Sumário do Acórdão
(da exclusiva responsabilidade do relator – artigo 663º, nº 7, do CPC)
1-O direito de regresso de seguradora que pagou uma indemnização no âmbito de contrato de seguro de responsabilidade civil emergente de acidente de viação, que causou os danos fundamento da dita indemnização, está sujeito ao prazo de prescrição de três anos previsto no n.º 2 do artigo 498.º do Código Civil, não sendo de aplicar o alongamento do prazo prevenido no n.º 3 do referido artigo.
2- Na verdade, o direito de regresso compreende apenas o direito da seguradora ao reembolso do que pagou ao lesado, sendo, desse modo, um direito novo e diferente do direito do lesado, não se justificando, por isso, aquele alongamento do prazo de prescrição previsto no citado nº 3 do art.º 498.º, que somente diz respeito ao direito do lesado.
Tribunal Judicial da Comarca de ... – Juízo Central Cível de ... – Juiz 2
Apelante: Generali Seguros y Reaseguros, S.A. – Sucursal em Portugal
Apelado: AA
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I – RELATÓRIO
Generali y Seguros, Compania de Seguros y Reaseguros, SA- Sucursal em Portugal (anterior Liberty Seguros, Compania de Seguros y Reaseguros, SA- Sucursal em Portugal) intentou ação declarativa de condenação com forma de processo comum contra AA, pedindo a condenação do Réu no pagamento da quantia total de € 53.761,35, acrescida de juros de mora vincendos desde a citação e até efetivo e integral pagamento.
Para fundamentar a sua pretensão alegou, em síntese, que na sequência de acidente de viação, cuja responsabilidade imputa ao Réu na qualidade de condutor de um veículo automóvel sob a influência do álcool que lhe diminuía a atenção e capacidade de reação, o Réu colidiu noutro veículo, provocando danos materiais e ferimentos em 3 pessoas, acrescentando que na qualidade de seguradora assegurou o pagamento das indemnizações relativas aos danos sofridos pelas vítimas.
Pessoal e regularmente citado o Réu deduziu contestação, na qual invocou a exceção perentória da prescrição dado terem decorrido mais de 3 anos desde os pagamentos alegados, para além de impugnar o nexo de causalidade ente o acidente e a ingestão de bebidas alcoólicas.
Notificada para se pronunciar acerca da exceção perentória, a Autora pugnou pela sua improcedência, atenta a suspensão dos prazos na sequência da pandemia Covid-19.
Procedeu-se à adequação formal dos autos, considerando que o Tribunal iria previsivelmente decidir por saneador-sentença a questão da prescrição, notificando-se as Partes para se pronunciarem acerca dessa questão.
A Autora veio pronunciar-se, entendendo não se verificar a invocada prescrição, nos termos já referidos na reposta à exceção e o Réu não se pronunciou.
Foi proferido despacho saneador-sentença que culminou com o seguinte dispositivo:
“IV- DISPOSITIVO
Em face do exposto, julgo a presente ação improcedente, por verificação da exceção perentória de prescrição do direito de regresso e, em consequência, absolvo o Réu AA do pedido deduzido pela Autora Generali y Seguros, Compania de Seguros y Reaseguros, SA- Sucursal em Portugal.
Registe e notifique, inclusivamente as partes.
Custas a cargo da Autora, nos termos do disposto no artigo 527º, nos 1 e 2 do Código de Processo Civil”.
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Inconformada veio a Autora apresentar requerimento de recurso de apelação para este Tribunal alinhando no final as seguintes conclusões, que passamos a reproduzir:
“CONCLUSÕES:
1. No dia 08 de setembro de 2017, pelas 19H00 horas, na ..., concelho de ..., ocorreu um acidente de viação.
2. No referido acidente foram intervenientes os seguintes veículos: o veículo automóvel (V1), ligeiro de passageiros, de matrícula ..-JS-.., conduzido por AA, ora Recorrido/ Réu; e o veículo automóvel (V2), ciclomotor, de matrícula ..- DF-.., conduzido por BB.
3. O condutor, ora Recorrido/ Réu, AA, foi submetido a teste para despiste de álcool no sangue, tendo acusado a 1,52 g/l.
4. Do acidente resultaram danos materiais nos veículos, nomeadamente perda total do veículo e feridos graves.
5. Por força do contrato de seguro existente entre a Recorrente/ Autora e o veículo de matrícula ..-JS-.., a Recorrente procedeu ao ressarcimento dos danos verificados em sequência deste sinistro, nomeadamente:
a) Em 10 de julho de 2017, com os danos do veículo n.º 2 que resultou em perda total, a Recorrente /Autora despendeu a quantia de € 800,00.
b) Entre 22 de agosto de 2018 e 25 de novembro de 2020, com despesas de saúde/médicas dos feridos BB e CC, a Autora despendeu a quantia de € 22.340,57.
c) Com a indemnização ao sinistrado (passageiro do veículo n.º 1 CC), a Recorrente/ Autora despendeu a quantia de € 30.500,00, em 24 de janeiro de 2019.
d) Com averiguações e peritagem, a Autora despendeu a quantia de € 120,88, em 20 de fevereiro de 2017.
e) A Recorrente/ Autora a título de custas judiciais conta de custas no âmbito do processo n.º 1145/17.3... em que o Réu era arguido e a Autora Demandada por parte do Centro Hospitalar do ..., EPE., a quantia de € 204,00 em 08 de abril de 2021.
6. A presente ação foi intentada em 8 de março de 2024 e o Réu foi citado em 13 de março de 2024.
7. Nos termos dos artigos 27º n.º 1 alínea c) do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de agosto e artigo 25º alínea) c das Condições Gerais da Apólice do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, tem a ora Recorrente/Autora direito de regresso contra o R. enquanto condutor do veículo seguro, porquanto realizava a sua condução sob a influência do álcool.
8. Pelo que o Recorrido/Réu conduzia sob influência do álcool, tendo apresentado uma taxa de alcoolémia de 1,52 g/l, o que atribui à Recorrente/ Autora o direito de regresso contra o Recorrido a fim de ser reembolsada dos montantes despendidos.
9. O direito de regresso entre os responsáveis prescreve no prazo de 3 anos a contar do cumprimento, nos termos e para os efeitos do art.º 498.º n.º 2 do CC.
10. O tempo legal da prescrição equivale ao tempo útil para o exercício do direito, não podendo o credor ser prejudicado por não ter agido no momento em que não podia fazê-lo.
11. Os factos articulados integram diversos ilícitos criminais, nomeadamente, o comportamento do Recorrido/Réu consubstanciou a prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez previsto no art.º 292º do CP e um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto no art.º 291.º do CP e punível com prisão até 3 anos ou multa, caso em que o prazo de prescrição seria de 5 anos, nos termos do art.º 118.º al. c) e n.º 3 do CP.
12. O prazo mais longo cominado no n.º 3 aplica-se tanto à situação prevista no n.º 1, como à prevista no n.º 2, pois, sendo a mesma a razão de ser, não há fundamento para distinguir. Mais,
13. O comportamento do Recorrido/ Réu ofendeu o corpo e a saúde dos sinistrados, consubstanciando, ainda, três crimes de ofensas à integridade física, previsto no art.º 143.º do CP, punível prisão até 3 anos ou multa, caso em que o prazo de prescrição seria de 5 anos, nos termos do art.º 118.º al. c) do CP.
14. Face ao exposto, resulta da lei e é jurisprudência assente que em casos como o sub judice o direito de indemnização apenas prescreve no prazo mais longo de prescrição do respetivo procedimento criminal.
15. Tal prazo é aplicável aos responsáveis meramente civis como o comitente e a seguradora, conforme tem decidido a Jurisprudência do STJ.
16. O disposto no n.º 3 do art.º 498.º também se aplica aos responsáveis meramente civis como o comitente e a seguradora.
17. Sendo assim, o alongamento do prazo prescricional do direito à indemnização estabelecido no n.º 3 do artigo 498º do Código Civil assenta numa base de carácter inegavelmente pessoal, porque radica na especial gravidade do facto ilícito danoso praticado pelo agente.
18. Conclui-se, por isso, que no presente caso o prazo de prescrição é de 5 anos.
19. Razão pela qual, por força do n.° 3 do art.° 498º do C.C., este prazo de 5 anos é o aplicável.
20. Pelo que torna-se imperioso concluir que, à data de apresentação da presente ação, encontrava-se a Recorrente/Autora em tempo para reclamar o reembolso dos montantes despendidos com a regularização do acidente dos presentes autos, prazo que iniciou a sua contagem no último pagamento em 2020-11-25.
21. A Recorrente/Autora encontra-se a exercer o direito de regresso, direito esse que é tempestivo, posto que o prazo prescricional a que está sujeita é o de cinco anos, sendo certo que este prazo só deve contar-se a partir do momento em que a aqui Recorrente/Autora fez os pagamentos que reclama.
22. O direito da Recorrente foi exercido atempadamente uma vez que efetuou o pagamento que reclama dentro do prazo de 5 anos que a lei lhe confere.
23. O direito de regresso funda-se em responsabilidade extracontratual por facto considerado crime.
24. Assim, a ação em concreto, de direito de regresso, beneficia do alargamento do prazo prescricional de 5 anos, devendo improceder a exceção de prescrição, ao contrário do decidido na Douta Sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância.
25. A decisão recorrida deverá ser revogada porque não respeita uma correta subsunção dos factos alegados ao direito aplicável, enfermando do vicio de má interpretação da lei, em violação do disposto no art.° 498º, n.º 3, do C.C.
26. Assim se decidindo, se fará a acostumada JUSTIÇA!”
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O Recorrido não apresentou resposta ao recurso.
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O recurso é o próprio e foi correctamente admitido no Tribunal a quo quanto ao modo de subida e efeito fixado, nada havendo a alterar.
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Correram Vistos.
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II – QUESTÕES OBJECTO DO RECURSO
Nos termos do disposto no artigo 635º, nº 4, conjugado com o artigo 639º, nº1, ambos do Código de Processo Civil (doravante apenas CPC), o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recurso, salvo no que concerne à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas pertinentes ao caso concreto e quando se trate de matérias de conhecimento oficioso que possam ser decididas com base em elementos constantes do processo, pelo que integra unicamente o objecto do recurso saber se deve aplicar-se ao caso vertente o prazo prescricional alongado previsto no n.º 3 do artigo 498.º do Código Civil (doravante apenas CC).
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III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Consta do segmento do despacho-saneador sentença recorrido atinente à fundamentação de facto o seguinte:
“A) OS FACTOS PROVADOS
Dos elementos constantes dos autos resultam provados, com relevância para a decisão, os seguintes factos:
1) A Autora Generali Seguros Y Reaseguros, S.A. - Sucursal em Portugal é uma sociedade anónima que se dedica à exploração dos diversos ramos de seguro que está ou venha a estar autorizada a efetuar, diretamente ou por via de resseguro, com sociedades nacionais ou estrangeiras (artigo 1º da petição inicial).
2) No exercício da sua atividade, a Autora celebrou um contrato de seguro automóvel, titulado pela apólice n.º ..., através do qual transferiu para si a responsabilidade civil decorrente da circulação do veículo da marca BMW, modelo Série 1, de matrícula ..-JS-.., conforme documento n.º 1 cujo teor se dá por integralmente reproduzido (artigo 2º da petição inicial).
3) No dia 8 de setembro de 2017, pelas 19.00 horas, na ..., concelho de ..., ocorreu um acidente de viação, conforme participação que aqui se junta como documento n.º 2 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais (artigo 3º da petição inicial).
4) No referido acidente foram intervenientes os seguintes veículos:
a. O veículo automóvel (V1), ligeiro de passageiros, de matrícula ..-JS-.., conduzido por AA, ora Réu;
b. O veículo automóvel (V2), ciclomotor, de matrícula ..-DF-.., conduzido por BB (artigo 4º da petição inicial).
5) O condutor, ora Réu AA, foi submetido a teste para despiste de álcool no sangue, tendo acusado a 1,52 g/l, tal como resulta do documento n.º 4, cujo teor se dá por integralmente reproduzido (artigo 7º da petição inicial).
6) Por força do contrato de seguro existente entre a Autora e o veículo de matrícula ..-JS-.., a Autora procedeu ao ressarcimento dos danos verificados em sequência deste sinistro (artigo 14º da petição inicial).
7) Em 10 de julho de 2017, com os danos do veículo n.º 2 que resultou em perda total, a Autora despendeu a quantia de € 800,00, conforme documento nos 5 e 6, que ora se juntam e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais (artigo 15º da petição inicial).
8) Entre 22 de agosto de 2018 e 24 de novembro de 2020, com despesas de saúde/médicas dos feridos BB e CC, a Autora despendeu a quantia de € 22340,57, conforme documento nos 7 a 12 e 17, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais (artigo 16º da petição inicial).
9) Com a indemnização ao sinistrado (passageiro do veículo n.º 1 CC), a Autora despendeu a quantia de € 30.500,00, conforme documento n.º 8, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais (artigo 17º da petição inicial).
10) Com averiguações e peritagem, a Autora despendeu a quantia de €120,88, conforme documento nºs 14 a 16, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais (artigo 18º da petição inicial).
11) A Autora a título de custas judiciais a quantia de € 204,00 em 08-04-2021, tal como resulta do documento n.º 17, cujo teor se dá por integralmente reproduzido
12) A presente ação foi intentada em 8 de março de 2024 e o Réu foi citado em 13 de março de 2024, tal como resulta de fls. 1 e 28, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
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Consigna-se que a matéria e/ou documento não selecionada dos articulados foi impugnada, é mera repetição, conclusiva, de direito ou não assume qualquer relevância para a decisão da causa.”
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IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
A única questão que urge solucionar no âmbito deste recurso respeita a saber se o Tribunal a quo decidiu acertadamente ao aplicar ao caso vertente o prazo de prescrição de 3 anos previsto no n.º 2 do artigo 498.º do CC, ou se deveria antes ter aplicado prazo prescricional mais dilatado por força do disposto no n.º 3 do mencionado artigo.
Recordemos a norma contida no artigo 498.º do CC, na parte que para o caso concreto pode interessar:
“1.O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do dirieto que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respetivo prazo a contar do facto danoso.
2.Prescreve igualmente no prazo de três anos, a contar do cumprimento, o direito de regresso entre os responsáveis.
3.Se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável.
[…]”
Na sentença recorrida considerou-se aplicável ao direito de regresso exercido na presente causa por parte da ora Apelante contra o ora Apelado o prazo de três anos previsto expressamente no n.º 2 do artigo acima transcrito, o que levou o Tribunal a quo a concluir que à data da citação do Apelado ocorrida cinco dias após a propositura da acção, ou seja em 13/03/2024, já operara a prescrição do direito pretendido exercer.
Não se vislumbra dissonância entre o expresso na sentença e a pretensão recursiva no que tange designadamente ao momento temporal a partir do qual o prazo prescricional deveria começar a contar nem tão pouco quanto aos periodos de suspensão de contagem de tal prazo que foram considerados por força da aplicação da legislação excepcional que teve como fonte o período de pandemia gerado pela disseminação do vírus SARS-COV 2, usualmente conhecida como pandemia de COVID 19.
Do mesmo passo também não se assinala divergência entre o expresso na sentença recorrida e a pretensão recursiva quanto ao posicionamento da discussão em sede de direito de regresso (e não de sub-rogação legal), assim como da legitimidade da Apelante para o exercer.
Dito isto, vejamos de que forma justificou o Tribunal a quo na sentença recorrida a aplicação do prazo prescricional de 3 anos e afastou a aplicação de prazo mais alargado:
“No caso sub judice está em causa o direito de regresso de seguradora que suportou os custos relacionados com os denso ocorridos na sequência de acidente de viação em que foi interveniente o veículo automóvel cuja responsabilidade civil emergente de acidente de viação estava transferida para si e conduzido pelo Réu sob a influência do álcool.
Importa, assim, apurar, qual o prazo de prescrição aplicável à situação dos autos.
Estando em causa responsabilidade civil extracontratual prevista nos artigos 483º e seguintes do Código Civil, imposta chamar à colação o artigo 498º do mesmo Código Civil, o qual estipula que: “1- Nos termos do artigo 498º, n.º 1 do Código Civil “O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respetivo prazo a contar do facto danoso.
2- Prescreve igualmente no prazo de três anos, a contar do cumprimento, o direito de regresso entre os responsáveis.
3- Se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável. (…)”.
Assim, o prazo de prescrição é de 3 anos, a contar do cumprimento, por aplicação do artigo 498º, n.º 2 do Código Civil.
Por outro lado, atenta a sua inserção sistemática, poder-se-ia levantar a questão de que a norma do n.º 3 do artigo 498º do Código Civil se aplica a todas as situações previstas nos números anteriores, ou seja, possibilitando-se a aplicação de um prazo de prescrição mais longo (correspondente ao prazo de prescrição do procedimento criminal), ou seja, esta norma, colocada depois, estender-se-ia logicamente às situações referidas nos números anteriores, permitindo o alargamento dos prazos aí previstos.
Contudo, esta interpretação não tem qualquer apoio racional e substancial, desde logo se se tiver em consideração a natureza do direito invocado pela Autora e a justificação para o alargamento do prazo de prescrição. De facto, a norma do n.º 3 do artigo 498º do Código Civil visou alargar o prazo de prescrição do direito do lesado, quando o evento também constituísse crime e o prazo da prescrição fosse superior a três anos, de forma a estabelecer uma concordância prática, nomeadamente na formulação do pedido cível, que, por efeito do princípio da adesão, geralmente, é exercido no âmbito do processo penal, considerando que não faria sentido que o mesmo facto (lesivo) estivesse sujeito a prazo de prescrição diferente e mais curto para efeitos de responsabilidade civil, quando no mesmo âmbito (processo penal) o prazo de prescrição do procedimento criminal poderia ser de 5, 10 ou 15 anos (cfr. artigo 118º do Código Penal).
Como refere ANTUNES VARELA9, "Desde que se admite a possibilidade de o facto, para efeitos de responsabilidade penal, ser apreciado em juízo para além dos três anos transcorridos sobre a data da sua verificação, nada justifica que análoga possibilidade se não ofereça à apreciação da responsabilidade civil".
Contudo, como se refere no Ac. STJ de 29-11-201110, que "estas razões não colhem quando se está perante o direito de regresso da seguradora, realidade jurídica inteiramente distinta e autónoma em relação ao direito de indemnização do lesado; por isso mesmo é que no primeiro caso o prazo de prescrição se conta a partir da data do cumprimento da obrigação e no segundo do conhecimento do direito pelo lesado. Porque o direito de regresso nada tem que ver com a fonte da obrigação que a seguradora extinguiu ao cumprir o contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil celebrado com o lesante não se justifica, em tal eventualidade, o alongamento do prazo de prescrição previsto no nº 3 do artº 498º, antes devendo prevalecer o interesse da lei na rápida definição da situação e na consequente punição da inércia da seguradora num lapso de tempo mais curto, que é o do nº 2 do mesmo preceito".
Efetivamente, “1. A norma constante do nº 2 do art. 498º do CC é analogicamente aplicável aos casos em que o direito ao reembolso se efetiva, não através da constituição de um direito de regresso nas relações internas entre responsáveis solidários, mas pela via da subrogação legal.
2. Na verdade, assentando decisivamente a subrogação , enquanto fonte da transmissão de um crédito, no facto jurídico do cumprimento, o prazo prescricional de curta duração, previsto no nº 1 do art. 498º do CC, apenas se inicia – no que se refere ao direito ao reembolso efetivado através da figura da subrogação – com o pagamento efetuado ao lesado, já que anteriormente a esse facto o demandante está privado da possibilidade de exercer o direito que lhe assiste no confronto do principal responsável pelo dano causado, constituindo restrição excessivamente onerosa a que decorreria da aplicação, nessas circunstâncias, de um prazo prescricional curto, contado da originária verificação do facto danoso na esfera do lesado”11.
Assim sendo, conclui-se que que o alargamento do prazo de prescrição do direito à indemnização em consequência de danos ocasionados por facto ilícito que constitua um crime previsto no artigo 498º, n.º 3 do Código Civil não tem aplicação nem para o exercício do direito de regresso expressamente previsto no n.º 2 da mesma norma legal, pelo que o prazo de prescrição aqui em causa é de 3 anos.”
Sabemo-lo, através das conclusões recursivas, que a Apelante não concorda com a aplicação do prazo previsto no n.º 2 pugnando pela aplicação de prazo mais alargado por força da previsão do n.º 3 do supra mencionado artigo 498.º do CC sustentando que o Apelado incorreu na prática de vários ilícitos criminais, que, além do mais, identifica designadamente nos pontos 11 e 14, das suas conclusões recursivas, concluindo que o prazo prescricional a considerar deverá ser o do respectivo procedimento criminal, ou seja de cinco anos, por virtude de o alongamento de tal prazo assentar “numa base de carácter inegavelmente pessoal, por radicar na especial gravidade do facto ilícito danoso praticado pelo agente”.
Quid juris?
Não parece existir ainda unanimidade na jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores relativamente à solução a dar a esta questão.
Porém, analisando a evolução jurisprudencial mormente do Supremo Tribunal de Justiça vislumbra-se uma tendência crescente no sentido de considerar inaplicável ao direito de regresso, nos termos que a Apelante o pretende exercer no âmbito destes autos, da norma contida no n.º 3 do artigo 498.º do CC.
Concretizemos um pouco melhor.
Encontramos reconhecida a aplicabilidade da dita norma ao direito de regresso no caso do facto ilícito constituir também crime abstractamente sujeito a prazo de prescrição superior a três anos, como sucede em caso de acidente de viação causado por condutor com taxa de alcoolémia superior à legalmente admitida, conforme previsto no artigo 27.º, n.º 1, c), do Dec.Lei n.º 291/2007 de 21/08, mormente se a dita taxa for passível de revelar o crime de condução de veículo em estado de embriagues (taxa superior a 1,20 gr/l) previsto pelo artigo 292.º do Código Penal, situação em que, por aplicação do artigo 118.º, n.º 1, c), do Código de Processo Penal (doravante apenas CPP), o prazo prescricional a considerar é de 5 anos (contado desde a data do pagamento, ou último pagamento, se tiverem existido vários, efectuado ao lesado), no âmbito dos acórdãos proferidos pelo STJ em 26/06/2007 (Proc.º 07A1523), 03/11/2009 (Proc.º n.º 2665/07.3TBPRD.S1) e 07/07/2010 (Proc.º n.º 142/08.4TBANS-A.C1.S1), todos acessíveis para consulta in www.dgsi.pt bem como nos acórdãos da Relação de Lisboa de 19/02/2008 (in CJ, 2008, 1.º, pág. 3), constando, além do mais, deste aresto, a importante noção de que será de qualificar como crime “o facto gerador do direito de regresso” e ainda da mesma Relação o acórdão de 25/02/2010 (Proc.º n.º 5078/08.6TBALM.L1-8), acessível para consulta in www.dgsi.pt.
No sentido da inaplicabilidade da norma contida no n.º 3 do artigo 498.º do CC ao direito de regresso encontramos os acórdãos proferidos, mais recentemente, pelo STJ em 29/11/2011 (Proc. n.º 1507/10.7TBPNF.P1.S1), referido expressamente na sentença recorrida, em 17/11/2011 (acessível in CJ/STJ, 2011, 3.º-282) e em 18/10/2012 ( Proc.º n.º 56/10.8TBCV-C1.S1), acessível, tal como o de 29/11/2011, in www.dgsi.pt.
Não parece que o argumento da inserção sistemática da norma do n.º 3, após a previsão contida nos nºs 1 e 2, (aludindo este último expressamente ao direito de regresso) e não imediatamente após o n.º 1, seja determinante, por si só, para a defesa da aplicabilidade ao direito de regresso de prazo prescricional mais alargado para que remete a previsão do aludido n.º 3, quanto é certo que o direito de regresso surge como um direito novo e distinto do direito de indemnização previsto no n.º 1, voltando a haver referência expressa a este último no n.º 4.
Tão pouco releva para o acolhimento da pretensão da Apelante justificar o alongamento do prazo prescricional para o caso em apreço por tal prazo assentar “numa base de carácter inegavelmente pessoal, por radicar na especial gravidade do facto ilícito danoso praticado pelo agente”, quando é certo que o direito de regresso entre responsáveis não é um direito indemnizatório decorrente de uma conduta ilícita, culposa e geradora de danos, mas apenas o direito de reembolso da Seguradora do que pagou ao lesado.
De resto e como destaca correctamente a sentença recorrida na fundamentação de direito
“[…] a norma do n.º 3 do artigo 498º do Código Civil visou alargar o prazo de prescrição do direito do lesado, quando o evento também constituísse crime e o prazo da prescrição fosse superior a três anos, de forma a estabelecer uma concordância prática, nomeadamente na formulação do pedido cível, que, por efeito do princípio da adesão, geralmente, é exercido no âmbito do processo penal, considerando que não faria sentido que o mesmo facto (lesivo) estivesse sujeito a prazo de prescrição diferente e mais curto para efeitos de responsabilidade civil, quando no mesmo âmbito (processo penal) o prazo de prescrição do procedimento criminal poderia ser de 5, 10 ou 15 anos (cfr. artigo 118º do Código Penal).”
A par de tal argumento não podemos deixar de acompanhar o raciocínio exposto no acima mencionado acórdão do STJ de 18/10/2012, relatado pelo Conselheiro Tavares de Paiva, de que transcrevemos o seguinte excerto elucidativo constante quer da sua parte final e conclusiva, quer do respectivo sumário:
“O direito de regresso da seguradora que satisfez uma indemnização ao abrigo de um contrato de seguro de responsabilidade civil emergente de acidente de viação, que originou os danos fundamentos daquela indemnização, está sujeito ao prazo de prescrição de três anos previsto expressamente no n.º 2 do art. 498.º do CC, não se lhe aplicando o alongamento do prazo previsto no n.º 3 do citado normativo. Isto porque aquele direito de regresso compreende apenas o direito da seguradora ao reembolso do que pagou ao lesado, sendo, por isso, um direito diferente do lesado e, daí que não se justifique aquele alongamento do prazo de prescrição previsto no citado nº 3 do art.º 498.º, que diz respeito apenas ao direito do lesado.”
Em face do exposto, sem necessidade de maiores considerações, resta concluir pelo decaimento das conclusões recursivas da Apelante sendo de confirmar a sentença recorrida.
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V – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal em negar provimento ao recurso de apelação interposto por Generali Seguros y Reaseguros, S.A. – Sucursal em Portugal e, em consequência, decidir o seguinte:
A) Confirmar a sentença recorrida;
B) Fixar custas a cargo da Apelante, nos termos do disposto no artigo 527º, nº 1 e 2, do CPC.
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Notifique e registe.
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ÉVORA, 13 de Fevereiro de 2025
(José António Moita, relator)
(Maria João de Sousa e Faro- 1.ª Adjunta)
(Elisabete Valente - 2.ª Adjunta)