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ACIDENTE DE TRABALHO
PROVA PERICIAL
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
FORÇA VINCULATIVA
FIXAÇÃO DA INCAPACIDADE
Sumário
- Sumário: 1. O tribunal pode divergir, de forma fundamentada, do laudo pericial médico, quando estão em causa elementos factuais que vão além do mesmo, como sejam as concretas condições e exigências em que o trabalho era prestado e as repercussões das sequelas no desempenho dessas tarefas. 2. Não existe qualquer primazia jurídica do parecer médico em relação ao parecer do IEFP, pois é ao tribunal que cabe a tarefa de fixar a natureza e grau de incapacidade do sinistrado, em face de todos os elementos probatórios ao seu dispor e o seu prudente juízo. 3. Se os autos demonstrarem que as limitações sofridas pelo sinistrado o impedem efectivamente de exercer a sua profissão habitual, deverá atribuir-se uma IPATH, mesmo que os peritos médicos não se tenham pronunciado nesse sentido, ou tenham divergido, como foi o caso. 4. Tal é o caso de um sinistrado afectado de hérnias lombares com raquialgia residual, que desempenhava as funções de operador de aquicultura, in casu, na cultura de ostras, em tarefas que exigem grande mobilidade, elevada agilidade e destreza e exercício de força muscular, estática e dinâmica, com intensa utilização dos membros e da coluna, não tendo retomado essas funções e tendo sido considerado não reconvertível no seu posto de trabalho.
Texto Integral
Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:
No Juízo do Trabalho de Sines, foi efectuada participação de acidente de trabalho sofrido em 09.05.2022 por AA, quando exercia as funções de operador de aquicultura sob as ordens e direcção de EXPORSADO – Comércio e Indústria de Produtos do Mar, S.A., cuja responsabilidade se encontrava transferida para Generali Seguros, S.A..
Não foi obtido acordo na tentativa de conciliação, por discordância quanto à questão da incapacidade – o sinistrado considerava-se portador de IPATH.
Requerida a realização de junta médica, foi solicitado parecer ao IEFP para análise do posto de trabalho e caracterização dos riscos profissionais.
Realizada junta médica, os peritos médicos divergiram.
Os peritos do tribunal e da seguradora consideraram que o sinistrado estava afectado, apenas, de uma incapacidade parcial permanente de 10,5%, enquanto o perito do sinistrado considerou que este estava afectado de uma IPATH.
A sentença considerou o sinistrado afectado de uma IPP de 10,5%, e condenou a seguradora no pagamento do capital de remição correspondente à respectiva pensão anual e vitalícia (€ 1.227,04), bem como nas despesas de transporte.
Inconformado, o sinistrado recorre da sentença, concluindo:
I. A douta sentença “a quo”, considera que o sinistrado não se encontra portador de IPATH, porque os Srºs Peritos, por unanimidade, assim o concluíram.
II. As respostas ao Auto de Exame por Junta Médica não foram dadas por unanimidade;
III. Os Srºs Peritos do Tribunal e da Seguradora, responderam por acordo tendo o Perito do sinistrado, por não concordar com as respostas dos Colegas, respondido separadamente;
IV. Existe acordo, relativamente ao facto do Recorrente não ser reconvertível no seu posto de trabalho.
V. Existe acordo, quanto à aplicação do factor de bonificação de 1,5 por não ser reconvertível no seu posto de trabalho.
VI. O parecer do IEFP, também considera que “… as exigências físicas requeridas para o desempenho das tarefas essenciais ao posto de trabalho de operador de aquicultura, de forma profissional e produtiva, entendemos que estas aparentam ser dificilmente compatíveis com as incapacidades que o AA ostenta actualmente …”.
VII. O Sinistrado na data do acidente era operador de aquicultura;
VIII. As funções que o sinistrado exercia na data do acidente, exigiam um grande esforço físico, que este não poderá voltar a fazer;
IX. É visível que o recorrente se mostra incapacitado para o desempenho das funções para que foi contratado;
X. O teor do parecer do IEFP, que se mostra devidamente fundamentado, quanto á caracterização das funções do sinistrado e ás exigências físicas daí decorrentes, deveria ter sido considerado pela Meritíssima Juíza na sua decisão;
XI. Ponderados e valorados os meios de prova, como referido, e, cotejando-os com as regras da lógica e da experiência comum deveria ter sido reconhecida ao sinistrado ora recorrente, a incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual;
XII. Ora, tendo em conta as regras da experiência e da normalidade da vida, não se vislumbra, como um trabalhador que apresenta as sequelas descritas nos autos, pode, diremos até, minimamente e de forma a não pôr em perigo a sua saúde, exercer as tarefas que exercia à data do acidente.
A Seguradora sustenta a manutenção do julgado.
Já nesta Relação, a Digna Magistrada do Ministério Público apresentou Parecer propondo que ao recurso seja negado provimento.
Cumpre-nos decidir.
Alteração da decisão de facto
Nos termos do art. 662.º n.º 1 do Código de Processo Civil, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Nos autos foi solicitado ao IEFP parecer técnico relativo a inquérito profissional e estudo do posto de trabalho do sinistrado, nos termos do art. 21.º n.º 4 da LAT e da Instrução Geral n.º 13, als. a) e b), da TNI.
O parecer apresentado pelo IEFP procedeu à análise do posto de trabalho do sinistrado, enumerou as funções por ele desempenhadas como operador de aquicultura de ostras, mencionou as exigências desse posto e descreveu os respectivos riscos profissionais.
Tal parecer tem valor de prova pericial Neste sentido, vide o Acórdão da Relação de Coimbra de 27.05.2022 (Proc. 1142/12.5TTLRA.1.C1), publicado em www.dgsi.pt. – foi elaborado por perito especializado que, conforme consta do próprio parecer, estudou o posto de trabalho do sinistrado, não apenas como base na necessária entrevista que lhe fez, mas também com fundamento na análise da informação clínica que acompanha o processo e na consulta de informação técnica sobre a actividade profissional em causa – e está sujeito à livre apreciação do julgador (art. 389.º do Código Civil).
Estando em causa nos autos o apuramento da incapacidade do sinistrado para desempenhar as tarefas inerentes ao seu posto de trabalho, e importando notar que, podendo o tribunal divergir da prova pericial se o fizer de forma fundamentada, nada nos autos nos permite formular tal juízo de divergência, decide-se aditar ao elenco fáctico a descrição do conteúdo funcional, das exigências e dos riscos profissionais do posto de trabalho, efectuada no referido parecer do IEFP.
A matéria de facto provada é assim estabelecida:
1. O sinistrado foi vítima de um acidente de trabalho em 9 de Maio de 2022, quando trabalhava por conta de “Exporsado – Comércio e Indústria de Produtos do Mar, S.A.”, desempenhando as funções de operador de aquicultura.
2. Deste acidente resultou para o sinistrado traumatismo da coluna lombar com hérnicas discais L3 e L4, que lhe determina como sequela raquialgia residual da coluna lombar.
3. À data do acidente, o sinistrado auferia a retribuição anual de € 16.694,68, correspondendo à retribuição mensal de € 1.125,00 x 14 meses, acrescida de subsídio de alimentação de € 85,88 x 11 meses.
4. À data do acidente, “Exporsado – Comércio e Indústria de Produtos do Mar, S.A.” tinha a responsabilidade emergente de acidente de trabalho transferida para a “Generali Seguros, S.A.”, por contrato de seguro titulado pela apólice n.º …, pela totalidade da retribuição anual de € 16.694,68.
5. A Seguradora liquidou integralmente ao sinistrado as quantias devidas a título de indemnização pelas incapacidades temporárias sofridas.
6. A Seguradora é devedora ao sinistrado da quantia de €20,00, a título de despesas de deslocação.
7. O conteúdo funcional da actividade desempenhada pelo sinistrado é o seguinte:
Efectua operações de recolha, acomodação e transporte de espécies aquícolas, nomeadamente ostras, para comercialização, em ambiente de estuário e armazém, desenvolvendo as seguintes tarefas e operações:
1. Recebe instruções por parte do superior hierárquico quanto ao tipo de trabalho a realizar nesse dia.
2. Conduz, alternadamente com colegas, a viatura de transporte de pessoas e de mercadorias, até ao porto.
3. Equipa-se com botas de borracha altas e luvas.
4. Sobe para a embarcação juntamente com colegas, navegando durante cerca de 40 minutos até chegar ao estuário do rio Sado.
5. Desce da embarcação directamente para o estuário do rio, deslocando-se a pé até à zona onde se encontram os viveiros de ostras.
6. Retira com a força de ambos os braços os sacos ou cestos de ostras dos viveiros, cada um com um peso entre 20 a 40 kg.
7. Transporta com os braços os cestos e sacos de ostras, percorrendo uma distância de cerca de 50 metros até à embarcação, acomodando-os na mesma, repetindo estas operações de recolha, transporte e acomodação, numa média de 500 cestos por dia, percorrendo no estuário cerca de 3 a 4 km durante 4 horas por dia.
8. Sobe para a embarcação e regressa ao porto, onde com ajuda de uma grua, os cestos e os sacos de ostras são retirados e colocados na viatura.
9. Conduz, alternado com colegas, a viatura até ao armazém da empresa.
10. Procede à descarga dos cestos e sacos de ostras da viatura para o armazém, suportando com a força de ambos os braços os cestos e sacos, acomodando-os em paletes na empilhadora que os transporta até à zona onde se encontra as máquinas de limpeza e selecção/classificação das ostras.
11. Descarrega os cestos ou sacos da empilhadora com a força de ambos os braços, elevando-os de modo a verter as ostras para as máquinas de limpeza e classificação/selecção, numa média de cerca de 500 sacos ou cestos por dia, com pesos entre 20 a 40 kg.
12. Transporta com a força de ambos os braços sacos de ostras seleccionadas para comercialização, acomodando-as em paletes (média de 500 sacos com de cerca de 20 kg cada saco).
8. As exigências do posto de trabalho do sinistrado são as seguintes:
· Relativamente às Condições de Execução do Trabalho as tarefas são executadas durante grande parte do tempo no exterior, ao ar livre, estando o trabalhador sujeito às intempéries e condições climatéricas, nomeadamente frio, chuva, calor, sol, humidade, água do mar e mudanças de temperatura. O trabalhador está sujeito ainda a trabalhar em equilíbrio instável, atendendo a que o chão do barco está geralmente molhado e escorregadio, bem como ao solo do estuário onde se desloca.
· Quanto às Exigências Físicas, nomeadamente quanto à Postura de Trabalho a função exige que o trabalhador adopte, quase exclusivamente, a postura de pé. No entanto, adopta com frequência outras posturas, como curvado, agachado, de joelhos, no decurso das suas tarefas profissionais. Exige ainda que o titular trabalhe frequentemente em esforço muscular contínuo, nas tarefas e operações de manuseamento e transporte dos cestos e sacos com ostras, arrumação dos mesmos na embarcação e na empilhadora, exigindo quase sempre um esforço de equilíbrio e controlo da totalidade do corpo. É requerido a persistente mobilização e força dinâmica da coluna vertebral, designadamente frequentes flexões frontais e torções laterais da região dorso-lombar (retira e eleva os cestos e sacos dos viveiros e das máquinas de selecção das ostras, em sucessivas inclinações do tronco e da zona lombar), bem como a trabalhar com os braços estendidos em frente e acima do ombros (transporte e acomodação das cestos e sacos das ostras dos viveiros para a embarcação e da viatura para as empilhadoras no armazém).
· Em termos de Locomoção a função exige deslocações a pé em terreno lamacento e pantanoso (estuário do rio Sado), no percurso que faz a pé até aos viveiros, muitas vezes no mesmo dia (transporta uma média de 500 cestos dos viveiros para a embarcação durante períodos de 4 horas). Exige ainda deslocações em terreno plano no interior do armazém da empresa e também a subida e descida de e para a embarcação, havendo o risco de quedas.
· No que diz respeito ao Tipo e Intensidade do Esforço, o desenvolvimento da actividade exige que o trabalhador levante, manuseie, transporte/desloque ou sustente pesos até 40 Kg correspondentes aos sacos e aos cestos com ostras, numa média que pode chegar aos 500 por dia. Para elevar, transportar e acomodar os cestos e sacos exige que o trabalhador utilize força dinâmica ao nível das mãos, braços, tronco, pernas e pés.
· Ao nível das exigências Psicomotoras, é necessária agilidade física e coordenação motora no desenvolvimento das tarefas e elevada firmeza e controlo muscular contínuo ao nível dos membros inferiores. É requerida coordenação motora ombro-braço-mão, braço-braço (manusear os cestos e os sacos de ostras e transportá-los no estuário do rio e no armazém). A coordenação coxa-perna-pé e pé-pé também se revelam fundamentais para o desempenho das actividades (locomover-se no barco em balanceamento, e em terreno lamacento e pantanoso, desenvolvendo esforços físicos, designadamente manipulando pesos, subir e descer do barco para o cais e vice-versa).
· Em termos de Exigências Sensoriais, é necessário para o desempenho das tarefas acuidade visual ao longe, campo visual, visão estereoscópica (condução da viatura).
· Em termos de Exigências Cognitivas não são necessárias acima da média.
9. Os riscos profissionais a que está mais exposto são do tipo músculo-esquelético (afecções osteoarticulares dos membros superiores, hérnias discais, etc.), estando também sujeito a quedas, afogamentos e acidentes de viação.
APLICANDO O DIREITO Da incapacidade
De acordo com o art. 138.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho, a parte que não se conformar com o resultado da perícia realizada na fase conciliatória do processo, requer perícia por junta médica, a qual se realiza nas condições previstas no art. 139.º do mesmo diploma.
A prova assim apreciada pelo juiz é essencialmente pericial, tanto mais que estão em apreciação factos para os quais são necessários conhecimentos especiais, nomeadamente de carácter médico, que os julgadores não possuem. Porém, “apesar de a resposta do perito assentar, por via de regra, em conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, é ao tribunal, de harmonia com o prudente critério dos juízes, que se reconhece o poder de decidir sobre a realidade do facto a que a perícia se refere. Parte-se do princípio de que aos juízes não é inacessível controlo do raciocínio que conduz o perito à formulação do seu lado e de que lhes é de igual modo possível optar por um dos laudos ou afastar-se mesmo de todos eles, no caso frequente de divergência entre os peritos.” Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 2.ª ed., 1985, pág. 583.
No âmbito do procedimento para fixação da incapacidade emergente de acidente de trabalho, o juiz não apenas preside à perícia por junta médica, como pode solicitar aos peritos os esclarecimentos que entender por convenientes, formular quesitos e determinar a realização de exames e pareceres complementares ou requisitar pareceres técnicos, se o considerar necessário – art. 139.º n.ºs 1, 6 e 7 do Código de Processo do Trabalho. E pode fazê-lo por sua própria iniciativa, independentemente do impulso processual das partes, pois está em causa um poder discricionário do juiz. Neste sentido, vide o Acórdão de Relação de Lisboa de 13.07.2016 (Proc. 1491/14.8T2SNT.L1-4), e da Relação de Guimarães de 02.11.2017 (Proc. 12/14.7TTBCL-C.G1), ambos em www.dgsi.pt.
No caso em apreciação, os peritos médicos do tribunal e da seguradora declararam que o sinistrado estava apenas afectado de uma incapacidade parcial permanente de 10,5%, recusando a atribuição de IPATH, ao contrário da opinião do perito médico nomeado pelo sinistrado, que atribuiu essa incapacidade.
O Supremo Tribunal de Justiça vem afirmando que os casos de IPATH são situações típicas de não reconvertibilidade do sinistrado em relação ao seu anterior posto de trabalho. Em especial, no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 10/2014, de 28.05.2014 (publicado no DR, I Série, de 30.06.2014), chamando-se a atenção para a jurisprudência citada na respectiva nota 12. Se o trabalhador retoma o essencial das suas funções, embora com limitações decorrentes das lesões sofridas no acidente, não se pode concluir que se mostra em situação de IPATH; se, pelo contrário, não consegue desempenhar o essencial das tarefas inerentes ao seu posto de trabalho, então já se poderá concluir que se encontra afectado de IPATH. Cfr., a propósito, o Acórdão da Relação de Lisboa de 07.03.2018 (Proc. 1445/14.4T8FAR.L1-4), publicado em www.dgsi.pt.
Os factos apurados demonstram que o sinistrado exercia as funções de operador de aquicultura, em tarefas que exigem grande capacidade de mobilidade, elevada agilidade e destreza e exercício de força muscular, estática e dinâmica.
Sobre as exigências e requisitos do posto de trabalho do sinistrado, o parecer produzido pelo IEFP é completo e impressivo, e no conteúdo funcional das tarefas desempenhadas ressalta:
- a necessidade de navegar em embarcação, durante cerca de 40 minutos, no estuário do Rio Sado;
- decida da embarcação directamente para o estuário do rio, deslocando-se a pé até à zona onde se encontram os viveiros de ostras;
- retirada com a força de ambos os braços, dos sacos ou cestos de ostras dos viveiros, cada um com um peso entre 20 a 40 kg;
- transporte com os braços dos cestos e sacos de ostras, percorrendo uma distância de cerca de 50 metros até à embarcação, acomodando-os na mesma, repetindo estas operações de recolha, transporte e acomodação, numa média de 500 cestos por dia, percorrendo no estuário cerca de 3 a 4 km durante 4 horas por dia;
- subida para a embarcação e regresso ao porto, onde com ajuda de uma grua, os cestos e os sacos de ostras são retirados e colocados na viatura;
- condução da viatura, alternado com colegas, até ao armazém;
- descarga dos cestos e sacos de ostras da viatura para o armazém, suportando com a força de ambos os braços os cestos e sacos, acomodando-os em paletes na empilhadora que os transporta até à zona onde se encontram as máquinas de limpeza e selecção/classificação das ostras;
- descarga dos cestos ou sacos da empilhadora com a força de ambos os braços, elevando-os de modo a verter as ostras para as máquinas de limpeza e classificação/selecção, numa média de cerca de 500 sacos ou cestos por dia, com pesos entre 20 a 40 kg;
- transporte com a força de ambos os braços, dos sacos de ostras seleccionadas para comercialização, acomodando-as em paletes (média de 500 sacos com de cerca de 20 kg cada saco).”
O mesmo parecer descreve as exigências do posto de trabalho, acima reproduzidas no ponto 8 do elenco fáctico, e os riscos profissionais a que está mais exposto, onde ressaltam as lesões do tipo músculo-esquelético (afecções osteoarticulares dos membros superiores, hérnias discais, etc.), mas também quedas, afogamentos e acidentes de viação.
Os peritos médicos concordaram que o sinistrado sofreu traumatismo da coluna lombar com hérnias discais em L3 e L4, padecendo de raquialgia residual, que enquadraram na seguinte rúbrica da TNI:
- Capítulo I – 1.1.1.b) – Coluna vertebral – Entorses, fracturas e luxações – Traumatismos raquidianos sem fractura, ou com fracturas consolidadas sem deformação ou com deformação insignificante – Apenas com raquialgia residual: 0,02 a 0,10, tendo os maioritários arbitrado um coeficiente de 0,07, e o do sinistrado um coeficiente de 0,08.
Também concordaram que deveria ser atribuído o factor de bonificação de 1,5, “por não ser reconvertível ao seu posto de trabalho habitual.”
Ora, é preciso atender às concretas tarefas desempenhadas pelo sinistrado, operador de aquicultura, in casu, ostras, que demandam a constante mobilização e força dinâmica da coluna vertebral, com frequentes flexões frontais e torções laterais da região dorso-lombar, o equilíbrio em superfícies instáveis (na embarcação e no terreno pantanoso do Rio Sado, onde ocorre a cultura das ostras), o transporte de pesos nessas superfícies instáveis, e a força dinâmica dos membros e da coluna, para elevar, transportar, e acomodar pesos até 40 kg, sucessivas vezes por dia (até 500 cestos ou sacos de ostras por dia).
Nestas condições, que envolvem o trabalho em superfícies instáveis – os viveiros de ostras são em pleno estuário do Rio Sado e é aí que o sinistrado tem de trabalhar – e o transporte manual de pesos até 40 kg, requerendo assim esforço, mobilidade e destreza, e pleno uso dos membros e da coluna, a conclusão a retirar é que o sinistrado não pode exercer as funções que exercia à data do acidente, e tal é demonstrado pela circunstância de não as ter conseguido retomar e ter sido considerado pelos peritos médicos, de forma unânime, como não reconvertível no seu posto de trabalho.
Nesta Relação de Évora Neste sentido, vide os Acórdãos desta Relação de Évora de 14.06.2018 (Proc. 1676/15.0T8BJA.E1), de 07.04.2022 (Proc. 1025/17.2T8PTM.E1) e de 16.03.2023 (Proc. 47/18.0T8TMR.E1), também publicados na página da DGSI. já se decidiu que o tribunal pode divergir, de forma fundamentada, do laudo pericial médico, em especial quando estão em causa elementos factuais que vão além do mesmo, como sejam as concretas condições e exigências em que o trabalho era prestado e as repercussões das sequelas no desempenho dessas tarefas. Deste modo, se os autos demonstrarem que as limitações sofridas pelo sinistrado o impedem efectivamente de exercer a sua profissão habitual, deverá atribuir-se uma IPATH, mesmo que os peritos médicos não se tenham pronunciado nesse sentido, ou tenham divergido, como foi o caso.
Acresce que não existe qualquer primazia jurídica do parecer médico em relação ao parecer do IEFP, pois é ao tribunal que cabe a tarefa de fixar a natureza e grau de incapacidade do sinistrado, em face de todos os elementos probatórios ao seu dispor e o seu prudente juízo. Neste sentido, o Acórdão desta Relação de Évora de 17.06.2021 (Proc. 249/15.1T8PTM-A.E1), publicado na mesma página da DGSI.
Por último, temos a apontar que o posto de trabalho do sinistrado exige grande mobilidade, elevada agilidade e destreza e exercício de força muscular, estática e dinâmica, com pleno uso dos membros e da coluna.
O sinistrado não tem apenas de navegar numa embarcação, também tem de descer para o estuário do Rio Sado, deslocar-se pelo terreno pantanoso até à zona onde se encontram os viveiros de ostras (as zonas de criação das ostras, entremarés ou intertidais, impedem a aproximação completa das embarcações aos viveiros, e daí a necessidade de caminhar 50 metros pela zona lodosa), retirar com a força dos braços os sacos ou cestos de ostras dos viveiros, cada um com um peso entre 20 a 40 kg e transportá-los até à embarcação, numa média de 500 cestos por dia, percorrendo no estuário cerca de 3 a 4 km durante 4 horas por dia, e ainda descarregar os cestos no armazém, usando, mais uma vez, a força dos braços.
Nestas condições, as lesões detectadas na coluna lombar, hérnias discais em L3 e L4, são absolutamente impeditivas do exercício da profissão. Não é apenas o risco de agravamento da lesão, é a circunstância da actividade desempenhada exigir esforços contínuos com intensa mobilização da coluna, potenciando esse risco para níveis não usuais noutras profissões – neste ponto, o parecer do IEFP revela que os riscos profissionais a que estão mais expostos os trabalhadores com a mesma profissão que o sinistrado exercia, são, precisamente do tipo músculo-esquelético, com afecções osteoarticulares dos membros superiores e hérnias discais.
Enfim, tem razão o sinistrado quando defende a atribuição de IPATH, pelo que o seu recurso procede.
A pensão anual e vitalícia a que tem direito, face ao disposto no art. 48.º n.º 3 al. b) da LAT, obtém-se de acordo com a seguinte fórmula: € 16.694,68 x (0,105 x 0,20 + 0,50) = € 8.697,93.
Esta pensão, devida desde o dia 25.01.2023, está sujeita a actualizações anuais, que a Seguradora aplicará de forma automática e imediata, nos termos prescritos no art. 8.º n.º 1 do DL 142/99, de 30 de Abril.
Quanto ao subsídio por situação de elevada incapacidade permanente a que se refere o art. 67.º n.º 3 da LAT, ascende a: € 480,43 x 1,1 x 12 x (0,105 x 0,30 + 0,70) = € 4.638,94.
DECISÃO
Destarte, concede-se provimento ao recurso, decidindo-se:
a) condenar a Ré Seguradora a pagar ao sinistrado, com efeitos a partir de 25.01.2023, a pensão anual e vitalícia de € 8.697,93, a qual actualizará anualmente, de forma automática e imediata, acrescendo juros de mora em relação às prestações já vencidas e até integral pagamento;
b) condenar a mesma Ré a pagar, por uma única vez, um subsídio de elevada incapacidade permanente no valor de € 4.638,94, acrescendo juros de mora desde a mesma data e até integral pagamento;
c) pagar, ainda, as despesas de transporte de € 20,00, já fixadas na sentença.
Valor da causa: (€ 8.697,93 x 15,55) + € 4.638,94 + € 20,00 = € 139.911,75.
Custas pela Seguradora.
Évora, 13 de Fevereiro de 2025
Mário Branco Coelho (relator) João Luís Nunes Paula do Paço