação do contrato como um contrato de trabalho.
A Apelante não se conforma, sim, que a Sentença recorrida não tenha, desde logo, atribuído à Apelada a categoria profissional de Bilheteira, com a consequente fixação da remuneração base mensal, e, por outro, que no apuramento do valor concretamente devido à Apelada, a título de remuneração base, diuturnidades, subsídio de refeição, abono para falhas, outros suplementos remuneratórios previstos no acordo de empresa, na remuneração das férias, subsídio de férias e no subsídio de Natal, não seja tido em conta, isto é, não seja imputado, o valor que a Apelante lhe pagou durante o período do contrato e em execução do mesmo. Este, sim, constitui o âmbito do recurso.»
Quanto à categoria profissional, a sentença observa que do pedido apenas consta a fixação de um salário-base que tenha em conta o princípio da igualdade, mas não consta a atribuição de uma determinada categoria profissional – seja ela de bilheteira, ou de despachante.
E estando o pedido assim delimitado, não podia o tribunal condenar em objecto diverso, sob pena de violação do disposto no art. 609.º n.º 1 do Código de Processo Civil.
De todo o modo, há a notar que, face ao disposto no art. 74.º do Código de Processo do Trabalho – possibilidade, no processo do trabalho, de condenação extra vel ultra petitum – a atribuição de uma dada categoria profissional não se enquadra no conceito de “preceitos inderrogáveis de leis ou instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho”, pois apesar de ser genericamente proibida a redução da categoria profissional, há certas circunstâncias, previstas no art. 119.º do Código do Trabalho, que a permitem, pelo que não se pode afirmar que nesta matéria exista um direito de exercício necessário e absoluto. Vide, a propósito, o Acórdão da Relação de Lisboa de 06.12.2017 (Proc. 23997/16.4T8LSB.L1-4), publicado em www.dgsi.pt, onde se pode ler o seguinte no sumário: “Não integra o disposto no art. 74.º do Código de Processo do Trabalho, onde se consagra a condenação além do pedido ou em objecto diverso dele, a situação de um trabalhador que tendo peticionado a condenação da empresa a reconhecer-lhe categoria profissional superior à que detém, não logrou demonstrar o desempenho das respectivas funções, tendo-se antes provado o exercício de funções de categoria diversa.”
No caso, a trabalhadora limitou-se a formular um pedido enquadrado no princípio da igualdade, e foi esse o limite que a sentença respeitou, condenando a Ré na fixação da retribuição-base e complementos remuneratórios em conformidade com a categoria profissional que lhe vier a fixar, pelo que nem sequer se pode afirmar que está em causa o princípio da irrenunciabilidade da retribuição na pendência da relação laboral.
A sentença condenou a Ré, ainda, no pagamento da remuneração de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal de 2006, inclusive, em diante, em montante a fixar em liquidação de sentença, mas a Ré pretende que sejam imputados a esse título os valores que lhe pagou e que estão discriminados no ponto 15 do elenco fáctico, pelo que nada será assim devido.
Porém, está demonstrado que os valores pagos à trabalhadora tinham por base o número de bilhetes e serviços vendidos, mas nunca lhe foi pago subsídio de refeição, abono para falhas, subsídios de férias ou de Natal, nem lhe foi possível gozar férias remuneradas – sendo certo que era ónus da Ré demonstrar o pagamento de tais valores, nomeadamente os relativos às férias e aos subsídios de férias e de Natal, nos termos gerais do art. 342.º n.º 2 do Código Civil, por se tratar de facto extintivo do direito invocado na petição inicial.
E correctamente se observa na sentença que a matéria do gozo de férias, e pagamento dos subsídios de férias e de Natal, integra o campo das normas inderrogáveis da lei portuguesa – assim o tem declarado o Supremo Tribunal de Justiça, de que é exemplo o Acórdão de 06.03.2024 (Proc. 5001/21.2T8MAI.P1.S1) publicado na página da DGSI.
Como tal, também nesta parte não procede o recurso.

DECISÃO
Destarte, nega-se provimento ao recurso e confirma-se a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.

Évora, 13 de Fevereiro de 2025

Mário Branco Coelho (relator)
João Luís Nunes
Paula do Paço