Sumário elaborado pela relatora:
- Na fixação da pensão ou indemnização provisória a que se reporta o artigo 121.º n.º 1 do Código de Processo, o juiz atende à incapacidade atribuída pelo exame médico previsto no artigo 105.º e seguintes do mesmo código.
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora1
I. Relatório
Corre termos no Juízo de Trabalho de ... a ação especial emergente de acidente de trabalho em que é sinistrado AA.
Na fase contenciosa do processo, deduzida contra Companhia de Seguros Fidelidade, S.A. e Strong Charon Soluções de Segurança, S.A., veio o sinistrado, ao abrigo do artigo 121.º do Código de Processo do Trabalho, requerer a fixação de pensão ou indemnização provisória, no montante mensal equivalente à última remuneração que auferiu.
Na sequência do requerido, a 1.ª instância determinou que o sinistrado esclarecesse se lhe estava a ser paga alguma quantia e a que título.
O sinistrado informou que a seguradora lhe estava a pagar, mensalmente, a quantia de € 167,82.
Foi, então, proferido despacho que concedeu a pensão provisória, mas apenas no valor mensal de € 209,37.
A fixação deste valor apoiou-se na seguinte fundamentação:
«O grau de incapacidade a ter em conta na fixação da pensão deverá ser aquele que foi atribuído pelo exame médico pericial, sendo suscetível de retificação se entretanto vier a ser atribuído grau de incapacidade diverso (cf. artigo 121º, nº 1 e acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 08 de março de 2004, disponível em www.dgsi.pt).
Isto visto, diremos que o montante de € 167,82 que a seguradora se encontra a pagar ao sinistrado constitui o montante de pensão mensal devida com base numa incapacidade permanente de 30% e face a uma remuneração transferida de € 11.187,98 (a aceite pela seguradora), correspondendo a € 11.187,98 : 14 x 70% x 30%, o que perfaz exatamente 167,82 (com base no vencimento de € 13.957,71, que era o efetivamente auferido, segundo o que do auto consta, tal pensão mensal seria de € 209,37).
Ora, tendo em conta o disposto no nº 3 do referido artº 121º do Código de Processo do
Trabalho, concede-se que a seguradora possa ser chamada a suportar a diferença para o que se encontra a suportar atualmente.
Porém, não poderá a mesma ser chamada a suportar o montante integral do salário do
sinistrado, posto que aqui se trata da pensão referente à incapacidade permanente parcial, pelo que a pensão provisória a fixar deve ser encontrada, tendo em conta o montante da pensão ou indemnização que for devida pela morte ou pela incapacidade atribuída pelo exame médico.
Ora, o exame médico efetuado ao sinistrado atribuiu-lhe uma indemnização de 30% e considerou haver cura clínica, fixando a respetiva data.
Cumpre também não olvidar que o sinistrado já recebeu por incapacidades parciais o
montante de € 20.111,39.
Como tal, entende-se que a pensão provisória a fixar não poderá exceder os referidos € 209,37, resultantes da operação € 13.957,71 : 14 x 70% x 30%, o que perfaz exatamente €
209,37 por mês.»
E decidiu-se, a final:
«Nestes termos e com tais fundamentos decide-se julgar parcialmente procedente o peticionado pelo sinistrado e condenar a seguradora Fidelidade Companhia de Seguros, S.A. a pagar ao sinistrado AA a pensão provisória anual de € 2.931,12 (dois mil, novecentos e trinta e um euros e doze cêntimos), em que se incluem os subsídios de férias e de Natal, no valor de 1/14 da pensão cada um, pagos em maio e novembro, respetivamente, sendo a pensão mensal de € 209,37 (duzentos e nove euros e trinta e sete cêntimos).
Custas pelo A., sem prejuízo do apoio judiciário concedido ao mesmo (artº 539º, nº 1 do Código de Processo Civil).
Notifique.»
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Não se conformando com o indeferimento parcial da pensão provisória requerida, veio o sinistrado interpor recurso para esta Relação, rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:
«1. Vem o presente recurso interposto da decisão proferida pelo Tribunal a quo que decidiu, em súmula, o seguinte dispositivo:(…) condenar a seguradora ..., a pagar ao sinistrado a pensão provisória anual de € 2.931,12 (….);
2. O tribunal a quo no se dispositivo considerou provado, no ponto 6º dos factos provados que em 26.1.2024 a junta médica que examinou o sinistrado considerou que: “após exame do sinistrado, decidido por unanimidade que deve aguardar os tratamentos que se encontram em curso, solicitando-se á companhia de seguros que uma vez concluídos remeta ao processo todos os elementos clínicos referentes à situação do sinistrado, reforçando a utilidade da realização de tratamentos de hidroterapia que já foram prescritos mas que fossem interrompidos (apenas 6 sessões foram realizadas).”.
Logo, Venerandos Desembargadores,
3. Atento o ponto 6º dos factos provados, parece-nos, em nosso modesto entender, que em 26.1.2024, por exame de junta médica, foi determinado que o trabalhador se encontra em situação de incapacidade temporária absoluta para o trabalho.
4. Donde desde logo resultou que o sinistrado não está curado e tem a necessidade dos tratamentos determinados.
5. O Tribunal a quo, por sua vez, logrou em dar provimento ao pedido de arbitramento de pensão provisório, porém no montante de 209,37 Euros mensais, face à IPP de 30% que foi estabelecida no exame médico realizado pelo INML, com uma evidente dificuldade de retorno à atividade profissional em pleno.
6. Porém, facto é que, reitera-se, em 26.1.2024 novo exame médico determinou a situação de necessidade de tratamento do sinistrado, por não se encontrar curado.
7. Logo, estamos perante uma incapacidade temporária do trabalhador para regressar à sua atividade.
8. Donde, nos termos do disposto no art. 50º nº 1 da Lei nº 98/2009, de 4.9, é estabelecido que: “A indemnização por incapacidade temporária é paga em relação a todos os dias, incluindo os de descanso e feriados, e começa a vencer-se no dia seguinte ao do acidente.”.
Por conseguinte, Venerandos Desembargadores,
9. É entendimento do recorrente que o tribunal a quo mal andou, por violar as disposições contidas nas normas supramencionadas, nomeadamente, o disposto no art. 50º nº 1 da Lei 98/2009 e 121º nº 1 do CPT, porquanto: A) O Exame Médico a ter-se em referência terá que ser o exame de junta médica obtido em 26.1.2024, pois foi o último a se pronunciar sobre as condições, necessidades, tratamentos e incapacidade do trabalhador sinistrado, donde decorre a violação ao disposto no art. 121º nº 1 do CPT; E, consequentemente, estabelecendo tal exame que o sinistrado e recorrente encontra-se perante incapacidade temporária para a realização do trabalho, a indemnização/pensão provisória a atribuir ao sinistrado teria que ser apurada nos termos do art. 50º nº 1 da Lei 98/2009, ou seja, tendo por base a última retribuição integral do trabalhador.
Nestes termos e nos melhores de direito, com o douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso proceder, por provado, e, em consequência:
A) Ser a decisão recorrida revogada, sendo substituída por decisão que considere devido ao recorrente o pagamento de pensão mensal provisória atento o montante da retribuição mensal devida ao recorrente e não pela mera quantia de 209,37 € mensais, conforme foi determinado na decisão visada».
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Admitido o recurso, o processo subiu à Relação e o Ministério Público emitiu parecer, a pugnar pela improcedência do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II. Objeto do Recurso
É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho).
Em função destas premissas, importa analisar e decidir se o tribunal de 1.ª instância errou ao indeferir a concessão da pensão provisória em montante mensal equivalente à última remuneração auferida pelo sinistrado.
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III. Matéria de Facto
A matéria de facto a atender é a que consta do relatório supra, para o qual remetemos, sem necessidade da sua repetição e, ainda, os factos dados como assentes na decisão recorrida e que são os seguintes:
1- O sinistrado foi vítima de acidente de trabalho/viação ocorrido no dia 22-05-2019, em ..., devido ao despiste da moto-quatro que conduzia, ao efetuar uma ronda no âmbito das suas funções profissionais, daí lhe resultando traumatismo do membro inferior esquerdo, ficando a padecer de sequelas definitivas que levaram o perito médico-legal a atribuir-lhe uma Incapacidade Permanente Parcial de 30%, a partir de 19-11-2021, data da cura clínica.
2- Na data do acidente o sinistrado exercia a profissão de vigilante, ao serviço de Strong Charon – Soluções de Segurança, S.A., auferindo uma retribuição anual de € 13.957,71.
3- O Magistrado do Ministério Público propôs às partes o seguinte acordo:
“A entidade responsável pagará ao sinistrado:
a) uma pensão anual e vitalícia de € 2.931,12, atualizável, devida desde 20-11-2021;
b) o montante de € 25.281,81, a título de indemnização legal devida pelos períodos de incapacidade temporária, montante esse do qual o sinistrado já se encontra ressarcido de € 20.111,39.”
4- O sinistrado não aceitou a conciliação nos termos propostos pelo Magistrado do Ministério Público, uma vez que discorda dos períodos, natureza e grau das incapacidades atribuídas pelo perito médico-legal, bem como da data da cura clínica pelo mesmo atribuída, dado que em 19-11-2021 ainda não se encontrava curado das lesões decorrentes do acidente.
5- A entidade seguradora reconheceu a existência e caracterização do acidente de trabalho a que os autos se reportam: “acidente de viação ocorrido no dia 22-05-2019, em ..., consistindo este no despiste do veículo que o sinistrado conduzia, uma moto-quatro, quando efetuava uma ronda no âmbito das suas funções profissionais”, assim como reconheceu o nexo causal entre esse acidente e as lesões de que o sinistrado padece, e concordou com os períodos, natureza e grau das incapacidades atribuídas pelo perito médico-legal, mas assumiu a responsabilidade pela reparação do evento calculada apenas em função de uma retribuição anual de € 11.187,98 [(retribuição base: € 694,39 x 14) + (subsídio de alimentação: € 133,32 x 11)], valor pelo qual considera que se encontrava transferida a responsabilidade infortunística da entidade empregadora à data do evento, motivo pelo qual não aceitou o acordo proposto pelo Magistrado do Ministério Público.
6- Em 26 de janeiro de 2024, a junta médica que examinou o sinistrado considerou que:
“após exame do sinistrado, decidido por unanimidade que deve aguardar os tratamentos que se encontram em curso, solicitando-se à companhia de seguros que uma vez concluídos remeta ao processo todos os elementos clínicos referentes à situação do sinistrado, reforçando a utilidade da realização de tratamentos de hidroterapia que já foram prescritos mas que fossem interrompidos (apenas 6 sessões foram realizadas)”.
7- No apenso A (Fixação da Incapacidade para o Trabalho), por despacho de 22 de outubro de 2024, foi determinado que: “face ao informado pela seguradora, os autos aguardarão por 20 dias que a mesma informe se se concretizou a realização de novas sessões de fisioterapia e qual a duração das mesmas no tempo”.
8- O sinistrado não voltou a ser examinado por junta médica após a data referida em 6.
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IV. Enquadramento jurídico
A questão a dirimir e resolver é simples.
O Apelante sustentou que, atendendo ao exame por junta médica realizado 26-01-2024, que por ser o último exame realizado é o que, no seu entender, se deve ter por referência, se encontra numa situação de incapacidade temporária absoluta (ITA), pelo que a indemnização/pensão provisória a atribuir teria que ser apurada nos termos previstos pelo artigo 50.º, n.º1, da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro (LAT), o que não aconteceu, pelo que foi violado não só este artigo, mas também o artigo 121.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho.
Vejamos.
Prescreve o artigo 121.º do Código de Processo do Trabalho:
1 - Se houver acordo acerca da existência e caracterização do acidente como acidente de trabalho, o juiz, se o autor o requerer ou se assim resultar diretamente da lei aplicável, fixa provisoriamente a pensão ou indemnização que for devida pela morte ou pela incapacidade atribuída pelo exame médico, com base na última remuneração auferida pelo sinistrado, se outra não tiver sido reconhecida na tentativa de conciliação.
2 - Se o grau de incapacidade fixado tiver carácter provisório ou temporário, o juiz retifica a pensão ou indemnização logo que seja conhecido o resultado final do exame médico que define a incapacidade ou lhe reconhece natureza permanente.
3 - Se houver desacordo sobre a transferência da responsabilidade, a pensão ou indemnização fica a cargo do segurador cuja apólice abranja a data do acidente; se não tiver sido junta a apólice, a pensão ou indemnização é paga pela entidade empregadora, salvo se esta ainda não estiver determinada ou se encontrar em qualquer das situações previstas no n.º 1 do artigo 82.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, caso em que se aplica o disposto nos n.os 2 e 3 do artigo seguinte.
4 - Se não for possível determinar a última remuneração do sinistrado, o juiz toma por base uma remuneração que não ultrapasse o mínimo que presumivelmente deva ser reconhecido como base para o cálculo da pensão ou indemnização.
5 - Se o sinistrado ainda necessitar de tratamento, o juiz determina que este seja custeado pela entidade a cargo de quem ficar a pensão ou indemnização provisória.
Estatui, por sua vez, o artigo 50.º da LAT:
1 - A indemnização por incapacidade temporária é paga em relação a todos os dias, incluindo os de descanso e feriados, e começa a vencer-se no dia seguinte ao do acidente.
2 - A pensão por incapacidade permanente é fixada em montante anual e começa a vencer-se no dia seguinte ao da alta do sinistrado.
3 - Na incapacidade temporária superior a 30 dias é paga a parte proporcional correspondente aos subsídios de férias e de Natal, determinada em função da percentagem da prestação prevista nas alíneas d) e e) do n.º 3 do artigo 48.º.
Depreende-se do citado artigo 121.º, n.º 1, que a fixação da pensão ou indemnização provisória a que se reporta o artigo têm por base os elementos do exame médico realizado pelo perito médico, isto é, a incapacidade atribuída pelo exame médico previsto no artigo 105.º e seguintes do Código de Processo do Trabalho.
Neste sentido, veja-se o Acórdão da Relação do Porto de 08-03-2004 (Proc. n.º 0346228), acessível em www.dgsi.pt.
No caso que nos ocupa, o perito médico-legal atribuiu uma incapacidade permanente parcial ao sinistrado de 30%, a partir de 19-11-2021, data da cura clínica.
E foi essa incapacidade que foi tida em conta no cálculo e atribuição da pensão provisória deferida pelo tribunal.
Pelo que a decisão recorrida não merece censura.
Acresce que, ao contrário do alegado pelo Apelante, a junta médica realizada em 26-01-2024 não determinou que o mesmo está afetado de ITA.
Logo, não tem aplicação o artigo 50.º da LAT.
Enfim, tendo a pensão provisória sido fixada de acordo com o estatuído no artigo 121.º, n.º 1, quer no que se refere à incapacidade fixada pelo perito médico, quer quanto ao valor da retribuição a considerar, não merece a mesma reparo, designadamente na parte em que indeferiu o requerimento do sinistrado, que é o que está em causa no recurso.
Concluindo, o recurso mostra-se totalmente improcedente.
As custas do recurso deverão ser suportadas pelo sinistrado - artigo 539.º do Código de Processo Civil, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficie.
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V. Decisão
Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.
Custas do recurso a suportar pelo Apelante.
Notifique.
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Évora, 13 de fevereiro de 2025
Paula do Paço
João Luís Nunes
Mário Branco Coelho
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1. Relatora: Paula do Paço; 1.º Adjunto: João Luís Nunes; 2.º Adjunto: Mário Branco Coelho↩︎