Sumário:
I. As comunicações previstas na lei aos condóminos ausentes das assembleias de condóminos não interferem com a questão da exequibilidade das atas das assembleias de condomínio, pois a atribuição de natureza executiva àquelas atas decorre unicamente de as mesmas conterem os requisitos indicados no artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25-10.
II. Para a ata da assembleia de condomínio valer como título executivo tem de conter a deliberação sobre o montante das contribuições ou despesas devidas ao condomínio, a fixação da quota-parte devida por cada condómino e o prazo de pagamento respetivo.
III. Consequentemente, a ata que se limita a documentar (certificar) a existência de uma dívida de um condómino por não pagamento de quotas, não reúne os requisitos de exequibilidade que resultam do artigo 6.º do referido Decreto-Lei n.º 268/94.
IV. Se inexiste deliberação sobre o prazo de pagamento, ainda que o mesmo possa resultar de uma outra deliberação, mormente do Regulamento do Condomínio, tal não supre a omissão daquele elemento essencial para conferir exequibilidade à ata da assembleia de condomínio.
V. Tendo a nova regulação normativa do artigo 6.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25-10, na redação da Lei n.º 8/2022, de 10-01, tomado posição sobre a problemática dos elementos que se consideram abrangidos pelo título executivo assente nas atas de deliberações da assembleia de condóminos, no que diz respeito à aplicação de «juros de mora, à taxa legal, da obrigação nele constante, bem como as sanções pecuniárias, desde que aprovadas em assembleia de condóminos ou previstas no regulamento do condomínio», a mesma lei tem natureza interpretativa, pelo que se aplica a deliberações precedentes à sua entrada em vigor, conquanto tenha existido deliberação no sentido da aplicação de juros de mora e penalidades.
Tribunal recorrido: TJ Comarca de ..., Juízo de Execução de ... – J2
Apelante: AA
Apelado: Condomínio Edifício ...
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação de Évora
I – RELATÓRIO
Por apenso à execução que CONDOMÍNIO EDIFÍCIO ..., lhe moveu apresentando como título executivo as atas das assembleias de condóminos n.ºs 21, 22, 23 e 24, veio a Executada AA deduzir oposição por embargos de executada pedindo a extinção da instância executiva por falta de título executivo.
Para o efeito, alegou, em síntese apertada, que existe falta de título executivo; falta de vencimento das quotas dominiais; falta de título executivo quanto às penalidades e falta de comunicação das deliberações tomadas nas referidas atas.
A Embargada contestou os embargos defendendo a existência de título executivo e a eficácia da comunicação, concluindo pela improcedência dos embargos.
Em sede de despacho saneador foi proferida sentença que julgou os embargos parcialmente procedentes, ordenando o prosseguimento da execução, exceto em relação ao valor pedido a título de contencioso no montante de €117,16.
Inconformada, a apelou a Embargante apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
«a) O Tribunal a quo fez um erro de julgamento de facto e direito art.639.º, 2,al.a) e 640.º do CPC;
b) O despacho é nulo por falta de fundamentação de facto e direito, art.615.º, 1 al.b) do CPC, limitou-se a aderir ao requerimento executivo;
c) O douto despacho violou o art.703.º, 1, al. d) do CPC e art.6.º , 1 do DL 268/94 de 25.10;
d) O douto Despacho violou o art.1432.º, 6 (actual 9) do C. Civil;
e) O douto despacho violou o art.713.º, do CPC, já que a obrigação não é exigível;
f)O douto despacho violou o art. 342.º,1 do C. Civil, ao aceitar as actas como título executivo sem que o exequente comprovasse que comunicou á recorrente as deliberações das assembleias de condóminos, uma vez que a mesma esteve ausente das mesmas;
g) Todas as deliberações das assembleias de condomínio aqui em causa não são exigíveis, porque as mesmas não foram comunicadas á recorrente nos termos dos arts 713.º CPC e art 1432.º, 6 do C. Civil;
h) As penas pecuniárias, os juros de mora e as multas não estão abrangidas pelo art.6.º, 1 do DL 268/94 de 25.10 á data dos factos;
i) Na acta deve constar entre outros pressupostos, a quota parte, e o valor devido por cada condómino e o respectivo prazo para cumprir;
j) Uma acta de assembleia posterior onde se mencionem dívidas dos condóminos relativos a anos anteriores não constitui título executivo;
k) Os documentos juntos ao requerimento identificados como actas não são títulos executivos;
l) A Lei 8/2022 não é uma lei interpretativa mas sim inovadora;
m) Não tendo havido comunicação das deliberações á recorrente as quotas aí expressas não se venceram;
n) A execução deve ser extinta e os valores penhorados á ordem do processo devem ser devolvidos à recorrente.
o) Pelo que deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão do Tribunal a quo, devendo ser substituída por outra em que considere extinta a execução deduzida contra a recorrente.»
Na resposta ao recurso, a apelada defendeu a confirmação da sentença recorrida.
II- FUNDAMENTAÇÃO
A. Objeto do Recurso
Considerando as conclusões das alegações, as quais delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC), não estando o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do CPC), no caso, as questões colocadas pela Apelante e pela ordem que as menciona, são as seguintes:
- Erro de julgamento de facto e direito;
- Nulidade da sentença por falta de fundamentação de facto e direito;
- Da falta de título executivo;
- Da falta de comunicação das deliberações à Embargante.
B- De Facto
A 1.ª instância proferiu a seguinte decisão de facto:
Factos Provados (reproduzimos em itálico os pontos de facto que se encontram impugnados no recurso):
«1. O Exequente propôs a presente execução por requerimento executivo de 28.01.2023, cujo teor se dá por reproduzido.
2. O Exequente é um condomínio validamente constituído, nestes autos representado pela sua entidade Administradora, a sociedade comercial «Imobarlavento - Mediação Imobiliária, Lda.», pessoa coletiva n.º ..., eleita em assembleia de condóminos realizada em 13.01.2022, mantendo-se em funções conforme documento n.º 1 junto com o requerimento executivo cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
3. A Executada é proprietária da fracção autónoma designada pela letra “L”, do prédio constituído em propriedade horizontal, ora Exequente.
4. Por deliberação tomada na Assembleia de Condóminos de 27.04.2019, foi fixada a quantia de €1.042,80 (mil e quarenta e dois euros e oitenta cêntimos), a título de quota única da responsabilidade da executada, destinada às despesas extraordinárias de reparação da cobertura do edifício, cujo pagamento deveria ter lugar dois meses antes do início da obra, conforme documento n.º 3 junto com o requerimento executivo e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
5. Relativamente às quotas deliberadas nesta assembleia, a Executada não procedeu ao pagamento das seguintes quantias:
i. € 1.042,80, correspondente à quota extraordinária de reparação da cobertura do edifício.
6. Na Assembleia de Condóminos realizada em 15.08.2020, foi deliberado e aprovado o valor em dívida dos condóminos, incluindo o da aqui Executada, tendo ficado deliberado que a mesma apresentava como dívida – além de outros montantes – a quantia de € 1.042,80 (mil e quarenta e dois euros e oitenta cêntimos) relativa à quota suplementar do ano civil de 2019 – cfr. documento n.º 4 junto com o requerimento executivo cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
7. Ainda por deliberação tomada por unanimidade na Assembleia de Condóminos de 15.08.2020, foi fixada a quantia de €160,83 (cento e sessenta euros e oitenta e três cêntimos) a título de quota trimestral da responsabilidade da Executada, destinada às despesas correntes das partes comuns do prédio, cujo pagamento deveria ter lugar em Janeiro, Abril, Julho e Outubro de 2020 e com vencimento ao dia 1 do primeiro mês do trimestre conforme documentos n.º 4 e n.º 5 juntos com o requerimento executivo e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
8. Relativamente às quotas deliberadas nesta assembleia, a Executada não procedeu ao pagamento das seguintes quantias:
i. € 643,32 correspondente ao 1.º, 2.º, 3.º e 4.º trimestre de 2020 – quotas ordinárias.
9. Por deliberação tomada por unanimidade na Assembleia de Condóminos realizada em 02.01.2021, foi fixada a quantia de €189,66 (cento e oitenta e nove euros e sessenta e seis euros) a título de quota trimestral da responsabilidade da Executada, destinada às despesas correntes das partes comuns do prédio, cujo pagamento deveria ter lugar em Janeiro, Abril, Julho e Outubro de 2021 e com vencimento ao dia 1 do primeiro mês do trimestre, conforme documentos n.º 5 e n.º 6 juntos com o requerimento executivo e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
10. Relativamente às quotas deliberadas nesta assembleia, a Executada não procedeu ao pagamento das seguintes quantias:
i. € 758,64 correspondente ao 1.º, 2.º, 3.º e 4.º trimestre de 2021 – quotas ordinárias.
11. Por deliberação tomada por unanimidade na Assembleia de Condóminos realizada em 13.01.2022, foi fixada a quantia de €192,75 (cento e noventa e dois euros e setenta e cinco cêntimos) a título de quota trimestral da responsabilidade da Executada, destinada às despesas correntes das partes comuns do prédio, cujo pagamento deveria ter lugar em Janeiro, Abril, Julho e Outubro de 2022, com vencimento ao dia 1 do primeiro mês do trimestre, conforme documentos n.º 1 e nº 5 juntos com o requerimento executivo.
12. Relativamente às quotas deliberadas nesta assembleia, a Executada não procedeu ao pagamento das seguintes quantias:
ii. € 771,00, correspondente ao 1.º, 2.º, 3.º e 4.º trimestres de 2022 – quotas ordinárias.
13. Na assembleia de condóminos que teve lugar no dia 13.01.2022, deliberou-se também que
14. Na Assembleia de Condóminos realizada em 18.01.2014 foi aprovado por unanimidade o Regulamento do Condomínio, conforme documentos nº 5 e nº 8 juntos com o requerimento executivo e cujo teor se dá por reproduzido.
15. Do artigo 2º do capítulo I do referido Regulamento, consta que
“1. O edifício é composto por doze fracções autónomas, isoladas e independentes entre si às quais cabem as designações A M, fins e valores relativos definidos na escritura pública de constituição de propriedade horizontal.
2. As doze fracções destinam-se a habitação.
3. Discriminação das fracções conforme definição em escritura pública de constituição de propriedade horizontal:
FRACÇÃO DESCRIÇÃO PERMILAGEM PROPRIEDADE
A R/C Esq. 71,40 BB
B R/C Dto. 82,10 CC
C 1.º Esq. 86,90 DD/EE
D 1.º Dto. 82,40 FF
E 2.º Esq. 86,90 GG
F 2.º Dto. 2,40 HH
G 3.º Esq. 86,90 II/JJ
H 3.º Dto. 82,40 KK
I 4.º Esq. 86,90 LL
J 4.º Dto. 82,40 MM/NN
L 5.º Esq. 86,90 OO
M 5.º Dto. 82,40 PP”
16. Do artigo 7.º do capítulo II do referido Regulamento do Condomínio consta o seguinte:
“1. As despesas extraordinárias, nomeadamente as previstas, realizadas pelo Administrador, deverão ser satisfeitas pelos condóminos no prazo de 8 dias e contra recibo.
2. Os pagamentos de quotizações ordinárias deve ser efectuado por trimestre que vencem no primeiro dia de cada trimestre e devem ser pagos nos 8 (oito) dias imediatos, por meio de cheque nominativo, transferência bancária ou em numerário e contra recibo.
3. As despesas efectuadas para garantir o normal funcionamento e manutenção das partes comuns serão suportadas pelos condóminos, através do pagamento periódico de uma quota, em função da permilagem respectiva.
4. As despesas das partes comuns, que sirvam exclusivamente algum(s) condóminos e geradas por má utilização das mesmas; será(ão) por este(s) suportada(s).
5. Sempre que numa fracção autónoma surja(m) avaria(s) que possam ocasionar prejuízos a terceiros ou a partes comuns do prédio, deve o respectivo proprietário providenciar para que sejam reparadas com a devida urgência, sob pena de ver agravada a sua responsabilidade.
6. Nas despesas das partes exclusivamente comuns, só participam os condóminos cujas fracções por eles possam ser servidas.”
17. Do artigo 2º do capítulo VI do referido Regulamento, consta que
“1. O incumprimento do disposto do Capítulo IV, artigo 2, 3 e 4, por períodos superiores a 90 dias, determinará o pagamento de uma multa no valor igual à quota em falta, por cada período de 30 dias, desde a data do incumprimento e até à data da sua integral liquidação. O valor máximo da multa será o máximo definido por lei, correspondente a 25% do redimento colectável, calculado com base em 15% valor patrimonial tributário, conforme o factor 15 referido no artigo 6º n.º 1 do DL n.º 442-C/88.
a) relativamente aos valores em dívida, serão contados juros de mora à taxa legal em vigor de 7 % ao ano, sem prejuízo de ulteriores alterações que advenham de outras portarias:
b) se o atraso no pagamento da quota de condomínio ultrapassar os 180 dias, deverá a administração tomar as providências necessárias a cobrança coerciva da mesma, nomeadamente interpondo acção judicial contra o condómino em falta.
2. O incumprimento das restantes disposições deste regulamento, bem como das determinações da administração, obrigará o infractor a indemnizar os restantes condóminos pelos prejuízos sofridos, em montante a fixar pela assembleia de condóminos nos lermos do n° 2 do artigo 1434° do Código Civil, sem prejuízo da eventual responsabilidade civil que decorra do acto.
3. Os montantes pagos nos termos deste artigo reverterão, a título de receita, para o Fundo Comum de Reserva.”
18. A Executada foi interpelada para proceder ao pagamento dos valores acima referidos por carta registada de 14.11.2022, enviada em 15.11.2022, conforme documento n.º 7 junto com o requerimento executivo cujo teor se dá por integralmente reproduzido, não tendo procedido ao seu levantamento, vindo tal missiva devolvida com a menção de: “objeto não reclamado”.
Factos Não Provados
«Não se deixaram de demonstrar outros factos nem se mostra necessária a produção de outra prova respeitante a qualquer dos demais factos alegados, uma vez que a matéria apurada é suficiente para a decisão da causa.»
C. Do Conhecimento das questões suscitadas no recurso
Passámos agora à análise das questões decidendas considerando a sua precedência lógica.
1. Se a decisão recorrida é nula por falta de fundamentação de facto e direito
Alega a Apelante na Conclusão b) que «O despacho é nulo por falta de fundamentação de facto e direito, art.615.º, 1 al.b) do CPC, limitou-se a aderir ao requerimento executivo».
Lida a motivação do recurso, não conseguimos encontrar uma simples palavra em relação a esta arguição de nulidade.
Não há, pois, fundamentação que sustente esta a Conclusão.
Sem essa motivação, dificilmente se pode entender o sentido da alegação, tanto mais que a referência à adesão ao requerimento executivo, é manifestamente inexata, o que saí evidenciado da mera leitura da parte da fundamentação da sentença recorrida.
Por outro lado, é também patente que a sentença obedece ao iter previsto no artigo 607.º do CPC, no aspeto formal e substancial, inexistindo falta de fundamentação de facto e de direito.
Nestes termos, improcede o alegado nesta Conclusão do recurso.
2. Se a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento de facto e direito
Alega a Apelante na Conclusão a) que «O Tribunal a quo fez um erro de julgamento de facto e direito art.639.º, 2,al.a) e 640.º do CPC».
A invocação do artigo 639.º, n.º 2, alínea a), do CPC, salvo o devido respeito, é inócua, porquanto o mesmo rege os requisitos, sob a forma de ónus impostos ao recorrente que pretende impugnar a decisão de direito, ou seja, a norma direciona-se à peça processual apresentada pelo recorrente e não ao ato decisório impugnado.
De qualquer modo, como a Apelante discorda, em termos de aplicação do direito aos factos apurados, impõe-se a análise do mérito da sentença, como infra melhor se fará.
Em relação à invocação do erro de julgamento ao nível do facto e referência ao artigo 640.º do CPC, a recorrente impugna «os factos dados como provados referente aos pontos 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17 e 18 do despacho recorrido», alegando, em suma, desconformidade entre o dado como provado e o que consta do teor das atas.
Analisada a decisão de facto, verifica-se que a fundamentação da mesma se reconduz aos documentos juntos aos autos, que não se encontram impugnados, ou seja, às atas n.ºs 21, 22, 23 e 24, ao Regulamento do Condomínio e à carta de interpelação dirigida à Executada.
Todavia, também se verifica que na decisão de facto consta muito mais do que o estrito teor dos documentos, mormente das atas, pois reflete a interpretação que o Exequente deu àqueles documentos, que se encontra impugnada na oposição.
Sendo que nenhuma outra prova foi carreada para os autos, até porque a decisão recorrida foi emitida em sede de saneamento do processo.
Assim sendo, tendo em conta a impugnação da decisão de facto, e, considerando ainda, que estão em causa documentos particulares não impugnados, o teor dos mesmos (não a sua interpretação) encontra-se assente (artigos 551.º, 574.º, n.º 2 e 728.º do CPC).
Assim sendo, e em face do disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, impõe-se a alteração da decisão de facto de modo a que a mesma reflita o estrito teor dos documentos juntos e acordo das partes por falta de impugnação, nos seguintes termos:
Facto provado 4:
Consta da ata n.º 21 referente à assembleia de condóminos de 27-04-2019:
«Foi aprovada ainda uma proposta de uma contribuição suplementar de 12.000€ para reparação da cobertura do prédio, a cobrar aquando dois meses antes do início dos trabalhos». (doc. 3 do Requerimento Executivo e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido).
Facto provado 5:
A Executada não procedeu ao pagamento da quota-parte da quantia referida no facto provado 4.
Facto provado 6:
Consta da ata n.º 22 referente à assembleia de condóminos de 15-08-2020, que o administrador «informou os presentes» que existem situações de «crédito do condomínio sobre os condóminos», sendo que em relação à fração L, para além de outros valores, consta o valor de «€1.042,80 relativos à quota suplementar do ano civil de 2019.» (doc. 4 do Requerimento Executivo e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido).
Facto provado 7:
Consta ainda ata n.º 22 que foi aprovado, por unanimidade, «a proposta de orçamento da Administração para 2020, que consiste nas seguintes despesas previstas:
«A. Eletricidade: 1.100,00€ (…);
B. Serviços de Limpeza: 1.200,00€ (…);
C. Água: 300,00€ (…);
D. Manutenção de Elevadores: 3.000,00€ (…);
E. Linha Telefónica de Elevador: 150,00€ (…);
F. Aplicações e Reparações: 600,00€ (…);
G. Contencioso: 250,00€ (…)
H. Consumo e Expediente: 10,00€ (…);
I. Despesas Bancárias : 120,00€ (…).
Fixou ainda a Assembleia, a contribuição para o Fundo Comum de Reserva do Condomínio em 10%.» (doc. 4 do Requerimento Executivo e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido).
Facto provado 8:
A Embargante não procedeu ao pagamento da quota-parte do valor das despesas correntes das partes comuns do edifício referentes ao ano de 2020 referidas no facto provado 7. (assente por acordo)
Facto provado 9:
Consta da ata n.º 23 referente à assembleia de condóminos de 02-01-2021 que o administrador «informou os presentes» que existem situações de «crédito do condomínio sobre os condóminos», sendo que em relação à fração L, para além de outros valores, consta o valor de «1.042,80€ relativos à quota suplementar do ano civil de 2019; 663,14 relativos às quotas de condomínio do ano civil de 2019, sendo o valor trimestral de 175,70€; 702,81€ relativos às quotas de condomínio do ano civil de 2020, sendo o valor trimestral de 175,70€» e que foi aprovado, por unanimidade, a proposta de orçamento para a Administração de 2021 e que o valor aprovado «será dividido por cada fração, em função da permilagem, onde resultarão os seguintes valores trimestrais: (…) Fração “L”: €188,66.»
Mais ficou a constar da referida ata:
«Mais delibera a assembleia por unanimidade que o orçamento ora aprovado (incluindo a quota-parte devida pelos condóminos relativamente ao montante das contribuições, despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum), assim como os respetivos prazos de pagamento das quotas condominiais, vigorarão até que a assembleia delibere e aprove um novo orçamento.» (doc. 6 do Requerimento Executivo e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido).
Facto provado 10:
A Embargante não procedeu ao pagamento da quota-parte do valor das despesas correntes das partes comuns do edifício referentes ao ano de 2021 referidas no facto provado 9. (assente por acordo)
Facto provado 11:
Consta da ata n.º 24 referente à assembleia de condóminos de 13-01-2022 que QQ que presidiu à assembleia que existem «dívidas de condóminos», sendo que em relação à fração “L”, para além de outros valores, consta o valor de «€1.042,80, relativos à quota suplementar de 2019; €663,14 relativos às quotas de condomínio do 1.º ao 4.º trimestre de 2019, sendo o valor trimestral de €165,78; €758,64€ relativos às quotas de condomínio do 1.º ao 4.º trimestre de 2021, sendo o valor trimestral de €189,66.»
Consta ainda da mesma ata n.º 24, em relação ao orçamento para o ano de 2022, o seguinte:
«O orçamento apresentado é aprovado por unanimidade dos presentes, e será dividido por cada fração, em função da sua permilagem, onde resultarão os seguintes valores trimestrais, com vencimento ao dia 09 do primeiro mês do respetivo trimestre: (…) Fração “L”: €192,75.» (doc. 8 do Requerimento Executivo e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido).
Facto provado 12:
A Embargante não procedeu ao pagamento da quota-parte do valor das despesas correntes das partes comuns do edifício referentes ao ano de 2022 referidas no facto provado 11. (assente por acordo)
Em relação aos factos provados 13, 14, 15, 16 e 17 nada há a alterar considerando que reproduzem trechos da ata n.º 24 (fp13), a aprovação do Regulamento (fp14), o teor do artigo 2.º, capítulo I, do artigo 7.º, capítulo II e artigo 2.º do capítulo VI do Regulamento (fp 15 a 17), sendo que tais documentos não foram objeto de impugnação.
Já em relação ao facto provado 18 importa alterar a sua redação porquanto remete, em termos de valores, para a redação dos pontos de facto alterados.
Assim, altera-se a redação do facto provado 18 que passa a ter a seguinte redação:
A Embargante foi interpelada por carta registada de 14-11-2022, enviada em 15-11-2022, para «proceder ao pagamento da quantia de €4.393,27 (…), no prazo de cinco dias a contar da recepção da presente missiva» sendo que esta quantia «refere-se às respectivas prestações mensais de condomínio, no período compreendido entre 31 de dezembro de 2019 a 01 de outubro de 2022 (…) à qual acresce juros já vencidos no montante de €309,22 (…), bem como, o pagamento da quantia de €123,00 (…), a título de honorários devidos ao mandatário, assim como o valor de €22,66 (…) a título de despesas administrativas, ocasionadas pela presente cobrança.» (doc. 7 do Requerimento Executivo e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido).
Em face das substanciais alterações da decisão de facto, passa-se agora a reproduzir, a negrito, todo o quadro factual dado como provado e a ter em conta na apreciação do presente recurso.
1. O Exequente propôs a presente execução por requerimento executivo de 28.01.2023, cujo teor se dá por reproduzido.
2. O Exequente é um condomínio validamente constituído, nestes autos representado pela sua entidade Administradora, a sociedade comercial «Imobarlavento - Mediação Imobiliária, Lda.», pessoa coletiva n.º ..., eleita em assembleia de condóminos realizada em 13.01.2022, mantendo-se em funções conforme documento n.º 1 junto com o requerimento executivo cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
3. A Executada é proprietária da fracção autónoma designada pela letra “L”, do prédio constituído em propriedade horizontal, ora Exequente.
4. Consta da ata n.º 21 referente à assembleia de condóminos de 27-04-2019:
«Foi aprovada ainda uma proposta de uma contribuição suplementar de 12.000€ para reparação da cobertura do prédio, a cobrar aquando dois meses antes do início dos trabalhos».
5. A Executada não procedeu ao pagamento da quota-parte da quantia referida no facto provado 4.
6. Consta da ata n.º 22 referente à assembleia de condóminos de 15-08-2020, que o administrador «informou os presentes» que existem situações de «crédito do condomínio sobre os condóminos», sendo que em relação à fração L, para além de outros valores, consta o valor de «€1.042,80 relativos à quota suplementar do ano civil de 2019.»
7. Consta ainda ata n.º 22 que foi aprovado, por unanimidade, «a proposta de orçamento da Administração para 2020, que consiste nas seguintes despesas previstas:
A. Eletricidade: 1.100,00€ (…);
B. Serviços de Limpeza: 1.200,00€ (…);
C. Água: 300,00€ (…);
D. Manutenção de Elevadores: 3.000,00€ (…);
E. Linha Telefónica de Elevador: 150,00€ (…);
F. Aplicações e Reparações: 600,00€ (…);
G. Contencioso: 250,00€ (…)
H. Consumo e Expediente: 10,00€ (…);
I. Despesas Bancárias : 120,00€ (…).
Fixou ainda a Assembleia, a contribuição para o Fundo Comum de Reserva do Condomínio em 10%.»
8. A Embargante não procedeu ao pagamento da quota-parte do valor das despesas correntes das partes comuns do edifício referentes ao ano de 2022 referidas no facto provado 7.
9. Consta da ata n.º 23 referente à assembleia de condóminos de 02-01-2021 que o administrador «informou os presentes» que existem situações de «crédito do condomínio sobre os condóminos», sendo que em relação à fração L, para além de outros valores, consta o valor de «1.042,80€ relativos à quota suplementar do ano civil de 2019; 663,14 relativos às quotas de condomínio do ano civil de 2019, sendo o valor trimestral de 175,70€; 702,81€ relativos às quotas de condomínio do ano civil de 2020, sendo o valor trimestral de 175,70€» e que foi aprovado, por unanimidade, a proposta de orçamento para a Administração de 2021 e que o valor aprovado «será dividido por cada fração, em função da permilagem, onde resultarão os seguintes valores trimestrais: (…) Fração “L”: €188,66.»
Mais ficou a constar da referida ata:
«Mais delibera a assembleia por unanimidade que o orçamento ora aprovado (incluindo a quota-parte devida pelos condóminos relativamente ao montante das contribuições, despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum), assim como os respetivos prazos de pagamento das quotas condominiais, vigorarão até que a assembleia delibere e aprove um novo orçamento.»
10. A Embargante não procedeu ao pagamento da quota-parte do valor das despesas correntes das partes comuns do edifício referentes ao ano de 2021 referidas no facto provado 9.
11. Consta da ata n.º 24 referente à assembleia de condóminos de 13-01-2022 que QQ presidiu à assembleia e referiu que existem «dívidas de condóminos», sendo que em relação à fração “L”, para além de outros valores, consta o valor de «€1.042,80, relativos à quota suplementar de 2019; €663,14 relativos às quotas de condomínio do 1.º ao 4.º trimestre de 2019, sendo o valor trimestral de €165,78; €758,64€ relativos às quotas de condomínio do 1.º ao 4.º trimestre de 2021, sendo o valor trimestral de €189,66.»
Consta ainda da mesma ata n.º 24, em relação ao orçamento para o ano de 2022, o seguinte:
«O orçamento apresentado é aprovado por unanimidade dos presentes, e será dividido por cada fração, em função da sua permilagem, onde resultarão os seguintes valores trimestrais, com vencimento ao dia 09 do primeiro mês do respetivo trimestre: (…) Fração “L”: €192,75.» (doc. 8 do Requerimento Executivo e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido).
12. A Embargante não procedeu ao pagamento da quota-parte do valor das despesas correntes das partes comuns do edifício referentes ao ano de 2022 referidas no facto provado 11.
13. Na assembleia de condóminos que teve lugar no dia 13.01.2022, deliberou-se também que
14. Na Assembleia de Condóminos realizada em 18.01.2014 foi aprovado por unanimidade o Regulamento do Condomínio, conforme documentos nº 5 e nº 8 juntos com o requerimento executivo e cujo teor se dá por reproduzido.
15. Do artigo 2º do capítulo I do referido Regulamento, consta que
“1. O edifício é composto por doze fracções autónomas, isoladas e independentes entre si às quais cabem as designações A M, fins e valores relativos definidos na escritura pública de constituição de propriedade horizontal.
2. As doze fracções destinam-se a habitação.
3. Discriminação das fracções conforme definição em escritura pública de constituição de propriedade horizontal:
FRACÇÃO DESCRIÇÃO PERMILAGEM PROPRIEDADE
A R/C Esq. 71,40 BB
B R/C Dto. 82,10 CC
C 1.º Esq. 86,90 DD/EE
D 1.º Dto. 82,40 FF
E 2.º Esq. 86,90 GG
F 2.º Dto. 2,40 HH
G 3.º Esq. 86,90 II/JJ
H 3.º Dto. 82,40 KK
I 4.º Esq. 86,90 LL
J 4.º Dto. 82,40 MM/NN
L 5.º Esq. 86,90 OO
M 5.º Dto. 82,40 PP”
16. Do artigo 7.º do capítulo II do referido Regulamento do Condomínio consta o seguinte:
“1. As despesas extraordinárias, nomeadamente as previstas, realizadas pelo Administrador, deverão ser satisfeitas pelos condóminos no prazo de 8 dias e contra recibo.
2. Os pagamentos de quotizações ordinárias deve ser efectuado por trimestre que vencem no primeiro dia de cada trimestre e devem ser pagos nos 8 (oito) dias imediatos, por meio de cheque nominativo, transferência bancária ou em numerário e contra recibo.
3. As despesas efectuadas para garantir o normal funcionamento e manutenção das partes comuns serão suportadas pelos condóminos, através do pagamento periódico de uma quota, em função da permilagem respectiva.
4. As despesas das partes comuns, que sirvam exclusivamente algum(s) condóminos e geradas por má utilização das mesmas; será(ão) por este(s) suportada(s).
5. Sempre que numa fracção autónoma surja(m) avaria(s) que possam ocasionar prejuízos a terceiros ou a partes comuns do prédio, deve o respectivo proprietário providenciar para que sejam reparadas com a devida urgência, sob pena de ver agravada a sua responsabilidade.
6. Nas despesas das partes exclusivamente comuns, só participam os condóminos cujas fracções por eles possam ser servidas.”
17. Do artigo 2º do capítulo VI do referido Regulamento, consta que
“1. O incumprimento do disposto do Capítulo IV, artigo 2, 3 e 4, por períodos superiores a 90 dias, determinará o pagamento de uma multa no valor igual à quota em falta, por cada período de 30 dias, desde a data do incumprimento e até à data da sua integral liquidação. O valor máximo da multa será o máximo definido por lei, correspondente a 25% do redimento colectável, calculado com base em 15% valor patrimonial tributário, conforme o factor 15 referido no artigo 6º n.º 1 do DL n.º 442-C/88.
a) relativamente aos valores em dívida, serão contados juros de mora à taxa legal em vigor de 7 % ao ano, sem prejuízo de ulteriores alterações que advenham de outras portarias:
b) se o atraso no pagamento da quota de condomínio ultrapassar os 180 dias, deverá a administração tomar as providências necessárias a cobrança coerciva da mesma, nomeadamente interpondo acção judicial contra o condómino em falta.
2. O incumprimento das restantes disposições deste regulamento, bem como das determinações da administração, obrigará o infractor a indemnizar os restantes condóminos pelos prejuízos sofridos, em montante a fixar pela assembleia de condóminos nos lermos do n° 2 do artigo 1434° do Código Civil, sem prejuízo da eventual responsabilidade civil que decorra do acto.
3. Os montantes pagos nos termos deste artigo reverterão, a título de receita, para o Fundo Comum de Reserva.”
18. A Embargante foi interpelada por carta registada de 14-11-2022, enviada em 15-11-2022, para «proceder ao pagamento da quantia de €4.393,27 (…), no prazo de cinco dias a contar da recepção da presente missiva» sendo que esta quantia «refere-se às respectivas prestações mensais de condomínio, no período compreendido entre 31 de dezembro de 2019 a 01 de outubro de 2022 (…) à qual acresce juros já vencidos no montante de €309,22 (…), bem como, o pagamento da quantia de €123,00 (…), a título de honorários devidos ao mandatário, assim como o valor de €22,66 (…) a título de despesas administrativas, ocasionadas pela presente cobrança», não tendo procedido ao seu levantamento, vindo tal missiva devolvida com a menção de: «objeto não reclamado».
3. Da falta de comunicação das deliberações à Embargante.
Alega a Apelante que o Exequente não lhe comunicou as deliberações da assembleia de condóminos cujas atas são apresentadas como títulos executivos, nos termos do artigo 1342.º, n.º 6 (atual n.º 9) do Código Civil, concluindo, por essa razão, que a obrigação não é exigível, nem se venceu, daí extraindo a conclusão que as referidas atas não são títulos executivos.
Vejamos.
As deliberações da assembleia de condóminos, devidamente consignadas em ata, impõem-se aos condóminos e a terceiros titulares de direitos relativos às frações, tenham-nas aqueles aprovado ou não (cfr. artigo 1.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 268/94 de 25-10), a não ser que as impugnem com êxito (artigo 1433.º do Código Civil).
A lei determina que as deliberações sejam comunicadas aos condóminos ausentes, por carta registada com aviso de receção, no prazo de 30 dias (artigos 1432º, n.º 91 e 1433.º, n.º 2, do Código Civil).
Estipula o artigo 1342.º, n.º 9, do Código Civil do seguinte modo: «As deliberações têm de ser comunicadas a todos os condóminos ausentes, no prazo de 30 dias, por carta registada com aviso de receção ou por correio eletrónico, aplicando-se, neste caso, o disposto nos n.ºs 2 e 3.»
Porém, as comunicações previstas na lei aos condóminos ausentes não interferem com a questão da exequibilidade das atas das assembleias de condomínio.
Como tem vindo a jurisprudência a decidir em vários arestos, a atribuição de natureza executiva às atas das assembleias de condóminos decorre unicamente de as mesmas conterem os requisitos indicados no artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25-10, e não de quaisquer outros, designadamente da sua comunicação aos condóminos.
Na verdade, a falta de comunicação terá como único efeito dilatar para mais tarde (para quando seja efetuada por qualquer meio idóneo – carta registada com aviso de receção ou outro mais solene, como seja a citação) o início do prazo de impugnação e não o início da possibilidade de execução.
Neste sentido, vejam-se, entre outros, o Ac. RP, de 16-05-20072 e o Ac. RG, de 14-2-20133, bem como o Ac.RE, de 11-03-20214, lendo-se no sumário deste último: «2.O artigo 6.º, n.º 1, do D-L n.º 268/94 não faz depender a exequibilidade das atas da assembleia de condomínio da comunicação das deliberações que aquelas documentam aos condóminos ausentes.»
Também no acórdão da RP, proferido em 16-06-20205, referido na sentença, expressa a mesma ideia quando enfatiza a função adjetiva da comunicação prevista no artigo 1342.º, n.º 9, do Código Civil, determinando o início da contagem dos prazos de impugnação da deliberação aprovada em assembleia de condóminos destinados a invalidar as mesmas.
É, pois, de concluir que a falta de envio da comunicação das deliberações em causa nos autos não interfere com a exequibilidade das atas dadas à execução, a qual depende, como já referido, da verificação dos requisitos previstos no artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 268/94.
Nada tendo sido invocado quanto à impugnação das deliberações tomadas, no modo e no tempo previsto na lei, a conclusão a retirar é que as deliberações tomadas e vertidas nas atas das assembleias de condomínio juntas aos autos, vinculam todos os condóminos incluindo a ora recorrente.
A questão da certeza, liquidez e exigibilidade da obrigação correspondem a pressupostos necessários da obrigação exequenda, remetendo-se para o que vai ser dito infra.
Nestes termos, improcede a alegação da apelação em relação à questão em apreciação.
4. Falta de título executivo
Alega o apelante que as atas n.ºs 21, 22, 23 e 24, apresentadas como títulos executivos, não são dotadas de exequibilidade por não preencherem os pressupostos do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25-10.
Vejamos, então, se assim é.
A ação executiva, tal como se preceitua no artigo 10.º, n.º 3, do CPC, é aquela em que «o credor requer as providências adequadas à realização coativa de uma obrigação que lhe é devida.».
Prescrevendo o n.º 5 do mesmo precito que: “Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva.”
Para que possa ter lugar a realização duma prestação devida (ou do seu equivalente), há assim que satisfazer dois tipos de condição, dos quais depende a exequibilidade do direito à prestação:
a) o dever de prestar deve constar de um título – o título executivo (artigos 10.º, n.ºs 5 e 6, e 703.º do CPC);
b) a prestação deve mostrar-se certa, exigível e líquida (cfr. artigo 713.º do CPC).
No dizer de Lebre de Freitas6, o título executivo constitui um pressuposto de caráter formal, condicionando extrinsecamente a exequibilidade do direito na medida em que lhe confere o grau de certeza que o sistema reputa de suficiente para a admissibilidade da ação executiva formal.
A certeza, a liquidez e a exigibilidade são pressupostos de caráter material que condicionam intrinsecamente a exequibilidade do direito, porquanto sem eles não é admissível a satisfação coativa da pretensão.
A certeza e a liquidez da obrigação consubstanciam a qualidade da determinação do pedido.
Assim, a obrigação é certa quando a prestação se encontra qualitativamente determinada e é líquida quando está quantitativamente determinada.
Já em relação à exigibilidade, o que está em causa é a verificação do facto do qual depende o cumprimento da obrigação: interpelação do credor, decurso do prazo de vencimento, ocorrência da condição, realização da contraprestação.
Consequentemente, a obrigação é exigível quando deva ser cumprida de modo imediato e incondicional após a interpelação ao devedor. Está nessas condições, por exemplo, a obrigação que, à data da propositura da execução, se encontre vencida.
Todavia, o conceito de exigibilidade da obrigação não se confunde com o conceito de vencimento. Como refere Lebre de Freitas , «a obrigação pura cujo devedor não tenha sido ainda interpelado não está vencida e, no entanto, a prestação é exigível (artigo 777.º, n.º 1, CC)».
É conhecida a polémica jurisprudencial sobre o modo como devem ter-se por preenchidos os pressupostos ou requisitos das atas das assembleias de condóminos para serem tidos como títulos executivos.
Basicamente confrontam-se duas posições diferentes. Uma, que veicula uma interpretação do artigo 6.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 268/94, que abrange tanto as atas que aprovam certa despesas ou contribuição devida por cada condomínio fixando o respetivo prazo de pagamento, como as atas que liquidam a responsabilidade de certo condómino que está em situação de incumprimento, argumentando que esta tese é aquela que melhor se enquadra na interpretação da lei, atento o disposto no artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil , sendo esse o espírito do legislador como ressalta do preâmbulo do referido diploma legal, ou seja, o de conferir eficácia executiva às atas das reuniões da assembleia dos condóminos de forma a evitar o recurso à ação declarativa em matérias em que estão em jogo questões monetárias liquidadas ou de fácil liquidação segundo os critérios legais que presidem à sua atribuição e distribuição pelos condóminos e sobre as quais não recai verdadeira controvérsia.
Já outra mais restritiva, só admite como título executivo a ata da assembleia de condóminos que documente a deliberação de onde nasça a obrigação de pagamento de contribuição mencionando o valor da responsabilidade do condómino e respetivo prazo de pagamento e não também a deliberação que declara a dívida exata depois de vencida, argumentando que a assembleia de condóminos quando declara que o condómino está em dívida com determinado valor reconhece apenas que ele deixou de liquidar a contribuição anteriormente fixada, dentro do prazo estabelecido para o efeito, ou seja, não contém a fonte da obrigação do condómino, limitando-se a constatar a existência dessa dívida.
Embora a questão tenha ficado resolvida com a alteração legislativa da redação do artigo 6.º por via da Lei n.º 8/2022, de 10-01 (no sentido da tese mais restritiva acima referida7), a questão continua a colocar-se em relação às deliberações vertidas em ata anteriores à entrada em vigor da alteração, ou seja, 10-04-2022, como sucede no caso presente.
Contudo, torna-se incontornável, como refere o STJ no recente Acórdão de 17-10-20248, considerando a redação originária do artigo 6.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25-10, que se «Numa interpretação literal, aquilo que a norma exige parece ser tão-só que a acta respeite a reunião em que se deliberou sobre o montante das contribuições devidas pelo condómino e não que dela conste expressamente este montante (…) não se pode esquecer que, como decorre do já mencionado artigo 10.º, n.º 5, do CPC, os títulos executivos desempenham a função essencial de certificação do direito.
Os títulos executivos podem definir-se, de facto, como “(…) os documentos (escritos) constitutivos ou certificativos de obrigações que, mercê da força probatória especial de que estão munidos, tornam dispensável o processo declaratório (ou novo processo declaratório) para certificar a existência do direito do portador”4.9
Assim, sob pena de ficar comprometida aquela sua função, os títulos executivos não podem deixar de conter um mínimo de elementos identificadores do direito em causa.
Com isto em mente, a jurisprudência tem esclarecido, nas palavras usadas no sumário do Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 19.06.2019 (Proc. 5859/08.0YYLSB-A.L2.S1):
“A acta de condomínio vale como título executivo previsto no art.6.º, n.º 1 do DL n.º 268/94, de 25-10 desde que contenha (i) o nome do proprietário/condómino devedor e (ii) o montante em dívida – art. 53.ºdo CPC”.
Mais se diz na fundamentação deste Acórdão:
“à luz do artigo 6.º do já citado Decreto-Lei nº 268/94, de25 de Outubro, a acta para valer como título executivo teria de conter não só o nome do devedor, mas também o montante em dívida, forçoso seria concluir que, só com esses dois elementos, ficaria satisfeita a exigência contida no n.º5 do art.º 10.º (anterior artigo 45.º, n.º 1, do Código de Processo Civil) – ‘toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva’”.
Mais preciso quanto às exigências que devem contar as actas para o efeito de funcionarem como título executivo é ainda o sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2.06.2021 (Proc. 1549/18.4T8SVL-A.E1.S1):
“I - Para valer como título executivo nos termos do art. 6º do DL nº268/94 de 25.10, a acta da assembleia de condomínio tem de conter a deliberação sobre o montante das contribuições ou despesas devidas ao condomínio, a fixação da quota-parte devida por cada condómino e o prazo de pagamento respectivo;
II – A acta que se limita a documentar a aprovação pela assembleia da existência de uma dívida de um condómino por não pagamento de quotas, tal como referido pela administração, não reúne os requisitos de exequibilidade que resultam do art. 6º do DL n 268/94”.
Veja-se ainda, no mesmo sentido, o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 1.10.2019 (Proc. 14706/14.3T8LSB.L1.S1):
“A acta da assembleia de condóminos da qual consta uma deliberação que se limita a reconhecer a existência de uma dívida dos condóminos/executados relativa à falta de pagamento de contribuições, referida como existente pela administração, não constitui título executivo nos termos e para efeitos do disposto no n.º 1 do art. 6.º do DL n.º 268/94, de 25-10”.»
Em face da argumentação jurídica aduzida e acima referida, afigura-se-nos ser de seguir esta interpretação do referido artigo 6.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25-10, na redação originária.
Em suma, nos termos deste preceito legal, para a ata da assembleia de condomínio valer como título executivo tem de conter a deliberação sobre o montante das contribuições ou despesas devidas ao condomínio, a fixação da quota-parte devida por cada condómino e o prazo de pagamento respetivo.
Consequentemente, a ata que se limita a documentar (certificar) a existência de uma dívida de um condómino por não pagamento de quotas, não reúne os requisitos de exequibilidade que resultam do referido artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 268/94.
Sendo que as atas posteriores, por não serem deliberativas/constitutivas da obrigação de pagamento em relação a obrigações anteriores (o que inclui o valor da quota-parte do condómino e o prazo de pagamento), não suprem a falta dos requisitos de exequibilidade da ata onde a deliberação foi tomada, uma vez que a ata à qual o legislador conferiu exequibilidade, dispensando o credor de enveredar previamente pela ação declarativa, é a ata que enforma a deliberação correspondente ao nascimento da obrigação.
Ademais, também se nos afigura que, sendo o prazo da obrigação um dos elementos essenciais para que as atas das deliberações da assembleia de condomínios sejam dotadas de exequibilidade, é necessário que a assembleia tenha deliberado sobre esse elemento essencial (prazo). Se inexiste deliberação sobre esse elemento, ainda que o prazo de pagamento possa resultar de uma outra deliberação, mormente do Regulamento do Condomínio, tal não supre a omissão daquele elemento essencial para conferir exequibilidade à ata da assembleia de condomínio.
Tendo estes pressupostos em mente, vejamos, agora, a situação em apreço.
Apresentando como título executivo a ata n.º 21 referente à assembleia de condóminos realizada em 27-04-2018, o Exequente pretende executar a dívida de €1.042,80 referente à fração titulada pela Executada (fração L), alegando que tal valor é o que resulta do orçamento global de €12.000,00 (a título de despesas extraordinárias de reparação da cobertura do edifício) e da permilagem da fração L (86,900/100) que consta do Regulamento do Condomínio. Quanto ao prazo de pagamento invoca que o mesmo é o que decorre da referida ata, ou seja, «dois meses antes do início da obra».
Da leitura da ata n.º 21 decorre o valor do orçamento aprovado (€12.000,000) o que é adequado e suficiente para se saber qual o valor global da obrigação aprovada e assumida por todos os condóminos (não exigindo a lei que esteja anexado à ata o orçamento para a mesma valer como título executivo).
Porém, da referida ata n.º 21 não consta a quota-parte desse valor global que cabe a cada condómino.
Ou seja, inexiste quantificação da obrigação, o que implica que a obrigação em causa, em relação à quota-parte da responsabilidade da Embargante, não se encontre liquidada.
Para além disso, também não consta o prazo de pagamento. O que consta é que o prazo de pagamento fica dependente de uma condição: o início da obra. A partir desse momento é que passam a correr os dois meses, ou seja, é que se inicia o decurso do prazo de pagamento. Nada sendo dito sobre a data do início da obra, é impossível determinar o início do prazo de pagamento, o que redunda na inexistência de um prazo de pagamento inscrito no título executivo a partir do qual a obrigação se torna exigível.
Assim sendo, em face do título executivo, a obrigação para além de ser ilíquida, também é inexigível.
Como já supra referido, a menção das dívidas nas atas das assembleias de condóminos dos anos subsequentes, não tem caracter constitutivo da obrigação e não supre a falta de exequibilidade da ata onde a deliberação foi tomada.
O mesmo se diga em relação à questão do prazo e sua conjugação com o que consta do Regulamento do Condomínio pelas razões já supra referidas.
De qualquer modo, sempre se dirá que em relação à questão do prazo de pagamento das despesas extraordinárias, o que resulta do artigo 7.º, n.º 1, do Regulamento é um prazo de pagamento após a obra se encontrar realizada, o que nem sequer se adequa, e até contraria, a deliberação que consta da ata n.º 21 sobre o prazo de pagamento.
Nestes termos, conclui-se que a ata n.º 21 não é dotada de exequibilidade em relação ao valor da quota-parte referente à fração da ora recorrente, procedendo a apelação nessa parte.
Quanto à ata n.ºs 22, e como consta do facto provado 7, apesar do orçamento anual para 2020 ter sido aprovado pela assembleia de condomínio, nada foi deliberado sobre o valor da quota-parte dos condóminos, nem sobre o prazo de pagamento do mesmo.
O valor dessa quotização veio a ser referido nas subsequentes atas n.º 23 e 24 (cfr. pontos 9 e 11 dos factos provados) mas apenas em termos informativos/certificativos por parte da administração do condomínio.
Pelas razões sobreditas, a ata n.º 23 não tem valor de título executivo em relação às quotas do ano de 2020 por o valor da quota-parte de cada condómino e respetivo prazo de pagamento daquela obrigação não ter sido objeto de deliberação expressa na ata n.º 22.
Quanto à ata n.º 23 referente à aprovação das despesas do condomínio pra o ano de 2021, e como consta do facto provado 9, foi aprovado, por unanimidade, a proposta de orçamento para a Administração de 2021 e que o valor aprovado «será dividido por cada fração, em função da permilagem, onde resultarão os seguintes valores trimestrais: (…) Fração “L”: €188,66.»
Está, pois, cumprido o requisito quando à menção da obrigação da ora recorrente.
Porém, nada ficou deliberado em relação ao prazo de pagamento.
Veja-se que ficou a constar na ata: «Mais delibera a assembleia por unanimidade que o orçamento ora aprovado (incluindo a quota-parte devida pelos condóminos relativamente ao montante das contribuições, despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum), assim como os respetivos prazos de pagamento das quotas condominiais, vigorarão até que a assembleia delibere e aprove um novo orçamento.»
Apesar da referência aos prazos de pagamento nada consta em termos deliberativos qual ou quais sejam esses prazos.
Como já antes referido, o prazo do cumprimento da obrigação tem de constar da ata para a mesma ter natureza executiva. O recurso ao artigo 7.º, n.º 2, do Regulamento do Condomínio não supre a omissão daquele elemento essencial para conferir exequibilidade à ata da assembleia de condomínio.
Do mesmo modo, a informação sobre a concessão de um prazo (suplementar) de 15 dias para liquidação do valor em dívida, como mencionado na ata n.º 24, também não supre a omissão da deliberação sobre o prazo (inicial) de pagamento.
Consequentemente, a ata n.º 23 não tem valor de título executivo em relação às quotas do ano de 2021 por o prazo de pagamento da obrigação da condómina, ora Embargante, não ter sido objeto de deliberação expressa na mesma ata n.º 23.
Em relação à ata n.º 24, e como consta do facto provado 11, da mesma consta que foi deliberado aprovar o orçamento para o ano de 2022, sendo o valor «dividido por cada fração, em função da sua permilagem, onde resultarão os seguintes valores trimestrais, com vencimento ao dia 09 do primeiro mês do respetivo trimestre: (…) Fração “L”: €192,75.»
Esta deliberação abrange o valor da quota da condómina, ora Embargante, bem como o prazo de pagamento, pelo que reúne as condições para ser dotada de exequibilidade.
Não tendo a condómina pago o valor dos quatro trimestres do ano (facto provado 12), a obrigação para além de certa, determinada e exigível também se encontra vencida.
O valor da dívida alcança-se por mero cálculo aritmético, somando o valor devido em cada trimestre do ano, perfazendo o valor em dívida €771,00.
Nesta parte, improcede o recurso devendo a execução prosseguir para a cobrança coerciva desse valor.
Cabe agora analisar a questão dos juros e penas pecuniárias.
Encontrando-se a questão restringida à divida referente às quotas condominiais referentes ao ano de 2022, ou seja, os referidos €771,00.
Consta da ata n.º 24 a deliberação sobre a matéria das penalidades.
A deliberação ainda se encontra abrangida pela vigência da redação originária do artigo 6.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25-10, que não previa de forma expressa se as «contribuições devidas ao condomínio» integravam as penas pecuniária, na sua conjugação com os artigos 1424.º e 1434.º do Código Civil.
É sabido que na vigência da redação originária do normativo, a questão era alvo de controvérsia tendo dado azo a divergências jurisprudências. Entre outros, o Acórdão da RL de 30-03-202310 dá conta de forma exaustiva dessa polémica.
A mesma veio a ser resolvida por via legislativa com a entrada em vigor da redação do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 268/04, de 25-10 dada pela Lei n.º 8/2022, de 10-01, que consagrou em letra de lei que «consideram-se abrangidos pelo título executivo os juros de mora, à taxa legal, da obrigação nele constante, bem como as sanções pecuniárias, desde que aprovadas em assembleia de condóminos ou previstas no regulamento do condomínio».
Resta saber se esta alteração se aplica às situações anteriores à data de entrada em vigor, ou seja, se a mesma tem cariz inovatório ou interpretativo.
A jurisprudência de forma que cremos significativa tem defendido a natureza interpretativa da alteração, considerando serem dotadas de exequibilidade as atas das assembleias de condóminos que tenham deliberado, em data antecedente à entrada em vigor das alterações introduzidas pela Lei n.º 8/2022, de 10-01 (ou seja 10-04-2022), sobre juros de mora e penalidades11.
Também se partilha desse entendimento.
Nos termos do 13.º, n.º 1, do Código Civil, «A lei interpretativa integra-se na lei interpretada, ficando salvos, porém, os efeitos já produzidos pelo cumprimento da obrigação, por sentença passada em julgado, por transação, ainda que não homologada, ou por atos de análoga natureza.».
Referia Batista Machado12 que «são da sua natureza interpretativas aquelas leis que, sobre pontos ou questões em que as regras jurídicas aplicáveis são incertas ou o seu conteúdo controvertido, vem consagrar uma solução que os tribunais poderiam ter adotado (…). Para que uma lei nova possa ser realmente interpretativa são necessários, portanto, dois requisitos; que a solução do direito anterior seja controvertida ou pelo menos incerta; e que a solução definida pela nova lei se situe dentro dos quadros da controvérsia e seja tal que o julgador ou o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei.»
Desse modo, sublinhava o mesmo Autor, que a razão pela qual a lei interpretativa se aplica a factos e situações anteriores reside fundamentalmente em que ela, vindo consagrar uma das interpretações possíveis da lei antiga com que os interessados podiam e deviam contar, não é suscetível de violar expectativas seguras e legitimamente fundadas.
Explicitando o que seja a natureza interpretativa de uma determinada lei, referia Pedro Romano Martinez13 «a regra interpretativa contrapõe-se à inovadora, porquanto, na primeira, não se prescrevem soluções novas, atende-se, explicando, à regulamentação existente. As regras interpretativas fixam o sentido de outras regras jurídicas – p. ex., artigo 9.º CC (…). A lei interpretativa, ao determinar o sentido da lei interpretada, integra-se nesta e o sentido agora fixado vincula o aplicador desde o início de vigência da lei interpretada».
Acrescentado o mesmo Autor 14 que, «no caso de lei interpretativa prescreve-se a retroactividade (artigo 13.º, n.º 1, CC). A lei interpretativa é retroactiva, pois actua sobre factos ocorridos na vigência da lei interpretada e que antecederam a entrada em vigor daquela, com salvaguarda do caso julgado e de efeitos já produzidos. (…) A retroactividade da lei interpretativa resulta de se ter estabelecido um novo entendimento, que se pretende integrar na lei interpretada (artigo 13.º, n.º 1, 1.ª parte, CC), ficando, porém, ressalvados os efeitos já produzidos em quatro hipóteses: 1) cumprimento da obrigação; 2) sentença transitada em julgado; 3) transacção; 4) actos análogos. (…).».
Ora, tendo a nova regulação normativa do artigo 6.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25-10, na redação da Lei n.º 8/2022, tomado posição sobre a problemática dos elementos que se consideram abrangidos pelo título executivo assente nas atas de deliberações da assembleia de condóminos, no que diz respeito à aplicação de «juros de mora, à taxa legal, da obrigação nele constante, bem como as sanções pecuniárias, desde que aprovadas em assembleia de condóminos ou previstas no regulamento do condomínio», a mesma lei tem natureza interpretativa, pelo que se aplica a deliberações precedentes à sua entrada em vigor, conquanto tenha existido deliberação no sentido da aplicação de juros de mora e penalidades.
Como sucedeu no caso e no que se refere à ata n.º 24.
Nestes termos, sobre a quantia em dívida acima referida (€771,00) vencem-se juros de mora desde o vencimento de cada uma das prestações trimestrais em dívida (artigo 805.º, alínea a), do Código Civil), sendo igualmente devidas as penalidades aprovadas naquela assembleia de condóminos.
Neste segmento, também improcede o recurso.
Dado o vencimento parcial, as custas ficam a cargo da Apelante na proporção do respetivo decaimento (artigo 527.º do CPC), sendo a taxa de justiça do recurso fixada pela tabela referida no n.º 2 do artigo 6.º do RCP.
III- DECISÃO
Nos termos e pelas razões expostas, acordam em julgar parcialmente procedente o recurso interposto e, em consequência, revogam nessa conformidade a sentença na parte recorrida, ordenando o prosseguimento da execução para cobrança da quantia exequenda no valor de €771,00 (setecentos e um euros), acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos desde a data da constituição em mora de cada uma das prestações trimestrais do ano de 2022 até efetivo e integral pagamento, bem como do valor das penalidades resultantes da deliberação inserta na ata n.º 24 da assembleia de condóminos de 13-01-2022.
Custas nos termos sobreditos.
Évora, 13-02-2025
Maria Adelaide Domingos (Relatora)
António Fernandes Marques da Silva (1.º Adjunto)
Francisco Xavier (2.º Adjunto)
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1. Que corresponde à redação do n.º 6 do artigo 1342.º do Código Civil, na redação anterior dada pelo Decreto-Lei n.º 267/94, de 25-10.↩︎
2. Proc. n.º 0732268 (Rel. Gonçalo Silvano), em ww.dgsi.pt, bem como os demais acórdãos citados em que não se mencione outra fonte.↩︎
3. Proc. n.º 1415/12.7TBFLG.G1 (Rel. Maria Luísa Ramos).↩︎
4. Proc. n.º 5821/19.8T8STB-G.E1 (Rel. Cristina Dá Mesquita).↩︎
5. Proc. n.º 10988/19.2T8PRT-A.P1 (Rel. Anabela Tenreiro).↩︎
6. A Ação Executiva à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 7.ª Edição, GestLegal, pp. 39-40.↩︎
7. Dispondo a nova redação do artigo 6.º: «1 - A ata da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições a pagar ao condomínio menciona o montante anual a pagar por cada condómino e a data de vencimento das respetivas obrigações.
2 - A ata da reunião da assembleia de condóminos que reúna os requisitos indicados no n.º 1 constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte».↩︎
8. Proferido no proc. 5915/13.3YYPRT-C.P1.S1 (Ril. Catarina Serra), com o seguinte sumário: «I. Os títulos executivos desempenham uma função certificadora da existência de direitos.
II. Para que a acta da assembleia de condóminos tenha força executiva contra o condómino devedor, nos termos do artigo 6.º, n.º 1, do DL n.º 268/94, de 25.10, dela deve constar, pelo menos, (i) o nome do condómino devedor e (ii) o montante por ele devido, sob pena de aquela função ficar comprometida.»↩︎
9. A nota 4 tem o seguinte teor: «Cfr. João de Matos Antunes Varela / Miguel J. Bezerra / Sampaio e Nora, Manual de processo civil, Coimbra, Coimbra Editora, 1985, pp. 78-79 (itálicos dos AA.)].»↩︎
10. Proferido no proc. n.º 21/14.1TBCSC-C.L1-2 (Rel. Arlindo Cura).↩︎
11. Cfr., entre outros: Ac. RP de 27-11-2023, proc. n.º 20294/22.0T8PRT-A.P1 e de 25-09-2023, proc. n.º 681/22.4T8VLG-A.P1 (Rel. José Eusébio Almeida); Ac. RL de 07-11-2024, proc. n.º 3555/22.5T8OER-A.L1-8 (Rel. Cristina da Conceição Pires Lourenço); Ac. RL de 11-07-2024, proc. n.º 35474/11.5YYLSB-A.L1-2 (Rel. Paulo Fernandes da Silva); Ac. RL de 30-03-2023, proc. n.º 21/14.1TBC-C.L1-2 (Rela. Arlindo Crua); Ac. RL de 15-12-2022, proc. n.º 4678/18.0T8ALM-A.L1-2 /Rel. Carlos Castelo Branco); Ac. RC de 18-06-2024, proc. n.º 1253/22.9T8CVL-B.C1 (Rel. Arlindo Oliveira); Ac. RG de 27-04-2023, proc. n.º 2251/22.8T8GMR.G1 (Rel. Sandra Melo).↩︎
12. Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, J. Baptista Machado, Almedina, 1993, pág. 246-247↩︎
13. Introdução ao Estudo do Direito, AAFDL, 2021, pp. 222 e 223.↩︎
14. Ob. cit., p. 391.↩︎