SERVIDÃO DE PASSAGEM
USUCAPIÃO
SERVIDÃO LEGAL
Sumário

Sumário:
Uma determinada realidade fáctica pode originar o reconhecimento de uma servidão de passagem por usucapião mas também pode levar à constituição de servidão legal de passagem em razão do encravamento de determinado prédio entre os vários prédios ali existentes e sem acesso à via pública.

Texto Integral

Processo: 538/20.3T8OLH.E1

ACÓRDÃO

I.RELATÓRIO


1. AA (em cujo lugar e por seu óbito, mais tarde, foram habilitados os seus filhos, BB e CC, também autores), DD e esposa, EE, FF e marido, GG, vêm intentar contra HH, ação declarativa com processo comum pedindo:


a) O reconhecimento do direito dos AA à existência de uma servidão de passagem entre o prédio urbano da Ré, inscrito sobre a matriz urbana com o artº 81 Secção BC e o prédio misto dos AA, inscrito na matriz predial rustica sob o artº 169 BC e matriz urbana com o artº 5041, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº 2326 da Freguesia de ..., constituída por usucapião e sobre o caminho que ali já existe e que permite a passagem dos mesmos;


b) A condenação dos Réus a retirarem o portão e a rede que veda o acesso à propriedade dos AA restabelecendo a situação que anteriormente existia;


c) A condenação dos Réus a pagar aos AA uma indemnização pelos danos e prejuízos causados aos AA, no valor de €10.000,00 (dez mil euros).


Alegam, para tanto, que:


Os AA. são co-proprietários de um prédio misto, com uma área total de 3.240m2, sito no ..., na freguesia de ..., concelho de ..., constituído por um urbano descrito na matriz urbana sob o nº 5041 e por um rustico inscrito na respetiva matriz predial rustica sob o artigo 169 Secção BC, descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o nº 2326/19881116.


Este prédio misto, foi adquirido por herança dos pais da A. II, e agora transmitido também aos seus filhos, os ora 2º e 3ª AA.


O referido prédio misto é constituído por uma casa térrea, existindo nas parcelas rusticas várias árvores de fruto, vinha, alfarrobeiras e possui um curso de água, conforme se comprova pelos documentos anteriormente juntos.


O prédio confronta a Norte, Nascente e Poente com JJ e a Sul com ribeiro.


Este prédio encontra-se na posse e propriedade da família dos AA. desde os seus ascendentes, portanto há mais de 50 anos que se utiliza o mesmo caminho de acesso à sua propriedade.


Caminho esse que é o único acesso de entrada e saída, em terra batida, bem visível e definido, com cerca de 3 m de largura.


Tanto mais que sempre foi por onde os seus antepassados e agora os AA entravam e saíam da sua propriedade.


Acontece que numa das deslocações do A. BB à sua propriedade, viu-se confrontado com a colocação pela Ré de um portão metálico e de uma rede a impedir a passagem para a sua propriedade.


Daí que por cartas registadas datadas de setembro de 2019 e depois em novembro de 2019 os AA escreveram à Ré para que a mesma retirasse o portão que estava a tapar o acesso de entrada ao caminho que os AA sempre utilizaram para entrar no seu prédio misto.


Contudo, o caminho/atravessadouro é utilizado desde sempre pelos AA e outros vizinhos tendo-se a Ré apropriado de uma faixa de terreno que sempre serviu de caminho e que não lhe pertence.


Assim, o prédio misto dos AA encontra-se encravado entre os vários prédios ali existentes, e sem acesso.


Com a agravante que este caminho é o único que existe para ter acesso á propriedade dos AA e que desde sempre foi o utilizado pelo pai da A. KK e pelo avô do BB e da KK.


Ou seja, há mais de 50 anos que este caminho é utilizado para dar passagem ao prédio misto propriedade dos AA.


Sendo que há mais de 6 meses que os AA. não conseguem entrar na sua propriedade, nem tratar das árvores que têm, nem apanhar as alfarrobas, nem limpar o terreno .


Este caminho é assim de terra batida, com cerca de 3m de largura, ladeado de postes de eletricidade, com iluminação e com tapas de ligação da água á rede.


Por outro lado, os AA ao não terem acesso á sua propriedade, foram impossibilitados de mandar limpar os terrenos, no cumprimento do Decreto-Lei nº 124/2006 de 18/06, com remissão para as alterações entretanto introduzidas pelo Lei nº 76/2017 de 17/08, que consagra a obrigatoriedade de limpar os terrenos junto à habitação .


Mais, devido ao comportamento da Ré estão os AA. impedidos de entrarem na sua casa, apanharem os frutos das árvores, de lavrar os terrenos e ainda de conseguirem limpar os mesmos de forma a evitar os incêndios de Verão.


Além disso, os AA tem alfarrobeiras, costumam apanhar e vender as alfarrobas estando impossibilitados de o fazer, estragando-se os frutos.


Toda esta situação causada pela Ré tem vindo a causar prejuízos patrimoniais aos AA, que assim perderam o produto da venda das alfarrobas, e que perfaz cerca de €5000 (cinco mil euros).


Acresce que, os AA tinham pessoas interessados na compra daquele prédio misto, mas com a colocação do portão e da rede pela Ré, acabaram por perder o valor do sinal e desistir do negócio.


Não tendo os AA condições para mostrar a outros compradores interessados a sua propriedade que agora se encontra encravada.


Portanto a Ré ao vedar o acesso á propriedade dos AA vem causar uma desvalorização da mesma para além de colocar em perigo a sua propriedade no caso de existir um incêndio.


2. Pessoal e regularmente citada, a Ré HH contestou, alegando que é casada com o titular do imóvel no regime de comunhão de adquiridos.


Mais referiu que o prédio rústico dos Autores não tem acesso à via pública pelo interior do prédio rústico da Ré (caminho de terra batida) mas sim por outro local a que têm acesso os Autores e outros titulares de prédios contíguos há largos anos.


Do próprio mapa cadastral junto aos autos é visível a existência de um caminho (lado poente do artigo rústico 166) de acesso à propriedade rustica dos Autores (artigo 169) assim como a outras.


Os Autores para eventualmente limparem a sua propriedade e colher os frutos (alfarrobas) podem deslocar-se à mesma como o fazem pelo caminho existente a poente.


Impugna também, em suma, o valor da produção anual de € 5.000,00 relativamente à apanha de alfarrobas invocado como prejuízo, bem como a desvalorização do terreno decorrente da colocação do portão e da rede.


Por requerimento de 14-09-2020, vieram os Autores deduzir incidente de intervenção de terceiros, requerendo o chamamento do cônjuge da ré LL, intervenção que foi admitida nos termos do despacho de 04-11-2020, ficando assim suprida a eventual ilegitimidade da aludida Ré.


Pessoal e regularmente citado, o Chamado/Réu MM declarou fazer sua a contestação da Ré.


3. Procedeu-se à realização da audiência final e foi, subsequentemente, proferida sentença que culminou com o seguinte dispositivo:


“Por todo o exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente e, em consequência:


A) Reconheço aos Autores o direito de passagem a favor do prédio misto propriedade dos Autores identificado no artigo 1º da pi (artigo 167 da secção BC) sobre o caminho existente a norte do referido prédio e que integra o prédio propriedade dos Réus (artigo 81 da Secção BC), com 3 metros de largura, percorrendo cerca de 91 metros de comprimento, com a configuração constante no mapa junto como doc. 5 da p.i. e aí delimitado a azul, com inicio no ponto A assinalado a verde até atingir o ponto B assinalado também a verde.


B) Condeno os Réus a retirarem o portão e a rede que veda o acesso à propriedade dos AA que colocaram no acesso á sua propriedade, de forma a manter-se completamente desimpedido o direito de passagem dos Autores sobre o aludido caminho em toda a sua extensão e bem assim a absterem-se no futuro de quaisquer actos que, por qualquer forma, perturbem ou impeçam o direito de passagem dos autores sobre o aludido caminho.


C) Condeno os Réus a pagarem aos Autores, a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos em consequência da colocação pelos Réus do portão e da rede a impedir a passagem dos Autores sobre o caminho referido em A), impedindo-os de entrarem na sua casa, apanharem os frutos das árvores (incluindo das alfarrobeiras) e de os vender, de lavrar os terrenos e ainda de conseguirem limpar os mesmos de forma a evitar os incêndios de Verão, uma quantia a liquidar em incidente de liquidação de sentença, nos termos do artigo 609º, nº 2, do CPC.


D) Absolvo os Réus do mais peticionado.”.


4. É desta sentença que recorre a Ré, formulando na sua apelação as seguintes “conclusões”:


I- A Mª Juiz do Tribunal “a quo”, não podia dar como provada a matéria dos artigos 1 a 4, 5, 6,, 7 e 8 e 16 dos factos provados da douta sentença ora recorrida, pois que, não resulta da prova testemunhal e documental produzida nos autos e em audiência de discussão e julgamento, que há mais de 50 anos, o acesso ao prédio dos AA tivesse sido feito a pé, ou de carro (veículo auto ou de animais) por um caminho existente no interior do prédio rústico dos RR – artº 81 da Secção BC da freguesia de ... do concelho de ..., com 3 metros de largura por 91 de comprimento e que tal,


II- Seja feito à vista de todos na convicção que o espaço em apreço se destine a passagem e acesso ao prédio rústico dos AA (artº 169 da Secção BC ...) e tal não consta no mapa cadastral do concelho de ..., elaborado e com vigência desde 1984 até ora.


III- Os recorrentes nunca poderiam ter adquirido por usucapião tal serventia, atendendo a que para a adquirir, os mesmos tinha de ter e manter a posse da mesma sem interrupções durante mais de 20 anos, o que não sucedeu.


IV- O Direito


Da nulidade da sentença


Invocam os recorrentes a nulidade da sentença recorrida, nos seguintes termos:


Pelo que, apresentando apenas fundamentação jurídica parca, obscura e omissa quanto a um eventual julgamento de facto e fundamentação de facto, padece de vício de falta de fundamentação, previsto no artº 615 nº 1 alínea b) do Código do Processo Civil e que determina a sua nulidade.


Dispõe o artº 615 do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “Causas de nulidade da sentença”.


1. É nula a sentença quando:


a) Não contenha a assinatura do juiz;


b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;


c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;


d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;


e) O juíz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido;


As nulidades previstas nas alíneas b) e c) reconduzem-se a vícios formais que respeitam à estrutura da sentença e as previstas nas alíneas d) e e) referem-se aos seus limites.


Repara-se que, como nos recorda o Supremo Tribunal de Justiça, em Acordão de 3/3/2021 (Leonor Rodrigues), disponível em www.dgsi.pt: Há que distinguir as nulidades da decisão do erro de julgamento seja de facto seja de direito. As nulidades da decisão reconduzem-se a vícios formais decorrentes de erro de actividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal;


Trata-se de vícios de formação ou actividade (referentes à inteligibilidade à estrutura ou aos limites da decisão) que afectam a regularidade do silogismo judiciário, da peça processual que é a decisão e que se mostram obstativos de qualquer pronunciamento de mérito, enquanto o erro de julgamento (error in judicando) que resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), de forma a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa, traduzindo-se numa apreciação da questão em desconformidade com a lei, consiste num desvio à realidade factual – nada tendo a ver com o apuramento ou fixação da mesma – ou jurídica, por ignorância ou falsa representação da mesma.


Como ensinava José Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 1981, Vol. V, págs. 124 e 125, o magistrado comete erro de juízo ou de julgamento quando decide mal a questão que lhe é submetida, ou porque interpreta e aplica erradamente a lei, ou porque aprecia erradamente os factos; comete um erro de actividade quando, na elaboração da sentença, infringe as regras que disciplinam o exercício do seu poder jurisdicional. Os erros da primeira categoria são de carácter substancial: afectam o fundo ou o efeito da decisão; os segundos são de carácter formal: respeitam à forma ou ao modo como o juiz exerceu a sua actividade.


E, como salienta Antunes Varela, in Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª edição, 1985, pág. 686, perante norma do Código de Processo Civil de 1961 idêntica à actual, o erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade com o direito aplicável, não se incluiu entre as nulidades da sentença.


No que se refere à nulidade por falta de fundamentação, a mesma ocorre quando não se especifiquem os fundamentos de facto e de direito em que se funda a decisão, cumprindo ao juíz demonstrar que da norma geral e abstracta soube extrair a disciplina ajustada ao caso concreto, posto que as partes precisam de conhecer os motivos da decisão, em particular a parte vencida, a fim de, sendo admissível o recurso, poder impugnar o respectivo fundamento.


Esse dever de fundamentação, causa de nulidade da sentença, respeita à falta absoluta de fundamentação, como nos ensina Antunes Varela, ob. cit., pág. 687:


Para que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente e incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito.


E, como afirmava José Alberto dos Reis, ob. cit., pág. 140: Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeitando-se ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.


Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto. Se a sentença especificar os fundamentos de direito, mas não especificar os fundamentos de facto, ou vice – versa, verifica-se a nulidade.


É entendimento pacífico que apenas a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto e de direito, gera a nulidade prevista na al. b) do nº 1 do citado artigo 615.


A fundamentação deficiente, medíocre ou errada, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. A nulidade verifica-se, assim, quando o Tribunal julga procedente ou improcedente um pedido, mas não especifica os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão, violando assim o dever de motivação ou fundamentação das decisões judiciais.


Questão diferente da falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito na sentença, prevista no nº 3 do artº 607 do Código de Processo Civil, é a falta de fundamentação ou de motivação da decisão de facto, prevista no nº 4 do mesmo artigo, como se alertou no Acórdão desta Relação de 5/3/2020 (Inês Moura), disponível em www.dgsi.pt. Quanto está em causa uma deficiente ou insuficiente fundamentação da decisão de facto, na explicação dada pelo tribunal para a formação da sua convicção e para a decisão que proferiu ao considerar provados e não provados os factos controvertidos, tal não determina a nulidade da sentença nos termos do citado artº 615 nº 1 al. b), apenas havendo lugar à remessa do processo ao tribunal de 1ª instância, para que fundamente algum facto essencial para o julgamento que não esteja devidamente fundamentado, conforme prevê expressamente o artº 662 nº 2 al. d) do mesmo Código ao dar a possibilidade à Relação de, mesmo oficiosamente, “determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o Tribunal de 1ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados”.


No caso em apreço, pode-se afirmar que haja falta absoluta de fundamentação, pois a sentença surge fundamentada de forma mínima, quer quanto aos factos considerados provados ou não, quer quanto à aplicação do Direito a esses factos.


Padece, por isso, a sentença proferida, de nulidade, por falta de fundamentação.


Renovando este entendimento, conclui-se pela improcedência dos presentes autos, peticionado na acção, com o reconhecimento da servidão de passagem sob o prédio rústico dos RR, por usucapião, não podendo ser exercido o direito potestativo de aquisição de tal de prédio encravado dos AA recorridos, os quais têm acesso pelo CM 1345 a sua propriedade, previsto assim no artº 1551 nº 1 do CC, impedindo assim, a constituição da servidão de passagem por sentença judicial.


A razão de ser da norma do nº 1 do artº 1551 do Código Civil está no facto de a lei entender que a servidão de passagem não é absoluta, pelo que ninguém deve ser obrigado a suportá-la no caso dela representar um encargo excessivo, desproporcional e injusto sobre o prédio serviente, como no caso presente.


Assim, e na esteira da diversa Jurisprudência que nos abstemos de citar, ficando somente pelo acordão recente do Tribunal da Relação de Lisboa, 408/18.5T8MFR-L2-6, 6ª Secção Civel – TRL de 23/03/2023, que se cita: Apenas a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto e de direito, gera a nulidade prevista na al. b) do nº 1 do artigo 615 do Código de Processo Civil, devendo distinguir-se este vício da fundamentação deficiente, medíocre ou errada e da falta de motivação da decisão de facto.


O direito potestativo de aquisição do prédio encravado, previsto no artº 1551 nº 1 do Código Civil, visa impedir a constituição da servidão legal de passagem, por sentença judicial, não podendo ser exercido em acção judicial em que se peticione o reconhecimento de constituição de servidão de passagem por usucapião.


Termos em que, Deve ser dado provimento ao presente recurso e revogar-se a sentença recorrida, com fundamentos nas presentes conclusões, assim se fazendo JUSTIÇA”.


5. Contra-alegaram os Autores defendendo a manutenção do decidido.


6.O objecto do recurso - delimitado pelas “conclusões”1 do recorrente (cfr.art.ºs 608ºnº2,609º,635ºnº4,639ºe 663º nº2, todos do CPC) ) reconduz-se apenas à apreciação das seguintes questões:


6.1. Se a sentença enferma da nulidade a que alude o nº1, alínea b) do art.º 615º do CPC;


6.2. Impugnação da matéria de facto: se os factos vertidos nos pontos 1 a 4 , 5, 6, 7 e 8 a 16 não deveriam ter sido dados como “ provados”.


6.3. Reapreciação jurídica da causa: Se é de reconhecer a serventia reclamada.


II. FUNDAMENTAÇÃO


7. É o seguinte o teor da decisão de facto inserta na sentença recorrida:


Factos provados


1. Os AA. são co-proprietários de um prédio misto, com uma área total de 3.240m2, sito no ..., na freguesia de ..., concelho de ..., constituído por urbano descrito na matriz urbana sob o nº 5041 e por um rustico inscrito na respetiva matriz predial rustica sob o artigo 169 Secção BC, descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o nº 2326/19881116.


2. Este prédio misto, foi adquirido por herança dos pais da A. II, e agora transmitido também aos seus filhos, os ora 2º e 3ª AA.


3. O aludido prédio misto é constituído por uma casa térrea, existindo nas parcelas rusticas várias árvores de fruto, vinha, alfarrobeiras e possui um curso de água.


4. O prédio confronta a Norte, Nascente e Poente com JJ e a Sul com ribeiro.


5. E encontra-se na posse e propriedade da família dos AA. desde os seus ascendentes, ou seja, há mais de 50 anos.


6. A Norte do prédio da Ré e a sul/nascente do prédio artigo 80 da secção BC verifica-se a presença de vestígios, que evidenciam a existência de uma servidão de passagem, em terra batida, com uma largura de 3 metros, com trilho de passagem sem vegetação, postes de electricidade com cabos de baixa tensão para o abastecimento de energia eléctrica ao prédio existente a poente do prédio dos Autores, o prédio misto artigo 167 da secção BC da União de Freguesias de ....


7. No interior do prédio da Ré e no prédio confinante a Sul, os vestígios actuais do trilho da servidão de passagem não estão visíveis devido a modificação, uso e cultivo dessa área pela Ré, mas mantêm-se os postes de electricidade com os cabos de baixa tensão (...).


8. Passagem essa que sempre foi por onde os antepassados dos Autores e agora os AA entravam e saíam da sua propriedade (artigo 169) .


9. Acontece que numa das deslocações do A. BB à sua propriedade, viu-se confrontado com a colocação pelos Réus de um portão metálico e de uma rede a impedir a passagem para a sua propriedade.


10. Daí que por cartas registadas datadas de setembro de 2019 e depois de novembro de 2019 os AA escrevessem à Ré para que a mesma retirasse o portão que estava a tapar o acesso de entrada ao caminho que os AA sempre utilizaram para entrar no seu prédio misto.


11. Caminho/atravessadouro utilizado desde sempre pelos AA e por outros vizinhos (nomeadamente, NN, proprietário do artigo 167 desde 2013).


12. Sendo o único caminho que existe para a propriedade dos AA ter acesso à via pública e que desde sempre foi o utilizado pelo pai da A. KK e pelo avô do A. BB.


13. Ou seja, há mais de 50 anos que este caminho é utilizado para dar passagem ao prédio misto propriedade dos AA (artigo 169).


14. Assim, o prédio misto dos AA encontra-se encravado entre os vários prédios ali existentes, e sem acesso à via pública.


15. Sendo que há mais de 6 meses que os AA. não conseguem entrar na sua propriedade, nem tratar das árvores que têm, nem apanhar as alfarrobas, nem limpar o terreno.


16. Este caminho é assim de terra batida, com cerca de 3m de largura, ladeado de postes de eletricidade, com iluminação e com tapas de ligação da água á rede e com 91 metros de comprimento no prédio dos Réus.


17. Por outro lado, os AA ao não terem acesso á sua propriedade, ficaram impossibilitados de mandar limpar os terrenos, no cumprimento do Decreto-Lei nº 124/2006 de 18/06, com remissão para as alterações entretanto introduzidas pelo Lei nº 76/2017 de 17/08, que consagra a obrigatoriedade de limpar os terrenos junto à habitação.


18. Mais, devido ao comportamento dos Réus estão os AA. impedidos de entrarem na sua casa, apanharem os frutos das árvores, de lavrar os terrenos e ainda de conseguirem limpar os mesmos de forma a evitar os incêndios de Verão.


19. Além disso os AA tem alfarrobeiras, costumam apanhar e vender as alfarrobas estando impossibilitados de o fazer.


20. Por outro lado, os AA não têm condições para mostrar o seu prédio a eventuais compradores interessados na sua propriedade que agora se encontra encravada.


21. Portanto, a Ré ao vedar o acesso á propriedade dos AA vem causar uma desvalorização da mesma para além de colocar em perigo a sua propriedade no caso de existir um incêndio.


22. Estão os AA impedidos de apanhar os frutos das árvores, de lavrar e limpar o terreno, levando a que os frutos ali existentes se estraguem.


Factos não provados


23. O prédio rústico dos Autores não tem acesso à via pública pelo interior do prédio rústico da Ré (caminho de terra batida) mas sim por outro local a que têm acesso os Autores e outros titulares de prédios contíguos há largos anos.


24. Do próprio mapa cadastral junto aos autos é visível a existência de um caminho (lado poente do artigo rustico 166) de acesso à propriedade rustica dos Autores (artigo 169) assim como a outras.


25. Os Autores para eventualmente limparem a sua propriedade e colher os frutos (alfarrobas) podem deslocar-se à mesma, como fazem, pelo caminho existente a poente.


26. A impossibilidade de apanhar os frutos, de lavrar e limpar o terreno causou danos e prejuízos patrimoniais aos AA entre 2019 e 2020 no valor de €1.000,00.


27. Os AA fazem em média cerca de €2000,00 por ano com a venda da alfarroba, não tendo procedido à apanha da mesma nos anos de 2019 e 2020.


28. Situação que causou danos e prejuízos patrimoniais no valor de €4000,00.


29. Acresce que, os AA tinham pessoas interessadas na compra daquele prédio misto, mas com a colocação do portão e da rede pelos Réus, acabaram por perder o valor do sinal e desistir do negócio.”


8. Do mérito do recurso


8.1. Nulidade da sentença


Entende a apelante que a sentença padecerá de nulidade à luz do disposto na alínea b) do nº1 do artigo 615.º, n.º 1 do CPC.


De facto, o legislador comina a sentença de nula quando “não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão” ( alínea b)) vício conexionado com a violação do dever de fundamentação da sentença.


“Constitui uma consequência da violação do artigo 205.º, n.º 1, da Constituição e do artigo 154.º30, bem como do artigo 607.º, n.ºs 3 e 4 (para sentença).


Em especial, o artigo 154.º impõe ao tribunal o dever de fundamentar as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo, a qual fundamentação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição da parte. Poderá, porém, consistir numa adesão a outra decisão, em clara economia processual. (…)


Por seu turno, os n.ºs 3 e 4 do artigo 607.º apresentam a decisão final como a consequência de fundamentos em que o juiz (i) discrimina os factos que considera provados e não provados, após a análise crítica da prova, e (ii) indica, interpreta e aplica as normas jurídicas correspondentes.2”.


Calcorreando a sentença, facilmente se detecta não padecer de tal vício: os factos provados e não provados estão claramente discriminados e a decisão é sustentada em normas jurídicas identificadas.


“A falta de fundamentação a que se refere a al. b) do n.º 1 do artigo 615.º ocorre, seja quando não há nenhuma fundamentação (de direito ou de facto) da parte dispositiva, seja quando falta, em termos funcionais e efetivos, algum segmento da fundamentação exigida pelos n.ºs 3 e 4 do artigo 607.º.


Trata-se, em ambos os casos, de um vício grosseiro, grave e manifesto, como é próprio dos vícios arrolados nas várias alíneas do n.º 1 do artigo 615.º. “.


Nada disso se passa como a apelante bem sabe.


Termos em que improcede a nulidade suscitada sem necessidade de maiores considerações.


8.2. Impugnação da matéria de facto


Revelam as conclusões da recorrente um inconformismo relativamente à resposta que foi dada aos factos insertos nos pontos 1 a 4 , 5, 6, 7 e 8 a 16 do elenco dos “Factos Provados” mas não indicam um único meio de prova concreto tendente a esse pretendido desiderato ( cfr. conclusão I)). Também o corpo das alegações é completamente omisso relativamente a tal especificação.


Como se referiu no Acórdão desta Relação de 20.10.2016: “Esse questionamento sobre a forma como o tribunal a quo valorou a prova produzida não equivale a uma verdadeira e própria impugnação da matéria de facto. É certo que essa discordância quanto à valoração se poderia depois projectar numa específica impugnação da matéria de facto – mas a verdade é que esta não foi concretizada, pelo que temos apenas uma aparência de impugnação da matéria de facto.”


Na realidade, a impugnação da matéria de facto obedece a regras rigorosas tal como decorre do disposto no artº 640º do NCPC, nele se prescrevendo o seguinte :


“1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:


a. Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;


b. Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;


c. A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.


2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:


a. Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;


b. Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.


c. O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”


Se a recorrente pretendia impugnar a decisão relativa à matéria de facto, deveria, nos termos do citado nº1 do artigo 640.º do CPC, sob pena de rejeição, ter especificado os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõe decisão, sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da recorrida e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.


Compreende-se a razão: O recurso não pressupõe a reapreciação total do acervo dos meios de prova produzidos, que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação autónoma sobre a justeza da decisão do tribunal a quo quanto aos “concretos pontos de facto” que o recorrente especifique como incorrectamente julgados. Por isso, não basta afirmar que não podia ter sido dada como provada determinada matéria sem que se explicite, no tocante a cada um, os fundamentos concretos (com referência ao(s) específicos meios probatórios) que alicerçam essa pretensão.


Como se referiu, o incumprimento dos ónus impostos pelo artº 640º do NCPC tem como cominação a rejeição do recurso, no segmento respeitante à impugnação da matéria de facto, ao abrigo do proémio do nº 1 desse artº 640º (reiterado, quanto à indicação exacta dos trechos relevantes da prova gravada, na al. a) do nº 2 da mesma disposição legal) e sem possibilidade de despacho de aperfeiçoamento, mas sem prejuízo do prosseguimento do recurso quanto a outros fundamentos alegados pelo apelante, já no âmbito da impugnação de direito.


Em suma: Visou, assim, o legislador impedir a impugnação anárquica da matéria de facto fazendo recair sobre o recorrente o ónus de precisar os pontos concretos que considera incorrectamente julgados, a resposta que em seu entender relativamente aos mesmos deveria ter sido dada e com que particular fundamento, com referência a concretos meios probatórios, permitindo, deste modo, ao Tribunal de Recurso a reapreciação rigorosa dos mesmos e ao recorrido o exercício do contraditório em conformidade.


Pretendendo a lei, ao impor ao recorrente os citados ónus, desmotivar impugnações temerárias e infundadas da decisão da matéria de facto, a sua não observância acarreta a rejeição do recurso.


Não tendo a apelante dado devido e integral cumprimento aos ónus impostos pelo artº 640º do NCPC, nada mais resta do que rejeitar o recurso na parte relativa à impugnação da matéria de facto, razão pela qual permanecerá inalterável a decisão do Tribunal a quo.


8.3. Reapreciação jurídica da causa: Se é de reconhecer a serventia reclamada.


Visa-se através da presente acção o reconhecimento da existência de uma servidão de passagem no prédio dos Réus para acesso do prédio misto dos Autores à EN ....


Tal direito foi reconhecido pelo Tribunal “a quo” em virtude de ter considerado ter ocorrido a sua constituição por usucapião.


Tal direito de passagem a favor do prédio misto propriedade dos Autores (artigo 167 da secção BC) foi dado como “existente sobre o caminho existente a norte do referido prédio e que integra o prédio rústico propriedade dos Réus, percorrendo cerca de 91 metros de comprimento, com a configuração constante no mapa junto como doc. 5 da p. i. e aí delimitado a azul, com início no ponto A assinalado a verde até atingir o ponto B assinalado a verde.”.


Parece-nos, face ao elenco fáctico apurado, ser tal conclusão acertada.


Senão vejamos.


Como decorre do art.º 1543º do Cód. Civil, a servidão predial é o encargo imposto num prédio em proveito exclusivo de outro prédio pertencente a dono diferente; diz-se serviente o prédio sujeito à servidão e dominante o que dela beneficia.


Fundamental é que os prédios pertençam a donos diferentes em decorrência do princípio nemine res sua servit.


Não há, outrossim, servidão sem ocorrência de utilidades susceptíveis de serem gozadas por intermédio de um determinado prédio – o dominante – e que a este tragam proveito.


Por seu turno, pressuposto primeiro da sua constituição por usucapião é a posse correspondente à servidão de passagem.


E como se sabe, haverá posse quando se actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real (art.º 1251º do Cód.Civil), independentemente de se ser ou não titular do mesmo.


Por seu turno, é o art.º 1253º que estabelece as situações em que ocorre mera detenção (ou posse precária) estatuindo que: “São havidos como detentores ou possuidores precários:


a) Os que exercem o poder de facto sem intenção de agir como beneficiários do direito;


b) Os que simplesmente se aproveitam da tolerância do titular do direito;


c) Os representantes ou mandatários do possuidor e, de um modo geral, todos os que possuem em nome de outrem.”.


Na alínea a) contemplam-se as situações em que o poder de facto foi adquirido em termos tais que a própria lei afasta a posse desde que a situação não caia no âmbito das alíneas b) e c), do mesmo preceito.


É, aliás, nesta alínea a) que se faz referência ao animus que não existe no detentor mas que é configurado como um elemento da posse, para os que seguem a concepção subjectivista do instituto.


Por maioria de razão para os que defendem a teoria objectivista, provado o exercício de um poder de facto sobre uma coisa e não se provando que o mesmo corresponda a uma situação de mera detenção, enquadrável em qualquer das alíneas do art.º 1253º, tem-se como verificada a posse.


Para os que seguem a teoria subjectivista, a posse é integrada por dois elementos - o corpus (ou elemento material da posse ) e o animus ( elemento subjectivo) que consiste na intenção de exercer como seu titular o direito real correspondente aquele domínio de facto.


A posse conducente à usucapião tem de ser pública e pacífica, influindo as características de boa ou má-fé, justo título e registo de mera posse na determinação do prazo para que possa produzir efeitos jurídicos.


Por último, há que atentar que as servidões não aparentes não podem ser constituídas por usucapião, entendendo-se estas as que não se revelam por sinais visíveis e permanentes ( cfr. art.º 1548º do Cód.Civil).


Os apelados invocaram uma posse originária traduzida na apropriação material de uma coisa, mediante a prática reiterada, com publicidade, dos actos materiais correspondentes ao exercício do direito ( artº 1263º a) do Cód. Civil).


E lograram provar que:


- A norte do prédio da Ré e a sul/nascente do prédio artigo 80 da secção BC existe, em terra batida, com uma largura de 3 metros, um trilho de passagem sem vegetação, postes de electricidade com cabos de baixa tensão para o abastecimento de energia eléctrica ao prédio existente a poente do prédio dos Autores, o prédio misto artigo 167 da secção BC da União de Freguesias de ...;


- Passagem essa que sempre foi por onde os antepassados dos Autores e agora os AA entravam e saíam da sua propriedade;


- Sendo o único caminho que existe para a propriedade dos AA ter acesso à via publica e que desde sempre foi o utilizado pelo pai da A. KK e pelo avô do A. BB, sendo que há mais de 50 anos que este caminho é utilizado para dar passagem ao prédio misto propriedade dos AA.


Esta materialidade fáctica permite confirmar a existência de posse dos Autores sobre a dita faixa de terreno em termos correspondentes ao direito real de servidão (de passagem): A actuação de facto dos Autores (corpus) corresponde ao exercício daquele mencionado direito, sendo que o nº2 do art.º 1252º do Cód. Civil estabelece uma presunção de posse em nome próprio por parte daquele que exerce o poder de facto, ou seja, daquele que tem o corpus.


Tal posse reveste igualmente características conducentes à usucapião.


Como se sabe, se não houver título ou se este não tiver sido registado, o prazo da usucapião é de 15 ou 20 anos, consoante a posse seja de boa ou má-fé (artº 1296º).


Uma vez que a posse dos Autores sobre a faixa de terreno em questão não radica em qualquer negócio jurídico válido com esse objecto, ter-se-á de considerá-la como não titulada e dado que esta posse se presume de má-fé (art.º 1260º nº2 in fine) o prazo de usucapião é, no caso, de 20 anos, lapso temporal que se completou há muito.


Aliás, sempre se mostrariam reunidos os requisitos de constituição de servidão legal de passagem a que alude o art.º 1550º do Cód. Civil que atribui ao proprietário de prédio encravado – o que não tenha comunicação com a via pública, que tenha comunicação insuficiente ou que o seu estabelecimento seja excessivamente incómodo ou dispendioso (encrave absoluto ou relativo) – a faculdade de exigir a constituição da servidão sobre prédio vizinho.


De facto, provou-se que o prédio misto dos AA encontra-se encravado entre os vários prédios ali existentes, e sem acesso à via pública e que o referido caminho foi desde sempre o utilizado para, a partir da propriedade dos AA, se ter acesso à via pública.


Está-se, pois, perante prédio encravado, como aludido nos arts. 1550º e 1555ºdo Cód. Civil. i.e. perante um prédio cujo proprietário, a não beneficiar da passagem já constituída, sempre teria, ou tem, a faculdade de exigir a sua constituição, com o mesmo conteúdo ou com conteúdo equivalente.


Isto significa que os Autores, apesar de beneficiarem do direito de passagem constituído por usucapião, como provado, nem por isso, e apesar disso, estariam privados do direito potestativo de constituir a servidão se, por exemplo, o exercício daquela se tornasse impossível ou, por qualquer razão ocorresse a sua extinção.


O desfecho da acção não poderia, pois, ter sido outro.


III. DECISÃO


Por todo o exposto se acorda em julgar a apelação totalmente improcedente e em manter a decisão recorrida.


Custas pela apelante.


Évora, 13 de Fevereiro de 2025


Maria João Sousa e Faro (relatora)


Manuel Bargado


Maria Adelaide Domingos

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1. Que apesar de não virem assim identificadas, como era mister, são integradas nas frases iniciadas com numeração romana.↩︎

2. Assim, Rui Pinto in” Os meios reclamatórios comuns da decisão civil (artigos 613.º a 617.º CPC)” , Julgar On Line, Maio de 2020, pag. 11 e seguintes.↩︎