PERSI
EXECUÇÃO
MÚTUO
MORTE
Sumário

Sumário:
I. Não pode ser exigido à instituição bancária a demonstração do cumprimento em relação à mutuária do regime do PERSI aprovado pelo DL n.º 227/2012, de 25 de Outubro se a mesma faleceu em data anterior à da sua entrada em vigor e em momento anterior à ocorrência da mora.
II. Ainda que o Banco tenha tido conhecimento do falecimento da mutuária antes da propositura da acção executiva não há notícia de que tenha tido (ou lhe tenha sido dado) conhecimento da identificação dos seus herdeiros, sendo certo que sempre seria sobre estes ( mormente sobre o cabeça de casal) que recaía o ónus de promover a sua habilitação numa fase pré-judicial.
III. Pelo que também não pode ser pode ser exigido o cumprimento daquele regime por esse motivo.

Texto Integral

Processo: 4477/18.0T8ENT-C.E1

ACÓRDÃO

I.RELATÓRIO


Por apenso à acção executiva para pagamento de quantia certa que em 28-11-2018 o “Banco Comercial Português, S.A.” moveu contra AA, BB, CC e DD, vieram EE e FF (que por sentença proferida em 04-11-2019 no âmbito do Apenso A haviam sido declarados habilitados para prosseguirem a execução no lugar a co-executada falecida BB) deduzir embargos de executado com fundamento na prescrição do direito de crédito do embargado.


Notificado, pugnou o embargado pela improcedência dos embargos na contestação que deduziu.


2. Foi proferido despacho saneador-sentença que decidiu “julgar oficiosamente verificada a excepção dilatória inominada insanável decorrente do desrespeito, pelo exequente/embargado “Banco Comercial Português, S.A.”, da demonstração do cumprimento das obrigações inerentes ao Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento instituído pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10, relativamente à mutuária falecida BB e, em consequência, absolver da instância executiva os executados/embargantes EE, FF e AA apenas e só na qualidade de herdeiros habilitados daquela, determinando, nessa parte, a extinção da execução, e consignando que, em face das disposições conjugadas dos artigos 278.º, n.º 3, e 608.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, fica prejudicada a menção neste segmento decisório à arguida prescrição das quantias exequendas.”.


3. É desta decisão que recorre o embargado/exequente formulando na sua apelação as seguintes conclusões:


A. O presente recurso é interposto da douta decisão que julgou oficiosamente verificada a excepção dilatória inominada insanável decorrente do alegado desrespeito, pelo exequente/embargado e ora Recorrente, “Banco Comercial Português, S.A.” da demonstração do válido cumprimento das obrigações inerentes ao Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento instituído pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10 relativamente à mutuária falecida BB e, em consequência, absolveu da instância executiva os executados/embargantes EE, FF e AA apenas e só na qualidade de herdeiros habilitados daquela, determinando, nessa parte, a extinção da execução.


B. O objecto do presente recurso consiste, por isso, em saber se deverá dar-se por demonstrado o válido cumprimento das obrigações inerentes ao Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento instituído pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10, em relação aos intervenientes processuais supra aludidos.


C. O PERSI é um regime imperativo que visa salvaguardar os clientes bancários/consumidores em mora ou incumprimento pontual de obrigações decorrentes de contratos de crédito;


D. Encontrando-se à data do óbito a situação dos mutuários originais em situação regular não se encontravam preenchidos os requisitos legais para ser a falecida integrada em PERSI, restando analisar a questão do prisma se poderiam ser integrados em PERSI os seus herdeiros.


E. Mal andou o douto tribunal a quo ao aplicar, através de uma interpretação extensiva que extravasa flagrantemente o permitido por Lei, automática e imperativamente o regime PERSI a uma herança ou directamente aos herdeiros de alguém.


F. O regime do PERSI, nomeadamente em questões que envolvem heranças. deve ser interpretado restritivamente.


G. A definição legal de “Cliente Bancário” não é extensível à herança (no presente caso concreto, e tanto quanto se sabe, indivisa) entre outros motivos porque não dispõe de personalidade judiciária autónoma.


H. A comunicação do decesso de um mutuário, independentemente do cumprimento ou não dos contratos terá necessariamente que acontecer por iniciativa dos herdeiros ao abrigo da boa fé e do direito/dever de colaboração e cooperação.


I. A sujeição dos herdeiros/herança ao PERSI não está expressamente consagrada na lei por opção especifica do legislador.


J. As vicissitudes das heranças não permitem preencher automaticamente os pressupostos impostos pelo regime do PERSI nem se coadunam com o cumprimento dos procedimentos que são legalmente exigidos;


K O Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro exige aos devedores uma colaboração, bem como responsabilidade e boa-fé (artigo 4º nº 2 do DL 227/12), face aos benefícios que os mesmos retiram – ou poderão retirar – do PERSI, devendo facultar à instituição bancária os documentos e informações necessárias para proceder à avaliação da sua capacidade financeira para, em conformidade, poder apresentar uma proposta de regularização ou, ao invés, concluir pela inviabilidade dessa regularização.


L. Não se pode pura e simplesmente considerar irrelevante a falta de zelo e diligência dos herdeiros e/ou das restantes partes contratuais, sob pena de prevalecerem-se aqueles da sua omissão perante o credor bancário.


M. Sendo igualmente muito relevante o facto dos herdeiros, tendo em conta a alteração de circunstâncias derivada do óbito da mutuaria, poderiam e deveriam ter solicitado eles próprios ao banco mutuário a sua integração no procedimento PERSI.


N. O Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro não impõe apenas obrigações unilaterais às entidades bancárias, exige também aos clientes bancários e em especial aos devedores um especial dever de colaboração e cooperação, exigindo responsabilidade e boa-fé (artigo 4º nº 2 do DL 227/12), face aos benefícios que os mesmos retiram – ou poderão retirar – do PERSI.


O. Termos em que o presente recurso deve merecer provimento, revogando-se a douta sentença recorrida, dando-se por demonstrado por parte da Recorrente o válido cumprimento das obrigações inerentes ao Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento instituído pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10, e consequentemente ser determinado o prosseguimento da ação executiva instaurada.


Face ao exposto, requer-se muito respeitosamente que seja julgada a procedência do presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, nomeadamente na parte em que considera absolvidos da instância executiva os executados/embargantes EE, FF e AA apenas e só na qualidade de herdeiros da falecida BB e determina nessa parte a sua extinção, por considerar não demonstrado o válido cumprimento das obrigações inerentes ao Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento instituído pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10, como é de Justiça!


3. Não houve contra-alegações.


4. O objecto do recurso - delimitado pelas conclusões do recorrente (cfr.art.ºs 608ºnº2,609º,635ºnº4,639ºe 663º nº2, todos do CPC) ) reconduz-se apenas à apreciação da questão de saber se é de exigir o cumprimento do regime do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10 e do Aviso do Banco de Portugal n.º n.º 17/2012 então em vigor relativamente aos herdeiros da falecida executada.


II. FUNDAMENTAÇÃO


5. É o seguinte o quadro fáctico fixado pela 1ª instância:


1. Por requerimento datado de 28-11-2018 o “Banco Comercial Português, S.A.” moveu contra AA, BB, CC e DD, sob a forma de processo comum sumário, acção executiva para pagamento da quantia global de € 102.765,69 (cento e dois mil setecentos e sessenta e cinco euros e sessenta e nove cêntimos), oferecendo para valerem como títulos executivos duas escrituras públicas outorgadas em 04-11-2003.


2. No requerimento executivo alegou, além do mais que ora não releva, o seguinte:


«1.º


No exercício da sua actividade creditícia, o Exequente celebrou com os Executados AA e a mulher BB os seguintes contratos:


a) Contrato de compra e venda, mútuo com hipoteca e fiança, celebrado por escritura pública em 04/11/2003, através do qual foi emprestada a quantia de € 92.000,00 (Noventa e dois mil), vencendo juros, iniciais, calculados à taxa anual de 6,23%, acrescido da sobretaxa de 3,00% em caso de mora, a título de cláusula penal (…);


b) Contrato de mútuo com hipoteca e fiança, celebrado por escritura pública em 04/11/2003, através do qual foi emprestada a quantia de € 22.480,00 (Vinte e dois mil quatrocentos e oitenta euros), vencendo juros, iniciais, calculados à taxa anual de 4,07%, acrescido da sobretaxa de 3,00% em caso de mora, a título de cláusula penal (…).


(…)


3.º


Para garantia do pagamento dos capitais mutuados, respectivos juros e despesas, foram constituídas duas hipotecas a favor do Exequente, incidindo sobre a fracção autónoma designada pela letra "D", correspondente ao rés-do-chão com garagem no logradouro e uma arrecadação no sótão, do prédio urbano sito na ..., descrito na Conservatória do Registo Predial do ... sob o n.º 6137 e inscrito na matriz predial urbana com o artigo 9647 (…).


4.º


Sucede que, os mutuários deixaram de cumprir as obrigações emergentes dos contratos acima referidos, pelo que se venceram todas as prestações acordadas, nos termos da Cláusula 9.ª constante dos Documentos Complementares integrantes dos referidos contratos, encontrando-se em dívida ao Exequente as seguintes quantias, desde as seguintes datas e às quais acrescem os juros às seguintes taxas actuais:


a) quanto ao primeiro contrato, a quantia € 68.519,78 desde 04/01/2009 e à qual acrescem os juros vencidos e vincendos, calculados à taxa anual actualizada de 0,00% (…).


b) em referência ao segundo contrato, a quantia € 11.153,69 desde 25/04/2014 e à qual acrescem os juros vencidos e vincendos, calculados à taxa anual actualizada de 1,47% (…).


5.º


São ainda devidos os juros à taxa anual de 3,00%, a título de cláusula penal, calculados desde a entrada em mora até integral pagamento, bem como o imposto do selo à taxa de 4% sobre a totalidade dos juros efectivamente cobrados (17.2.1 da Tabela anexa ao Imposto de Selo).


6.º


São também devidas todas as despesas referentes ao presente processo de execução.


7.º


A dívida é exigível e vencida com o incumprimento das prestações.


(…)


9.º


Requer o pagamento da quantia de € 102.765,70 (Cento e dois mil setecentos e sessenta e cinco euros e setenta cêntimos), que os Executados devem ao Exequente».


3. Com efeito, por escritura pública lavrada em 04-11-2003 e denominada de «COMPRA E VENDA, MÚTUO COM HIPOTECA, FIANÇA» o aqui exequente/embargado emprestou a AA e BB, casados sob o regime de bens da comunhão de adquiridos e ali segundos outorgantes, a quantia de € 92.000,00 (noventa e dois mil euros), vencendo juros iniciais calculados à taxa anual de 6,23%, acrescidos da sobretaxa até 4,00% ao ano em caso de mora, a título de cláusula penal, tudo conforme instrumento cujo teor se considera integralmente reproduzido.


4. Do respectivo Documento Complementar, que de igual modo se tem por integralmente reproduzido, ressaltam, nomeadamente, as seguintes cláusulas:


«(…)


TERCEIRA: 1. O empréstimo é concedido pelo prazo de duzentos e doze meses a contar desta data, e será amortizado em duzentos e doze prestações mensais, de capital e juros, a primeira com vencimento no mesmo dia do mês seguinte e as restantes em igual dia dos meses subsequentes.


(…)


QUARTA: 1. Sem prejuízo do disposto na cláusula primeira, o empréstimo vence juros sobre o capital em dívida, calculados dia a dia e cobrados postecipadamente ao mês, à taxa fixada no Preçário do Banco para a modalidade de crédito denominada “Crédito Imobiliário para Deficientes” e que será alterada por simples decisão do Banco, sem dependência de comunicação prévia, de harmonia com as taxas de juro ao tempo por ele sucessivamente praticadas para empréstimos do mesmo tipo.


(…)


QUINTA: 1. Em caso de mora, os juros serão contados dia a dia e calculados à taxa que estiver em vigor, acrescida de uma sobretaxa de quatro por cento ao ano, a título de cláusula penal.


2. O Banco reserva-se o direito de, a todo o tempo e independentemente de qualquer regime especial aplicável, capitalizar juros remuneratórios correspondentes a um período não inferior a três meses e juros moratórios correspondentes a um período não inferior a um ano, adicionando tais juros ao capital em dívida, passando aqueles a seguir todo o regime deste.


(…)


DÉCIMA: A presente hipoteca poderá ser executada:


a) se não forem pagas as prestações nas datas previstas, caso em que a falta de pagamento de uma delas importa o imediato vencimento de todas;


(…)


d) se se vencer qualquer das obrigações cujo cumprimento assegura, ou se não for cumprido qualquer dos deveres que para os MUTUÁRIOS decorrem deste contrato.


(…)».


5. As prestações emergentes do mencionado contrato deixaram de ser pagas em 04-01-2009.


6. Por escritura pública de igual modo lavrada em 04-11-2003 e denominada de «MÚTUO COM HIPOTECA E FIANÇA» o aqui exequente/embargado emprestou a AA e BB, casados sob o regime de bens da comunhão de adquiridos e ali primeiros outorgantes, a quantia de € 22.480,00 (vinte e dois mil quatrocentos e oitenta euros), vencendo juros iniciais calculados à taxa anual de 4,07%, acrescidos da sobretaxa até 4,00% ao ano em caso de mora, a título de cláusula penal, tudo conforme instrumento cujo teor também se considera integralmente reproduzido.


7. Do respectivo Documento Complementar, que de igual modo se tem por integralmente reproduzido, ressaltam, nomeadamente, as seguintes cláusulas:


«(…)


SEGUNDA: 1. O empréstimo é concedido pelo prazo de duzentos e doze meses a contar do próximo dia vinte e cinco, e será amortizado em duzentos e doze prestações mensais, de capital e juros, a primeira com vencimento no mesmo dia do mês seguinte e as restantes em igual dia dos meses subsequentes.


(…)


TERCEIRA: 1. O empréstimo vence juros sobre o capital em dívida, calculados dia a dia e cobrados postecipadamente ao mês, à taxa resultante da EURIBOR (…) a noventa dias, que vigore no segundo dia útil anterior ao início do período de contagem de juros, acrescida de um vírgula oito pontos percentuais, com arredondamento para o quarto ponto percentual imediatamente superior.


2. À taxa nominal na data de aprovação do presente empréstimo de quatro por cento corresponde a taxa anual efectiva de quatro vírgula sero sete por cento (…).


3. Os períodos de contagem de juros serão trimestrais.


(…)


QUARTA: 1. Em caso de mora, os juros serão contados dia a dia e calculados à taxa que estiver em vigor, acrescida de uma sobretaxa de quatro por cento ao ano, a título de cláusula penal.


2. O Banco reserva-se o direito de, a todo o tempo e independentemente de qualquer regime especial aplicável, capitalizar juros remuneratórios correspondentes a um período não inferior a três meses e juros moratórios correspondentes a um período não inferior a um ano, adicionando tais juros ao capital em dívida, passando aqueles a seguir todo o regime deste.


(…)


NONA: A presente hipoteca poderá ser executada:


a) se não forem pagas as prestações nas datas previstas, caso em que a falta de pagamento de uma delas importa o imediato vencimento de todas;


(…)


d) se se vencer qualquer das obrigações cujo cumprimento assegura, ou se não for cumprido qualquer dos deveres que para os MUTUÁRIOS decorrem deste contrato.


(…)».


8. As prestações emergentes do mencionado contrato deixaram de ser pagas a partir de 25-04-2014.


9. A mutuária BB faleceu em ...-...-2004.


10. O exequente/embargado tem conhecimento desse falecimento desde Fevereiro/Março de 2004.


11. Em 28-09-2018 o exequente/embargado remeteu a «AA» e «HERDEIROS DE BB», sob registos postais com avisos de recepção, missivas relativas a ambos os contratos acima identificados, cujos teores se têm por integralmente reproduzidos, dando-lhes conta das quantias que, à data, se encontravam em dívida e interpelando-os para no prazo máximo de 30 dias a contar das datas de recepção procederem à regularização de todas as responsabilidades emergentes dos ditos contratos, acrescentando que, «[f]indo tal prazo, sem que se encontre integralmente regularizada a situação de incumprimento, o Banco considera definitivamente incumprido o contrato de financiamento em referência e, em consequência, procederá à sua imediata resolução».


12. Em 08-11-2018 o exequente/embargado remeteu a «AA» e «HERDEIROS DE BB», sob registos postais com avisos de recepção, missivas também relativas a ambos os contratos acima identificados, cujos teores de igual modo se têm por integralmente reproduzidos, dando-lhes conta da resolução de ambos os sobreditos contratos, «considerando-se vencidas e imediatamente exigíveis todas as obrigações pecuniárias assumidas».


13. No âmbito da execução, em 05-12-2018 o Sr. agente de execução remeteu ao exequente ora embargado notificação a «informar que a executada BB, faleceu e o imóvel indicado à penhora está registado em comum e sem determinação de parte ou direito.


De forma a diligenciar pela penhora do imóvel, vem solicitar (…) a Habilitação de Herdeiros por óbito de BB».


14. Por petição datada de 10-01-2019, com a qual deu aso ao Apenso A, o exequente deduziu incidente de habilitação de herdeiros com os seguintes fundamentos:


«1. Em consequência das diligências para penhora do bem imóvel penhorado, apurou o senhor Agente de Execução que a Executada BB faleceu no dia ... de ... de 2004 (…).


2. A de cujus era casada com AA (…), já executado nos presentes autos.


3. O Exequente sabe, igualmente, que a de cujus deixou como herdeiros, para além do marido, os filhos:


- FF (…);


- EE (…);


4. Quando indagado sobre a participação do óbito ao Serviço de Finanças, estes responderam que só prestariam informações mediante despacho judicial.


5. E o Agente de Execução não tem meios para saber mais informações sobre os herdeiros filhos, uma vez que, estes não são executados.


Assim, nestes termos e nos mais de Direito, requer-se (…), ao abrigo do disposto no art.º 352 do C.P.C. se digne a ordenar a citação do Executado AA e restantes herdeiros para vir aos autos juntar a habilitação de herdeiros e, querendo, contestar o presente incidente, devendo este proceder por provado e a acção executiva prosseguir contra os herdeiros da parte falecida».


15. Proferido despacho liminar em 21-03-2019, os requeridos foram citados nos termos e para efeitos do disposto no artigo 352.º, n.º 1, do Código de Processo Civil nas seguintes datas:


- AA e FF em 26-03-2019;


- EE em 27-03-2019.


16. Nenhum ofereceu contestação.


17. Em 04-11-2019 foi proferida sentença na qual se julgou provado que «BB faleceu em .../.../04, deixando AA, com quem estava casada, e seus filhos FF, e EE» e se decidiu julgá-los habilitados, «para, em substituição da falecida, na qualidade de herdeiros legítimos e sucessores desta, prosseguirem os termos da instância da ação principal».


18. Sobre tal sentença não incidiu qualquer recurso.


19. Já no âmbito dos autos de execução principais as citações dos identificados habilitados após a penhora do imóvel hipotecado foram concretizadas nas seguintes datas:


- EE em 20-07-2020;


- AA em 22-07-2020; e


- FF em 28-07-2020.


20. No âmbito do presente Apenso C, convidado pelo tribunal a juntar documentos comprovativos do cumprimento, relativamente à executada primitiva em cuja posição os aqui embargantes foram habilitados, do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) previsto no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10, o exequente/embargado juntou cópias das seguintes comunicações, todas tendo como destinatária «BB»:


a) Comunicação datada de 30-08-2018:


«(…)


Assunto: Responsabilidades em incumprimento


N/Refª. : 00170412172MPER


(…)


Como é do conhecimento de V. Exa. encontram-se ainda por regularizar as responsabilidades de crédito abaixo identificadas.


Face ao exposto, na data de emissão desta carta, foi V.Exa integrado(a) no PERSI - Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (*) e está a ser acompanhado por uma Unidade de Recuperação.


Na eventualidade de não ter condições para regularizar integralmente os valores em atraso, deverá V. Exa. enviar-nos no prazo máximo de 10 dias, a documentação abaixo indicada, comprovativa da sua situação financeira, para que se possa proceder a uma avaliação correta da capacidade financeira de V. Exa. e ponderar pela apresentação de eventual proposta de regularização:


(a) cópia da última certidão de liquidação do imposto sobre o rendimento de pessoas singulares disponível;


(b) comprovativo do rendimento auferido por V. Exa., nomeadamente a título de salário, remuneração pela prestação de serviços ou prestações sociais;


(c) descrição e quantitativo dos encargos que V. Exa. suporta, nomeadamente com obrigações decorrentes de contratos de crédito, incluindo os celebrados com outras instituições de crédito.


Mais informamos que a situação de crédito vencido foi comunicada à Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal.


No caso de, entretanto, ter já procedido à regularização dos valores identificados, ou estar em curso a formalização de um acordo de pagamento ou de uma proposta de reestruturação, agradecemos que considere esta carta sem efeito.


Produto Número Incumprimento (…)


Data


Crédito Hipotecário ... 2009/01/04 (…)


(…)


Informamos que existe uma rede de apoio ao consumidor endividado. As informações sobre esta rede poderão ser consultadas no “Portal do Consumidor, disponível em www.consumidor.pt.”


(…)


(*) Criado pelo DL 227/2012 de 25 de Outubro de 2012, cujas condições se encontram descritas no documento em anexo.


Excluem-se deste procedimento as operações de Leasing, ALD, Factoring e Letras.


(…)»;


b) Comunicação também datada de 30-08-2018:


«(…)


Assunto: Responsabilidades em incumprimento


N/Refª. : 00170412172MPER


(…)


Como é do conhecimento de V. Exa. encontram-se ainda por regularizar as responsabilidades de crédito abaixo identificadas.


Face ao exposto, na data de emissão desta carta, foi V.Exa integrado(a) no PERSI - Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (*) e está a ser acompanhado por uma Unidade de Recuperação.


Na eventualidade de não ter condições para regularizar integralmente os valores em atraso, deverá V. Exa. enviar-nos no prazo máximo de 10 dias, a documentação abaixo indicada, comprovativa da sua situação financeira, para que se possa proceder a uma avaliação correta da capacidade financeira de V. Exa. e ponderar pela apresentação de eventual proposta de regularização:


(a) cópia da última certidão de liquidação do imposto sobre o rendimento de pessoas singulares disponível;


(b) comprovativo do rendimento auferido por V. Exa., nomeadamente a título de salário, remuneração pela prestação de serviços ou prestações sociais;


(c) descrição e quantitativo dos encargos que V. Exa. suporta, nomeadamente com obrigações decorrentes de contratos de crédito, incluindo os celebrados com outras instituições de crédito.


Mais informamos que a situação de crédito vencido foi comunicada à Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal.


No caso de, entretanto, ter já procedido à regularização dos valores identificados, ou estar em curso a formalização de um acordo de pagamento ou de uma proposta de reestruturação, agradecemos que considere esta carta sem efeito.


Produto Número Incumprimento (…)


Data


Crédito Hipotecário ... 2014/04/25 (…)


(…)


Informamos que existe uma rede de apoio ao consumidor endividado. As informações sobre esta rede poderão ser consultadas no “Portal do Consumidor, disponível em www.consumidor.pt.”


(…)


(*) Criado pelo DL 227/2012 de 25 de Outubro de 2012, cujas condições se encontram descritas no documento em anexo.


Excluem-se deste procedimento as operações de Leasing, ALD, Factoring e Letras.


(…)»;


c) Comunicação datada de 18-09-2018:


«(…)


Assunto: Responsabilidades em incumprimento


N/Refª. : 00170412172MHXA


(…)


Vimos por este meio comunicar a V. Exa que, ao abrigo e nos termos do previsto no artigo 17º do PERSI – Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (*), na sequência da verificação dos factos a seguir assinalados, considerámos inviável a manutenção deste procedimento, pelo que o mesmo foi extinto.


Motivo da extinção do procedimento PERSI:


- Falta de colaboração, nomeadamente na prestação de informações ou na resposta atempada às propostas apresentadas pelo banco.


Esta comunicação não prejudica os efeitos que decorrem das INFORMAÇÕES ADICIONAIS constantes do ANEXO, que deverão ser lidas na íntegra.


Assim, caso se mantenham por regularizar as responsabilidades de crédito abaixo identificadas, iremos de imediato e sem precedência de qualquer outra notificação, promover a resolução do(s) contrato(s) e a execução judicial dos créditos, sem prejuízos do disposto no ANEXO.


Produto Número Incumprimento (…)


Data


Crédito Hipotecário ... 2009/01/04 (…)


(…)


Se porventura estiver em formalização uma reestruturação com vista à regularização dos valores identificados, neste caso agradecemos que considere esta carta sem efeito e aceite as nossas desculpas pelo incómodo.


Sem prejuízo do acima referido, relembramos que ainda poderá contactar a Unidade de Recuperação com vista à obtenção de informações adicionais e/ou negociar soluções de regularização extrajudicial das referidas responsabilidades de crédito, através do telefone 707 50 00 50 ou dos canais habituais.


Informamos que existe uma rede de apoio ao consumidor endividado. As informações sobre esta rede poderão ser consultadas no “Portal do Consumidor, disponível em www.consumidor.pt.”


(…)


(*) Criado pelo Decreto-Lei 227/2012, de 25 de Outubro.


(…)»;


d) Comunicação também datada de 18-09-2018:


«(…)


Assunto: Responsabilidades em incumprimento


N/Refª. : 00170412172MHXA


Exmo(a) Senhor(a),


Vimos por este meio comunicar a V. Exa que, ao abrigo e nos termos do previsto no artigo 17º do PERSI – Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (*), na sequência da verificação dos factos a seguir assinalados, considerámos inviável a manutenção deste procedimento, pelo que o mesmo foi extinto.


Motivo da extinção do procedimento PERSI:


- Falta de colaboração, nomeadamente na prestação de informações ou na resposta atempada às propostas apresentadas pelo banco.


Esta comunicação não prejudica os efeitos que decorrem das INFORMAÇÕES ADICIONAIS constantes do ANEXO, que deverão ser lidas na íntegra.


Assim, caso se mantenham por regularizar as responsabilidades de crédito abaixo identificadas, iremos de imediato e sem precedência de qualquer outra notificação, promover a resolução do(s) contrato(s) e a execução judicial dos créditos, sem prejuízos do disposto no ANEXO.


Produto Número Incumprimento (…)


Data


Crédito Hipotecário ... 2014/04/25 (…)


Se porventura estiver em formalização uma reestruturação com vista à regularização dos valores identificados, neste caso agradecemos que considere esta carta sem efeito e aceite as nossas desculpas pelo incómodo.


Sem prejuízo do acima referido, relembramos que ainda poderá contactar a Unidade de Recuperação com vista à obtenção de informações adicionais e/ou negociar soluções de regularização extrajudicial das referidas responsabilidades de crédito, através do telefone 707 50 00 50 ou dos canais habituais.


Informamos que existe uma rede de apoio ao consumidor endividado. As informações sobre esta rede poderão ser consultadas no “Portal do Consumidor, disponível em www.consumidor.pt.”


6. Do mérito do recurso


Como se vê do antecedente relato, a execução foi, também, movida contra uma executada há muito falecida.


Tendo, entretanto, já na pendência da execução, sido deduzida, pela exequente, a habilitação dos respectivos herdeiros, a questão que se coloca é se é necessária a demonstração do cumprimento em relação à mutuária (ou aos respectivos herdeiros) do regime do PERSI aprovado pelo DL n.º 227/2012, de 25 de Outubro.


A solicitação do Tribunal “a quo”, o exequente juntou aos autos cartas comprovativas de envio da integração e da extinção do PERSI à mutuária falecida.


Porém, está provado que a mesma faleceu em 2004, ou seja, muito antes da entrada em vigor de tal regime (1.1.2013) sendo, por isso, apodíctico que obrigatoriedade de aplicação do regime do PERSI a esta mutuária está fora de cogitação.


Aliás, o que também se constata é que a mora no cumprimento dos mútuos ocorreu após o falecimento de BB.


Assim, a questão que se coloca é se é de exigir o cumprimento do regime estabelecido no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25.10 no caso dos autos, ou seja, numa situação em que se apura que a mutuária faleceu antes da ocorrência da mora.


Cremos que não.


Basta pensar que o Dec. Lei nº 227/2012, de 25 de Outubro veio estabelecer os “princípios e regras a observar pelas instituições de crédito na prevenção e na regularização das situações de incumprimento de contratos de crédito pelos clientes bancários e cria a rede extrajudicial de apoio a esses clientes bancários no âmbito da regularização dessas situações”, num claro propósito, como resulta do preâmbulo do diploma, de “prevenir situações de incumprimento ou, verificado o mesmo, evitar que a situação do consumidor se deteriore, com a consequente declaração da insolvência, num contexto de acentuada crise económica em que, com vista à proteção e tutela dos interesses dos consumidores, o legislador entendeu justificar-se um especial dever de prudência no relacionamento entre as instituições de crédito e os seus clientes, mormente na concessão de crédito”.


Por conseguinte, ocorrendo, por parte dos clientes bancários, mora ou incumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito, as instituições têm obrigatoriamente de os integrar no PERSI - artigos 12.° e 14.° -, por forma a viabilizar um mútuo acordo tendente a evitar o recurso à via judicial.


E, por isso, no período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento, a instituição de crédito está impedida de intentar acções judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito ( cfr. artt.18º b)).


No caso, não haveria qualquer hipótese de integrar esta mutuária no PERSI já que, como dissemos, a mesma já havia falecido aquando da ocorrência da mora e, por isso, não faz qualquer sentido exigir a demonstração do cumprimento desse regime relativamente a ela.


Ainda que o Banco tenha tido conhecimento do falecimento da mutuária antes da propositura da acção executiva não há notícia de que tenha tido (ou lhe tenha sido dado) conhecimento da identificação dos seus herdeiros, sendo certo que sempre seria sobre estes ( mormente sobre o cabeça de casal) que recaía o ónus de promover a sua habilitação numa fase pré-judicial.


Se o cliente bancário faleceu e não estão habilitados, e por consequência identificados, os seus herdeiros não se descortina como os procedimentos legais previstos nos artigos 13º e 15º do citado diploma poderiam ter sido levados a efeito por parte do Banco mutuante.


A decisão recorrida não pode, pois, manter-se.


III. DECISÃO


Por todo o exposto se acorda em julgar a apelação procedente e em revogar a decisão recorrida na parte em que considera absolvidos da instância executiva os executados/embargantes EE, FF e AA apenas e só na qualidade de herdeiros da falecida BB e determina nessa parte a sua extinção.


Custas pelos apelados.


Évora, 13 de Fevereiro de 2025


Maria João Sousa e Faro (relatora)


Ana Pessoa


Maria Adelaide Domingos