EMPREITADA
REVOGAÇÃO
RECONVENÇÃO
Sumário

Sumário do Acórdão
(da exclusiva responsabilidade do relator – artigo 663º, nº 7, do CPC)

Resultando da matéria de facto provada e não impugnada pelas Partes constante da sentença recorrida a revogação, ou cessação de vigência por acordo entre as Partes, de um contrato de empreitada celebrado entre ambas, tal implica a improcedência da pretensão deduzida em sede de reconvenção pela Apelante.

Texto Integral

Apelação nº 3154/23.4T8FAR.E1

Tribunal Judicial da Comarca de ... – Juízo Central Cível de ... – Juiz 3


Apelante: DD Construções, Sociedade Unipessoal, Lda."


Apelados: BB


CC


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I – RELATÓRIO


CC e BB intentaram ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra DD Construções, Sociedade Unipessoal, Lda.", todos com os demais sinais identificadores constantes dos autos, peticionando o seguinte:


(i) Declarar imediatamente resolvido o contrato de empreitada objeto dos presentes autos, por incumprimento definitivo da Ré;


(ii) Condenar a Ré a pagar-lhes a quantia por estes paga em excesso no valor de € 31.850,24, respeitante aos trabalhos pagos e não realizados pela primeira;


(iii) Condenar a Ré a pagar-lhes a quantia por estes paga em excesso no valor de € 41.718,06, respeitante aos pagamentos realizados por si por conta da Ré a fornecedores e/ou subempreiteiros contratados pela Ré e que correspondem à aquisição de matérias-primas, equipamentos e materiais diversos;


(iv) Condenar a Ré a pagar-lhes a quantia de € 3.000,00, respeitantes a rendas que deixaram de receber no período de 180 dias;


(v) Condenar a Ré a pagar-lhes a quantia de € 975,50, respeitante à prorrogação do prazo para execução de obras e licenciamentos;


(vi) Condenar a Ré a pagar-lhes a quantia de € 341,15, respeitante às despesas documentadas com consultas, episódios de urgência e despesas médicas no período de baixa médica da autora CC;


(vii)Condenar a Ré a pagar-lhes a quantia de € 2.000,00, a título de danos não patrimoniais;


(viii)Condenar a ré a pagar-lhes os juros moratórios calculados desde a data da citação, sobre as quantias referidas em i) a vii) à taxa atualmente fixada em 4% (quatro por cento) nos termos do art.º 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril;


(ix) Condenar a Ré a pagar-lhes os juros moratórios que se vençam sobre as quantias referidas em i) a vii), às taxas que venham a ser sucessivamente fixadas, contabilizados da citação da Ré e até ao momento em que se verifique o efetivo e integral pagamento.


Para fundamentar a sua pretensão invocaram o incumprimento definitivo da ré do contrato de empreitada que celebraram, por abandono da obra, pretendendo ser ressarcidos dos danos patrimoniais e não patrimoniais que lhes foram causados.


Citada, a Ré contestou impugnando a generalidade dos factos alegados e concluindo pela improcedência do pedido e pela condenação dos Autores como litigantes de má-fé, em multa de 4 UC´s, deduzindo, ainda, reconvenção através da qual peticionou a condenação dos Autores no pagamento do montante de € 92.065,00 (noventa e dois mil e sessenta e cinco euros), acrescidos de juros taxa legal, desde a notificação da reconvenção, até ao efetivo pagamento.


Para fundamentar a sua pretensão invocou a inexistência de fundamento para a resolução do contrato de empreitada, assistindo-lhe o direito ao recebimento do remanescente do preço acordado.


Os Autores apresentaram réplica na qual concluiram pela improcedência do pedido reconvencional e do pedido de condenação como litigantes de má-fé.


Foi realizada audiência prévia, proferido despacho saneador, fixado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova, não tendo sido apresentada reclamação, agendando-se a audiência final, que se realizou tendo subsequentemente sido proferida sentença que contem o seguinte dispositivo:


V- Decisão


Pelo exposto, ao abrigo das citadas disposições legais, o Tribunal decide:

A. julgar a presente ação improcedente, por não provada, e, em consequência, absolver a ré do pedido;


B) julgar a reconvenção improcedente, por não provada, e, em consequência, absolver os autores do pedido;


C) julgar o pedido de condenação como litigantes de má-fé improcedente, por não provado, e, em consequência, absolver os autores do pedido.


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Custas da ação pelos autores e da reconvenção pela ré (art.º 527.º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil).


Custas do incidente de litigância de má-fé pela ré, com taxa de justiça fixada no mínimo (art.º 7.º, n.º 4 do Regulamento das Custas Processuais).


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Inconformada veio a Ré-Reconvinte apresentar requerimento de recurso para este Tribunal da Relação, nele exarando as seguintes conclusões:


“III - CONCLUSÕES


A) Na decisão ora em questão, existe contradição entre a decisão do Tribunal ad quem, no que tange à qualificação da extinção do contrato de empreitada celebrada entre a recorrente e os recorridos. Por um lado, o Tribunal dá por provado:


B) Os recorridos não interpelaram a recorrente para concluir os trabalhos num determinado tempo. Não ficou provado ter a recorrente em 17.04.2023 deixados os trabalhos sem tal ter comunicado aos recorridos (v. al. d) dos factos não provados. A recorrente não abandonou a obra, a qual não apresentavam prolongado incumprimento, tempo, aliás que a douta sentença não fundamenta nem estima, nomeadamente, naquela fase já de acabamentos, o que claramente aponta para a qualificação da extinção do contrato como de resolução por incumprimento. Porém, por outro lado:


C) O Tribunal considerou que o atraso no cumprimento da empreitada foi consequência do desinteresse dos recorridos na execução do contrato de empreitada;


D) E, que a recorrida em comunicação de 21-05-2023 aceitou tal decisão dos recorridos, para tal procedendo ao cancelamento do alvará e seguros, combinando a retirada das ferramentas e a entrega do Livro de Obra, assim propalando, contraditoriamente, que se tratou de uma revogação amigável do dito contrato;


E) A recorrente entende que se tratou de uma resolução unilateral, em claro arrepio da lei, nomeadamente, do Artigo 801.º n.ºs 1 e 2 do CCivil, assim alicerçando esta alegação, nos factos provados e não provados, já mencionados em “B” supra;


F) Já quanto à considerada extinção contratual por revogação amigável, a recorrente entende que não existiu convergência de vontades na revogação, a contrario do que considerou a douta decisão;


G) A recorrida entende que foi compelida a aceitar a extinção do vínculo contratual, porque após ter sido impedida de entrar na obra e lhe terem sido retidas as suas ferramentas, não havia mais condições de bom


relacionamento com os recorridos;


H) Porém, não desistiu do pagamento do remanescente do preço do contrato de empreitada por parte dos recorridos, já que no seu articulado contestatório (Artigo 101.º) alegou ter retido o Livro de Obra, reivindicando o exercício do direito à excepção de não cumprimento, consignado no Artigo 428.º do CCivil, até ser pago pela quantia supra mencionada, assim exprimindo a sua oposição à alegada revogação, facto que o Tribunal ad quem não apreciou;


I) Não existindo qualquer interesse juridicamente e objectivamente relevante da parte dos recorridos para rescindirem o contrato em apreço.


J) Por tudo quanto supra se alegou:- sempre com o devido respeito e salvo melhor opinião, a douta sentença é omissa como contraditória nos termos em que decide.


Neste termos, nos melhores de direito e com o sempre mui douto e avisado suprimento de Vossas Excelências, deve a decisão do Tribunal de 1.ª instância ser alterada, conduzindo à condenação dos recorridos a pagarem à aqui recorrente a quantia de € 92.065,00 (noventa e dois mil e sessenta e cinco euros) correspondente ao valor do remanescente do contrato de empreitada ainda não pagos, acrescidos de juros à taxa legal e demais despesas e taxas, notificando-se por fim os recorridos para, querendo, contra alegarem.


Como sempre, farão Vossas Excelências serena e objectiva J U S T I Ç A.”


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Os Autores-Reconvindos responderam ao recurso e requereram a ampliação do objeto do recurso, nos termos do artigo 636.º do Código de Processo Civil terminando a resposta concluindo do seguinte modo:


“III – DAS CONCLUSÕES


a. Em 02.08.2022 a ré elaborou e remeteu aos autores, que aceitaram, um orçamento para a prestação de serviços de construção de moradia unifamiliar, no prédio urbano referido em 1. (cf. doc. 3 junto com a petição, cujo teor se dá por reproduzido).


b. Ficou acordado o preço de mão de obra e materiais no valor de € 193.750,00 (cento e noventa e três mil setecentos e cinquenta euros), acrescido de IVA à taxa legal em vigor e o prazo de execução dos trabalhos de 12 (doze) meses, com início em abril de 2022 e termo em abril de 2023.


c. O preço foi ajustado para € 198.350,00 (cento e noventa e oito mil trezentos e cinquenta euros), acrescido de IVA à taxa legal em vigor, para abranger a execução do poço e da piscina.


d. Ficou acordado que o pagamento do preço seria realizado faseadamente mediante a comprovação da realização de partes/fases especificadas dos trabalhos.


e. Em 01.04.2022 a ré emitiu documento denominado “declaração da entidade executante”, no qual assumiu a qualidade e responsabilidade de entidade executante da obra e declarou que nos termos contratualmente estabelecidos, o início dos trabalhos estava previsto para o início do mês de abril de 2022 e a respetiva conclusão para o mês de abril de 2023 (cf. doc. 6 junto com a petição, cujo teor se dá por reproduzido).


f. Os trabalhos tiveram início em 21.03.2022 com as escavações, correndo os seus trâmites o respetivo processo de obras particulares n.º 01/2021/76, na Câmara Municipal de ... (cf. livro de obra com cópia apensa, cujo teor se dá por reproduzido).


g. Entre 12.04.2022 e 30.05.2023 os autores realizaram pagamentos à ré no valor global de € 158.100,00 (cento e cinquenta e oito mil e cem euros) (cf. docs. 8 a 14 juntos com a petição, cujo teor se dá por reproduzido).


h. Não obstante o ora exposto, sucede que no final do mês de dezembro de 2022 não se encontram concluídos trabalhos de alvenaria, cobertura, instalações (redes gerais), cantarias e serralharias, guarnecimento de vãos e pinturas e acabamentos diversos, nem iniciados os revestimentos de pavimentos, ao arrepio de mais de 79% do valor da empreitada pago pelos Autores, aqui Recorridos.


i. Ora, considerando que a execução da empreitada se encontrava, desde há muito, cfr. aliás abundantemente contextualizado em sede de audiência de julgamento, estagnada, vieram os Autores, aqui Recorridos, em 05.06.2023 e em 04.07.2023 remeter cartas, por correio registo com aviso de receção para a sede social da ré, as quais não foram reclamadas, nas quais comunicavam o incumprimento definitivo contratual por


facto imputável à ré [aqui Recorrente] e a resolução contratual.


j. A existência [o que não se concebe!] em Maio de 2023, em contexto de obra, de uma “máquina de projectar, ferramentas, máquina de azulejo e extensões” [cfr. depoimento de DD, representante legal da Autora, ora Recorrente, realizada em sede de audiência de julgamento em 18/06/2024, a partir de 08.30 minuto], não faz alegação [e insuficiente prova] de que nesta altura a Ré ainda executava trabalhos por conta da empreitada dos Autores.


k. Ao arrepio da matéria dada como provada e não provada pelo Tribunal a quo, em 21/05/2023, a Ré, ora Recorrente, procede ao cancelamento do alvará e seguros junto da Câmara Municipal de ....


l. A partir das circunstâncias de tempo aqui descritas – 21/05/2023 –, a Ré, ora Recorrente, não mais executou qualquer obra de construção por conta da empreitada em mérito.


m. Sucede que, aliás, cfr. ponto 26 da matéria provada, em 06/07/2023 o estado e progresso da obra de construção situava-se em 63,65%.


n. Os Autores, ora Recorridos, realizaram pagamentos à ré [aqui Recorrente] no valor global de € 158.100,00 (cento e cinquenta e oito mil e cem euros), por conta da uma empreitada que, chave na mão, teria um custo expressamente acordado de 193.750,00€ (cento e noventa e três mil setecentos e cinquenta euros).


o. Ao contrário do que vem afirmando a Recorrente, o atraso no cumprimento da empreitada deve-se, directa, necessária e exclusivamente à inércia de quem estava contratualmente vinculado à sua realização, i. e., a Ré, aqui Recorrente, tendo recebido a quantia de € 158.100,00 (cento e cinquenta e oito mil e cem euros), por conta do preço acordado pelas Partes.


p. A Ré, ora Recorrente, procedeu ao cancelamento do alvará e seguros junto da Câmara Municipal de ..., deixando, pelo menos, nesta data de realizar qualquer execução da obra.


q. Em 25/05/2023, a Ré, ora Recorrente, endereça uma comunicação prestando expressa e inequívoca concordância à cessação do vinculo contratual, cfr. doc. 35 junto com a petição inicial, por conseguinte não subsite razão à Recorrente ao alegar que a extinção do vinculo contratual se operou de forma unilateral pelos Autores.


r. No final do mês de dezembro de 2022 não se encontram concluídos trabalhos de alvenaria, cobertura, instalações (redes gerais), cantarias e serralharias, guarnecimento de vãos e pinturas e acabamentos diversos, nem iniciados os revestimentos de pavimentos.


s. Em 06/07/2023 o estado e progresso da obra de construção situava-se em 63,65%, nunca tendo a Ré executado a obra a que contratualmente se vinculou.


t. A Ré, aceitou a cessação do vínculo contratual, ao ter expressamente prestado a sua concordância, ao ter cancelado o alvará e seguros junto da Câmara Municipal de ... e, bem assim, ao ter recolhido todos os escritos, artefactos e equipamento que tinha em contexto de obra, não mais tendo executado qualquer trabalho por conta da empreitada, o que alias é manifestamente inequívoco atento ao


teor da comunicação remetida pelo legal representante da Ré aos Autores, datada de 21.05.2023.


u. O legal representante da Ré afirmou expressamente, quando cessou a relação contratual, não existiam pagamentos em falta para os trabalhos realizados pelos Autores, ora Recorridos.


v. Não subsiste qualquer razão contratual e juridicamente relevante para a Ré, ora Recorrente, vir reivindicar o pagamento dos Autores da quantia de € 92.065,00 (noventa e dois mil e sessenta e cinco euros), referente ao remanescente do valor do contrato de empreitada [que sublinhe-se: não executou!]


w. Não subsistem duvidas que a ruptura da relação contratual apenas se pode ter ficado a dever ao comportamento reiterado da Ré, ora Recorrente, atento e sopesando o incumprimento abundante do prazo para a conclusão dos trabalhos de execução, alias, cfr. decorre do ponto 15 da matéria provada [15- Entre final de dezembro de 2022 e março de 2023 os trabalhos decorreram com lentidão, com a presença de entre um a três trabalhadores, existindo dias em que nenhum aparecia.] (sublinhado e negrito nosso!)


x. Em março de 2023 os Autores, ora Recorridos solicitaram a realização de uma reunião com a Ré para que informasse sobre o prazo previsível para a conclusão das obras, atento que o prazo de execução da obra terminaria em abril de 2023 e naquela data a obra não estava sequer próxima da sua conclusão e na qual os Autores, ora Recorridos exortaram a Ré, aqui Recorrente para a conclusão da obra, tendo a mesma recusado


oferecer uma data para a conclusão da obra.


y. Os Autores, em 05.06.2023 e em 04.07.2023 remeteram cartas, por correio registo com aviso de receção para a sede social da Ré, ora Recorrente, nas quais comunicavam o incumprimento definitivo contratual por facto imputável à Ré e a resolução contratual do contrato de empreitada.


z. Existe uma manifesta contradição entre a matéria provada, a fundamentação da decisão de facto e o dispositivo da Sentença proferida, na medida em que a Ré, ora Recorrente, recebeu € 158.100,00 (cento e cinquenta e oito mil e cem euros), por conta do preço acordado pelas Partes que se fixou em 193.750,00€ (cento e noventa e três mil setecentos e cinquenta euros), quando o estado e progresso da obra de construção em 06/07/2023 se situava em 63,65%.


aa. Os Autores, ora Recorridos, em 06/07/2024 já teriam custeado, pelo menos 79,70% do custo da obra, ao arrepio do estado e progressos da mesma que naquelas circunstâncias de tempo se situava nos 63,65%, o que equivale a dizer que atento ao estado e progresso da obra, os Autores, ora Recorridos custearam a mais a quantia de 31.850,22€ (trinta e um mil oitocentos e cinquenta euros e vinte e dois cêntimos) – [158.100,00€ (valor custeado pelos Autores) - 126.249,78€ (valor correspondente a 63,65% da execução da obra) = 31.850,22€ (excedente pago pelos Autores à Ré)].


bb. A Ré, ora Recorrente deverá ser condenada a restituir os Autores, ora Recorridos na quantia de, pelo menos, 31.850,22€ (trinta e um mil oitocentos e cinquenta euros e vinte e dois cêntimos) – [158.100,00€ (valor custeado pelos Autores) - 126.249,78€ (valor correspondente a 63,65% da execução da obra) = 31.850,22€ (excedente pago pelos Autores à Ré)], nos termos do disposto no artigo 636.º do Código do Processo Civil.


DEVE, POIS, IMPROCEDER O PRESENTE RECURSO INTERPOSTO PELA RÉ. SEM PREJUÍZO DEVE SER DADO PROVIMENTO AO REQUERIDO PELOS AUTORES E, EM CONSEQUÊNCIA, DISSO:


A) SER ALTERADA A DECISÃO DO TRIBUNAL DE 1.ª INSTÂNCIA, CONDENANDO A RÉ, AQUI


RECORRENTE A RESTITUIR OS AUTORES, AQUI RECORRIDOS, NA QUANTIA DE 31.850,22€,


CORRESPONDENTE AO EXCEDENTE PAGO PELOS RECORRIDOS À RECORRENTE, NOS TERMOS DO


DISPOSTO NO ARTIGO 636.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.”


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A Ré-Reconvinte não respondeu à requerida ampliação do âmbito do recurso.


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O recurso foi recebido na 1ª Instância como apelação, a subir de imediato, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.


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O recurso é o próprio e foi correctamente admitido quanto ao modo de subida e efeito fixado.


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Correram Vistos.


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II – QUESTÕES OBJECTO DO RECURSO


Nos termos do disposto no artigo 635º, nº 4, conjugado com o artigo 639º, nº1, ambos do Código de Processo Civil (doravante apenas CPC), o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recurso, salvo no que concerne à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas pertinentes ao caso concreto e quando se trate de matérias de conhecimento oficioso que possam ser decididas com base em elementos constantes do processo, pelo que integram o objecto do recurso as seguintes questões:


1-Existência de alegadas contradições e omissões na sentença recorrida;


2-Da requerida ampliação do âmbito do recurso.


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III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO


Consta do segmento da sentença recorrida atinente à fundamentação de facto o seguinte:


Factos Provados


1- Os autores são donos e legítimos proprietários do prédio urbano, composto por parcela de terreno para construção de uma moradia unifamiliar de 2 pisos e cave destinada a arrumos, denominado Lote 34, sito na ..., em ..., inscrito na matriz predial urbana sob o art.º n.º 8103, da freguesia e concelho de ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º 2960 (cf. docs 1 e 2 juntos com a petição, cujo teor se dá por reproduzido).


2- A ré é uma sociedade comercial unipessoal por quotas que se dedica à indústria de construção civil, construção geral de edifícios e engenharia civil, com o alvará n.º 69193.


3- Em 02.08.2022 a ré elaborou e remeteu aos autores, que aceitaram, um orçamento para a prestação de serviços de construção de moradia unifamiliar, no prédio urbano referido em 1. (cf. doc 3 junto com a petição, cujo teor se dá por reproduzido).


4- Ficou acordado o preço de mão de obra e materiais no valor de € 193.750,00 (cento e noventa e três mil setecentos e cinquenta euros), acrescido de IVA à taxa legal em vigor e o prazo de execução dos trabalhos de 12 (doze) meses, com início em abril de 2022 e termo em abril de 2023.


5- O preço foi ajustado para € 198.350,00 (cento e noventa e oito mil trezentos e cinquenta euros), acrescido de IVA à taxa legal em vigor, para abranger a execução do poço e da piscina.


6- Ficou acordado que o pagamento do preço seria realizado faseadamente mediante a comprovação da realização de partes/fases especificadas dos trabalhos.


7- Em 18.02.2022 os autores entregaram na Câmara Municipal de ... requerimento de licenciamento de obras de edificação – projeto de arquitetura e projetos de especialidade (cf. doc 5 junto com a petição, cujo teor se dá por reproduzido).


8- Em 01.04.2022 a ré emitiu documento denominado “declaração da entidade executante”, no qual assumiu a qualidade e responsabilidade de entidade executante da obra e declarou que nos termos contratualmente estabelecidos, o início dos trabalhos estava previsto para o início do mês de abril de 2022 e a respetiva conclusão para o mês de abril de 2023 (cf. doc 6 junto com a petição, cujo teor se dá por reproduzido).


9- Os trabalhos tiveram início em 21.03.2022 com as escavações, correndo os seus trâmites o respetivo processo de obras particulares n.º 01/2021/76, na Câmara Municipal de ... (cf. livro de obra com cópia apensa, cujo teor se dá por reproduzido).


10- A ré acordou a prestação de serviço de direção técnica da obra com a arquiteta EE (cf. doc 7 junto com a petição, cujo teor se dá por reproduzido).


11- Entre 12.04.2022 e 30.05.2023 os autores realizaram pagamentos à ré no valor global de € 158.100,00 (cento e cinquenta e oito mil e cem euros) (cf. docs 8 a 14 juntos com a petição, cujo teor se dá por reproduzido).


12- Entre 12.04.2022 e 30.05.2023 a ré emitiu faturas no valor global de € 123.000,00 (cento e vinte e três mil euros) e em 01.05.2024 emitiu faturas no valor global de € 35.100,00 (cf. doc 15 junto com a petição e a fls.185 a 186, cujo teor se dá por reproduzido).


13- Os autores realizaram pagamentos faseados nos montantes exigidos pela ré, os últimos dos quais por temerem a interrupção dos trabalhos.


14- No final do mês de dezembro de 2022 não se encontram concluídos trabalhos de alvenaria, cobertura, instalações (redes gerais), cantarias e serralharias, guarnecimento de vãos e pinturas e acabamentos diversos, nem iniciados os revestimentos de pavimentos.


15- Entre final de dezembro de 2022 e março de 2023 os trabalhos decorreram com lentidão, com a presença de entre um a três trabalhadores, existindo dias em que nenhum aparecia.


16- Em março de 2023 os autores solicitaram a realização de uma reunião com a ré para que informasse sobre o prazo previsível para a conclusão das obras.


17- A ré nessa reunião não lhes indicou um prazo previsível para conclusão dos trabalhos.


18- Em 18.05.2023 os autores remeteram à ré uma comunicação eletrónica na qual informaram que não pretendiam que continuasse quaisquer trabalhos na obra, solicitando a marcação de uma hora nos cinco dias úteis seguintes para recolher as suas ferramentas e a entrega do livro de obra (cf. doc 29 junto com a petição, cujo teor se dá por reproduzido).


19- Nem antes nem depois dessa data os autores interpelaram a ré para concluir os trabalhos num determinado prazo.


20- Na data referida em 18 a ré mantinha materiais, máquinas e colaboradores na execução dos trabalhos.


21- Em 21.05.2023 a ré, em resposta à comunicação referida em 18, comunicou aos autores concordar depois da reunião familiar que havia falta de confiança e que iria dar entrada ao cancelamento do alvará e seguros, na Câmara Municipal como os restantes documentos (cf. doc 35 junto com a petição, cujo teor se dá por reproduzido).


22- Em 22.05.2023 os autores, em resposta, comunicaram à ré sugerir a 3ª feira às 16h00 para retirada das suas ferramentas e entrega do livro de obra (cf. doc 35 junto com a petição, cujo teor se dá por reproduzido).


23- Em 05.06.2023 e em 04.07.2023 os autores remeteram cartas, por correio registo com aviso de receção para a sede social da ré, as quais não foram reclamadas, nas quais comunicavam o incumprimento definitivo contratual por facto imputável à ré e a resolução contratual (cf. docs 30 e 31 juntos com a petição, cujo teor se dá por reproduzido).


24- Em 10.08.2023 a ré foi notificada judicialmente da pretensão dos autores (cf. doc 32 junto com a petição, cujo teor se dá por reproduzido).


25- Entre novembro de 2022 e setembro de 2023 os autores adquiriram materiais diversos como equipamentos de instalação elétrica, no valor de € 2.895,42, pavimento(s), azulejos, estores, bases de duche e massa de juntas, no valor total de € 13.964,25, porta de entrada, no valor de € 2.132,27, vão térmico, no valor global de € 3.354,21, autoclismos e suportes, no valor de € 749,56, materiais diversos, no valor de € 1.349,27, massa de juntas, no valor global de € 142,50, janelas, no valor de € 6.642,00,; sanitários e móveis WC, no valor de € 1.634,32, rebordo de piscina, no valor de € 844,71 e material de piscina diverso, no valor de € 629,55 (cf. docs 17 a 27 juntos com a petição, cujo teor se dá por reproduzido).


26- Os autores solicitaram a elaboração de relatório por parte do Engenheiro FF, no qual se refere que em 06.07.2023 o estado e progresso da obra de construção situava-se em 63,65% (cf. doc 33 junto com a petição, cujo teor se dá por reproduzido).


27- Para a conclusão da construção da moradia os autores contrataram a sociedade Solares & Cruz, Lda. e em 29.06.2023 foram notificados do ofício de substituição do empreiteiro e diretor de obra (cf. doc 37 junto com a petição, cujo teor se dá por reproduzido).


28- Em 09.03.2023 e em 04.09.2023 os autores solicitaram a prorrogação do prazo para execução dos trabalhos, suportando o valor global de € 975,50 (cf. docs 38 e 39 juntos com a petição, cujo teor se dá por reproduzido).


29- Devido ao atraso na conclusão dos trabalhos os autores sofreram desgaste, preocupação, angustia, tristeza, nervosismo, ansiedade e stress.


30- A autora CC é seguida no Centro Hospitalar Universitário do ... desde 23.05.2023 e ficou impossibilitada para o exercício da sua atividade profissional desde 02.06.2023 até pelo menos 23.07.2023 (cf. docs 42 a 44 juntos com a petição, cujo teor se dá por reproduzido).


Factos Não Provados


Não se deixaram de provar, com relevo para a decisão, os seguintes factos:


a) o prazo de 12 meses para a conclusão da execução dos trabalhos era essencial para os autores, o que foi transmitido à ré;


b) a aquisição das matérias-primas, equipamentos e materiais de construção referidos em 25 constituía encargo da ré;


c) os autores pagaram o valor de €7.380,0 relativo à instalação dos tetos falsos;


d) em 17.04.2023 a ré deixou de executar os trabalhos de construção da moradia sem dar qualquer justificação aos autores;


e) a ré não aceitou reunir com os autores e não lhes prestou qualquer informação acerca do estado e progresso dos trabalhos;


f) devido ao atraso da ré os autores deixaram de arrendar o imóvel sito na ... - R/C F, ... ..., de que são proprietários, por um período de pelo menos 180 (cento e oitenta) dias;


g) continuando a suportar uma prestação com o mútuo hipotecário constituído a favor do Novo Banco no valor de € 900,00 mensais;


h) atentas às características, tipologia, localização e áreas o preço da renda desse imóvel é de pelo menos € 500,00 (quinhentos euros) mensais;


i) devido à conduta da ré os autores suportaram o valor de € 341,15 relativo a consultas, episódios de urgência e despesas médicas no período de baixa médica da autora CC;


j) as intromissões do autor no local e as trocas de materiais que havia acordado provocaram atrasos nos trabalhos;


k) os autores não escolheram os azulejos, pavimentos e equipamentos em prazo e atrasaram-se nos pagamentos à ré;


l) os colaboradores da ré apenas se ausentaram da obra para intervir como testemunhas no âmbito do processo n.º1661/22.5... por duas vezes;


m) a ré mantinha interesse em continuar os trabalhos.


*


Não se efetua qualquer referência ao demais alegado nos articulados que constitua matéria de direito, mera impugnação, alusões genéricas ou de carácter conclusivo/hipotético, nem factos irrelevantes para a decisão a proferir, atendendo aos pedidos formulados.


*


IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO


1-Existência de alegada contradição e omissão na sentença recorrida.


Sustenta a Apelante DD Construções, Sociedade Unipessoal, Lda.", nas conclusões recursivas que a “douta sentença é omissa e contraditória nos termos em que decide” argumentando que “existe contradição no que tange à qualificação da extinção do contrato de empreitada” e omissão por ter “reivindicado o exercício do direito à escepção de não cumprimento consignado no artigo 428.º do CCivil” e o Tribunal recorrido não ter apreciado tal questão.


Em primeiro lugar impõe-se deixar claro que não tendo sido suscitada no recurso da Apelante impugnação da decisão relativa à matéria de facto discriminada na sentença recorrida a mesma consolidou-se devendo as questões jurídicas pertinentes ao caso serem apreciadas a partir dos factos julgados como provados.


Por outro lado, embora não mencione as normas correspondentes aos vícios em apreço, nem retire de tal as devidas consequências jurídicas, o certo é que ao apontar à sentença recorrida os vícios de contradição e omissão a Apelante parece estar a chamar à colação patologias muito específicas que podem atingir a sentença.


Com efeito, decorre do artigo 615º, nº 1, do CPC que:


É nula a sentença quando:


[ …]


“c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível“


d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento“ (Itálico em negrito nosso).


Relativamente a 1ª parte da alínea c) diz-nos António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luis Filipe Sousa, (“Código de Processo Civil Anotado, Vol I”, Almedina, 2020- 2ª edição actualizada), em anotação ao referido artigo, (pág. 763, in fine), que:


“A nulidade a que se reporta a 1ª parte da al. c) ocorre quando existe incompatibilidade entre os fundamentos e a decisão, ou seja, quando a fundamentação aponta num sentido que contradiz o resultado final. Situação que, sendo violadora do chamado silogismo judiciário, em que as premissas devem condizer com a conclusão, também não se confunde com um eventual erro de julgamento, que se verifica quando o juiz decide contrariamente aos factos apurados ou contra norma jurídica que lhe impõe uma solução jurídica diferente“


Sufragando esta perspectiva surge-nos o acórdão proferido pelo STJ em 03/02/2011 (Proc. 1045/04.7TBALQ.L1.S1), acessível para consulta em www.dgsi.pt, o qual refere que:


“A nulidade por contradição entre a fundamentação e a decisão supõe um vicio intrínseco à sua própria lógica, traduzido em a fundamentação em que se apoia não poder suportar o sentido da decisão que vem a ser proferida“.


Na mesma linha de orientação (adoptada, aliás, pacificamente noutros arestos do mesmo Tribunal), destacamos, ainda, o acórdão proferido pelo STJ de 14/06/2011 (Proc. 214/10.5YRLSB.S1), acessível in “ Sumários “, 2011, pág. 501, ao sustentar que:


“A nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão, na acepção da existência de uma contradição real entre os fundamentos e a respectiva parte dispositiva, acontece quando os fundamentos referidos pelo juiz conduziriam, necessariamente , a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente, mas não já quando se verifica uma errada subsunção dos factos à norma jurídica aplicável, nem, tão pouco, quando se verifica uma errada interpretação da mesma, situações essas que configuram antes um erro de julgamento.“


.[…]


No tocante à nulidade prevista na alínea d), do n.º 1, do aludido artigo 615º, do CPC, concretamente a chamada “Omissão de pronúncia“, a que alude a primeira parte da dita alínea, diz-nos António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa, na obra acima citada, ainda em anotação ao mencionado artigo (pág. 764), que a omissão de pronúncia afere-se “seja quanto às questões suscitadas, seja quanto à apreciação de alguma pretensão.


E acrescentam ainda que “[…]o dever de decidir tem por referência as questões suscitadas e bem assim as questões de conhecimento oficioso“, não obrigando, todavia, “[…]a que se incida sobre todos os argumentos, pois que estes não se confundem com « questões » […].“


Neste sentido, saliente-se, entre vários outros, os acórdãos do STJ de 27/03/2014, proferido no Processo 555/2002 e de 08/02/2011, proferido no processo nº 842/04TBTMR.C1.S1 (ambos acessíveis para consulta in www.dgsi.pt).


Neste último aresto de 08/02/2011 decidiu-se de forma bastante clara o seguinte:


Não há que confundir as questões colocadas pelas partes com os argumentos ou razões que estas esgrimem em ordem à decisão dessas questões em determinado sentido: as questões submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as excepções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio. Coisa diferente são os argumentos, as razões jurídicas alegadas pelas partes em defesa dos seus pontos de vista, que não constituem questões…”.


E acrescenta-se ainda no dito acórdão que “Se na apreciação de qualquer questão submetida ao conhecimento do julgador este não se pronuncia sobre algum ou alguns dos argumentos invocados pelas partes, tal omissão não constitui qualquer nulidade da decisão por falta de pronúncia.“


Importa ainda acrescentar que a omissão de pronúncia se afere pelo confronto com a norma prevista no n.º 2, do artigo 608.º, do CPC, que estatui o seguinte:


“2. O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”


Regressemos ao caso concreto, começando por aferir se o Tribunal recorrido deixou de se pronunciar sobre questão que deveria ter apreciado, designadamente sobre a alegada excepção de não cumprimento prevista no artigo 428.º do Código Civil.


Se analisarmos os articulados contidos nos autos verificamos que na respectiva contestação apresentada em 27/11/2023 a Apelante referiu no artigo 101.º de tal articulado o seguinte:


101.º


Quanto à entrega do Livro de Obra aos AA, a Ré declara não o entregar porque reivindica a excepção de não cumprimento (Cfr. o Artigo 428.º do CCivil), já que os AA após a rescisão nunca acertaram as contas com a Ré, e como rescindiram ao arrepio da lei, existe incumprimento definitivo dos AA (Cfr. Artigo 798 do CCivil), e a Ré reivindica o pagamento do valor remanescente da empreitada, mais justa indemnização.”


Na réplica que apresentaram a 30/01/2024 os Apelados responderam a tal questão, designadamente nos artigos 22.º e seguintes de tal articulado.


Na acta de audiência prévia realizada em 14/03/2024 foi identificado o objecto do litigio e foram enunciados os temas da prova, que não receberam reclamação de qualquer das Partes, sendo que do segundo parágrafo do identificado objecto do litigio, assim como dos pontos 2- a 5- dos temas de prova, retira-se que o Tribunal recorrido não deixou de atender à matéria que a Apelante aludiu no artigo 101.º da sua contestação.


Por seu turno, da leitura do segmento da sentença recorrida respeitante à “Fundamentação de Direito” percebemos que a solução adoptada na sentença recorrida por parte do Tribunal a quo, consubstanciada na extinção do contrato de empreitada com base em revogação do mesmo acordada entre as Partes, determinou que ficasse prejudicada a apreciação de determinadas questões, mormente a aludida excepção de não cumprimento do contrato suscitada pela Apelante na sua contestação.


Percebemos isso designadamente pela leitura dos seguintes excertos insertos em tal segmento da sentença, que nos permitimos, desde já, reproduzir:


“Concluímos, pois, que o que existiu foi uma revogação do contrato de empreitada e que, por isso, não estamos numa situação respeitante ao seu incumprimento.”


[…]


Como vimos, a revogação, salvo se expressamente regulado, não tem eficácia retroativa mas apenas eficácia para o futuro.


É isto o que resulta da eficácia extintiva do contrato; sendo este o objetivo primeiro da revogação, figura que, note-se, não está regulada em termos gerais, mas que se aproxima da resolução do ponto de vista do efeito jurídico produzido.


Assim, devem aplicar-se as regras da anulação do negócio (art.º 289.º, n.º 1), por força do disposto no art.º 433.º, ambos do Código Civil.


Donde, entendemos, a ré não terá direito ao recebimento do remanescente do preço, por se considerar liquidado pelos autores tudo quanto havia sido executado.” (Realce em itálico nosso)


Decorre expresso do artigo 608.º, n.º 2, 1.ª parte, do CPC, queO juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.”


Assim e atendendo ao que ficou acima exposto concluímos que o Tribunal a quo não incorreu em omissão de pronúncia relativamente à questão da alegada “excepção de não cumprimento” suscitada pela Apelante, a qual apenas faria sentido ser apreciada caso o Tribunal a quo na apreciação realizada na sentença tivesse posicionado a solução do pleito no âmbito do não cumprimento contratual, o que, conforme vimos, não foi o caso.


Defende ainda a Apelante que a sentença é contraditória nos termos em que decide.


Conforme percebemos do excurso doutrinário e jurisprudencial acima exposto relativamente à previsão constante da 1.ª parte, da alínea c), do n.º 1, do artigo 615.º, do CPC, a oposição releva caso se verifique entre fundamentos e decisão.


Ora tendo na sentença recorrida o Tribunal a quo concluído pela extinção do contrato de empreitada com base em revogação do mesmo assente em mutuo acordo das Partes não se vislumbra qualquer contradição relativamente à decisão que plasmou no dispositivo da sentença, mormente nas alíneas A) e B) desse segmento da mesma.


Saindo, então, por ora, do âmbito de apreciação de possíveis vícios, que surpreendemos no recurso, susceptíveis de atacar a validade da sentença via nulidades da mesma, que, conforme percebemos, não se verificam, importa ainda dizer que perante a matéria de facto discriminada na sentença, que se consolidou por não ter sido apresentada impugnação da mesma no recurso da Apelante, também não descortinamos um eventual erro de julgamento, pois do cotejo da matéria factual descrita essencialmente sob os pontos 18- e 21- dos factos considerados como provados afigura-se acertada a subsunção à figura jurídica da revogação contratual por mutúo acordo entre Apelados e Apelante.


Na verdade, não decorre da matéria de facto provada na sentença recorrida o que a Apelante sustenta na alínea G) das suas conclusões recursivas, (impedimento de entrada na obra e retenção de ferramentas mormente antes da data de 21/05/2023), sendo certo que não pode a mesma retirar de factualidade considerada como não provada (cfr. referência constante da alínea E) das conclusões recursivas), fundamentos para sustentar a posição que pretende fazer vingar de que existiu in casu uma “resolução unilateral” manifestada pelos Apelados.


Na verdade, tal como decorre da sentença recorrida, a questão de eventual atraso no cumprimento passível de vir a constituir incumprimento contratual definitivo e/ou de resolução contratual sem observância prévia do regime previsto nos artigos 801.º, 804.º e 805.º, do Código Civil (doravante apenas CC), deixa de relevar no caso em apreço pela demonstração de que houve consenso entre as Partes no sentido de terminarem a ligação contratual que haviam estabelecido entre si manifestada pelos Apelados em 18/05/2023 e aceite pela Apelante na resposta enviada aos primeiros em 21/05/2023 não sendo concebível enquadrar o propósito de “cancelamento do alvará e seguros” com restante documentação, junto da Camara Municipal, noutro contexto que não seja o de aceitar terminar com a empreitada.


Aprofundando um pouco mais esta última questão, que respeita à revogação, ou seja à cessação por acordo entre as Partes, do contrato de empreitada anteriormente outorgado entre Apelante e Apelados, sempre se esclarecerá que perante a inequívoca vontade dos donos da obra de pôr termo ao contrato manifestada na missiva de 18.05.2023 , cremos que os comportamentos ulteriores da ré empreiteira - traduzidos na resposta que lhes deu em 21.5.2023 e no seu propósito de proceder ao cancelamento do alvará e seguros, na Câmara Municipal - são reveladores da sua anuência a essa cessação do contrato , o que é reforçado pela circunstância de, até ser demandada, não ter exigido quaisquer contrapartidas em consequência dessa decisão dos autores.


Invoca ainda a Apelante nas suas conclusões recursivas a inexistência de interesse juridicamente e objectivamente relevante da parte dos Apelados para rescindirem o contrato de empreitada.


Sem fazer menção à norma afigura-se-nos que a Apelante terá pretendido chamar a atenção para a norma prevista no n.º 2, do artigo 808.º, do CC, que previne o seguinte:


“2. A perda do interesse na prestação é apreciada objetivamente.”


Sucede que esta norma enquadra-se no âmbito da mora, ou da recusa de cumprimento da prestação geradora de incumprimento definitivo, não demonstradas nos autos, sendo certo que na sentença o Tribunal a quo aludiu a perda do interesse dos Apelados para efeito de revogação do contrato de empreitada, a qual, em face de factualidade já acima assinalada, conforme já demonstrado, foi aceite pela Apelante.


Como tal a exigência de apreciação objectiva não tem que se aplicar ao caso em apreço.


De todo o modo considerando a matéria de facto discriminada sob os pontos 14- a 17- do segmento da sentença recorrida respeitante aos factos provados afigura-se-nos que os Apelados tinham razões para perder o interesse na prestação da Apelante, na certeza, porém, sublinhe-se, que tais factos não necessitam, no caso em apreço, de passar pelo critério previsto no n.º 2 do artigo 808.º do CC.


Improcede, pois, na totalidade, a questão n.º 1 objecto do presente recurso, o que implica a manutenção da sentença recorrida no tocante ao decidido quanto ao pedido reconvencional, apenas não se acompanhando a sentença recorrida na parte em remete para o artigo 289.º, n.º 1 do CC, dado que este último refere expressamente que a anulação do negócio tem efeitos/eficácia retroactiva, não tendo no caso em apreço, como se alcança designadamente da factualidade considerada como provada descrita nos pontos 18- e 21- do acervo dos factos provados, resultado demonstrado ter sido convencionada entre as Partes tal retroactividade.


2- Da requerida ampliação do âmbito do recurso.


Requereram os Apelados na respectiva resposta ao recurso a alteração da decisão do tribunal recorrido condenando a Ré a restituir-lhes a quantia de €31.850,22 correspondente ao excesso pago por si à Apelante, nos termos do disposto no artigo 636.º do CPC.


A Apelante não respondeu a esta pretensão.


Vejamos o que dispõe o artigo em apreço epigrafado “Ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido”.


“1. No caso de pluralidade de fundamentos da ação ou da defesa, o tribunal de recurso conhece do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respetiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação.


2.Pode ainda o recorrido, na respetiva alegação e a titulo subsidiário, arguir a nulidade da sentença ou impugnar a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, não impugnados pelo recorrente, prevenindo a hipótese de procedência das questões por este suscitadas.


[…]”


Se atentarmos no descritivo constante das alíneas z. a bb. da resposta ao recurso dos Apelados percebemos que, embora sem qualificarem juridicamente como tal, parecem os mesmos querer imputar à sentença recorrida uma nulidade prevista concretamente na primeira parte da alínea c), do n.º 1, do artigo 615.º, do CPC, mostrando-se indubitável que a questão suscitada não se enquadra na previsão do n.º 1, do artigo 636.º do CPC, dado que os Apelados decaíram relativamente a todos os pedidos que formularam na petição inicial, pelo que apenas em sede de pretensão recursiva interposta por si poderiam os mesmos almejar a respectiva reapreciação.


Esta nulidade já foi objecto supra de abordagem quer pelo prisma doutrinário, quer no domínio jurisprudencial, aquando da análise do ponto anterior (ponto 1- do objecto do recurso), referente à pretensão recursiva da Apelante.


Sucede que a mesma apenas pode ser arguida a título subsidiário, ou seja com o fito de reforçar decisão que tenha sido favorável à parte recorrida ou para obviar à produção do efeito pretendido pelo recorrente (neste sentido ver anotação ao artigo 636.º “Código de Processo Civil Anotado, Vol I”, 2.ª edição atualizada, 2020, Almedina, pág. 790, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe de Sousa).


No caso em apreço a reconvenção improcedeu na totalidade tendo a Apelante decaído igualmente no recurso interposto desse segmento decisório da sentença recorrida o que necessariamente inviabiliza o conhecimento da ampliação do âmbito do recurso requerida pelos Apelados na respectiva resposta ao recurso da Apelante, que teria em vista obviar à eventual procedência do pedido reconvencional.


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V – DECISÃO


Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso de apelação independente interposto pela Apelante DD Construções, Sociedade Unipessoal, Lda." e em consequência decide-se:


A) Confirmar a sentença recorrida;


B) Fixar custas a cargo da Apelante, nos termos do disposto no artigo 527º, nº 1 e 2, do CPC


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Notifique e registe.


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ÉVORA, 13/02/2025,


(José António Moita-Relator)


(Maria João Sousa e Faro - 1.ª Adjunta)


(Sónia Moura - 2.ª Adjunta)