ARECT
CONTRATO DE TRABALHO
AÇÃO DE RECONHECIMENTO DA EXISTÊNCIA DE CONTRATO DE TRABALHO
PRESUNÇAO DE LABORALIDADE
Sumário

Sumário elaborado pela relatora:
I. A ambiguidade e obscuridade previstas na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil reportam-se exclusivamente à parte decisória e só relevam quando originam a ininteligibilidade da decisão.
II. A alegada contradição entre factos assentes que tornaria obscura a fundamentação de facto não se enquadra na patologia prevista na parte final da alínea c) do n.º 1 do mencionado artigo 615.º.
III. A verificação de, pelo menos, duas das características enunciadas nas alíneas a) a e) do n.º 1 do artigo 12.º do Código do Trabalho, é condição suficiente para operar o funcionamento da presunção de laboralidade consagrada no artigo.
IV. Trata-se de uma presunção juris tantum (artigo 350.º do Código Civil), cabendo à parte contrária demonstrar que, não obstante a verificação das circunstâncias apuradas, existem factos e contraindícios indicadores de autonomia, que são significativos e permitem a descaracterização do contrato como de trabalho.
V. Tendo resultado demonstrada a verificação das circunstâncias previstas nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 12.º do Código do Trabalho e outros factos reveladores de um contexto contratual de subordinação jurídica, a prova de que eram emitidos recibos verdes e não havia pagamento dos subsídios de férias e de Natal não é suficiente para ilidir a presunção de laboralidade, pois estes últimos aspetos são apenas sinais de aparente autonomia, comuns, aliás, em situações em que o empregador não quer assumir a relação laboral.

Texto Integral

P.219/24.9T8SNS.E1

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora1


I. Relatório


Nos presentes autos que seguem a forma especial de ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, legalmente prevista nos artigos 186-K e seguintes do Código de Processo do Trabalho, veio o Ministério Público pedir que se reconheça a existência de contrato de trabalho entre a ré CREATIVE HABITAT GROUP TURISMO E ARTE, S.A. e AA, com início em outubro de 2023.


O processo seguiu a tramitação que consta dos autos, para a qual se remete.


Em 12-11-2024, foi prolatada sentença contendo o seguinte dispositivo:


«Pelo exposto, o tribunal julga a presente ação procedente por provada e, em consequência declara a existência de um contrato de trabalho por tempo indeterminado entre AA e a ré “Creative Habitat Group, Turismo e Arte, S.A.”, com início em Outubro de 2023.


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Custas pela R. (art.º 527.º, n.º 1 e 2, do Código do Processo Civil, aplicável ex vi art. 1.º n.º 2 al. a) do Código de Processo do Trabalho).


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Valor da ação: €2.850,00 (dois mil oitocentos e cinquenta euros) - art.º 12.º n.º 1 al. e) do Regulamento das Custas Processuais ex vi do art.º 186.º-Q, n.º 1 e 2, do Código de Processo do Trabalho, conforme supra justificado.


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Comunique-se a decisão á Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) – Unidade Local do ... e ao Instituto da Segurança Social, I.P., cfr. art.º 186.º-O, n.º 9, do CPT.


Registe e notifique.»


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Inconformada, a ré apresentou recurso, extraindo das suas alegações as seguintes conclusões relevantes:


«1. (…).


2. De acordo com a Sentença proferida nestes autos, foi declarada a existência de um contrato de trabalho entre AA e a RECORRENTE. Contudo, não assiste qualquer razão ao RECORRIDO no seu petitório e, consequentemente, na decisão ora em crise, não existindo fundamento, de facto nem de direito, para a presente ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho entre AA e a ora RECORRENTE, existindo tão só uma relação de prestação de serviços independente e autónoma, com a consequente beneficiária da atividade (a RECORRENTE).


(…)


NULIDADES DA SENTENÇA


7. Nos termos do art. 77. º do CPT, à arguição de nulidades da sentença é aplicável o regime previsto nos artigos 615.º e 617.º do CPC, sendo nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível (art. 615.º, n. 1, al. c) do CPC).


8. A Sentença que ora se impugna padece de nulidade por obscuridade no que à fundamentação diz respeito, isto porque, na factualidade dada como provada, mais concretamente os factos n.º 19 e 37 encontram-se em clara oposição, afirmando-se uma coisa e o seu contrário.


9. O Tribunal dá como assente que quando era entregue fardamento aos trabalhadores era assinado um documento a efetivar essa entrega o que não aconteceu para o caso de AA, sustentando a sua fundamentação unicamente com base no depoimento do prestador de serviços, uma vez que as inspetoras da ACT nunca viram o prestador de serviços com tal fardamento.


10. A Sentença é igualmente inócua nos factos provados n.º 10, 32, 33 e 34, não se alcançando como pode o Tribunal dar como provado que BB e AA não desempenhavam as mesmas funções porque AA não tinha qualificações para o efeito e depois dá como provado que a alteração de horário foi para substituir BB quando este não estava. Não colhe o menor censo(!).


11. S.m.o., a sentença em crise enferma de incoerência lógica na sua fundamentação, porquanto afirma-se e dão-se como provados factos contraditórios uns dos outros, sem qualquer suporte probatório subjacente, o que deve ser corrigido pro parte do Venerando Tribunal.


DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO E O ERRO NA APRECIAÇÃO DOS MEIOS DE PROVA


12. O Tribunal a quo valorou (de forma manifestamente incorreta, com o devido respeito, que é muito) um conjunto de impressões resultantes de prova testemunhal ou de declarações de parte, em detrimento do valor que deveria ter conferido a elementos de prova (designadamente documental) substancialmente mais relevantes e consistentes.


13. O princípio da livre apreciação da prova nunca atribui ao juiz o poder arbitrário de julgar os factos sem prova ou contra as provas, ou seja, a livre apreciação da prova não pode confundir-se com uma qualquer arbitrária análise dos elementos probatórios, sendo antes uma conscienciosa ponderação desses elementos e das circunstâncias que os envolvem.


14. No que ao “horário de trabalho” do prestador AA diz respeito, o Tribunal a quo deu como provado os factos 9 e 10, não tendo o Tribunal não valorou devidamente aquela que foi a prova produzida em julgamento, desconsiderando partes chaves nos depoimentos prestados, nomeadamente dos depoimentos das Inspetoras da ACT, dos quais não se extrai com certeza que AA prestava os serviços sempre no horário alegado, uma vez que a inspeção realizada decorreu apenas num dia, das 11:00h até as 16h, com interrupção de 1 hora para almoço.


15. A própria inspetora CC declarou que o que a levou a considerar o indício do horário de trabalho cumprido foi apenas o facto de ter analisado o mapa de horário de trabalho fixado no dia da visita inspetiva e ter verificado que constava no mapa um técnico de manutenção, BB, e que de acordo com o horário que AA afirmou perante as inspetoras que fazia e da análise do documento (mapa de horários) presumiu existir uma articulação de horários entre o técnico de manutenção e o prestador de serviços, no sentido de estar sempre um técnico disponível de segunda a domingo. Mas isto, não foi mais do que uma mera presunção da senhora inspetora!


16. Aliás, conforme se pode constatar da documentação junta aos autos, o prestador AA, contrariamente aos demais trabalhadores da RECORRENTE, não constava do Doc. n.º 5 junto com a P.I..


17. O próprio Diretor do Hotel DD, no seu depoimento referiu que o prestador de serviços AA não estava adstrito a um horário de trabalho pré-definido igualmente ao que acontecia com os demais trabalhadores da RECORRENTE, não exercendo as mesmas funções que os demais trabalhadores, resultando igualmente dos factos provados n.º 34, 35, 39 e 40.


18. Resultou igualmente provado que os locais onde AA prestava os seus serviços terem horários de abertura e de encerramento, não sendo possível o prestador prestar os seus serviços no período em que os espaços estavam fechados além de que tais trabalhos implicavam produção de ruído aos hospedes do hotel.


19. No que tange à necessidade da contratação de AA para compatibilizar com os dias de descanso de BB, a efabulação reina no que tange à fundamentação, não só das Inspetoras da ACT, que olhando para os anexos 5 e 6 juntos com a P.I. fazem uma nova presunção sem qualquer suporte, de que os horários eram complementares, mas também do próprio Tribunal, quando considera como provado o facto n.º 10 e depois, com o devido respeito que é muito, em total inflexão de raciocínio, dá como provado no facto n.º 35 que BB não orientava os trabalhos de AA.


20. Desconsiderou-se o depoimento prestado pelo Diretor do Hotel DD, o qual, depôs com isenção e com objetividade às questões que lhe foram colocadas, explicando que BB e AA não desempenhavam as mesmas funções.


21. Eram essas mesmas as funções que AA não desempenhava, que pertenciam ao quadro de funções do trabalhador da Recorrente BB, dadas como provadas nos factos n.º 32 e 33 do decisório ora em crise, sendo manifesta e evidente a contradição que o Tribunal a quo incorre na decisão proferida, afirmando uma coisa e o seu contrário, o que deverá ser revertido por V. Exas na decisão revogatória.


22. Destarte, não resultando de mais nenhum outro elemento ou prova dos presentes autos quem é que fazia esse controlo e direção dos serviços prestados por AA, não tendo logrado o RECORRIDO provar, como lhe competia (cfr. art. 342.º, n.º 1 do CC), a existência de subordinação jurídica e de relação de dependência hierárquica e funcional entre AA e a RECORRENTE, devem os factos n.º 9 e 10 passar para o elenco dos factos não provados, o que se requer.


23. Sobre o suposto “registo dos tempos de trabalho”, o Tribunal a quo deu como provado o facto n.º 11. Contudo, a douta Sentença de que ora se recorre, revela vícios no processo racional e lógico que conduziu da prova produzida à expressão da convicção do Tribunal a quo, porquanto fundamenta o decisório no depoimento das Inspetora da ACT bem como as declarações do prestador de serviços e no Doc. n.º 6 junto com a P.I.


24. Contudo, conforme resultou do depoimento da testemunha DD (Diretor do Hotel) tal documento não foi entregue pela RECORRENTE na visita inspetiva, contrariamente ao alegado pelas Inspetoras da ACT, resultando igualmente do depoimento do Diretor do Hotel que os registos de tempos de trabalho devem ser duplamente validados: pelo superior hierárquico do trabalhador e posteriormente pelo Diretor do Hotel, mediante a aposição de assinatura e carimbo, o que não se verificou no caso do documento n.º 6 junto aos autos.


25. Conforme se pode verificar da simples leitura do Doc. n.º 6, o mesmo traduz um modelo pró-forma, sem qualquer menção à identificação do concreto trabalhador, função ou data a que se reporta, devendo tal informação ser preenchida pelo trabalhador e posteriormente validada pela empresa, o que não aconteceu no caso de AA.


26. Como tal, não se alcança, nem se aceita, como o Tribunal a quo dá como provado que AA procedia ao registo de tempos de trabalho com base apenas nas declarações prestadas pelo prestador da atividade – parte interessada – desconsiderando todos os demais elementos probatórios e evidências claras e notórias de que tal documento não se encontra validado pela RECORRENTE.


27. Destarte, o facto n.º 11 dado como provado pelo Tribunal a quo deverá passar a integrar os factos não provados, ou assim não se entendendo, passar a ter a seguinte redação: 11. AA, procedia ao registo do tempo de trabalho numa folha de cujo modelo era utilizado internamente na Ré, denominada de “registo de ponto”, não tendo, contudo, a Ré dado qualquer indicação nesse sentido, não se encontrando a mesma validada pela Ré.


28. No que ao subsídio de alimentação do prestador de serviços AA diz respeito, o Tribunal a quo deu como provado n.º 12, contrariamente àquela que foi a prova produzida em juízo, nomeadamente o depoimento isento e rigoroso do Diretor do Hotel, DD, no qual referiu que, em regra, os trabalhadores do Hotel recebem o subsídio de alimentação em cartão, o que não acontecia com o prestador de serviços.


29. Ora, existindo um tratamento diferenciado entre AA e os demais trabalhadores da RECORRENTE que recebiam efetivamente o subsídio de refeição, não vemos como pode ser dado como provado que a RECORRENTE acordou em pagar ao prestador de serviços subsídio de alimentação em espécie, não existindo elementos de prova que permitissem ao Tribunal julgar como na sentença ora em crise, devendo o facto n.º 12 passar a ter a redação seguinte: 12. Em contraprestação do trabalho desenvolvido, a ré acordou pagar mensalmente a AA 950,00€.


30. No que ao pagamento de valores ao prestador de serviços AA, pela RECORRENTE, o Tribunal a quo deu como provado o facto n.º 14, fundamenta o decisório nos recibos verdes juntos aos autos, bem como no depoimento do prestador de serviços AA, contudo o decisório, uma vez mais, é errado em face daquilo que resultou demonstrado à saciedade.


31. Dos depoimentos prestados no julgamento da causa, nomeadamente o depoimento do Diretor do hotel, DD resultou que o valor que era pago ao prestador AA era-o em prestações mensais (avença mensal) em razão do interesse do prestador, ao invés de ser pago de uma única vez (avença anual).


32. Tendo o pagamento do preço sido definido em função da experiência e qualificação do prestador, tendo em conta o resultado pretendido com a prestação dos serviços contratados e a atividade de equipamentos próprios do prestador de atividade, de acordo com o seu critério, nada tendo que ver com o cumprimento de qualquer horário de trabalho(!).


33. O que é corroborado pelos factos n.º 42 e 43, dado como provados pelo Tribunal a quo, dois quais resulta que AA não recebia subsídio de férias ou de Natal por parte da ré, nem quantia a título de subsídios ou abonos e que AA e a ré não aplicaram à remuneração por este auferida o regime fiscal e previdencial próprio dos rendimentos de trabalho dependente, tendo sempre seguido o regime específico dos rendimentos do trabalho autónomo ou independente.


34. Se AA seguisse o mesmo modelo dos demais trabalhadores da RECORRENTE, diante uma situação de falta ao trabalho ser-lhe-ia descontado respetivo valor do dia de trabalho em falta não auferindo sempre o mesmo valor, sendo sujeito ao mesmo regime fiscal e previdencial.


35. Em face do supra exposto deve o art. 14.º dos factos provados passar a ter a seguinte redação: 14. O pagamento do valor acordado mensalmente com o prestador, não dependia do cumprimento de qualquer horário de trabalho, mas exclusivamente da prestação dos serviços contratados.


36. No thema da justificação de faltas, o Tribunal a quo deu como provado o facto n.º 16, com base nos depoimentos contraditórios da Inspetora da ACT e do próprio prestador de serviços. Isto porque, refere a Inspetora que o prestador reportava ao Diretor do Hotel e da versão do próprio prestador de serviços, este reportava a EE. Ora existe uma clara contradição entre os dois depoimentos, não se aceitando como o Tribunal dá como provado um facto com base em depoimentos contraditórios, desvalorizando o próprio depoimento prestado pelo Diretor do Hotel, DD.


37. Assim, em face do supra exposto o facto n.º 16 deve passar para o elenco dos factos não provados.


38. O Tribunal a quo deu ainda como provado os factos n.º 19 e 37 relativos ao uso de fardamento pelo prestador se serviços, estribando o seu argumentário no depoimento das Inspetoras da ACT e do próprio prestador de serviços.


39. Contudo desvaloriza o Tribunal o depoimento do Diretor do Hotel e mais flagrantemente o depoimento da Governanta do Hotel, responsável pela atribuição de fardamento, dos quais resultou que não foi atribuída qualquer farda ao prestador de serviços.


40. Mais se refira que do depoimento das Inspetoras da ACT resultou que as mesmas, durante a visita inspetiva, não viram AA com qualquer fardamento da RECORRENTE.


41. Ainda em aditamento cumpre referir que aquando da admissão de um trabalhador é-lhes entregue uma declaração de confirmação de entrega de fardamento, a qual é devidamente assinada pelo trabalhador – cfr. facto provado n.º 37.


42. Face aos depoimentos supra referidos, não se consegue alcançar o racional do Tribunal a quo quando refere que: Se por FF não foi entregue vestuário a AA, tal não significa, que ao mesmo não tivesse sido entregue vestuário, independentemente de inexistir registo dessa entrega.


43. O Tribunal a quo parece olvidar quem tem o ónus de prova nos presentes autos – o RECORRENTE – que devia ter feito prova dos factos e do direito que invoca, o que não aconteceu(!!).


44. Deixa-se assim demonstrado que pela RECORRENTE nunca foi atribuído qualquer fardamento a AA, à semelhança do que fazia para os seus trabalhadores, encontrando-se os factos dados como provados pelo Tribunal a quo em clara contradição, devendo o facto n.º 19 integrar o elenco dos factos não provados, mantendo-se o facto n.º 37 nos factos provados.


45. Sobre as alegadas ordens recebidas pelo prestador da atividade, deu-se como provado o facto n.º 20, o Tribunal funda a sua, incorreta, interpretação nos depoimentos das Inspetoras do Trabalho e no depoimento do prestador de serviços, desconsiderando, uma vez mais, os depoimentos prestados de forma objetiva e isenta do Diretor do Hotel DD


46. Não se pode aceitar uma arbitrariedade como aquela que subjaz à fundamentação da decisão ora em crise, porquanto o facto diz respeito às alegadas ordens e instruções por parte do Diretor da RECORRENTE e o depoimento deste é pura e simplesmente ignorado como se tal nunca tivesse sido prestado.


47. Igualmente inaceitável é que o Tribunal a quo funde tal facto provado nos depoimentos das Inspetoras da ACT quando as mesmas não assistiram em momento algum a qualquer ordem, instrução, diretriz ou conformação da atividade por parte da RECORRENTE(!!)


48. Ora, não tendo o RECORRIDO carreado prova alguma que sustentasse o alegado, nem tendo tal resultado dos testemunhos prestados em audiência de julgamento, o facto n.º 20 apenas pode ser dado como não provado, como é de elementar justiça, sob pena de se violarem grosseiramente os mais elementares princípios de direito.


49. O Tribunal a quo deu como provado sobre as alegadas participações do prestador em reuniões com o Diretor do Hotel o facto n.º 22, não se compreende como funda o Tribunal o seu raciocínio nos depoimentos das Inspetoras da ACT quando as mesmas não participaram nunca de tais reuniões para conseguir comprovar a veracidade do alegado, nem foi junto pelo RECORRIDO um só sequer elemento probatório que permitisse sustentar o alegado.


50. Como tal, o Tribunal a quo dá como provado um facto única e exclusivamente com base nas declarações do prestador da atividade – parte interessada – desconsiderando, nomeadamente, o testemunho prestado pelo Diretor do Hotel, DD, o qual afirmou exatamente o contrário, ou seja, que o prestador de serviços não participava nestas reuniões.


51. Deste depoimento resulta claro e evidente a falta de prova para sustentar a prova de tal facto, estando relatado que o prestador não estava presente nestas reuniões, devendo, em consequência, o facto n.º 22 passar para o elenco dos factos não provados.


52. No que tange aos “instrumentos de trabalho”, o Tribunal de 1.ª instância deu como provado o facto n.º 23, estribando o argumentário no depoimento das Inspetoras da ACT, bem como no depoimento prestado pelo prestador dos serviços AA.


53. Contudo, a interpretação da RECORRENTE sobre este tópico é diversa. Isto porque, do que resultou dos depoimentos prestados pelas Inspetoras da ACT, as próprias admitem que o prestador de serviços usava certas ferramentas próprias da atividade da RECORRENTE, como também fazia uso de ferramentas que eram suas, nomeadamente chaves para trabalhar, tendo o mesmo sido corroborado no depoimento de DD, Diretor do Hotel.


54. Assim, o facto n.º 23 deverá passar a ter a seguinte redação: 23. AA utilizava diariamente, instrumentos de trabalho, tais como o carrinho corta-relvas, o aparador de relvas, a tesoura da poda, a roçadora, as chaves próprias (por exemplo a de fénix) para a manutenção, a tinta, as embalagens para engarrafar o vinho, a máquina de engarrafamento, as caixas e paletes, os produtos de limpeza utilizados na limpeza dos silos na Adega, que eram, na sua maioria pertença da ré, sendo alguns deles próprios do prestador de serviços.


55. A respeito da questão das deslocações do prestador, foi provado o facto n.º 25, sem, contudo, a RECORRENTE se conforma com tal, uma vez que da prova produzida em juízo resultou exatamente o oposto, não se encontrando junto aos autos qualquer elemento de prova (nomeadamente faturas, comprovativos de pagamento e transferência) que evidenciassem a existência de tais pagamentos e reembolsos.


56. Do depoimento de DD resultou notória a distinção entre as funções de AA e BB, cabendo sim a este último a reposição de stock e como tal seria sempre a BB que seriam pedidas tais questões.


57. Razão pela qual deverá o facto n.º 25 da matéria de facto provada ser dado como não provado.


58. A RECORRENTE nega a existência de um estatuto laboral ao prestador AA, porquanto os indícios de laboralidade que o RECORRIDO invoca no seu petitório não se encontram preenchidos – conforme resultou cabalmente demonstrada da prova produzida – não devendo, por isso, ser reconhecida a existência de vínculo de trabalho entre a ora RECORRENTE e AA.


59. Nenhum dos indícios de laboralidade estão verificados in casu, tendo os mesmos sido afastados pela RECORRENTE na prova produzida nos presentes autos.


DAS CUSTAS FIXADAS NA SENTENÇA EM CRISE


60. Em sede de sentença, o Tribunal a quo decidiu condenar a RÉ nas custas do processo, nos termos do art. 527.º, n.º 1 e 2, do CPC.


61. É firme entendimento da RECORRENTE que não deu causa à ação, sendo esta totalmente infundada de facto e de Direito, não devendo ser penalizada pelo pagamento das custas do processo, uma vez que não teve qualquer proveito da presente lide, muito pelo contrário.


62. Salvo o devido respeito, também não se pode acompanhar a decisão do Tribunal a quo quanto a este thema.


63. Com a procedência do presente Recurso, as custas fixadas na sentença em crise devem ser revistas em conformidade, porquanto demonstrando-se a total ausência de razão do RECORRIDO, este deve ser condenado no pagamento integral das custas, absolvendo-se a RECORRENTE, porquanto não deu causa ao presente litígio.


Nestes termos, e em face do exposto, deve ser dado integral provimento ao presente recurso e, por conseguinte, a decisão ora em crise deverá ser revogada e substituída por outra que julgue integralmente improcedente a presente ação, não declarando a existência de um contrato de trabalho entre a RECORRENTE e AA, absolvendo a ora RECORRENTE de todo o peticionado, bem como da condenação no pagamento das custas.»


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O Ministério Público contra-alegou, propugnando pela improcedência da arguida nulidade da sentença e do recurso.


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A 1.ª instância admitiu o recurso como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo. Mais se pronunciou pela não verificação da arguida nulidade da sentença.


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O processo subiu à Relação e foram colhidos os vistos legais.


Cumpre apreciar e decidir.


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II. Objeto do recurso


É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho).


Em função destas premissas, as questões suscitadas no recurso são as seguintes:


1. Nulidade da sentença.


2. Impugnação da decisão de facto.


3. Errada qualificação da relação contratual.


4. Errada condenação nas custas processuais.


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III. Matéria de Facto


A 1.ª instância deu como provada a seguinte factualidade:


1. A ré é uma sociedade anónima que tem por objeto a promoção e desenvolvimento de atividades turísticas, no espaço rural, incluindo hotelaria, restauração e atividades lúdicas, bem como a produção de vinhos comuns ou licorosos, comércio por grosso de bebidas alcoólicas, viticultura e trabalhos nas vinhas.


2. Para a execução da sua atividade a ré explora diversos espaços, designadamente o Hotel da ... e a Adega, localizados na ..., em ....


3. A ré tem ao seu serviço cerca de 30 trabalhadores, sendo que 5 deles se encontram afetos à Adega e os restantes trabalhadores afetos ao Hotel.


4. Entre os trabalhadores adstritos ao Hotel da ..., encontra-se o técnico de manutenção, BB, admitido a 8 de Julho de 2019, mediante contrato de trabalho sem termo.


5. Face às suas necessidades de trabalho nos espaços explorados, designadamente no Hotel da ... e na Adega, em Outubro de 2023, a ré veio a admitir ao seu serviço, AA, para desempenhar tarefas na Adega e de manutenção.


6. AA reside na ....


7. AA realizava diversos trabalhos, determinados pela ré, designadamente, manutenção dos jardins do Hotel da ..., tais como cortar e aparar a relva; limpeza de piscinas; limpeza com moto-roçadora; manutenção dos quartos, dos espaços do hotel e das casas de alojamento local aí existentes, tais como mudança de lâmpadas, colocação de cortinados, manutenção das casas de banho, desentupir lavatórios e sanitas, manutenção de autoclismos, lavatórios e banheiras, reparação de portas e de janelas; realização de pinturas.


8. Na Adega, AA procedia ao engarrafamento de vinho, colocação em caixas e paletes, bem como a limpeza dos silos.


9. Fazia-o em horário determinado pela ré, inicialmente fixado pelo Sr. GG, de segunda a sexta-feira, das 08:00 às 17:00 horas, com uma hora para almoço, e posteriormente alterado, pelo então Diretor do Hotel, Sr. HH, de domingo a quinta-feira, das 08:00 às 12:00 horas e das 13:00 às 17:00 horas, com almoço das 12:00 às 13:00 horas.


10. Esta alteração do horário foi motivada pela necessidade de compatibilizar os dias de descanso, do técnico da manutenção BB que exercia a sua atividade, de terça-feira a sábado.


11. De acordo com instruções recebidas da ré, AA, procedia ao registo do seu tempo de trabalho numa folha, cedida pela ré, denominada de “registo de ponto”.


12. Em contraprestação do trabalho desenvolvido, a ré acordou pagar mensalmente a AA 950,00€ líquidos, acrescido de alimentação em espécie, o pequeno almoço e almoço, conforme concedia também a todos os trabalhadores que exerciam funções no Hotel.


13. O valor de 950,00€ era pago mensalmente pela ré a AA, através de transferência bancária e englobava o trabalho prestado entre o dia 20 de um mês e o dia 19 do mês seguinte.


14. Este valor não estava dependente do volume ou quantidade de trabalho distribuída a AA, mas tão só da prestação diária de 8 horas de trabalho durante 5 dias da semana, mesmo se faltasse.


15. A ré exigia que AA emitisse mensalmente “fatura/recibo verde”.


16. Sempre que tivesse de faltar ao trabalho, AA tinha ordens para comunicar a falta à trabalhadora da ré, EE, além de tal constar no registo da folha de ponto.


17. Desde que foi contratado em Outubro de 2023, AA só prestou trabalho para a ré e só a esta emitiu recibos.


18. A partir de 10 de Abril de 2024, a ré transferiu a responsabilidade emergente de acidente de trabalho, em relação a AA, como seu trabalhador, para a Fidelidade - Companhia de Seguros S.A., mediante contrato de seguro do ramo de acidentes de trabalho, titulado pela apólice n.º ....


19. Quando contratou AA, a ré entregou-lhe uma T-shirt e um polo, com o logotipo do Hotel da ..., para uso durante o período de trabalho.


20. Em cada dia de trabalho, AA recebia ordens da ré quanto ao trabalho que tinha de efetuar, transmitidas pelo Diretor do Hotel, inicialmente o Sr. HH, posteriormente substituído por DD, quando se encontrava afeto a trabalhos no Hotel e quando afeto a trabalhos na Adega, de GG, vogal do Conselho de Administração.


21. Os trabalhos de manutenção que lhe eram determinados, por regra, eram executados individualmente e, em algumas ocasiões, com o técnico de manutenção BB.


22. AA participava nas reuniões de trabalho, com o Diretor do Hotel, tal como BB.


23. AA utilizava diariamente instrumentos de trabalho, tais como o carrinho corta relvas, o aparador de relvas, a tesoura da poda, a roçadora, as chaves próprias para a manutenção, a tinta, as embalagens para engarrafar o vinho, a máquina de engarrafamento, as caixas e paletes, os produtos de limpeza utilizados na limpeza dos silos na Adega, que eram pertença da ré.


24. Sempre que necessitava de se deslocar aos quartos e casas do hotel ou aquando de intervenção que implicasse a utilização do quadro elétrico, as respetivas chaves eram facultadas a AA, após pedido de autorização, com o respetivo controlo da ré.


25. Sempre que se deslocava a ... para comprar material necessário a qualquer manutenção ou reparação, fazia-o em nome da ré, conforme ordens previamente recebidas.


26. Desde que foi contratado pela ré, em Outubro de 2023 e até 15 de Junho de 20242, AA, sempre desenvolveu a sua atividade para a Creative Habitat Group, Turismo e Arte, S.A.


27. A Autoridade Para as Condições do Trabalho - Unidade Local do..., realizou no dia 13 de Junho de 2024, pelas 13 horas e 30 minutos uma visita inspetiva às instalações da ..., instalações do Hotel, efetuada pelas inspetoras CC e II, onde constataram que AA cortava relva junto à piscina do Hotel, sendo beneficiária da atividade a Creative Habitat Group, Turismo e Arte, S.A.


28. Configurando a situação de AA como uma situação de inadequação do vinculo de prestação de serviços, entendendo que os indícios recolhidos apontavam para a existência de características de contrato de trabalho, a ACT lavrou o auto a que alude o artigo 15.º-A n.º 1 da Lei n.º 107/2009 com a redação dada pelas Lei n.º 63/2013 de 27 de Agosto, alterada pela Lei n.º 55/2017 de 17 de Julho, tendo notificada a ré para regularizar a situação e para se pronunciar, no prazo de 10 dias.


29. No decurso do prazo de pronuncia e já depois da ré ter sido notificada, pela ACT do auto de inspeção e de que o despedimento do trabalhador implicava comunicação para os fins de instauração de procedimento cautelar de suspensão do despedimento, a ré procedeu á cessação do vínculo de AA, o que levou a ACT a efetuar a respetiva comunicação, ao Juízo do Trabalho de ....


30. Foi oficiosamente instaurada providência cautelar de suspensão do despedimento, autos distribuídos e registados sob o n.º 202/24.4... (agora em apenso).


31. No decurso do prazo concedido para regularizar a situação, veio a ré pronunciar - se, no sentido de não se encontrarem recolhidos indícios de contrato de trabalho, não regularizando a situação do prestador da atividade AA.


32. No quadro de trabalhadores da ré existe apenas um técnico de manutenção, BB, o qual é responsável por assegurar as seguintes funções:


• Reparações Gerais (exemplo: eletricidade e canalizações);


• Manutenção preventiva dos equipamentos;


• Instalação de equipamentos novos;


• Gestão de stocks de consumíveis (produtos de piscina, lâmpadas, produtos de limpeza etc.).


33. BB segue os procedimentos operacionais padronizados e definidos pela direção do Hotel, respeitando os horários de trabalho, bem como todas as tarefas diárias, obrigatórias, de verificação de equipamentos e espaços.


34. AA não realizava reparações de eletricidade e canalizações, manutenção preventiva de equipamentos, porquanto, não tinha qualificações para o efeito.


35. BB não orientava os trabalhos de AA.


36. Alguns trabalhadores da ré, no exercício das suas tarefas, utilizam um casaco e um polo com o logotipo do hotel.


37. Por regra, quando recebem estes equipamentos, os trabalhadores da ré, assinam uma declaração de entrega, o que não se verificou com AA.


38. Os trabalhadores da ré, à data da inspeção, encontravam-se inseridos em mapa de horário de trabalho anexo 5, do qual não consta AA.


39. Parte das tarefas realizadas por AA eram e são, tarefas que envolvem a produção de ruído, causando ainda diferentes tipos de perturbação ao normal funcionamento do Hotel e a sua utilização pelos hóspedes.


40. A Adega, que emprega diversos trabalhadores, está sujeita a um horário de funcionamento.


41. Os trabalhadores da ré tinham de proceder ao registo de tempos de trabalho.


42. AA não recebia subsídio de férias ou de Natal por parte da ré, nem quantia a título de subsídios ou abonos.


43. AA e a ré não aplicaram à remuneração por este auferida o regime fiscal e previdencial próprio dos rendimentos de trabalho dependente, tendo sempre seguido o regime específico dos rendimentos do trabalho autónomo ou independente.


44. A ré contratou um seguro de acidentes de trabalho para os seus trabalhadores, titulado pela apólice n.º ....


-


E julgou não provados os seguintes factos:


A. Quando havia trabalho em equipa, como ocorreu com o corte de árvores e as pinturas da casa do hotel, era BB quem orientava o trabalho.


B. AA sempre prestou serviços pontuais, sem exclusividade ou controlo horário, sempre de acordo com a sua disponibilidade.


C. A ré não impunha a AA horas concretas de permanência nas suas instalações, nem relativamente ao momento de início e fim da sua intervenção, podendo inclusive, podendo aquele alterar as horas a que prestava a sua atividade.


D. O pagamento mensal de €950,00 foi fixado tendo em conta o resultado pretendido com os serviços contratados e a atividade de equipamentos próprios do prestador de atividade, de acordo com o seu critério.


*


IV. Nulidade da sentença


A Apelante veio arguir a nulidade da sentença ao abrigo do artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil, em virtude de a fundamentação de facto ser obscura ao darem-se por provados factos contraditórios, designadamente os pontos 19.º e 37.º e os pontos 10.º e 32.º a 34.º.


A 1.ª instância entendeu que não se verifica a arguida nulidade.


Cumpre apreciar a questão.


De acordo com o normativo inserto na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável ao processo laboral, a sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.


No caso concreto, a Apelante afirmou que existe contradição entre factos dados como assentes e, por essa razão, entende que a fundamentação de facto é obscura.


A sua fundamentação, ao que tudo indica, pretende enquadrar-se na última parte da alínea.


Sucede que a ambiguidade e a obscuridade aí mencionadas reportam-se exclusivamente à parte decisória e só relevam quando originam a ininteligibilidade da decisão.


Neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08-10-2020 (Proc. n.º 5243/18.8T8LSB.L1.S1), acessível em www.dgsi.pt:


«II. - A ambiguidade ou obscuridade prevista na alínea c) do n.º 1 do art. 615.º do Código de Processo Civil só releva quando torne a parte decisória ininteligível.


III. - A ambiguidade ou obscuridade prevista na alínea c) do n.º 1 do art. 615.º do Código de Processo Civil só torna a parte decisória ininteligível “quando um declaratário normal, nos termos dos arts. 236.º, n.º 1, e 238.º, n.º 1, do Código Civil, não possa retirar da decisão um sentido unívoco, mesmo depois de recorrer à fundamentação para a interpretar.»


Ora o que a Apelante vem invocar é a obscuridade da fundamentação de facto e não a obscuridade da decisão que, em consequência, se tornou ininteligível.


Desta forma, a sua argumentação não se enquadra na patologia prevista na parte final da alínea c) do n.º 1 do mencionado artigo 615.º.


Ou, dito por outras palavras, a contradição entre factos provados não é suscetível de originar a nulidade da sentença.


Nesta conformidade, improcede a arguida nulidade da sentença.


*


V. Impugnação da decisão de facto


Impugnou a Apelante a decisão sobre a matéria de facto proferida pela 1.ª instância.


Designadamente, impugnou os pontos 9 a 12, 14, 16, 19, 20, 22, 23, 25 e 373 do elenco dos factos provados.


Foi observado o ónus de ónus de impugnação previsto pelo artigo 640.º do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável ao processo laboral, pelo que nada obsta ao conhecimento da impugnação.


Consigna-se que ouvimos a gravação de toda a prova produzida na Audiência Final e analisámos a prova documental apresentada nos autos.


Após ponderação, eis o que se nos oferece declarar:


Factos n.ºs 9 e 10


Deu-se por provado:


9. Fazia-o em horário determinado pela ré, inicialmente fixado pelo Sr. GG, de segunda a sexta-feira, das 08:00 às 17:00 horas, com uma hora para almoço, e posteriormente alterado, pelo então Diretor do Hotel, Sr. HH, de domingo a quinta-feira, das 08:00 às 12:00 horas e das 13:00 às 17:00 horas, com almoço das 12:00 às 13:00 horas.


10. Esta alteração do horário foi motivada pela necessidade de compatibilizar os dias de descanso, do técnico da manutenção BB que exercia a sua atividade, de terça-feira a sábado.


Alegou a Apelante que esta factualidade não pode ser dada como provada.


Porém, a prova produzida sustenta o inverso.


Os factos descritos nestes pontos foram referidos pelas testemunhas AA, CC e II que denotaram idoneidade, isenção e explicaram coerentemente o afirmado.


AA, “o prestador”, declarou que foi contratado para exercer as suas funções num horário de segunda a sexta-feira, das 8h às 17h, com uma hora de almoço, que normalmente era das 12h às 13h, mas que tal horário foi depois alterado ainda pelo anterior Diretor do Hotel, tendo passado a ser de domingo a quinta-feira, por causa dos dias de descanso do colega BB.


As senhoras Inspetoras da ACT, CC e II, que efetuaram a visita inspetiva, também relataram a ocorrência dos factos, tendo em consideração as declarações que obtiveram de AA (Anexo 4 junto com a participação) e a análise feita aos Anexos 5 e 6 juntos com a participação.


O Anexo 5, que é um registo dos tempos de trabalho de AA em folha timbrada com o logotipo da ré, respeitante aos meses de outubro e novembro (presume-se) de 2023, evidencia precisamente que aquele entre 20 de outubro e 19 de novembro trabalhou de segunda a sexta-feira, entre as 8h e as 17h, e folgou aos sábados e domingos.


Por seu turno, o Anexo 4 (mapa dos horários de trabalho dos trabalhadores da ré) demonstra que o horário do técnico de manutenção BB era o referido no ponto 10.


Ora, a alteração do horário inicial de AA, para compatibilizar os dias de descanso dos dois técnicos de manutenção, e garantir que existiria sempre um técnico disponível é bastante verosímil em face das regras da experiência comum, como deduziu, e muito bem, a testemunha CC.


Não foi oferecida qualquer outra prova relevante.


A testemunha DD, Diretor do Hotel da ... desde 19-02-2024, nada sabia sobre os horários contratados com AA ou determinados pelo anterior Diretor do Hotel. Ademais, no que respeita ao período posterior ao início das suas funções, o seu depoimento não se nos afigurou credível, por manifesta parcialidade, quando referiu que AA não estava obrigado a cumprir qualquer horário de trabalho, mas depois, entrando em contradição, acabou por referir que o mesmo executava funções todos os dias exceto à sexta-feira e sábado.


Quanto à testemunha FF, a mesma não se pronunciou sobre a factualidade impugnada.


Em suma, entendemos que os depoimentos prestados por AA, CC e II, conjugados com a prova documental mencionada constituem suporte consistente para que se mantenham os pontos 9 e 10 no elenco dos factos provados.


Improcede, assim, nesta parte, a impugnação.


Facto n.º 11


Eis o seu teor:


- De acordo com instruções recebidas da ré, AA, procedia ao registo do seu tempo de trabalho numa folha, cedida pela ré, denominada de “registo de ponto”.


A Apelante pugnou para que tal facto seja considerado não provado, ou, subsidiariamente, alterado nos seguintes termos:


AA, procedia ao registo do tempo de trabalho numa folha de cujo modelo era utilizado internamente na Ré, denominada de “registo de ponto”, não tendo, contudo, a Ré dado qualquer indicação nesse sentido, não se encontrando a mesma validada pela Ré.


Vejamos.


No depoimento prestado por AA, este referiu que por solicitação de EE, funcionária da ré, passou a ter que registar os seus tempos de trabalho. Embora tal exigência lhe tenha sido solicitada a partir de fevereiro de 2024, foi-lhe pedido que preenchesse os registos desde outubro de 2023.


EE, conforme se extrai do Anexo 3 junto com a participação da ACT, era a técnica administrativa de contabilidade da ré, sendo pois verosímil que fosse quem recebia e fazia o tratamento do suporte documental da ré, nomeadamente para justificar o pagamento dos recibos verdes emitidos pelo AA.


O declarado por AA em julgamento também consta mencionado no Anexo 4 junto com a participação, que corresponde ao “Auto de declarações” obtido no dia da visita inspetiva, com a espontaneidade do momento.


As senhoras inspetoras em julgamento confirmaram que haviam apurado a verificação do facto.


Não foi produzida prova que infirmasse tal realidade, designadamente tendo em conta que o depoimento de DD não se revelou isento e a testemunha FF não falou sobre a matéria.


Pelo exposto, o facto está de acordo com a prova produzida, pelo que, também nesta parte, improcede a impugnação.


Factos 12 e 14


Menciona-se nestes pontos:


12. Em contraprestação do trabalho desenvolvido, a ré acordou pagar mensalmente a AA 950,00€ líquidos, acrescido de alimentação em espécie, o pequeno almoço e almoço, conforme concedia também a todos os trabalhadores que exerciam funções no Hotel.


14. Este valor não estava dependente do volume ou quantidade de trabalho distribuída a AA, mas tão só da prestação diária de 8 horas de trabalho durante 5 dias da semana, mesmo se faltasse.


A Apelante sugeriu que estes pontos passem a ter a seguinte redação:


12. Em contraprestação do trabalho desenvolvido, a ré acordou pagar mensalmente a AA 950,00€.


14. O pagamento do valor acordado mensalmente com o prestador, não dependia do cumprimento de qualquer horário de trabalho, mas exclusivamente da prestação dos serviços contratados.


Sucede que, mais uma vez, a materialidade em questão foi declarada de forma que se nos afigurou sincera, isenta, e, como tal, credível pelas testemunhas AA, CC e II.


AA foi, aliás, bastante detalhado no seu relato em julgamento.


As suas afirmações foram também espontaneamente referidas às senhoras inspetoras no dia da vista inspetiva - cf. Anexo 4 – o que só reforça a sua sinceridade.


Quanto às senhoras inspetoras, as mesmas relataram o que obtiveram da averiguação que fizeram, sendo certo que não têm qualquer interesse pessoal no desfecho da lide.


Já a testemunha DD… como é que se pode compreender que afirme que não negava, por uma questão de simpatia, as refeições a AA se este aparecesse para comer…


Só há uma explicação: A manifesta parcialidade da testemunha que depôs em defesa dos interesses da sua entidade empregadora.


A testemunha FF não se pronunciou sobre esta factualidade.


Concluindo, existe sustentação probatória para a decisão proferida quanto aos factos n.ºs 12 e 14, pelo que se mantêm os mesmos.


Facto n.º 16


Deu-se neste ponto como provado:


- Sempre que tivesse de faltar ao trabalho, AA tinha ordens para comunicar a falta à trabalhadora da ré, EE, além de tal constar no registo da folha de ponto.


No entender da Apelante, esta materialidade deve passar para o elenco dos factos não provados.


A sua impugnação sustenta-se na seguinte argumentação:


«No thema da justificação de faltas, o Tribunal a quo deu como provado o facto n.º 16, com base nos depoimentos contraditórios da Inspetora da ACT e do próprio prestador de serviços. Isto porque, refere a Inspetora que o prestador reportava ao Diretor do Hotel e da versão do próprio prestador de serviços, este reportava a EE. Ora existe uma clara contradição entre os dois depoimentos, não se aceitando como o Tribunal dá como provado um facto com base em depoimentos contraditórios, desvalorizando o próprio depoimento prestado pelo Diretor do Hotel, DD.»


Novamente, adianta-se, não assiste razão à Apelante.


Primeiramente, pelas razões que já referimos, o depoimento da testemunha DD não é um depoimento que mereça credibilidade, daí não servir para infirmar os depoimentos de AA ou os depoimentos das senhoras inspetoras.


Ademais, o facto foi relatado de modo natural por AA, com o reforço do Anexo 4, ou seja, já tinha sido relatado espontaneamente no dia da visita inspetiva.


Acresce que nenhuma das senhoras inspetoras afirmou facto oposto ao declarado pelo ”prestador”.


Logo, o facto foi decidido de acordo com a prova, credível e consistente, produzida nos autos, pelo que se mantém o facto n.º 16 no elenco dos factos provados.


Factos n.ºs 19 e 37


Consta nestes pontos:


19. Quando contratou AA, a ré entregou-lhe uma T-shirt e um polo, com o logotipo do Hotel da ..., para uso durante o período de trabalho.


37. Por regra, quando recebem estes equipamentos, os trabalhadores da ré, assinam uma declaração de entrega, o que não se verificou com AA.


Alegou a Apelante que não só existe uma contradição entre os factos descritos nos dois pontos, como a materialidade narrada no ponto 19 deve ter-se por não provada e deve manter-se o ponto 37 no elenco dos factos provados


Analisemos.


Começamos por afirmar que inexiste qualquer contradição entre os dois pontos.


Diremos mesmo que os factos estão em perfeita sintonia e coerência entre si.


No ponto 19, refere-se o que aconteceu no momento da contratação de AA a propósito da entrega de vestuário profissional.


No ponto 37 (que surge no seguimento do ponto 36), refere-se que não obstante os trabalhadores da ré, por regra, assinem um documento quando lhes é entregue vestuário profissional, tal assinatura não ocorreu no caso de AA.


Destarte, claudica a apontada contradição entre os dois pontos fácticos.


Quanto à demonstração da verificação da materialidade descrita no ponto 19, a mesma resultou, mais uma vez, da conjugação dos depoimentos sinceros e confiáveis das testemunhas AA, CC e II e do Anexo 4.


Repare-se que AA, logo no dia da visita inspetiva, declarou, com abertura, às senhoras inspetoras e perante a pergunta «Foi-lhe fornecido vestuário de serviço?» que lhe deram casaco e polo, com o logotipo do Hotel mas que entretanto se danificou.


Não faz qualquer sentido que o mesmo não tivesse dito a verdade às senhoras inspetoras.


Por conseguinte, existe prova que suporta a verificação do facto constante no ponto 19, pelo que improcede, quanto a este ponto, a impugnação.


Mantém-se igualmente o ponto 37 porque o mesmo não foi realmente impugnado, tendo servido somente para justificar a acusada (mas infundada) contradição.


Factos n.ºs 20, 22 e 25


Descreve-se nestes pontos:


20. Em cada dia de trabalho, AA recebia ordens da ré quanto ao trabalho que tinha de efetuar, transmitidas pelo Diretor do Hotel, inicialmente o Sr. HH, posteriormente substituído por DD, quando se encontrava afeto a trabalhos no Hotel e quando afeto a trabalhos na Adega, de GG, vogal do Conselho de Administração.


22. AA participava nas reuniões de trabalho, com o Diretor do Hotel, tal como BB.


25. Sempre que se deslocava a ... para comprar material necessário a qualquer manutenção ou reparação, fazia-o em nome da ré, conforme ordens previamente recebidas.


Propugnou a Apelante para que estes pontos sejam dados como não provados.


Todavia, de novo, reafirmamos que existe prova sólida sobre a verificação dos factos.


A materialidade em causa suporta-se, uma vez mais, na conjugação dos depoimentos das testemunhas AA, CC e II, em contraste com o depoimento, nada isento, produzido pela testemunha DD.


Quanto à testemunha FF, nada referiu sobre a matéria.


Os factos em causa foram especificados com detalhe por AA, e foram averiguados pelas Inspetoras, conforme se mostra exposto, de forma clara e pormenorizada, na motivação da convicção do tribunal a quo, para a qual remetemos, para evitar tautologias.


Facto n.º 23


Este ponto tem o seguinte teor:


- AA utilizava diariamente instrumentos de trabalho, tais como o carrinho corta relvas, o aparador de relvas, a tesoura da poda, a roçadora, as chaves próprias para a manutenção, a tinta, as embalagens para engarrafar o vinho, a máquina de engarrafamento, as caixas e paletes, os produtos de limpeza utilizados na limpeza dos silos na Adega, que eram pertença da ré.


Alegou a Apelante que este ponto deve passar a ter a seguinte redação:


AA utilizava diariamente, instrumentos de trabalho, tais como o carrinho corta-relvas, o aparador de relvas, a tesoura da poda, a roçadora, as chaves próprias (por exemplo a de fénix) para a manutenção, a tinta, as embalagens para engarrafar o vinho, a máquina de engarrafamento, as caixas e paletes, os produtos de limpeza utilizados na limpeza dos silos na Adega, que eram, na sua maioria pertença da ré, sendo alguns deles próprios do prestador de serviços.


Comparando as duas redações, percebe-se que a Apelante pretende que a menção «que era pertence da ré» seja substituída por «que eram, na sua maioria pertença da ré, sendo alguns deles próprios do prestador de serviços.»


Acontece que a testemunha AA declarou, categoricamente, que nunca utilizou equipamento seu para o exercício das suas funções, tendo sempre utilizado equipamento pertencente à ré.


Embora as senhoras inspetoras tenham admitido que “o prestador” poderia ter utilizado, pontualmente, alguma ferramenta sua, como por exemplo, uma chave de fendas, declararam que, pelo que apuraram, a maioria dos equipamentos de trabalho, era pertença da ré.


A testemunha DD, apesar da posição parcial que revelou ao longo do seu depoimento, no que respeita aos equipamentos corroborou o declarado por AA, pois disse que os equipamentos que o mesmo utilizava eram pertença da ré.


A testemunha FF não revelou conhecimento da matéria.


Posto isto, afigura-se-nos que o referido pelas inspetoras corresponde mais a uma suposição das mesmas do que propriamente a uma conclusão objetiva e fundamentada em elementos recolhidos no âmbito das suas funções profissionais.


Assim sendo, entendemos que a prova suporta a materialidade que foi impugnada no ponto 23, pelo que mantemos este ponto tal como foi decidido pela 1.ª instância.


Finalmente, importa referir que não vislumbramos qualquer contradição entre o facto relatado no ponto n.º 10 e os factos descritos nos pontos n.ºs 32 a 34.


Ainda que AA não realizasse todas as tarefas que BB realizava, por não possuir qualificações para o efeito, sendo os dois responsáveis pela manutenção é normal que a ré tenha tentado compatibilizar os seus horários de trabalho, para garantir o serviço de manutenção nos dias de descanso de BB, no âmbito da gestão dos recursos humanos de que dispunha.


Não estão pois em causa factos opostos ou inconciliáveis entre si.


-


Concluindo, a impugnação da decisão de facto improcede na totalidade.


*


VI. Qualificação da relação contratual


O tribunal a quo declarou a existência de um contrato de trabalho por tempo indeterminado entre a ré e AA, com início em outubro de 2023.


A Apelante não se conforma com esta decisão, defendendo que a relação contratual que foi estabelecida apenas é caracterizável como de prestação de serviços.


Apreciemos a questão.


Principiemos por referir que a 1.ª instância analisou de forma clara e em termos exaustivos, na sentença recorrida, a problemática teórico-jurídica relacionada com a distinção entre contrato de trabalho e contrato de prestação de serviço. Tal análise merece a nossa absoluta concordância.


O direito aplicável foi, também, corretamente enunciado e não se mostra impugnado em sede de recurso.


Em concreto, a divergência manifestada no recurso incide sobre a operação de aplicação do direito aos factos.


Analisemos então se a 1.ª instância violou o n.º 1 do artigo 12.º do Código do Trabalho, na redação conferida pela Lei n.º 13/2023, de 3 de abril, que é a aplicável atendendo à data do início da relação contratual.


Sob a epígrafe “Presunção de contrato de trabalho”, estipula o referido artigo 12.º:


1 - Presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma atividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características:


a) A atividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado;


b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da atividade;


c) O prestador de atividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma;


d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de atividade, como contrapartida da mesma;


e) O prestador de atividade desempenhe funções de direção ou chefia na estrutura orgânica da empresa.


Da redação deste normativo resulta que para que esteja preenchida a presunção mostra-se necessário que estejam reunidas algumas das características referidas nas alíneas do n.º 1.


Utilizando a lei a palavra “algumas”, tal significa que, pelo menos, têm de estar reunidas duas das circunstâncias previstas no n.º 1 do artigo 12.º.


Assim, àquele que reclama a qualificação da relação jurídica como contrato de trabalho, basta alegar e provar a verificação de, pelo menos, duas das situações previstas nas diversas alíneas do n.º 1 do preceito, para que beneficie da presunção de contrato de trabalho.


Tal presunção é, porém, ilidível, pois trata-se de uma presunção juris tantum (artigo 350.º do Código Civil), cabendo à parte contrária demonstrar que, não obstante a verificação das circunstâncias apuradas, existem factos e contraindícios indicadores de autonomia, que são quantitativa e qualitativamente significativos para permitirem a descaracterização.


Apreciemos então o caso sub judice à luz dos pressupostos ou características previstos no n.º 1 do aludido artigo 12.º.


A) Atividade realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado


Com relevância, resultou apurado que a ré era a beneficiária da atividade prestada por AA, pois era ela quem explorava o Hotel da ... e a Adega, na ..., locais onde aquele prestava as funções para que foi contratado e realizava os trabalhos mencionados nos pontos 5, 7 e 8, mediante determinação da ré.


Tanto basta para que se considere preenchido o indício de laboralidade contemplado pela alínea a) do n.º 1 do artigo 12.º.


B) Equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertencentes ao beneficiário da atividade


Atento o referido nos pontos 23 e 24 do elenco dos factos provados, resultou demonstrado que para o exercício das funções contratadas, AA utilizava equipamentos e instrumentos de trabalho pertencentes à ré.


Acresce que esta, quando contratou o prestador, entregou-lhe um t-shirt e um polo, com o logotipo do Hotel da ..., para uso durante o período do trabalho – cf. ponto 19.


Por conseguinte, é manifesto que também a alínea b) do n.º 1 do artigo 12.º se mostra preenchida.


C) Horário de trabalho determinado pelo beneficiário da atividade


Em relação às horas de início e de termo da prestação, resultou apurado que AA cumpria um horário determinado pela ré – cf. ponto 9.


Ademais, era-lhe mesmo exigido que procedesse ao registo do seu tempo de trabalho, numa folha, cedida pela ré, denominada “registo de ponto” – cf. ponto 11.


Acresce que sempre que tivesse de faltar tinha ordens para comunicar a falta à trabalhadora da ré, EE, além de ter de mencionar a ausência no “registo de ponto” – cf. ponto 16.


Destarte, é evidente que o prestador estava sujeito às horas de início e de termo da prestação que eram determinadas pela beneficiário, o que leva a que se conclua pelo preenchimento do índice de laboralidade previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 12.º.


D) Pagamento, com determinada periodicidade, de uma quantia certa, como contrapartida da atividade prestada


Relacionados com este índice de laboralidade destacam-se os pontos 12 a 15.


Infere-se dos aludidos pontos, que a ré pagava mensalmente ao prestador a quantia certa de € 950 líquidos, pela disponibilidade para trabalhar, por parte deste, durante 8 horas diárias x 5 dias por semana.


O valor pago não estava dependente do volume ou quantidade de trabalho distribuída (ou executada).


Além disso, ainda eram fornecidas em espécie as refeições do pequeno almoço e do almoço.


Face ao apurado, entendemos que resultou igualmente demonstrada a verificação da situação consagrada na alínea d) do n.º 1 do artigo 12.º.


E) Exercício de funções de direção ou chefia na estrutura orgânica da empresa


No que concerne à circunstância prevista na última alínea do n.º 1 do artigo 12.º, a mesma não se mostra preenchida, pois não ficou apurado (e nem sequer foi alegado) que o prestador desempenhasse funções de direção ou de chefia na organização da ré.


Concluindo, o Ministério Público, autor nesta ação especial, logrou provar a verificação de quatro circunstâncias previstas no n.º 1 do artigo 12.º.


Acresce que também resultou provado, com interesse para a compreensão da efetiva relação contratual que existia, o seguinte:


- Desde que foi contratado em Outubro de 2023, AA só prestou trabalho para a ré e só a esta emitiu recibos [pontos 17 e 26];


- A partir de 10 de Abril de 2024, a ré transferiu a responsabilidade emergente de acidente de trabalho, em relação a AA, como seu trabalhador, para a Fidelidade - Companhia de Seguros S.A., mediante contrato de seguro do ramo de acidentes de trabalho, titulado pela apólice n.º ... [ponto 18];


- Em cada dia de trabalho, AA recebia ordens da ré quanto ao trabalho que tinha de efetuar, transmitidas pelo Diretor do Hotel, inicialmente o Sr. HH, posteriormente substituído por DD, quando se encontrava afeto a trabalhos no Hotel e quando afeto a trabalhos na Adega, de GG, vogal do Conselho de Administração [ponto 20];


- Os trabalhos de manutenção que lhe eram determinados, por regra, eram executados individualmente e, em algumas ocasiões, com o técnico de manutenção, trabalhador subordinado da ré, BB [pontos 21 e 32];


- AA participava nas reuniões de trabalho, com o Diretor do Hotel, tal como BB [ponto 22];


- Sempre que se deslocava a ... para comprar material necessário a qualquer manutenção ou reparação, AA fazia-o em nome da ré, conforme ordens previamente recebidas [ponto 25];


- Os trabalhadores subordinados da ré, tal como foi exigido a AA, tinham de proceder ao registo dos tempos de trabalho [ pontos 11 e 41];


- Alguns trabalhadores da ré, no exercício das suas tarefas, utilizam um casaco e um polo com o logotipo do hotel [ponto 36];


- A ré contratou um seguro de acidentes de trabalho para os seus trabalhadores, titulado pela apólice n.º AT65442667 [ponto 44].


Este factos revelam, em conjunto com os que preencheram as alíneas do n.º 1 do artigo 12.º, que AA foi contratado para exercer uma atividade juridicamente subordinada, típica de uma relação laboral, em que o local de trabalho, o horário de trabalho, as tarefas a executar, as regras da organização a observar e a integração na organização, eram determinados exclusivamente pela ré.


Em contrapartida, era-lhe paga uma prestação monetária, certa e periódica, acrescida de uma prestação em espécie.


Ademais, durante o período em que durou a relação contratual, AA dependeu economicamente da ré, pois não prestou atividade para qualquer outra pessoa ou entidade.


Dito de outro modo, por força do contrato celebrado, AA colocou-se numa relação de dependência, sujeitando-se nas prestações da sua atividade, às ordens, instruções e direção da ré.


Por isso, entendemos que o Ministério Público logrou provar a presunção da prevista no artigo 12.º, inserida num contexto de subordinação jurídica típica de uma relação de cariz laboral.


E não obstante a presunção prevista no referido artigo 12.º seja ilidível, afigura-se-nos que a Apelante não logrou demonstrar factos e contraindícios indicadores de autonomia que sejam quantitativa e qualitativamente significativos para permitirem a descaracterização do contrato como de trabalho.


A circunstância de AA emitir “recibos verdes”, normalmente relacionados com a prestação de trabalho autónomo ou independente, é habitual neste tipo de situações e apenas reforça o propósito da empregadora não querer assumir a existência da relação laboral, munindo-se de aspetos formais que não correspondem aos termos reais em que a relação contratual se desenvolve.


O não pagamento dos subsídios de férias e de Natal também não releva por se tratar de uma realidade igualmente comum em situações em que o empregador não quer assumir a existência de um contrato de trabalho.


Face ao exposto, afigura-se-nos que os aparentes sinais de autonomia e independência, contextualizados e perspetivados numa apreciação global da relação contratual real, não correspondem a efetiva autonomia e independência na prestação da atividade contratada.


Concluindo, tendo o Ministério Público logrado provar os pressupostos para a presunção de existência de um contrato de trabalho e não tendo a Apelante ilidido tal presunção, entendemos que a relação contratual que se aprecia, com início em outubro de 2023, foi acertadamente qualificada como contrato de trabalho pelo tribunal a quo.


Na sequência, improcede, nesta parte, o recurso.


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VII. Responsabilidade pelas custas processuais


Na sentença recorrida, a Apelante foi condenada nas custas processuais, ao abrigo do disposto no artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.


A Apelante impugnou esta decisão, argumentando que não deu causa à ação, sendo esta totalmente infundada de facto e de Direito, pelo que deve ser absolvida do pedido e das custas processuais.


Ora, conforme analisámos, a ação não é infundada.


Bem pelo contrário, a operada subsunção dos factos provados ao Direito levou à conclusão de que a decisão recorrida é acertada e que merece ser sufragada.


Dispõe o artigo 527.º do Código de Processo Civil:


1- A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito.


2- Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.


3- No caso de condenação por obrigação solidária, a solidariedade estende-se às custas.


Ora, atendendo a que na sentença recorrida o pedido deduzido contra a ré foi julgado procedente, é manifesto que esta é considerada parte vencida do processo.


Por isso, bem andou o tribunal a quo em condená-la nas custas processuais nos termos previstos pelo artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.


Enfim, também sobre esta questão improcede o recurso.


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Concluindo, o recurso improcede na totalidade.


As custas do recurso serão suportadas pela Apelante, nos termos previstos pelo artigo 527.º do Código de Processo Civil.


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VIII. Decisão


Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.


Custas do recurso a suportar pelo Apelante.


Notifique.


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Évora, 13 de fevereiro de 2025


Paula do Paço


João Luís Nunes


Emília Ramos Costa

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1. Relatora: Paula do Paço; 1.º Adjunto: João Luís Nunes; 2.ª Adjunta: Emília Ramos Costa↩︎

2. Na sentença recorrida consta, por manifesto lapso material , que se corrigiu, 2023.↩︎

3. Em relação a este ponto 37 veremos, mais adiante, que não se trata de uma verdadeira impugnação.↩︎