Sumário elaborado pela relatora:
I. Ao despacho saneador que conhece imediatamente do mérito da causa não se aplica o artigo 607.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, mas, antes, o artigo 595.º, n.º 1, alínea b), do mesmo compêndio legal.
I. Se no saneador-sentença o tribunal a quo elencou os factos assentes relevantes e explicou as razões porque os considerou provados, cumpriu o dever de justificação da decisão da matéria de facto exigido pelo artigo 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.
II. Extraindo-se do teor da carta de resolução do contrato de trabalho com fundamento em justa causa, remetida pelo trabalhador ao empregador, que aquele não indicou sucintamente os factos que fundamentam a resolução, nem os enquadrou no tempo, não se mostrando necessário apurar mais factualidade para conhecimento dos pedidos formulados ou para pronúncia sobre a exceção da caducidade do direito de resolução, pode e deve o tribunal conhecer do mérito da causa no despacho saneador.
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora1
I. Relatório
AA intentou ação declarativa emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma de processo comum, contra Portway – Handling de Portugal, S.A., pedindo que seja declarada lícita a resolução contratual por si promovida e que a Ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 66.623,10, acrescida de juros moratórios até efetivo e integral pagamento.
Alegou, em súmula, que sofreu, ao serviço da Ré, dois acidentes de trabalho. Em consequência, deixou de estar apto para o exercício das suas funções profissionais. Contudo, a Ré não acautelou a sua reintegração no trabalho, pois foi colocado a carregar malas, o que agravou o estado doloroso com que ficou após o acidente e o levou a permanecer de baixa médica, longos períodos de tempo, auferindo, em resultado disso, um valor inferior ao que auferiria de estivesse a trabalhar.
Na sequência, e por entender que a Ré, ao longo de seis anos, violou, grosseiramente, as condições de segurança e de saúde no trabalho e o prejudicou patrimonialmente, acabou por resolver o contrato de trabalho com fundamento em justa causa ao abrigo do disposto no artigo 394.º, n.º 1 e 2, alíneas d) e e) do Código do Trabalho.
Considera-se titular dos créditos laborais peticionados que emergem da resolução contratual e da sua fundamentação.
Frustrada a tentativa de conciliação realizada na Audiência de Partes, a Ré veio oferecer a sua contestação. No essencial, impugnou a alegada justa causa de resolução do contrato, para além de ter invocado a caducidade do direito de resolução. Também impugnou o alegado direito à retribuição de férias e aos subsídios de férias e de Natal respeitantes aos anos de 2018 a 2024, bem como o direito às diferenças patrimoniais não auferidas por virtude da situação de baixa médica.
Foi designada data para a realização da Audiência Prévia.
Nesta diligência, perante a impossibilidade de conciliação, e após ter sido concedida a palavra para a discussão das partes com vista à delimitação do litígio, foi proferido o seguinte despacho:
«Tendo em conta as exceções invocadas pela Ré em sede de Contestação, a ausência de resposta às mesmas e o seu teor, entende o Tribunal que se encontra em condições de decidir o mérito da causa, ainda que eventualmente de forma parcial, pelo que notifique as partes para se pronunciarem querendo, nos termos do artigo 3º, nº 3 do Código de Processo Civil, aplicável ex.vi. do Artigo 1º, nº2, alínea a) do Código de Processo de Trabalho.»
Procedeu-se à determinada notificação.
O Autor veio responder, tendo manifestado o seu inconformismo em relação ao despacho, apresentando, em justificação, as suas razões.
A Ré pronunciou-se, no âmbito do exercício do contraditório, concluindo, a final, que o processo se encontra em condições de decidir do mérito da causa.
Após, a 1.ª instância proferiu saneador-sentença, tendo declarado a ação totalmente improcedente, com a consequente absolvição da Ré do pedido.
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Irresignado, o Autor interpôs recurso, extraindo das suas alegações as seguintes conclusões:
«1. Por sentença datada de 23-09-2024 o tribunal “a quo” decidiu julgar totalmente improcedente a presente ação e em consequência, absolveu a Ré de tudo o peticionado.
2. O Autor ora Recorrente não se conforma com a sentença de que ora se recorre.
3. Da sentença de que ora se recorre constam dos factos dados como provados os factos A) a L), porém não há qualquer referência aos factos dados como não provados.
4. Desconhecendo-se em bom rigor qual a seleção da matéria de facto realizada pelo tribunal “a quo” e o motivo pelo qual os restantes factos alegados pelas partes não constam nem dos factos dados como provados, nem dos factos dados como não provados.
5. Pelo que se conclui que estamos perante uma omissão de pronúncia, o que consubstancia uma causa de nulidade da sentença recorrida e a mesma deverá ser revogada por omissão de pronúncia, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alíneas c) e d) do Código de Processo Civil.
6. Deste modo, com a omissão das formalidades referidas, previstas no artigo 607.º, n.º 4, do CPC, cometeu-se uma nulidade processual prevista no artigo 195.º, n.1, do CPC.
7. Termos em que deverá a sentença recorrida ser revogada nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alíneas c) e d) do Código de Processo Civil.
8. O tribunal “a quo” decidiu que atendendo ao estado em que o processo se encontra e ao facto da questão a decidir ser apenas de natureza jurídica, afigura-se possível, desde já e sem necessidade de mais prova, proceder à apreciação do mérito da causa, em conformidade com o permitido pelo disposto na alínea b) do nº1 do artigo 595º do Código de Processo Civil.
9. O ora Recorrente não se conforma com o decidido desde logo porquanto somos do entendimento que os presentes autos não permitem sem mais que seja proferido despacho saneador-sentença.
10. Aliás impunha-se a produção de prova, nomeadamente da prova testemunhal para que o tribunal “a quo” pudesse aferir se estamos ao ano perante uma situação de justa causa da resolução do contrato de trabalho e se a mesma foi apresentada de forma tempestiva.
11. Como tal entendemos que não poderia ter sido conhecido do mérito da causa sem a realização de audiência de discussão e julgamento e sem a produção de prova indicada pelas partes, nomeadamente a prova testemunhal a fim de se verificar se existe ou não fundamento para justificar a resolução do contrato de trabalho com justa causa.
12. A sentença recorrida viola assim o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 595.º do Código de Processo Civil no sentido de que o tribunal “a quo” não poderia ter proferido decisão de mérito in casu sem a produção de prova nos termos requeridos.
13. Termos em que e face ao supra exposto deverá a sentença proferida ser revogada e consequentemente deverá ser ordenada a produção de prova.
14. Caso assim não se entenda e sem prescindir, somos do entendimento que o tribunal “a quo” ao julgar totalmente improcedente a presente ação e ao considerar que fica em causa a aferição da caducidade da resolução e, ainda que viesse a provar-se, sempre com o devido respeito seria manifestamente insuficiente para justificar a invocada resolução.
15. Motivos esses que foram devidamente comunicados à Ré em obediência ao preceituado no artigo 395.º, n.º 1 do Código de Processo de Trabalho.
16. A sentença de que ora se recorre viola o supra mencionado preceito legal uma vez que tal preceito legal consagra que deverá ser comunicado pelo trabalhador ao empregador a resolução do contrato ao empregador com indicação sucinta dos factos que a justificam, o que sucedeu in casu conforme prova documental (documento 16) junta aos autos com a petição inicial.
17. Tendo o trabalhador aqui Recorrente exposto os factos que justificam a sua pretensão.
18. No que respeita à alegada caducidade do direito do Autor ora Recorrente em resolver o seu contrato de trabalho com justa causa a mesma não se verifica, pois pese embora os factos se tenham perpetuado no tempo, a verdade é que desde aquele que o Autor ora Recorrente considerou o derradeiro facto que justifica a justa causa não decorreram mais de 30 dias.
19. Facto esse que não foi tomado em consideração pelo tribunal “a quo”.
20. Termos em que e por violação do disposto no artigo 395.º, n.º 1 do Código de Processo de Trabalho deverá a sentença recorrida ser revogada e consequentemente deverá ser ordenada a realização da audiência de discussão e julgamento.
Nestes termos e nos melhores de direito deverá V. Exa. dar provimento ao presente recurso e revogar a sentença recorrida, devendo os presentes autos seguir os seus ulteriores termos, assim se fazendo Justiça!»
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Contra-alegou a Ré, propugnado pela improcedência da arguida nulidade da sentença e do recurso.
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A 1.ª instância admitiu o recurso como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo. Mais consignou que não se verifica a arguida nulidade da sentença.
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Após a subida do processo à Relação, o Ministério Público emitiu o seu parecer, que não obteve resposta das partes. Salienta-se que o parecer foi no sentido da improcedência do recurso.
Elaborado o projeto de acórdão e colhidos os visto legais, cumpre, em conferência, apreciar e decidir.
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II. Objeto do recurso
É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho).
Em função destas premissas, as questões suscitadas no recurso são as seguintes:
1. Nulidade da sentença (na qual se incluirá a arguida nulidade processual pelas razões que se explicarão infra).
2. Inoportunidade e desacerto da decisão recorrida.
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III. Matéria de Facto
A 1.ª instância deu por assente a seguinte factualidade:
A) O Autor foi admitido para trabalhar sob a autoridade e direção da Ré no dia 01 de Outubro de 2000 e sempre exerceu a categoria profissional de operador de assistência em escala, desempenhando as operações de carregamento e descarregamento de aeronaves e de contentores de transporte; b) Movimentação e controlo de bagagens e volumes; c) Transporte de pessoas incapacitadas; d) Condução e operação de veículos e equipamentos de assistência a aeronaves; e) Reboque de aeronaves com recurso a equipamento trator; f) Condução de veículos de transporte dentro do perímetro do aeroporto; g) Execução e desmontagem de paletas de carga; h) Utilização de equipamentos ou instrumentos auxiliares de apoio ao exercido das suas funções; i) Organização, encaminhamento e preparação de documentação de apoio às atividades desenvolvidas nas plataformas; j) Carregamento e descarregamento das aeronaves; k) Formação técnica dos TAE’ S e OAE’S nas fases iniciais da carreira; l) Coordenação das atividades exercidas pelas áreas operacionais, tendo em vista a rentabilização dos meios humanos e materiais disponíveis;
B) O Autor auferia a retribuição de nível salarial 8, correspondente à retribuição de € 1.215,75€, acrescido de subsídio de refeição, anuidade, abono de transporte, subsídio de chefia de equipa e subsídio de turno;
C) E tinha o horário de trabalho de 38 horas semanais;
D) No dia 08 de Abril de 2016 o Autor foi vítima de um acidente de trabalho, quando se encontrava ao serviço da entidade empregadora ora Ré, que consistiu em ao pegar num saco com tacos de golfe o Autor foi acometido de forte e subida dor no ombro direito;
E) Do acidente resultaram várias lesões e foi atribuída ao Autor uma incapacidade parcial permanente de 5,95%;
F) No âmbito do processo de acidente de trabalho que correu termos na Procuradoria do Juízo do Trabalho de Faro sob n.º 534/17.8... a Ré reconheceu a existência e caraterização do acidente como de trabalho, aceitou o nexo de causalidade entre o acidente e as lesões e foi realizada conciliação entre as partes;
G) O Autor teve alta em 06-02-2017;
H) No dia 21-07-2018 pelas 11h30 o Autor voltou a ser vítima de novo acidente de trabalho, ao fechar a porta do porão traseiro sentiu uma forte dor no ombro esquerdo, o que lhe causou uma periartrite escapulo-umeral e uma tendinite do tendão supra-espinhoso e bursite sub-acromial com conflito sub-acromial associado ao ombro esquerdo;
I) O A. esteve de baixa médica com incapacidade para o trabalho entre 03 de Março de 2022 e 03 de Abril de 2022, entre 21 de Abril de 2022 e 28 de Dezembro de 2022;
J) Em 25-01-2023 foi sujeito a exame de saúde e resulta da ficha de aptidão para o trabalho que encontrava-se inapto temporariamente;
K) No dia 05-01-2024 o Autor enviou à Ré carta regista com aviso de receção com o seguinte teor: “ (…) ..., 05 de Janeiro de 2024. Assunto: Resolução do Contrato com Justa Causa. Exmos Senhores, Venho Comunicar a imediata resolução, com justa causa do contrato de trabalho celebrado no dia 15 de Outubro de 2000, nos termos do artigo 394º., nº. 1 e nº. 2, alíneas d) e e) do Código de Trabalho. Por motivo de acidente de trabalho quedei-me com uma incapacidade parcial permanente e deixei de estar apto para as funções que desempenhava, após a baixa a entidade patronal não acautelou a minha reintegração tendo em conta a minha incapacidade e fui colocado a carregar malas que agravaram ainda mais os problemas. Logo após um dia de trabalho senti-me automaticamente incapacitado para realizar as tarefas a mim adstritas e fui mandado para casa de baixa, recebendo um valor inferior ao que teria direito a receber, encontrando-me apto para realizar várias tarefas que são desempenhadas por outros trabalhadores da empresa. Durante vários anos tenho sido impedido de realizar várias tarefas laborais por vontade exclusiva da entidade patronal. Determinando a entidade patronal que seja sujeito a várias baixas sistemáticas pelo mesmo motivo, não procurando tendo em conta a minha capacidade produtiva para o desempenho de várias tarefas nomeadamente de organização dos próprios trabalhos realizados pela empresa, preferindo trabalhadores precários mais jovens, tendo a empresa promovido o despedimento de vários colegas e optando no que a mim concerne em empurrar uma pessoa que se julga ainda produtiva para uma situação de inércia profissional e pessoal impossibilitando o desenvolvimento do trabalhador impossibilitando a obtenção de diuturnidades, consolidação e aumento da carreira e consequência de aumento da retribuição. A colocação sistemática do trabalhador em baixa médica além de esforçar os cofres da Segurança Social do qual deveria ser tratado conforme dispõe a lei oi seja reintegração do trabalhador na tarefa adequada à sua situação. O trabalhador como eu vendo a sua força de trabalho em prol das satisfações das necessidades estatais, essa venda num estado social não pode ser desprovido de regras de funcionamento sociais e adequadas ao trabalhador enquanto pessoa. Vossas ex. enquanto entidade patronal violaram grosseiramente as normas jurídicas pelo que deverão ser responsabilizado nos termos do artigo nº. 58 da Constituição da República pelo despedimento justa causa que ocorre em virtude de a não colocação do trabalhador na tarefa adequada e vem assim por quanto não assegura a realização efetiva do trabalho o que determina sequelas graves ao trabalhador considerando-se o mesmo com uma idade que ainda permite trabalhar e vê-se confrontado com a inércia da qual também é ilegitimamente provocada pela entidade patronal. Fica vossa excelência para providenciar pelo envio, no prazo de cinco dias úteis, da Declarações Modelo 5044 da Segurança Social e do certificado de Trabalho, sem prejuízo do pagamento dos créditos emergentes da cessação do contrato, acrescida da indemnização de antiguidade, nos termos do nº. 1 do artigo 396º. do Código do Trabalho. Com os melhores cumprimentos, (…)”;
L) Por missiva datada de 08-02-2024 a Ré não aceitou a resolução do contrato com justa causa e enviou a declaração de situação de desemprego na qual assinalou como motivos de cessação do contrato de trabalho – Denúncia do contrato de trabalho/demissão.
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IV. Nulidade da sentença
O recorrente arguiu a nulidade da decisão recorrida, ao abrigo do artigo 615.º, n.º 1, alíneas c) e d), do Código de Processo Civil.
Para tanto, referiu que na seleção da matéria de facto realizada pelo tribunal a quo não há qualquer referência aos factos dados como não provados, nem se menciona o motivo pelo qual os restantes factos alegados pelas partes não foram tidos em consideração nos factos dados por provados, nem constam como factos não provados.
Acrescentou, ainda, que, por violação do disposto no artigo 607.º, n.º 4, do mesmo compêndio legal, foi cometida uma nulidade processual, nos termos previstos pelo artigo 195.º, n.º 1 do referido Código.
Apreciemos então, por partes, a questão suscitada.
Principiemos pela arguida nulidade processual.
É sabido que as nulidades podem ser processuais ou da sentença.
As nulidades processuais resultam de atos ou omissões que foram praticados antes de ser proferida a sentença e que implicaram um desvio da tramitação prevista pela lei, podendo traduzir-se na prática de um ato proibido, na omissão de um ato prescrito na lei ou na realização de um ato que a lei prevê, mas sem o cumprimento do formalismo exigido.
Já as nulidades da sentença derivam de atos ou omissões que o juiz pratica na sentença.
No caso que nos ocupa, é manifesto que o recorrente quando referiu que a decisão recorrida incumpriu as formalidades previstas no artigo 607.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, está a reportar-se ao saneador-sentença prolatado.
Assim sendo, não está a invocar, em sentido próprio, uma nulidade processual.
Toda a sua argumentação se insere, pois, no âmbito da arguida nulidade da sentença e assim será apreciada.
Avancemos.
O artigo 615.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável ao processo laboral, estatui que a sentença é nula quando:
- Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível – alínea c);
- O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento – alínea d).
Ora, não obstante o recorrente mencione a alínea c) do artigo para fundamentar a nulidade arguida, não justificou porquê, pois não salientou a existência de qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão, nem invocou a ocorrência de alguma ambiguidade ou obscuridade na decisão proferida.
E o certo é que analisando a decisão recorrida não conseguimos vislumbrar que padeça dos vícios previstos nesta alínea, pelo que claudica a invocação desta causa de nulidade.
No que respeita à situação inserida na alínea d), a mesma assenta, se bem compreendemos, na omissão de pronúncia sobre os restantes factos alegados pelas partes (seja como provados ou como não provados) e na falta de apresentação das razões que determinaram a decisão de facto, com a especificação dos concretos meios probatórios decisivos para a formação da convicção.
São precisamente as apontadas omissões que, no entender do recorrente, violam o disposto no artigo 607.º, n.º 4 do Código de Processo Civil.
Porém, adianta-se, não lhe assiste razão.
Desde logo, porque este último preceito legal não se aplica ao saneador sentença.
No acórdão desta Secção de 27-06-2024, relatado pela mesma Relatora, relativo ao processo n.º 7639/22.1T8STB.E1, escreveu-se:
« Eis o que estipula o mencionado artigo 607.º:
1 – Encerrada a audiência final, o processo é concluso ao juiz, para ser proferida sentença no prazo de 30 dias; se não se julgar suficientemente esclarecido, o juiz pode ordenar a reabertura da audiência, ouvindo as pessoas que entender e ordenando as demais diligências necessárias.
2 - A sentença começa por identificar as partes e o objeto do litígio, enunciando, de seguida, as questões que ao tribunal cumpre solucionar.
3 - Seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.
4 - Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.
5 - O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.
6 - No final da sentença, deve o juiz condenar os responsáveis pelas custas processuais, indicando a proporção da respetiva responsabilidade.
Depreende-se da norma citada que a mesma visa regular a peça processual “sentença”, que sucede à realização da audiência final.
Por tal motivo, tem-se defendido que este artigo não se aplica ao despacho saneador que conheça do mérito da causa, aplicando-se-lhe, antes, o artigo 595.º n.º 1, alínea b) do mesmo compêndio legal.»
Não vislumbramos qualquer razão válida para alterar a posição anteriormente assumida, pelo que a mantemos.
Procedamos agora à análise da concreta decisão recorrida.
Na mesma constam elencados os factos que se consideraram assentes, com relevância para o imediato conhecimento do mérito da causa – cf. alíneas A) a L) da fundamentação de facto.
Mencionam-se, igualmente, as razões porque se consideraram tais factos provados:
«Motivação:
O Tribunal formou a sua convicção, para determinação da matéria de facto dada como provada, no acordo das partes e na análise crítica dos documentos juntos aos autos e aceites pelas partes, nomeadamente o contrato de trabalho celebrado, recibos de vencimento, atestados de incapacidade para o trabalho, auto de conciliação e incapacidade resultante de acidente de trabalho ocorrido em 2018, carta de resolução do contrato de trabalho e resposta da R. à mesma. Esta documentação mostrou-se essencial para determinação da factualidade assente supra elencada, mais concretamente, pagamentos efetuados pela R. e a que título.
Foram objeto de análise critica os recibos de vencimentos juntos, por forma a considerarem-se provados factos relativos a categoria, índice remuneratório e funções.»
Em face do que ficou escrito, entendemos que o tribunal a quo cumpriu o dever de justificação da decisão que proferiu sobre a matéria de facto - cf. artigo 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.
Nada mais era exigido, nomeadamente que cumprisse o prescrito no artigo 607.º, n.º 4.
Ademais, o tribunal ateve-se, e bem, apenas aos factos relevantes para a decisão de mérito.
Cumpriu assim, com rigor, o princípio consagrado no artigo 130.º do Código de Processo Civil.
Por todo o exposto, entendemos que não se verifica a apontada omissão de pronúncia.
Na sequência, não se verifica a causa de nulidade prevista na alínea d) do .º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil.
Concluindo, improcede a arguida nulidade da sentença.
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V. Sobre a inoportunidade e desacerto da decisão recorrida
Afirmou o recorrente que o tribunal a quo violou o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 595.º do Código de Processo Civil porque não podia ter proferido decisão de mérito in casu sem a realização da Audiência Final e produção da prova testemunhal.
Vejamos.
O referido artigo 595.º, n.º 1, alínea b) prescreve que o despacho saneador se destina a conhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma exceção perentória.
Subjaz a esta norma o princípio da economia processual consagrado no artigo 130.º do Código de Processo Civil.
Ou seja, entendeu o legislador que se na fase de prolação do despacho saneador o estado do processo permitir o imediato conhecimento, total ou parcial, e sem necessidade de mais provas, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma exceção perentória (que, como é sabido, importa a absolvição total ou parcial do pedido), deve o julgador proceder a tal apreciação e conhecimento, para que não sejam praticados futuros atos (absolutamente) inúteis no processo.
O disposto no artigo 591.º é aplicável aos presentes autos, por força da remissão consagrada no n.º 2 do artigo 62.º do Código de Processo do Trabalho.
Analisando.
No caso vertente, a meritíssima juíza a quo entendeu que o processo detinha todos os elementos necessários para conhecer no despacho saneador do mérito da causa.
Assim informou as partes, tendo assegurado que as mesmas se pronunciassem sobre tal possibilidade.
Destarte, resulta evidente que o tribunal a quo observou estritamente o prescrito no referido artigo 591.º, n.º 1, alínea b).
Ademais, como veremos adiante, os factos dados como assentes, revelam-se efetivamente suficientes para que haja pronúncia sobre a exceção perentória da caducidade do direito à resolução contratual e sobre a (i)licitude da resolução.
Como tal, não se justificaria prosseguir com a ação, quando os elementos necessários para o conhecimento de mérito constavam já dos autos, sem necessidade de mais provas.
Enfim, o saneador-sentença de que se recorre foi proferido no momento próprio de acordo com as regras que ditam a tramitação processual.
Improcede, consequentemente, a alegada inoportunidade da sua prolação.
Apreciemos agora se existe erro de direito na decisão recorrida.
O tribunal a quo depois de ter feito as adequadas e suficientes considerações sobre a figura jurídica da resolução do contrato de trabalho com fundamento em justa causa e sobre a caducidade do direito à resolução, para as quais remetemos para evitar tautologias, quer por estarem muito completas e bem fundamentadas, quer por não terem sido postas em causa em sede de recurso, explicou assim a análise que fez do caso concreto e a decisão que assumiu:
«Em face da factualidade assente constata-se que, na sua carta de resolução não indica o A. a data a partir da qual a ré manteve o comportamento ilícito.
Refere, apenas, que tal ocorreu após os acidentes de trabalho que sofreu, incapacidade para o trabalho de que ficou afetado, baixas médicas e período de incapacidade temporária, sem concretização de datas.
E tal teria de contar da carta de resolução, como infra melhor explicaremos.
Só na sua petição inicial alegou que no dia 08 de Abril de 2016 o Autor foi vítima de um acidente de trabalho e que do mesmo resultaram várias lesões, sendo-lhe atribuída uma incapacidade parcial permanente de 5,95%, com alta em 06-02-2017 e que no dia 21-07-2018 pelas 11h30 o Autor voltou a ser vítima de novo acidente de trabalho, bem como junta documentação de onde se retira que esteve de baixa médica com incapacidade para o trabalho entre 03 de Março de 2022 e 03 de Abril de 2022, entre 21 de Abril de 2022 e 28 de Dezembro de 2022 e que em 25-01-2023 foi sujeito a exame de saúde e resulta da ficha de aptidão para o trabalho que encontrava-se inapto temporariamente.
Também desta alegação na petição inicial não se retira a data a partir da qual à R. poderá ser imputada a violação suscetível de fundamentar a resolução do contrato de trabalho por parte do A..
É certo que a petição inicial poderia ser objeto de despacho de aperfeiçoamento, porém, o mesmo não pode suceder com a carta de resolução.
Debrucemo-nos mais em pormenor sobre esta última.
Como acima já ficou dito, os requisitos de forma da resolução com invocação de justa causa encontram-se previstos no art. 395º, nº 1 do Código do Trabalho, que preceitua que o trabalhador deve comunicar a resolução do contrato ao empregador, por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam, nos 30 dias subsequentes ao conhecimento dos factos.
Com efeito, colhemos do ensinamento da jurisprudência que “A resolução, com invocação de justa causa, do contrato de trabalho pelo trabalhador, depende, em primeiro lugar, da observância dos requisitos de forma a que se reporta o art. 395º, nº 1, do CT/2009 mencionado preceito forma escrita, com indicação sucinta dos factos que a justificam, formalidade esta que tem natureza ad substantiam, delimitando, o seu conteúdo, a invocabilidade em juízo dos factos suscetíveis de serem apreciados para tais efeitos conforme resulta do art. 398º, nº 3, indicação que, ainda que não seja exigível o mesmo rigor subjacente à descrição circunstanciada da nota de culpa, não se basta todavia com a mera alusão a conceitos, imputações vagas e conclusivas ou juízos de valor.” – Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 4-4-2022, proferido no processo 3191/20.0T8MTSA. P1, in www.dgsi.pt.
No que respeita à forma, o trabalhador deve fazer a comunicação da resolução do contrato de trabalho com invocação de justa causa por escrito, com a “indicação sucinta dos factos que a justificam” (n.º1, do art.º 395.º), sendo a partir dessa indicação que se afere a procedência dos motivos invocados para a resolução, já que “apenas são atendíveis para a justificar” os factos que dela constarem (n.º 3, do art.º 398.º CT).
Justamente porque na apreciação judicial da licitude da resolução apenas são atendíveis os factos que foram invocados para a justificar, mas também porque essa comunicação tem que permitir que para o empregador sejam percetíveis os fundamentos invocados na resolução do contrato, a expressão “indicação sucinta dos factos”, embora possa sugerir outra leitura, deve ser entendida no sentido de que o trabalhador não está dispensado de concretizar, com o mínimo de precisão, os factos que estão na base da sua decisão.
No mesmo sentido, Maria do Rosário Palma Ramalho, referindo-se ao art.º 395.º do Código do Trabalho, observa que «Nos termos desta norma, a declaração de resolução deve ser emitida sob forma escrita e com a indicação sucinta dos respetivos factos justificativos (art.º 395.º n.º 1). Apesar da referência da lei ao carácter “sucinto” desta indicação, a descrição clara dos factos justificativos da resolução é importante, uma vez que, em caso de impugnação judicial da resolução, são estes factos os únicos atendíveis pelo tribunal, nos termos do art.º 398.º n.º 3» (Tratado de Direito do Trabalho, Parte II - Situações Laborais Individuais, 6ª Edição, Almedina, Coimbra, p.949).
Partilhando o mesmo entendimento, João Leal Amado ao tratar do procedimento para resolução do contrato defende que «Não é, pois, indispensável proceder a uma descrição circunstanciada dos factos, bastando uma indicação sucinta dos mesmos, de modo a permitir, se necessário, a apreciação judicial da justa causa invocada pelo trabalhador», para depois, em nota de rodapé, acrescentar que «Isso mesmo resulta do n.º 3 do art.º 398.º, norma relativa à impugnação da resolução pelo empregador, na qual se esclarece que em tal ação judicial apenas são atendíveis para justificar a resolução os factos constantes da comunicação escrita prevista no art.º 395.º, n.º 1» (Contrato de Trabalho, Noções básicas, 2016, Almedina, Coimbra, p. 384).
O ónus da indicação sucinta dos factos integradores da justa causa, imposto ao trabalhador pelo n.º 1 do artigo 442.º do Código do Trabalho, tem uma dupla função: por um lado, visa dar a conhecer esses factos à entidade patronal, permitindo-lhe ajuizar se os mesmos são ou não suficientes para configurarem justa causa de resolução; por outro lado, delimita os factos atendíveis pelo tribunal na ação judicial em que for apreciada a ilicitude ou ilicitude da resolução do contrato.
O que significa que se o trabalhador, na comunicação da resolução do contrato, não indicar os factos que a justificam, não pode suprir, na petição inicial, esse vício de procedimento através da indicação de factos que não constem da declaração escrita de resolução do contrato.
A indicação dos factos concretos e da temporalidade dos mesmos, na carta de resolução, mostra-se indispensável para, além do mais, se aferir se o direito foi exercido dentro do prazo de 30 dias, estabelecido no artigo 442.º, n.º 1, condição formal, de que, também, depende a licitude da resolução.
Esse entendimento é pacífico na jurisprudência dos tribunais superiores, como o ilustram os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, que passamos a indicar e a transcrever os respetivos sumários (todos disponíveis em www.dgsi.pt): - de 14-07-2016 (Proc.º 1085/15.0T8VNF.G1.S1): - “1. A carta de resolução do contrato enviada pelo trabalhador à empregadora em que se faz consignar como justa causa da resolução, apenas, a «falta de pagamento do trabalho suplementar prestado e da retribuição legal» e o «incumprimento das obrigações legais relativas ao tempo de trabalho e descanso do trabalhador», não especifica qualquer facto concreto, mas antes afirmações de natureza conclusiva, reproduzindo fórmulas legais. 2. A indicação dos factos concretos e da temporalidade dos mesmos, na carta de resolução do contrato de trabalho, mostra-se indispensável para, além do mais, se aferir se o direito foi exercido no prazo legal, condição formal de que, também, depende a licitude da resolução. 3. A verificada preterição dos requisitos de natureza procedimental previstos no n.º 1 do artigo 395.º do Código do Trabalho, determina a ilicitude da resolução operada pelo trabalhador, ainda que por razões meramente formais, incorrendo este, nos termos dos artigos 399.º e 401.º do mesmo Código, em responsabilidade perante a empregadora”. - de 31.10.2018 (Proc. 16066/16.9T8PRT.P1.S1): - “I. O art.º 395.º, nº1, do Código do Trabalho exige que a comunicação do trabalhador ao empregador com vista à resolução do contrato de trabalho deve conter a indicação sucinta dos factos que a justificam. II. Cumpre a referida disposição legal a comunicação enviada pelo trabalhador ao empregador, na qual fez consignar que pretende a resolução imediata, com justa causa, do contrato de trabalho, por motivo de violação do direito de continuar a exercer efetivamente a atividade para a qual foi contratado, na medida em que indica de forma sucinta o fundamento da resolução, com recurso a uma expressão de base factual.”
Já nos referimos ao art.º 394.º do CT, mas para além do que se disse, cabe relembrar que o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato de trabalho, sem observância de pré-aviso e com direito a indemnização, quando se verifique um comportamento do empregador que constitua justa causa de resolução, sendo “a justa causa apreciada nos termos do n.º3, do art.º 351.º, com as necessárias adaptações” (n.º 4 do art.º 394.º).
Significa isto, que não basta a verificação dos comportamentos que sejam imputados à entidade empregadora, sendo também necessário que se verifique a característica essencial do conceito de justa causa, ou seja, é preciso que esse comportamento da entidade empregadora lhe seja imputável a título de culpa e que pela sua gravidade e consequências, torne inexigível a manutenção do vínculo laboral (Cfr. Furtado Martins, Op. cit., pp. 534).
Vale isto por dizer, que tal como no despedimento por iniciativa do empregador com fundamento em justa causa por facto imputável ao trabalhador, a noção de justa causa para resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador assenta na ideia de inexigibilidade do prosseguimento da relação laboral, o que pressupõe respeitar a situações anormais e particularmente graves, mas agora apreciada na perspetiva do trabalhador (Cfr. Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 14.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2009, p.644).
Para que a resolução seja lícita, é preciso que o trabalhador invoque e demonstre a existência de justa causa, ou seja, que alegue os factos constitutivos do direito a fazer cessar imediatamente o contrato de trabalho, bem assim que deles faça prova (art.º 342.º 1, do Código Civil).
Feita aquela prova pelo trabalhador, a culpa do empregador presume-se, nos termos gerais da responsabilidade contratual, por aplicação do artigo 799.º do CC. Assim, cabe à entidade empregadora afastar a presunção, alegando e provando os elementos suficientes para habilitar o tribunal a formular um juízo de não censurabilidade da sua conduta (artigos 344.º 1 e 350.º 1 e 2, do Código Civil).
Volvendo ao caso vertente, verificamos que, não obstante aludir à sua incapacidade parcial permanente e ao facto de ter deixado de estar apto para as funções que desempenhava e ao facto de após a baixa a entidade patronal não ter acautelado a sua reintegração tendo sido colocado a carregar malas que agravaram ainda mais os problemas, não concretiza o momento ou data em que tal ocorreu.
O Autor deveria ter localizado no tempo os ditos comportamentos que imputa à Ré, o que não faz. Desconhece-se quando foi colocado pela R. a carregar as malas, em que circunstâncias e o que lhe foi determinado e por quem.
Muito menos alega qualquer facto suscetível de assacar à R. um juízo de culpabilidade.
Pese embora invoque falta culposa das condições de segurança e saúde no trabalho, não imputou qualquer facto concreto que permita alcançar tal conclusão.
Tudo o mais referido pelo A. na sua carta de resolução é vago e genérico, com recurso a conceitos e conclusões jurídicas, ou seja, constitui uma invocação vaga e genérica do comportamento ilícito do empregador.
Donde, considerarmos que fica em causa a aferição da caducidade da resolução e, ainda que viesse a provar-se, sempre com o devido respeito, seria manifestamente insuficiente para justificar a invocada resolução.
Não pode a presente ação deixar de improceder nesta parte, resultando prejudicado o pedido de indemnização peticionado pelo A. A este título, já que se considerou não ter validamente resolvido o seu contrato de trabalho para com a R., como antes se disse.
Peticiona, ainda, o A. a retribuição de férias e subsídios de férias e de Natal de 2018 a 2024 e vencimento mensal que deixou de auferir durante 6 anos de baixas médicas, declarando-se verificada e lícita a justa causa.
Ora, também esta parte do peticionado resulta prejudicada porque baseada na verificação da justa causa da resolução.
No entanto, sempre se dirá que não concretiza o A. o seu pedido de retribuição, subsídios de férias e de Natal nem os danos sofridos por ter sido forçado a permanecer de baixa médica na referida carta, que em termos de valores em causa quer circunstanciando temporalmente os mesmos, com a consequente imputação à R..
Mais uma vez nos deparamos com alusões vagas e genéricas e o com o recurso a conceitos e até atuações da R. relativas a terceiros.
Não pode deixar de improceder a presente ação.»
Desde já adiantamos que sufragamos a decisão recorrida.
A presente ação foi intentada com o objetivo de obter a declaração judicial da licitude da resolução contratual promovida pelo Autor, ora recorrente. Os créditos laborais reclamados emergem, todos eles, dessa resolução e da sua fundamentação.
Em sede de defesa, a Ré, ora recorrida, excecionou a caducidade do direito de resolução.
Ora atento o disposto no n.º 1 do artigo 395.º do Código do Trabalho, o trabalhador deve comunicar a resolução do contrato de trabalho ao empregador, por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam, nos 30 dias subsequentes ao conhecimento dos factos.2
Considerando o teor da carta de resolução remetida ao empregador não é possível apurar em que data ocorreram os factos integradores da invocada justa causa.
E competia ao trabalhador indicar, na missiva que enviou, a data da prática dos factos, supostamente ilícitos.
Em anotação ao artigo que se analisa escreveu Joana Vasconcelos, in Código do Trabalho Anotado, de Pedro Romano Martinez e outros, Almedina, 2020, 12.ª edição, pág.910:
«A observância pelo trabalhador dos requisitos de natureza procedimental previstos no n.º 1 do presente preceito – forma escrita, indicação sucinta dos factos que em seu entender são de molde a constituir justa causa (…) e prazo – constitui condição de licitude da resolução, pois dela depende a atendibilidade dos factos invocados para justificar a imediata cessação do contrato.»
Ora desconhecendo-se a data ou as datas em que ocorreram os comportamentos do empregador que fundamentam a justa causa – e a omissão dessa indicação na carta de resolução não pode ser suprida por prova testemunhal - não é possível, como se referiu na decisão recorrida, aferir da verificação, ou não, da caducidade do direito de resolução.
Acresce que não havia justificação para os autos prosseguirem, como bem analisou o tribunal a quo, porque o conteúdo da carta de resolução enviada é revelador de mais um incumprimento dos requisitos de procedimentais: a não indicação sucinta dos factos que justificam a resolução.
Mostra-se pacifico, ao nível jurisprudencial, que numa ação em que o trabalhador pede que seja reconhecida a licitude da justa causa de resolução do contrato de trabalho por si operada, apenas são atendíveis os factos que, na comunicação escrita oportunamente endereçada ao empregador, tenham sido invocados pelo trabalhador como fundamento da resolução.
Neste sentido, vejam-se, a título de exemplo, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 29-11-2022 (Proc. n.º 1591/18.5T8CTB.C3.S1) e de 29-10-2014 (Proc. n.º 1930/05.9TTPRT.P1.S1), publicados em www.dgsi.pt.
Dito de outro modo, a petição inicial não serve para alegar factos que visem fundamentar a justa causa e que não foram expressamente indicados na carta de comunicação da resolução contratual enviada para o empregador com o objetivo de pôr termo ao contrato.
E quanto ao conteúdo da carta de resolução prescreve o artigo 395.º, n.º 1, do Código do Trabalho que o trabalhador deve comunicar a resolução do contrato ao empregador, por escrito, «com indicação sucinta dos factos que a justificam».
Novamente Joana Vasconcelos, em anotação ao artigo, págs. 910 e 911, escreveu:
«Na concretização do que seja esta “indicação sucinta”, a jurisprudência dos nossos tribunais superiores, após assinalar o contraste e a patente menor exigência face à “descrição circunstanciada dos factos” que marca a nota de culpa, insiste, não obstante, na necessidade de “enunciar os fundamentos da resolução imediata do contrato” e de “concretizar, com o mínimo de precisão, os factos que estão na base da sua decisão” – de forma a permitir ao empregador apreender e avaliar tais motivos e, se assim o entender, reagir contra os mesmos, bem como possibilitar uma eventual “apreciação judicial da justa causa” – a que a comunicação da resolução não se pode esquivar: v. neste sentido os Acs. RP de 9-3-2015 (Proc. n.º 64/14, Isabel São Pedro Soeiro), RP de 8-9-2014 (Proc. n.º 58/11, João Nunes) e RP de 7-12-2018 (Proc. n.º 1953/17, Jerónimo Freitas), bem como os Acs. RP de 18-6-2012 (Proc. n.º 728/10, Eduardo Petersen Silva), RG de 18-2-2016 (Proc. n.º 1085/15, Manuela Fialho), RP de 29-5-2017 (Proc. n.º 2364/15, Jerónimo Freitas), RP de 20-11-2017 (Proc. n.º 10948/14, Nelson Fernandes), RE de 12-7-2018 (Proc. n.º 638/17, Moisés Silva), RP de 7-12-2018 (Proc. n.º 1953/17, Jerónimo Freitas) e STJ de 31-10-2018 (Proc. n.º 16066/16, Chambel Mourisco), acessíveis em www.dgsi.pt».
Concordamos.
A indicação sucinta dos factos que fundamentam a justa causa invocada pelo trabalhador, ainda que não tenha o grau de exigência em termos de descrição factual associado normalmente à nota de culpa, tem, no mínimo, de dar a conhecer ao empregador, de uma forma esclarecedora e precisa, o concreto fundamento da resolução contratual, não só para que este possa compreender as causas que conduziram, na perspetiva do trabalhador, à rutura contratual e, querendo, impugná-las em tribunal, como também para permitir a possibilidade de sindicância judicial do especifico fundamento invocado.
Pela relevância, cita-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05-11-1997 (Proc. n.º 97S105), consultável na base de dados da dgsi:
«II - A existência de justa causa de rescisão não pode considerar-se verificada por declaração na carta de despedimento, de meras ilações e consequências de factos não concretizados, em termos manifestamente opinativos e conclusivos, omitindo os factos suscetíveis de sustentar logicamente a realidade dessas situações.».
E também se cita o Acórdão da Relação do Porto de 18-09-2018 (Proc. n.º 4704/21.6T8MAI-B.P1), publicado no mesmo sítio:
«I - O trabalhador deve fazer a comunicação da resolução do contrato de trabalho com invocação de justa causa por escrito, com a “indicação sucinta dos factos que a justificam” [n.º1, do art.º 395.º], sendo a partir dessa indicação que se afere a procedência dos motivos invocados para a resolução, já que “apenas são atendíveis para a justificar” os factos que dela constarem [n.º 3, do art.º 398.º].
II - E, justamente porque na apreciação judicial da licitude da resolução apenas são atendíveis os factos que foram invocados para a justificar, mas também porque essa comunicação tem que permitir que para o empregador sejam percetíveis os fundamentos invocados na resolução do contrato, a expressão “indicação sucinta dos factos”, embora possa sugerir outra leitura, deve ser entendida no sentido de que o trabalhador não está dispensado de concretizar, com o mínimo de precisão, os factos que estão na base da sua decisão.»
Retornando ao caso dos autos, atento o teor da carta de resolução não é possível descortinar quando e em que circunstâncias ocorreu a imputada falta culposa das condições de segurança e saúde no trabalho e qual a temporalidade da invocada lesão culposa dos interesses patrimoniais sérios do trabalhador.
O trabalhador limitou-se a utilizar expressões genéricas, vagas e conclusivas relativamente ao comportamento do empregador.
Por conseguinte, o trabalhador ao não cumprir a exigência da indicação sucinta dos factos que fundamentam a justa causa invocada, incumpriu uma condição essencial da licitude da resolução.
Bem andou pois o tribunal a quo ao decidir pela improcedência do pedido no que respeita à visada declaração da licitude da resolução contratual e dos pedidos relativos aos créditos laborais que emergiam, todos eles, dessa resolução e da sua fundamentação.
Em suma, o saneador-sentença proferido merece a nossa concordância.
Pelo exposto, improcede o recurso.
As custas serão suportadas pelo recorrente, nos termos previstos pelo artigo 527.º do Código de Processo Civil, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário concedido.
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VI. Decisão
Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.
Custas do recurso a suportar pelo Apelante, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.
Notifique.
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Évora, 13 de fevereiro de 2025
Paula do Paço
João Luís Nunes
Emília Ramos Costa
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1. Relatora: Paula do Paço; 1.º Adjunto: João Luís Nunes; 2.ª Adjunta: Emília Ramos Costa↩︎
2. Não aludimos aos prazos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 395.º do Código do Trabalho porque não se aplicam ao caso concreto.↩︎