Sumário:
1. São pressupostos do procedimento cautelar especificado de restituição provisória da posse a existência de posse, o esbulho e a violência.
2. A posse é definida como “o poder que se manifesta quando alguém atua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real”, ou seja, a posse está necessariamente ligada, de forma umbilical, a um direito real.
3. É ilidível a presunção de que tem posse quem exerce poderes de facto sobre uma coisa, pelo que se do próprio requerimento inicial do procedimento cautelar decorre que os Requerentes não são titulares do direito de propriedade sobre a parcela em discussão, não encontra justificação o decretamento da providência cautelar.
(Sumário da responsabilidade do Relator, nos termos do artigo 663.º, n.º 7 do Código de Processo Civil)
Apelação n.º 3399/24.0T8PTM.E1
(1ª Secção)
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Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:
I – Relatório
1. Associação de proprietários AA, ou, subsidiariamente, ao abrigo do artigo 39.º do Código de Processo Civil, BB e marido, CC e marido, DD, EE e marido, FF, GG e mulher, HH, II e mulher, JJ e mulher, KK e marido, LL e marido, MM, NN e mulher, OO e mulher, e PP,
Intentaram procedimento cautelar especificado de restituição provisória da posse contra QQ e RR,
Pedindo a restituição provisória da posse da parcela de terreno sita no Empreendimento da ..., no concelho de ..., freguesia do ..., localizada nos Lotes 65 e 66, os quais se encontram descritos na Conservatória do Registo Predial de ... sob os números 2908 e 2909, da referida freguesia, e inscritos na matriz predial urbana sob os n.ºs 5123 e 5086, respetivamente, na qual existe um parque de estacionamento, cisternas de gás afetas a diversos lotes existentes nas imediações (adjacentes à área em causa), caixas de esgotos, ajardinamentos e uma casa de madeira que é utilizada como armazém de produtos e equipamentos de jardinagem que são utilizados em todo o empreendimento.
2. Foi proferido despacho liminar com o seguinte teor:
“(…) Para o efeito alegaram que a primeira requerente ou os demais requerentes são possuidores de tal parcela de terreno, por serem titulares do direito de propriedade, posse essa que cessou no dia 2 de março de 2024, por via da atuação dos requeridos que vedaram tal parcela de terreno através de redes e prumos impedindo a sua utilização. Mais alegaram que a Urbanização /Empreendimento da ... é composta por vários espaços de utilização comum, nomeadamente, parques de estacionamento, jardins, zonas lúdicas, piscinas, campos de ténis e edifícios de apoio à gestão do empreendimento. Sendo que as principais zonas de utilização comum são, desde 29 de outubro de 2020, propriedade da associação ora requerente, cuja constituição ocorreu em 2020. Mas foram inicialmente propriedade e eram administrados – na ausência de constituição de condomínio para o efeito, pela sociedade “SS”, o que sucedeu entre 1978 e 18 de setembro de 2008, data em foi constituída a TT, entidade equiparada a pessoa coletiva, gerida pelos proprietários e pela “SS”, continuando, no entanto, a propriedade zonas comuns a pertencer a esta última sociedade, sendo, contudo, as despesas de administração eram suportadas pelos proprietários, como se de um condomínio se tratasse. Pelo que os proprietários administravam e contribuíam financeiramente para as partes comuns do empreendimento, incluindo no que diz respeito à parcela de terreno em causa. Alegaram ainda os requerentes que em finais de 2018, a sociedade “SS, que até então era proprietária dos equipamentos e áreas de uso comum a todos os proprietários, foi declarada insolvente, por sentença datada de 17-12-2018 proferida no âmbito do Proc n.º 1406/18.4..., do Tribunal Judicial da Comarca de Faro- Juízo de Comércio de ... - Juiz 1, datada de 17-12-2018: autos no âmbito dos quais foram adquirido, pela 1.º requerente, à massa insolvente não só o os equipamentos destinado à manutenção das áreas comuns, mas também as áreas comuns das quais é dona. Sendo que integram igualmente as áreas comuns a parcela qual faz parte dos Lotes 65 e 66, da propriedade dos requeridos, mas que se encontra fisicamente separada de tais lotes com o gradeamento e que sempre foi utilizada, sem oposição de quem quer que fosse, pela associação (e entidades existentes anteriormente) e pelos proprietários como se de um equipamento e área comum se tratasse. Existindo em tal parcela desde 1978, um parque de estacionamento, debaixo do qual estão localizadas cisternas de gás afetas a diversos lotes da urbanização (também construídas na referida data) e tampas de esgoto das habitações localizadas em frente. Tal parcela foi ainda alvo de obras em 2003, levadas a cabo pela “SS, as quais foram custeadas mediante o pagamento de quotas pelos proprietários e que consistiram (i) na colocação de lajetas no estacionamento, e delimitação dos lugares de estacionamento, (ii) colocação de uma casa de apoio aos produtos e utensílios de jardinagem incluindo o trator, (iii) construção de zonas ajardinadas e instalação do respetivo sistema de rega, (iv) instalação de um sistema de iluminação composto de candeeiros, (vi)foram feitas saídas dos imóveis dos lotes 57 a 63, diretamente para o passeio e deste para o estacionamento, e foi feita uma rua dos restantes apartamentos para o parqueamento. Os requeridos, cerca de 11 meses depois da aquisição dos seus lotes, arrogaram-se também proprietários da parcela de terreno, tendo com recurso a um grupo de pessoas armadas, deitado o gradeamento existente abaixo e colocado um novo de forma a incluir também a parcela de terreno, alteraram ainda a vedação que existia no Lote 65; rebentaram a fechadura dos portões de acesso ao parqueamento e às outras zonas do aldeamento e colocaram outra fechadura, bem sabendo que o portão e gradeamento bem como os equipamentos, candeeiros, árvores, arbustos boca de incêndio, ali existentes nunca lhes pertenceram, e ainda partiram a placa da APEB, bloquearam também o acesso rodoviário ao parque de estacionamento existente na parcela de terreno, através da colocação de uma nova fechadura, bloquearam todos os acessos dos imóveis residenciais ao estacionamento, onde havia um caminho direto das casas destes para o parque de estacionamento, impedindo o seu acesso e uso por parte da requerente e seus associados; procederam também à colocação de uma vedação – com dois metros de altura – do que consideravam ser perímetro do Lote 66, englobando a parcela de terreno e fazendo uso da vedação existente da requerente cuja localização foi alterada,, ficando com os arbustos da requerente, continuando ainda a usufruir do sistema de rega e eletricidade da requerente; impediram ainda os requeridos o acesso à boca de incêndio; apropriaram-se do edifício onde se encontravam armazenados os produtos de jardinagem propriedade da associação, através do rebentamento da fechadura e colocação de uma nova; apropriaram-se dos candeeiros de iluminação do jardim, colocados pela requerente; apropriaram-se das plantas e arbustos que foram plantados e regados desde 2003 pela requerente e anteriores sociedades administradoras; colocaram câmaras de vigilância no final do parque do estacionamento, a uma altura de cerca de 3 metros, onde se vê também o que se passa no empreendimento e nas casas de alguns associados. E dias seguintes os requeridos, sistematicamente e até à presente data, injuriaram quem se aproximasse do portão e o tentasse abrir e informaram ainda os representantes da requerente e diversos proprietários – por diversas vezes – que se alguém retirasse a vedação iria chamar "um grupo de ciganos armados" (nas palavras do requerido QQ) para a voltar a colocar no lugar. Sustentam ainda que receiam que os requeridos vendam os seus imoveis, que já colocaram a venda, e bem assim a parcela em causa.
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Vejamos, se face à factualidade que foi alegada, se verificam, in casu, os pressupostos que presidem ao decretamento da providência requerida.
No caso do procedimento de restituição provisória da posse a lei processual estabelece como requisitos para a procedência da providência, unicamente, a prova de que o requerente era possuidor, por referência a determinado direito real e com a prova de que tal posse foi perdida por esbulho com violência (artigos 377.º e 378.º, do Código de Processo Civil).
“Considera-se violenta a posse quando, para obtê-la, o possuidor usou de coacção física, ou de coação moral nos termos do artigo 255” (artigo 1261.º, n.º 2, do Código Civil).
Estabelece, por sua vez, o artigo 255.º do Código Civil que: “1. Diz-se feita sob coacção moral a declaração negocial determinada pelo receio de um mal de que o declarante foi ilicitamente ameaçado com o fim de obter dele a declaração. 2. A ameaça tanto pode respeitar à pessoa como à honra ou fazenda do declarante ou de terceiro. 3. Não constitui coacção a ameaça do exercício normal de um direito nem o simples temor reverencial.”
Conforme se decidiu nos acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães, Proc. n.º 4196/09.8TBGMR.G1, disponível em http://www.dgsi.pt “o esbulho será violento sempre que o esbulhador tenha praticado alguma violência, física ou moral, e a violência física pode ser exercida sobre as pessoas ou sobre as coisas que servem de obstáculo ao esbulho, como sejam muros, vedações, portões ou árvores pelo que tanto é esbulho violento o que se consegue contra a pessoa do possuidor como o que se leva a cabo por meio de arrombamento, escalamento, derrube, etc, embora não haja luta entre o esbulhador e o possuidor.” – cfr. A. Moitinho de Almeida, Restituição de Posse e Ocupação de Imóveis, 1986, pág. 114 que acrescenta (ob. cit., pág. 110) “desde o Direito Romano que a expressão «violência» se aplica em geral a todo o acto de alguém realizado contra a vontade efetiva ou presumida de outrem.”.
Considerando a situação dos autos, não resulta, do que foi alegado, que a requerente associação e ou os seus associados, tenham posse sobre a parcela de terreno que lhe permita usucapir.
Com efeito, a posse sobre a área comum em causa foi exercida, pelo menos até à sua declaração de insolvência, pela sociedade “SS
Os associados da requerente simplesmente beneficiavam da utilização de espaços que sabiam ser propriedade de uma entidade terceira: a “SS
Pelo que nesse contexto é inviável que algum das requerentes pessoas singulares pudesse ser possuidor de tal parcela de terreno, desde logo, porque nunca atuaram como tal (não tinham o animus possidendi – art.º 1251.º do Cod. Civ) e sabiam quem era a dona e legitima possuidora de tais espaços (incluindo da parcela de tereno em causa, a qual que era tratada como mais um desses mesmos espaços de uso comum da titularidade SS – e é por isso mesmo que foi a sociedade esta quem fez as obras que são alegadas e são reveladoras da sua condição de possuidora de tal faixa de terreno.
Ou seja, os requerentes pessoas singulares reconheciam (e respeitavam) a sociedade “SS” como proprietária da faixa de tereno em causa, área essa da qual simplesmente usufruíam, como usufruíam das demais áreas existentes e que eram da titularidade da referida sociedade, pagando para o efeito a contribuição fixada.
Por outro lado, a associação requerente apenas terá sido constituída em 2020 e apesar de ter adquirido, em sede de venda executiva, que teve lugar no âmbito do processo insolvência, os prédios que tinham equipamentos de utilização comum, mas que eram propriedade da insolvente “SS, (aquisições que são atestadas pelas certidões do registo predial juntas aos autos), sucede que apenas adquiriu, por via dos negócios que celebrou com a massa insolvente de tal sociedade, a posse sobre esses mesmos prédios. E não sobre de bens (ou fração deles) que nem sequer foram aprendidos e ou transmitidos por qualquer negócio que haja sido celebrado com o Administrador de Insolvência em representação da massa insolvente da SS
Pelo que não se nos assemelha que a “Associação de proprietários AA” tenha adquirido com a colaboração da “SS”, ou da sua massa insolvente, a posse sobre uma fração de um terreno que não lhe poderia ser alienada no âmbito do processo de insolvência, porque, como a mesma reconhece, tal parcela era, do ponto de vista legal (sem prejuízo da separação física existente), parte integrante de dois lotes que são justamente os lotes que foram adquiridos pelos requeridos, os quais registaram em seu nome tal aquisição, e que, como tal, se presumem donos e legítimos possuidores dos imóveis adquiridos na sua totalidade. Pois que que a acessão da posse implica uma transmissão por acto inter vivos, que no caso inexiste- cfr. 1256.º do Cod. Civil.
E só se tivesse ocorrido tal transmissão, por acto inter vivos, ainda que fosse inválida, podia à associação requerente ser reconhecida a prerrogativa de juntar à sua pose a posse do antecessor/ transmitente, para efeitos de contagem do período da sua duração e com isso permitir a aquisição por usucapião.
Pelo que não se respectivando, em suma, pelas razões explanadas, como a posse da requerente sobre a parcela em causa possa dar continuidade à posse da sociedade” SS, já que esta sociedade ou a sua massa insolvente não praticaram qualquer ato de entrega material da fração de terreno em causa, tal posse terá que ser perspetivada como uma posse nova, iniciada apenas após a constituição da associação requerente e, que como tal, não tem a mesma aptidão (apesar de poder ter sido pública e pacífica), em face da sua duração, para permitir a aquisição originária, por usucapião, do direito de propriedade incidente sobre a parcela em causa.- art.º 1296.º do Cod. Civ..
Dos factos descritos, não resulta, pois, pelos motivos que supra explanamos, que os requerentes sejam possuidores do tereno por referência a um qualquer direito real, nomeadamente por referência ao um direito real de propriedade que hajam adquirido originariamente.
Isto muito embora possam existir servidões em benefícios de outros prédios (o que não foi alegado), atento o facto de existirem em tal parcela construções visíveis que servem os prédios vizinhos.
E assim sendo, verifica-se, consequentemente, a ausência do primeiro dos pressupostos para se decretar a providência requerida: e que consiste na prova de que os requerentes possuíam a posse associada a um determinado direito real.
Por outro lado, também não foram alegados, atento o disposto no artigo 370.º, do Código de Processo Civil, os pressupostos da providência cautelar comum.
Com efeito, não resulta do alegado que os atos praticados pelos requeridos lesem, de forma grave e dificilmente reparável, qualquer outro direito dos requerentes – que não seja o direito de propriedade que não se nos assemelha que exista sequer na sua esfera jurídica - 362.º, n.º 1 e 368.º ambos do Novo Código de Processo Civil ( e dai que a alienação perspetivada pelos requeridos seja irrelevante) - e ou que exista um perigo de lesão que deva ser afastada ou acautelado através do decretamento da providencia requerida.
Pelo que se impõe indeferir liminarmente a pretensão dos requerentes.
Decisão
Pelo exposto, julga-se que no caso dos autos ocorre a manifesta improcedência da pretensão dos requerentes, por não se verificarem, de um lado, os pressupostos necessários ao decretamento da providência de restituição provisória da posse e, do outro lado, por inexistir, em face do alegado, fundado receio de lesão dificilmente reparável, o que importa o imediato indeferimento liminar da providência requerida, o que se decide ao abrigo do disposto nos artigos 362.º, n.º 1, 365.º, n.º 1, 368.º, n.º 3 e 590.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil.”
3. Os Requerentes apelaram da decisão acima transcrita, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
“1. Vem o presente recurso interposto da sentença de indeferimento liminar proferida, a 25 de novembro de 2024, pelo Tribunal a quo.
2. Como fundamento da sua decisão, o Tribunal a quo considerou que (i) a Requerente não exerce Posse sobre a Parcela de Terreno objeto da presente ação; (ii) não estão verificados os requisitos para operar o instituto da acessão da posse porquanto não existiu um ato inter vivos e (iii) não está verificada a existência de uma lesão grave e dificilmente reparável ("periculum in mora"), nos termos do artigo 362.º, n.º 1 e 368.º do CPC.
3. A referida sentença contém erros de Direito e encerra uma incorreta interpretação e aplicação do regime da restituição provisória da posse, mormente dos artigos 377.º a 379.º do CPC ao presente caso.
4. Em concreto, a sentença recorrida é censurável, porquanto: (i) a Requerente exercia Posse na parcela de terreno no momento em que foi violentamente esbulhada, que é o que releva para no âmbito deste procedimento cautelar especificado, (ii) estão verificados os requisitos para aplicação do instituto da acessão da posse, ainda que estes não sejam relevantes para o decretamento da restituição provisória da posse e (iii) o requisito da artigo 362.º, n.º 1 e 368.º do CPC não é aplicável ao procedimento cautelar especificado de restituição provisória da posse.
5. O tribunal a quo não detinha dos elementos probatórios necessários para proceder à prolação de um indeferimento liminar, porquanto a prova de vários elementos alegados pela ora Recorrente careciam da produção da prova testemunhal que se iria realizar em audiência final.
6. O Tribunal a quo confunde os conceitos de Posse, Direito de Propriedade e Acessão, bem como aplica incorretamente os pressupostos da providência cautelar de restituição provisória da Posse.
7. O início da posse sobre determinado bem não se inicia apenas com a realização de um negócio formal, ainda que inválido, de transmissão da propriedade, pelo que a Requerente não adquiriu a Posse única e exclusivamente dos prédios através dos quais celebrou negócios com a massa insolvente da sociedade SS, como se afirma na sentença recorrida.
8. O instituto da acessão da posse não é um meio de aquisição da posse, antes é o mecanismo que permite a junção da posse do anterior possuidor à posse do possuidor subsequente, e estar assim verificado o decurso do tempo legalmente exigido para a aquisição por usucapião.
9. O Tribunal a quo fez uma errada aplicação do Direito ao utilizar o instituto da acessão da posse para averiguar se a Requerente tinha iniciado a sua posse sobre a parcela de terreno em discussão.
10. Nos termos do artigo 378.º do CPC, a posse e o esbulho violento são únicos requisitos da providência cautelar especificada de restituição provisória da posse.
11. Cabia exclusivamente ao Tribunal a quo averiguar a existência de posse no momento do esbulho violento, a qual é uma circunstância de facto e não depende da realização de negócios jurídicos.
12. Com efeito, a posse caracteriza-se pela existência de dois elementos: o corpus (elemento objetivo) e o animus (elemento subjetivo), sendo que a Requerente alegou e fez prova de factos que integram ambos os elementos, desde a sua constituição em 2020, momento em que passou a administrar e a comportar-se como verdadeira proprietária da Parcela de Terreno.
13. O Tribunal a quo faz tábua rasa de todos estes elementos constitutivos da posse, dos quais a maioria dependia da produção de prova testemunhal para serem provados, e refugiou-se numa alegada falta de preenchimento dos requisitos da acessão, a qual não é um meio de aquisição da posse, como parece afirmar.
14. A Requerente exercia a Posse sobre a parcela de terreno desde 2020 e foi esbulhada violentamente pelos Requeridos, questão que nem é abordada pelo Tribunal a quo.
15. A Requerente fez uso do mecanismo da pluralidade subjetiva subsidiária, previsto no artigo 39.º do CPC, indicando os Proprietários do UU há mais de 20 anos, também eles associados da Requerente, como Requerentes subsidiários na eventualidade de o Tribunal a quo considerasse que a Requerente não tinha legitimidade ativa para requerer a restituição provisória da posse.
16. O Tribunal a quo desconsiderou completamente subsidiariedade desta formulação e a Recorrente não se conforma com o facto de, sem produção de prova testemunhal ou qualquer elemento que o indicie no requerimento inicial, ter-se considerado que os Requerentes subsidiários reconheciam a SS como proprietária da faixa de terreno e apenas usufruíam da mesma, mediante o pagamento de contribuições.
17. Com efeito, a sociedade SS, funcionava apenas como um condomínio na ausência de constituição para o efeito, em que se limitava a administrar as partes comuns em proveito dos proprietários, mediante o pagamento de contribuições.
18. A usucapião não é um requisito para o decretamento da restituição provisória da posse nem um meio de aquisição da posse, pelo que não cabia ao Tribunal a quo averiguar se era aplicável o instituto da acessão para somar a posse do anterior possuidor e assim se verificar o tempo legalmente exigido para a usucapião.
19. Cabia tão somente ao Tribunal a quo avaliar a existência de posse no momento em que ocorreu o esbulho violento, sendo irrelevante se já teria (ou não) passado o tempo legalmente exigido para a usucapião, nomeadamente mediante a utilização do instituto da acessão da possa para soma da posse do anterior possuidor. Tal seria discutido no âmbito da ação principal.
20. Ainda assim, estão verificados todos os pressupostos para a aplicação do instituto da acessão.
21. A acessão da posse não implica uma transmissão por ato intervivos, ainda que inválido como afirma o Tribunal a quo. A jurisprudência é unânime no sentido de se aplicar o instituto da acessão da posse mesmo quando não exista um título formalmente válido de transmissão da posse entre os possuídores, bastando-se com a tradição da coisa, a qual existiu aquando do contrato celebrado entre a SS e a Requerente.
22. O requisito previsto no artigo 36.º, n.º 1 e 368.º do CPC ("periculum in mora") não é aplicável aos procedimentos cautelares especificados de restituição provisória da posse, pelo que não podia o Tribunal a quo indeferir liminarmente o Requerimento Inicial com base na falta de alegações deste requisito.
23. Os artigos 362.º, n.º 1 e 365.º, n.º 1 do CPC, dizem respeito aos requisitos do procedimento cautelar comum, e também não são aplicáveis ao procedimento cautelar especificado de restituição provisória da posse, pelo que não podia o tribunal indeferir liminarmente o Requerimento Inicial com base nestes artigos.
24. O artigo 368.º, n.º 3 do CPC, não tem qualquer aplicação ao caso concreto nem consubstancia base legal para fundamentar o indeferimento liminar, pelo que, mais uma vez, o Tribunal a quo fez uma errada aplicação do Direito e indeferiu liminarmente a providência cautelar com base em fundamentos legais que não têm qualquer aplicação ao caso concreto.
25. Impõe-se a revogação da sentença de indeferimento liminar que ora se recorre, porquanto não estão verificados os requisitos para a sua prolação nos termos do artigo 590.º, n.º 1 do CPC, e a sua substituição por um despacho que ordene a realização da audiência para produção da prova testemunhal e continuação dos normais trâmites do processo até prolação de decisão final.
26. Deve o indeferimento liminar ser totalmente revogado, também por falta de fundamentação legal, porquanto os artigos referidos na decisão (362.º, n.º 1 e 365.º, n.º 1 e 368.º, n.º 3 do CPC) não têm qualquer aplicação ao caso em discussão nos presentes autos, nem são fundamento de indeferimento liminar, ao abrigo do artigo 590.º, n.º 1 do CPC.
27. Deve também o indeferimento liminar ser totalmente revogado, porquanto todos os fundamentos partem de erros de aplicação do Direito ao caso concreto.”
4. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II – Questões a Decidir
O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões da apelação, não sendo objeto de apreciação questões novas suscitadas em alegações, exceção feita para as questões de conhecimento oficioso (artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil).
Não se encontra também o Tribunal ad quem obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes, sendo livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3 do Código de Processo Civil).
Assim, cumpre apreciar se o Tribunal a quo fez um correto enquadramento dos pressupostos do procedimento cautelar de restituição provisória da posse.
III – Fundamentação
1. Os factos relevantes para a decisão a proferir são os que constam do relatório.
2. Intentaram os Requerentes o presente procedimento cautelar especificado de restituição provisória da posse, o qual foi liminarmente indeferido, insurgindo-se os Requerentes contra esta decisão por três razões:
a) o que releva para o efeito deste procedimento cautelar é a posse e não a propriedade, sendo a Requerente possuidora da parcela aqui em causa;
b) em face do exposto não interessa ao caso a discussão sobre a usucapião e a acessão da posse, mas de todo o modo estão verificados os pressupostos destes institutos;
c) não constitui requisito de decretamento da providência cautelar requerida a existência de periculum in mora.
3. No recurso em apreço advogam, então, os Requerentes que é a posse e não a propriedade o pressuposto do presente procedimento cautelar, pelo que cabia tão somente ao Tribunal a quo apreciar da existência de posse, sendo irrelevante para este efeito saber se se verificam os pressupostos da aquisição da propriedade por usucapião, onde se inclui a acessão da posse, matéria que devia ser discutida na ação principal.
Ora, é pacífico que os pressupostos do procedimento cautelar especificado de restituição provisória da posse são a posse, o esbulho e a violência, nos termos do disposto nos artigos 377.º do Código de Processo Civil e 1277.º do Código Civil.
Porém, a posse é “o poder que se manifesta quando alguém atua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real” (artigo 1251.º do Código Civil), ou seja, a posse está necessariamente ligada, de forma umbilical, a um direito real.
Não é, pois, suficiente apurar o exercício de poderes de facto sobre uma coisa, importando ainda indagar o contexto em que atua o possuidor.
Sem essa indagação não é possível discernir uma situação de mera detenção, por exemplo, por virtude de um direito obrigacional (contrato de arrendamento ou comodato) ou de uma situação de mera tolerância (artigo 1253.º, alíneas b) e c) do Código Civil), de uma situação de verdadeira e própria posse, exercida sob a égide um direito real.
O Código Civil consagrou, efetivamente, uma conceção subjetiva da posse, exigindo, para além do corpus – domínio de facto sobre a coisa traduzida no exercício efetivo de poderes materiais sobre ela ou na possibilidade física desse exercício, o animus – intenção de exercer, como seu titular, um direito real sobre a coisa e não um mero poder de facto sobre ela (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. III, 2ª ed., Coimbra, 1987, p. 5).
Sem prejuízo, no artigo 1252.º, n.º 2 do Código Civil prevê-se que em caso de dúvida se presume a posse naquele que exerce o poder de facto, sem prejuízo da presunção de que a posse continua em nome de quem a começou (artigo 1257.º, n.º 2 do Código Civil).
Isto é, como a prova do animus pode ser muito difícil, a lei, em caso de dúvida, dispensa-a, bastando-se com a prova do corpus, para daí inferir o animus (artigo 350.º, n.º 1 do Código Civil).
Esta presunção ancora-se, pois, numa primeira aparência, a qual, todavia, pode ser afastada por demonstração do contrário (artigo 350.º, n.º 2 do Código Civil).
Por outro lado, os procedimentos cautelares têm uma função meramente instrumental, destinando-se a preservar a integridade de um direito a ser discutido na ação principal, à qual o procedimento cautelar deve ser apensado (artigo 364.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil).
A tutela cautelar basta-se, assim, com a demonstração perfunctória da existência de um direito, reservando-se a discussão aprofundada do tema para a ação principal, o que, em termos de posse, significa que o requerente da providência deve descrever os poderes de facto exercidos sobre a coisa, presumindo-se a partir daí a posse correspondente à titularidade de um direito real.
Caberia depois ao demandado na ação principal ilidir a presunção, demonstrando que apesar do exercício dos poderes fácticos correspondentes a um direito real, o demandante não era titular desse direito, sendo este o contexto em que se afirma, no n.º 1 do artigo 1278.º do Código Civil, que “No caso de recorrer ao tribunal, o possuidor perturbado ou esbulhado será mantido ou restituído enquanto não for convencido na questão da titularidade do direito” (Maria dos Prazeres Beleza, Rita Lynce de Faria e Pedro da Palma Gonçalves, Comentário ao Código civil : direito das coisas / coord. [de] Henrique Sousa Antunes. – Lisboa : Universidade Católica Editora, 2021, p. 78).
Vejamos, pois, os factos da causa.
4. No requerimento inicial alegam os Requerentes que desde 1978 os membros da Associação Requerente atuaram sobre uma parcela dos lotes 65 e 66, que todos usavam como espaço comum, por referência aos demais lotes onde possuem residências, concretamente, na referida parcela daqueles lotes 65 e 66 situam-se o parque de estacionamento, cisternas de gás afetas a diversos lotes existentes nas imediações (adjacentes à área em causa), caixas de esgotos, ajardinamentos e uma casa de madeira que é utilizada como armazém de produtos e equipamentos de jardinagem que são utilizados em todo o empreendimento.
Especificam ainda os Requerentes que o loteamento começou por ser diretamente administrado pelo proprietário, a sociedade comercial SS, o que sucedeu entre 1978 e 2008, tendo nesta data passado a administração para uma entidade equiparada a pessoa coletiva denominada TT.
Em consequência da declaração de insolvência da sociedade comercial SS, veio a Associação Requerente a adquirir os lotes que constituíam espaços de utilização comum pelos moradores, no âmbito do processo de insolvência, passando a Associação Requerente a usar parcela dos lotes 65 e 66 acima referida como espaço comum.
Todavia, não alegam os Requerentes que também adquiriram os lotes 65 e 66 no processo de insolvência da sociedade comercial SS, antes invocam a usucapião como título que justifica o seu direito de propriedade sobre a parcela destes lotes que é usada pelos moradores como espaço comum.
Assim, a primeira conclusão que se extrai deste breve excurso e que confere com uma das conclusões afirmadas pelo Tribunal a quo é a de que da descrição dos Requerentes contida no requerimento inicial não se extrai que os membros da Associação Requerente tenham atuado em nome próprio, antes daí decorrendo, diversamente, que o fizeram sempre em nome do proprietário.
Efetivamente, os Requerentes não alegam que os membros da Associação Requerente se tenham oposto ao proprietário sociedade comercial SS e se tenham arrogado eles próprios essa qualidade de proprietários, ou seja, os Requerentes não invocaram a inversão do título da posse (artigos 1263.º, al. d) e 1265.º do Código Civil).
Do exposto retira-se também que foi ponderado, na decisão de indeferimento liminar, o posicionamento dos Requerentes pessoas singulares na situação em causa, ao contrário do que se mostra alegado em sede de recurso, onde os Requerentes sustentaram que o Tribunal a quo “desconsiderou completamente” a circunstância da questão da legitimidade ativa ter sido colocada em alternativa.
De igual modo, não se acompanha o recurso quando nele se expõe que a conclusão acima apontada sobre a relação dos Requerentes pessoas singulares com a sociedade comercial SS deveria ter sido objeto de prova testemunhal, só assim se podendo apreciar se estes reconheciam a sociedade comercial SS como proprietária dos lotes.
Com efeito, este reconhecimento deflui do requerimento inicial, concretamente, dos respetivos artigos 19. a 22.:
“19. Estes equipamentos e áreas de uso comum foram inicialmente propriedade e eram administrados – na ausência de constituição de condomínio para o efeito, pela sociedade SS, o que ocorreu entre 1978 e 18 de setembro de 2008.
20. Em 18 de setembro de 2008, foi constituída a TT, Entidade Equiparada a Pessoa Coletiva, gerida pelos proprietários e pela SS, que se dedicava à gestão dos referidos equipamentos de uso comum a todos os proprietários.
21. A partir dessa data, a Administração das partes Comuns do Aldeamento da ... passou a estar encarregue da administração dos equipamentos e áreas de uso comum, continuando, no entanto, a propriedade a pertencer à sociedade SS
22. Esta entidade era gerida por vogais eleitos em assembleia geral onde participavam todos os proprietários, funcionando como se um condomínio se tratasse. Não obstante, a sociedade SS continuava a figurar como proprietária dos equipamentos de utilização comum.”
Como se alcança, em particular, do facto 20., mesmo após 2008 a sociedade comercial SS continuou a estar envolvida na administração dos espaços de uso comum.
Por outro lado, apesar dos Requerentes aludirem à figura do condomínio, há uma diferença essencial entre a situação descrita nos autos e o regime da propriedade horizontal, a saber, os Requerentes pessoas singulares não adquiriram a propriedade dos espaços de uso comum, sendo apenas proprietários das suas residências.
Ora, a prova destina-se a demonstrar os factos alegados pelas partes que se revelem controvertidos (artigo 410.º do Código de Processo Civil), e não a demonstrar factos não alegados, nem, sobretudo, factos contrários ou conflituantes com os factos alegados, pelo que não encontra justificação a produção de prova testemunhal para demonstrar que os Requerentes pessoas singulares não reconheceram sempre a sociedade comercial como proprietária dos lotes onde se encontravam equipamentos de uso comum.
Adicionalmente, constata-se que quem suscitou a questão da aquisição da propriedade da referida parcela dos lotes 65 e 66 por usucapião foram os Requerentes no requerimento inicial, dedicando a esta matéria tratamento específico sob “4.2 A Posse e o direito da Requerente em adquirir a Parcela de Terreno por usucapião”.
A este respeito dizem os Requerentes nos artigos 90. a 92. do requerimento inicial:
“90. Dos factos supra expostos e respetiva prova de suporte resulta evidente que a Requerente exerce a posse sobre a Parcela de Terreno desde a sua criação, em 2020, à qual somará a posse exercida pelos proprietários dos lotes do Empreendimento e pelas anteriores sociedades gestoras dos equipamentos e áreas de uso comum do Empreendimento da ..., através do instituto da acessão, o que será discutido no capítulo infra.
91. Com efeito, não só adquiriu a totalidade das áreas e equipamentos comuns do Empreendimento à massa insolvente daquela sociedade, pensando que a Parcela de Terreno também estaria englobada nessas áreas, como praticou/aram todos os atos de administração, manutenção e defesa da Parcela como se o verdadeiro proprietário se tratasse.
92. Nestes termos, sempre pagou/pagaram todos os encargos com a administração do terreno em referência (designadamente, contas da luz, água e jardinagem), bem como instalou candeeiros de iluminação do jardim.”
E, de novo, quem chamou à colação o instituto da acessão da posse foram os Requerentes no requerimento inicial, matéria que abordaram no ponto “4.2.4 O instituto da acessão da posse”.
A propósito do tema em apreço escreveram os Requerentes o seguinte no artigo 116. do requerimento inicial:
“116. No presente caso, foi precisamente o que ocorreu – não existe um título formal de transmissão da posse da Parcela de Terreno entre a SS e a Requerente, porquanto se veio a perceber que o contrato de compra e venda celebrado entre estas entidades não contemplava a Parcela de Terreno (apesar de se acreditar que também englobava) – mas a posse foi efetivamente transmitida em conjunto com os restantes imóveis.”
No que respeita, então, à Associação Requerente, atendendo a que a mesma só se constituiu em 2020, apenas após esta data se poderá discutir se tinha ou não posse sobre a aludida parcela dos lotes 65 e 66.
É, pois, evidente que com referência a esta data de 2020 nunca se poderia julgar completado seja o prazo de 15 anos, seja o prazo de 20 anos, necessário para a aquisição da propriedade por usucapião (artigo 1296.º do Código Civil).
Sustentam, porém, os Requerentes que deve somar-se à posse da Requerente a posse dos antepossuidores, identificando como tais quer os moradores do loteamento, quer as anteriores entidades administradoras do mesmo, aludindo nesta sede ao instituto da acessão da posse.
A acessão da posse está prevista no artigo 1256.º do Código Civil, consistindo na possibilidade de adicionar o tempo de posse exercido por um possuidor ao tempo de posse exercido por outro possuidor imediatamente subsequente, de modo que em conjunto se complete o prazo necessário para a aquisição do direito de propriedade por usucapião.
A condição essencial para que se dê a acessão da posse é a de que se verifique a transmissão inter vivos da posse do primitivo possuidor para o subsequente (n.º 1 do artigo 1256.º do Código Civil), discutindo-se depois se aquela transmissão exige um negócio válido ou não (entre outros, no primeiro sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08.02.2018, Processo n.º 642/14.7T8GRD.C1.S1 (Álvaro Rodrigues), e no segundo sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29.11.2016, Processo n.º 322/13.0TBTND.C1.S1 (Nuno Cameira), in http://www.dgsi.pt/).
Como explica Armando Triunfante (Comentário ao Código civil : direito das coisas…, pp. 33-34), “A aquisição de posse tem de ter decorrido de modo derivado (…) A posse do possuidor atual foi adquirida com a intervenção do possuidor anterior, filiando-se na posse precedente e não contra ela ou apesar dela. Está, então, em causa a transmissão da posse por tradição, em qualquer das suas modalidades, ou por constituto possessório [als. b) e c) dos artigos 1263.º e 1264.º]. A acessão da posse ficará afastada quando a posse foi adquirida de modo originário (apossamento ou inversão do título da posse).”
Revertendo ao caso dos autos verificamos que quanto aos moradores do loteamento, estes não exerceram a posse em nome próprio, sendo que só esta posse em nome próprio viabiliza a aquisição do direito de propriedade por usucapião (artigo 1290.º do Código Civil).
A mesma objeção afeta a posição da entidade equiparada a pessoa coletiva que exerceu a administração do loteamento, mas já não procede, no entanto, com respeito ao anterior proprietário, a sociedade comercial SS, que exerceu posse, ainda que por intermédio de outrem.
Todavia, em face do teor do requerimento inicial é pacífico que os lotes 65 e 66 não foram comprados pela Associação Requerente, razão pela qual a Associação Requerente lançou mão do instituto da usucapião para justificar o seu direito de propriedade sobre a parcela em discussão nos autos.
Ora, neste cenário não colhe a afirmação dos Requerentes de que lhes foi transmitida a posse da referida parcela em conjunto com os restantes imóveis, ainda que sem título.
O título tem somente que ver com a formalização do acordo de vontades e a questão que aqui se coloca é outra, é a própria ausência de acordo de vontades.
Decorre, efetivamente, das certidões de registo predial juntas como docs. 6 e 8 que os lotes 65 e 66 foram transmitidos aos Requeridos por VV, pelo que em termos formais a posse dos lotes 65 e 66 foi transmitida primeiro a esta sociedade comercial e depois por tal sociedade aos Requeridos (artigo 1264.º do Código Civil).
Consequentemente, a utilização da referida parcela dos lotes 65 e 66 pela Associação Requerente configura um apossamento, modalidade originária de aquisição da posse, assente na “prática reiterada, com publicidade, dos atos materiais correspondentes ao exercício do direito” (alínea a) do artigo 1263.º do Código Civil).
Não podemos, assim, proceder à soma da posse da Associação Requerente com a posse da sociedade comercial SS relativamente à parcela dos lotes 65 e 66 usada como espaço comum pelos moradores do loteamento.
Conclui-se, deste modo, ser manifesto que a causa de aquisição da propriedade invocada pelos Requerentes não se revela juridicamente viável.
5. Sem prejuízo de todo o exposto, pode ainda perguntar-se se para este estrito efeito do procedimento cautelar de restituição provisória da posse não devemos isolar a questão da propriedade da questão da posse, como advogam os Requerentes em sede de recurso.
Com efeito, retira-se do disposto no n.º 2 do artigo 1278.º do Código Civil que o possuidor deve ser mantido ou restituído na posse se a posse do esbulhador não tiver mais do que um ano e um dia.
Encontra-se esta solução em alinhamento com o disposto no artigo 1267.º, n.º 1, alínea d) do Código Civil, segundo a qual o possuidor perde a posse, pela posse de outrem, mesmo contra a vontade do antigo possuidor, se a nova posse houver durado por mais de um ano.
Ora, os Requerentes alegam que no dia 2 de março de 2024 os Requeridos ocuparam a parcela em causa, derrubando a vedação que a separava da parte remanescente dos lotes 65 e 66 e rebentando a fechadura dos portões de acesso ao parqueamento e às outras zonas do aldeamento, tendo o presente procedimento cautelar dado entrada em juízo a 21 de novembro de 2024.
Não decorreu, pois, mais de um ano entre a ocupação do espaço pelos Requerentes e a reação dos Requerentes.
Contudo, no caso em apreço a presunção de que o exercício de poderes fácticos corresponde à posse do titular do direito de propriedade mostra-se ilidida pelos próprios Requerentes, atentos os factos descritos no requerimento inicial, ou seja, do requerimento inicial decorre não estarem reunidos os pressupostos legalmente necessários para se concluir pela aquisição do direito de propriedade por usucapião sobre a parcela, quer pelos Requerentes pessoas singulares, quer pela Associação Requerente.
Consequentemente, a providência cautelar de restituição provisória da posse não cumpriria a finalidade de acautelar um direito, na medida em que se concluiu já que esse alegado direito não existe, pelo que não encontra justificação o decretamento da providência cautelar de restituição provisória de posse.
Em face da conclusão alcançada, fica prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas no recurso.
Deve, assim, confirmar-se a decisão recorrida.
6. As custas do recurso são da responsabilidade dos Requerentes, em virtude de ser o mesmo julgado improcedente (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil).
IV – Dispositivo
Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Cível deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, mantendo integralmente a decisão recorrida.
Custas pelos Requerentes.
Sónia Moura (Relatora)
Elisabete Valente (1ª Adjunta)
Ricardo Miranda Peixoto (2º Adjunto)