MUNICÍPIO
IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
TRANSMISSÃO DE ESTABELECIMENTO
Sumário

Sumário elaborado pela relatora:
I. Deve rejeitar-se a impugnação da decisão da facto se o recorrente não indicar especificamente a decisão alternativa a proferir pelo tribunal ad quem.
II. Para que se prove a existência de uma unidade económica, no sentido consagrado no artigo 285.º do CT, mostra-se necessário que fique demonstrado que existe um conjunto de meios que se encontram estruturados e organizados para prosseguir e garantir o exercício de uma atividade económica.
III. Tendo a Ré celebrado um contrato de prestação de serviços de higiene e limpeza e fornecimento de consumíveis de casas de banho nas instalações da ARSA do distrito de Évora, nelas se incluindo as instalações do Centro de Saúde de ..., o serviço de limpeza deste Centro, por si só, nas concretas circunstâncias do caso, não constituía uma unidade económica.
IV. Mas mesmo que se considerasse, hipoteticamente, uma unidade económica, não pode concluir-se que tal unidade foi transmitida para o Município de ... quando este passou a ser o responsável pela realização da limpeza, se se desconhece em que moldes tal serviço passou a ser realizado.

Texto Integral

P. 640/23.0T8EVR.E1

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora1


I. Relatório


Na presente ação declarativa emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma de processo comum, que AA intentou contra "BB Facility Services, Lda.", e na qual foi interveniente o Município de ..., foi prolatada sentença com o seguinte dispositivo:


«Pelo exposto, decide-se, julgar a presente ação procedente, por provada, e, em consequência:


1. Declara-se ilícito o despedimento da autora AA pela ré "BB Facility Services, Lda." e


2. Condena-se a ré a pagar à autora:


I. A título de créditos laborais vencidos, a quantia de 1.418€, referente a férias, e respetivo subsídio de férias, não gozadas vencidas em 01.01.2023, relativas ao ano de 2022, acrescida de juros de mora à taxa supletiva legal prevista para obrigações civis, vencidos desde a data do vencimento e vincendos até efetivo e integral pagamento (cf. art. 804.º, 805.º, n.º 1, n.º 2, alínea a), 806.º e 559.º do Código Civil);


II. A título de indemnização em substituição de reintegração, a quantia de 5.268,27€, acrescida de juros de mora, à taxa supletiva legal anualmente prevista para obrigações civis, vencidos desde a data da citação da ré e vincendos até efetivo e integral pagamento (artigos 804.º, 805.º, n.º 1, n.º 2, al. b) e n.º 3, 806.º e 559.º do Código Civil).


III. As retribuições que a autora deixou de auferir desde janeiro de 2023 (inclusive), até ao trânsito em julgado da presente decisão, as quais incluem os proporcionais de férias, de subsídio de férias e de subsídio de Natal, vencidos após a referida data, acrescida de juros de mora à taxa supletiva legal anualmente prevista para obrigações civis, vencidos desde a data do respetivo vencimento e vincendos até efetivo e integral pagamento (cf. artigos. 804.º, 805.º, n.º 1, n.º 2, alínea a), 806.º e 559.º do Código Civil), e devendo a mesma, se necessário, ser liquidada em sede de ulterior incidente de liquidação, já que à mesma deverão ser deduzidas:


(i) as importâncias que o trabalhador tenha auferido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento,


(ii) a retribuição relativa ao período decorrido desde o despedimento até 30 dias antes da propositura da ação, se esta não for proposta nos 30 dias subsequentes ao despedimento, e


(iii) o subsídio de desemprego atribuído ao trabalhador no período em causa, devendo o réu entregar essa quantia ao “Instituto da Segurança Social, I.P.”.


*


3. Absolve-se o Município de ... do pedido.


*


4. Condena-se a ré no pagamento das custas.


*


5. Julga-se improcedente, por não provado, o pedido de condenação de da ré como litigante de má-fé.


*


6. Custas a cargo do Município de ..., fixando-se a taxa de justiça em 2 UC.


*


Registe-se e notifique-se.»


-


Inconformada, a Ré intentou recurso, extraindo das suas alegações as seguintes conclusões (não se transcrevem as notas de rodapé, nem os depoimentos testemunhais):


«I


No ponto 13 dos factos provados o Tribunal a quo considera que a baixa médica da A., ora Recorrida, “(…) se prolongou durante os meses de janeiro e fevereiro de 2023.”


No entanto,


II


Constata-se pelo documento 6 (declaração, emitida em 17/02/2023, pela Segurança Social, indicativa dos períodos em que foi concedida, à A., subsídio de doença – 09/01/2023 a 16/02/2023 e Certificado de incapacidade Temporária para o Trabalho, emitido em 06/02/2023, com início em 17/02/2023 e termo em 18/03/2023) junto pela A. com a sua Petição Inicial, que não foi impugnado tanto pela Recorrente como pela Chamada na qualidade de co-R., Município de ..., que aquela esteve de baixa médica, pelo menos, até 18 de março de 2023.


Aliás,


III


O próprio Tribunal a quo, indica, no ponto “C. Motivação da matéria de facto (…) com efeito, a factualidade dada por provada ou não está impugnada ou resulta da prova documental, junta aos autos designadamente (…) a declaração da segurança social de fls. 26, o certificado de incapacidade temporária para o trabalho de fls. 27, (…) prova documental essa cuja autenticidade e genuinidade não foi cabalmente posta em crise e que constitui, aliada à assunção de alguns dos factos pelas partes, prova bastante para se dar como provada a factualidade feita constar nos factos provados. (…)”


Sendo que,


IV


“(…) a declaração da segurança social de fls. 26, o certificado de incapacidade temporária para o trabalho de fls. 27 (…)” correspondem exatamente ao documento 6 junto pela A. com a sua Petição Inicial.


V


O Tribunal a quo, pese embora tenha dado como provado que a A. esteve de baixa médica até 18/03/2023, conforme se afere pelo ponto C. da motivação da matéria de facto, apenas considera, na Douta Sentença proferida, que aquela esteve de baixa médica até 16/02/2023, o que não correspondeu à realidade.


Isto porque,


VI


Na Fundamentação de direito decide que “tem assim, a autora direito ao pagamento de todos os créditos laborais vencidos em 04.01.2023 e relativamente aos quais a ré não fez prova do respetivo pagamento (cf. Artigo 798.º e 799.º do Código Civil), (…)”


E,


VII


Condena a Recorrente a pagar à A. “Retribuições que a autora deixou de auferir desde janeiro de 2023 (inclusive), até ao trânsito em julgado da presente decisão (…)”


VIII


O que claramente está em oposição com a matéria de facto dada como provada,


IX


Encontrando-se a Sentença, por isso, ferida de nulidade, o que desde já se requer.


X


Contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo, entende a Recorrente que a ação deveria ter sido declarada, totalmente, improcedente, quanto a ela e, consequentemente, absolvida da totalidade do pedido.


Isto porque,


XI


A Autora, na sua Douta Petição Inicial, peticionou «(…) a condenação da ré nos seguintes termos:


“1. Reconhecido e declarado que é ilícito e ilegal, e, como tal, nulo, o despedimento efetuado pela R. à A. por carta datada de 4 de janeiro de 2023, enviada à A. pela R., coadjuvada pela comunicação à Segurança Social em 27.02.2023 (cfr. docs. nºs 4 e 9);


2. condenada a R. a pagar à A., a quantia de Eur 1.654,33, correspondente às retribuições em dívida (férias, subsídio de férias e proporcionais) vencidas até a esta data;


3. Condenada a R. a pagar à A. todas as retribuições que esta deixar de auferir desde a presente data até ao trânsito em julgado da decisão do Tribunal que declare a ilicitude do despedimento; e


4. condenada a R. no pagamento de uma indemnização, calculada nos termos e ao abrigo do artº 391º do Cód. Do Trabalho, no valor não inferior Eur. 4.963,00, correspondente a 30 dias de retribuição base por cada ano completo de antiguidade;


5. tudo acrescido de juros, calculados à taxa legal, desde a data de vencimento de cada prestação até seu efetivo pagamento,


6. bem como custas, procuradoria e que mais legal for a cargo da R.”.


(…)»


XII


Tendo, alegado, “(…) em síntese, que em 31.07.2015 celebrou com a “CC – Facility Services, S.A. um contrato de trabalho, o qual se transmitiu, em 31.03.2022, para a ré.


Em 04.01.2023 a ré comunicou-lhe que tal contrato havia sido transmitido para o Município de ..., o qual não assumiu, no entanto tal transferência. Nesta conformidade, a atuação da ré configura, no seu entender um despedimento ilícito, sendo esta responsável pelo pagamento dos créditos laborais peticionados.


(…)”


XIII


“Regularmente citada, a ré apresentou contestação arguindo a sua ilegitimidade – exceção que foi conhecida e julgada improcedente no despacho saneador – e pugnando pela improcedência dos pedidos formulados pela autora contra si, já que a respetiva relação contratual cessou por via da transmissão da unidade económica para o Município de ....”


XIV


“Nessa sequência, ao abrigo do disposto nos arts. 316.º, n.º 2, e 318.º, n.º 1, al. b), do CPC, veio a autora requerer a intervenção provocada do Município de ... como associado da ré, o que foi deferido.”


XV


“Regularmente citado, o Município de ... apresentou contestação na qual arguiu a sua ilegitimidade – exceção que foi conhecida e julgada improcedente no despacho saneador – e impugnou a existência de qualquer transmissão do contrato de trabalho da autora e requereu a condenação da ré como litigante de má fé, pedido relativamente ao qual esta exerceu o contraditório.”


XVI


“A. Factos provados


Com interesse para a decisão da causa, resultaram provados os seguintes factos:


35. Em 31 de julho de 2015, a autora acordou com sociedade “CC, pessoa coletiva ..., na celebração de um contrato denominado “Contrato de Trabalho a Termo Certo Não Renovável e Sem Necessidade de Comunicação Escrita”, com início em 31 de julho de 2015 e termo a 31 de agosto de 2015.


36. O termo certo não renovável que foi justificado com a necessidade de substituição “em virtude da situação de ausência por gozo de férias da trabalhadora de limpeza DD”.


37. Na sequência de tal acordou, a autora foi contratada, com a categoria profissional de trabalhadora de limpeza, para o desempenho das “funções definidas para esta categoria no Contrato Coletivo de Trabalho referido infra na cláusula 9ª”, mediante a retribuição mensal ilíquida de Eur. 505,00, “acrescida do subsidio de refeição acordado e dentro do montante, incidências e parâmetros legais da Lei nº 103/99 de 26-7 e do Contrato Coletivo de Trabalho para o sector”.


38. Mais acordaram “um período normal de trabalho semanal de 40 horas, realizadas da seguinte forma: De 2ª a 6ª feira das 10h00 às 14h00 e das 16h00 às 20h00 Descanso semanal – Sábado e Domingo”.


39. Sendo “o local de trabalho do segundo outorgante [a autora] será no cliente Administração Regional de Saúde do ... (CS ...), sito na ...”.


40. A partir do dia 1 de setembro de 2015, a autora continuou, ininterruptamente, a prestar serviço, como funcionária da “CC”, na Administração Regional de Saúde do ... (CS ...), na ..., mediante a referida retribuição e horário de trabalho


41. Em 31.03.2022 a “CC” transmitiu a sua posição de entidade patronal de empregadora da autora a favor da aqui ré "BB Facility Services, Lda.".


42. Com efeitos reportados a 31.03.2022, a “CC” comunicou ao Instituto da Segurança Social que “o vínculo do trabalhador ... – AA com a entidade empregadora CC com data de 2015-11-23 foi cessado em 2022-03-31 pelo motivo: transmissão de empresa”.


43. A partir de abril de 2022, a autora passou a ser paga pela ré “"BB Facility Services, Lda."”, que também passou a efetuar os correspondentes descontos para a Segurança Social.


44. Continuando a autora a prestar exatamente os mesmos serviços de limpeza, com o mesmo horário e remuneração no Centro de Saúde de ....


45. Em dezembro de 2022, a autora auferia a retribuição mensal ilíquida de 709,00€, acrescida de subsídio de alimentação.


46. No início de janeiro de 2023, a autora recebeu da ré a carta registada, datada de 4 de janeiro de 2023, com o seguinte teor:


“(…) Tomámos conhecimento recentemente pela ARS ... (em 3 de janeiro de 2023) que o seu local de trabalho será gerido diretamente pelo município de ... em termos de prestação de serviços de limpezas. Considerando que o dito município passará a assegurar a dita unidade económica diretamente, é então transmissário do quadro de pessoal afeto à mesma, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 285º e seguintes do Código do Trabalho. Assim, o seu contrato de trabalho transmitiu-se para o município em causa, sem prejuízo da sua antiguidade, remuneração e demais condições.


(…)”


47. Nessa data, a autora encontrava-se em situação de baixa médica o que se prolongou durante os meses de janeiro e fevereiro de 2023.


48. A partir de 01.01.2023, a ré não indicou à autora local de trabalho e deixou de lhe pagar a retribuição.


49. A autora, após ter rececionado a referida carta, contactou o Município de ... para apurar a situação.


50. Como resposta, foi-lhe transmitido que, contrariamente ao referido pela ré, o contrato de trabalho da autora não se tinha transmitido para o Município de ....


51. Nessa sequência, a autora, enviou à ré uma carta datada de 08.02.2023, por aquela recebida, com o seguinte teor:


“Recebida a V/ carta datada de 4 do passado mês de janeiro, na qual me comunicam que o contrato de trabalho transmitiu-se para o município em causa, sem prejuízo da sua antiguidade, remuneração e demais condições", com o argumento de que, o Município de ... "passará a assegurar a dita unidade económica diretamente, é então transmissário do quadro de pessoal afeto à mesma, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 285º e seguintes do Código do Trabalho" e, considerando que, como é do V. conhecimento, o Município de ... não aceita a transmissão que invocam do meu contrato de trabalho venho, pelo presente, transmitir que considero que o mesmo se mantém com essa sociedade, com todos os direitos e obrigações.


Assim, e considerando que me encontro de baixa médica até ao próximo dia 16 de fevereiro, no dia 17 apresentar-me-ei ao serviço, no meu local de trabalho sito no Centro de Saúde de ....


Pelo que, aguardo que no dia 17 de fevereiro me sejam dadas as respetivas instruções de trabalho. Com os melhores cumprimentos”


52. A ré não respondeu à autora.


53. A autora enviou à ré um e-mail de 27 de janeiro de 2023, com o seguinte teor:


“Dirijo-me na qualidade de Advogada da Senhora D. AA, V. trabalhadora.


A m/ Cliente rececionou a V/ carta datada de 4 do corrente mês de janeiro, na qual lhe comunicam que "o contrato de trabalho transmitiu-se para o município em causa, sem prejuízo da sua antiguidade, remuneração e demais condições", com o argumento de que, o Município de ... "passará a assegurar a dita unidade económica diretamente, e então transmissário do quadro de pessoal afeto à mesma, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 285º e seguintes do Código do Trabalho.


Ora, conforme é do conhecimento dessa sociedade, o Município de ... não aceita a transmissão que invocam do seu contrato de trabalho.


Pelo que, contrariamente ao que referem, o contrato de trabalho com a m/identificada Cliente mantém-se com essa sociedade, como entidade empregadora.


A m/ Cliente, como é do V. conhecimento, encontra-se de baixa médica até ao próximo dia 16 de fevereiro.


Assim, quando cessar a baixa médica, apresentar-se-á ao serviço nessa sociedade, o que fará, salvo indicação expressa em contrário, no seu local de serviço à data da baixa médica, ou seja no Centro de Saúde de ....


Agradeço qualquer esclarecimento que tiverem por conveniente transmitir.”


54. Porém, a ré manteve a sua posição, não reconhecendo a manutenção do vínculo laboral, por entender que o contrato de trabalho que vigorava entre ambas, em 03 de janeiro de 2023, se tinha transmitido para o Município de ....


55. E, na sequência, a ré, em 27 fevereiro de 2023, comunicou à Segurança Social que a autora, com efeitos reportados a 31.12.2022, teria deixado de ser sua trabalhadora, com o motivo “transmissão de empresa”.


56. Em 22 de março de 2022 a “ARS ..., IP”, no âmbito de um procedimento de contratação pública desenvolvido pela central de compras dos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde, E.P.E., adjudicou à ré "BB Facility Services, Lda." a prestação de serviços de higiene e limpeza e fornecimento de consumíveis de casas de banho nas instalações da ARSA do distrito de ..., nelas se incluindo as instalações do Centro de Saúde de..., as instalações da ARSA IDT de ... e IDT – Equipa de tratamento do ..., do ..., de ... e de ... (conforme lote 3 que constitui Anexo do contrato e que aqui se dá por reproduzido), pelo período de 01.04.2022 até 31 de dezembro de 2022, mediante o pagamento da contrapartida monetária de 430.720,92€, acrescida de IVA.


57. Ao abrigo desse contrato de prestação de serviços de limpeza celebrado entre a ARS ..., IP e a ré "BB Facility Services, Lda.", a autora, enquanto trabalhadora da ré "BB Facility Services, Lda.", continuou a desempenhar as suas funções de prestação de serviços de limpeza no Centro de Saúde de ....


58. Em 27 de dezembro de 2022, a ré enviou à ARSA um email com o seguinte teor:


“No seguimento do n/ email infra, vimos por este meio questionar se já tomaram uma decisão quanto à n/ continuidade de prestação de serviços.


Solicitamos a v/ resposta o mais atempadamente possível.”


59. Em 28 de dezembro de 2022, a ré recebeu da ARSA ..., IP um e-mail com o seguinte teor:


“Bom dia


Exmos Senhores,


Na sequência do email infra, informamos que daremos continuidade aos vossos serviços nos meses de janeiro e fevereiro, de acordo com orientações da SPMS”


60. Em 29 de dezembro de 2022, a ré recebeu da ARSA ..., IP um e-mail com o seguinte teor:


“Boa tarde.


No seguimento do e-mail anteriormente enviado, e de acordo com a descentralização, cumpre-nos informar que pretendemos a prorrogação do contrato para janeiro e fevereiro da prestação de serviços de limpeza, para os seguintes municípios:


...;


...;


...;


...;


...;


...;


...;


...;


....


Os restantes Centros de Saúde serão assegurados pelos Municípios.”


61. Tendo a ré enviado à ARSA um mail com seguinte resposta:


“Boa tarde estimada Dr.ª Alierta,


Na sequência do seu email infra, solicitamos informação completa dos Municípios aos quais temos de efetuar a transição da faturação (com o consequente aumento), nomeadamente:


- Contacto de email;


- Faturação atual;


- Pessoa de contacto.


No que concerne à parte final do seu email, penso que possa estar a compreender mal, quando nos diz que os restantes serão assegurados pelos Municípios, será para haver término do serviço de limpeza? Relembro que, esta situação não é linear, pois segundo o Acordo Coletivo de trabalho as Trabalhadoras de Limpeza estão afetas, após 120 dias de serviço, ao posto de trabalho em causa independentemente do Prestador de Serviço.


Pedimos, neste sentido, a v/ clarificação de todos os pontos:


- Os locais atuais de faturação à ARS se mantêm para 2023?


- Se não, quais os Municípios que vão assegurar? Para podermos entrar em contacto (pelos motivos acima referidos);


- Neste sentido, pretendemos a informação completa e desagregada por local de prestação (em conformidade com o acima explanado).


Para melhor entendimento, vou solicitar ao Gestor de Contrato – Eng.º CC que entre em contacto consigo.


Agradecemos brevidade na resolução desta temática, pois pelos motivos acima elencados estão em causa vários postos de trabalho e a vida de vários agregados familiares.”


62. Em resposta, também ainda no dia 29 de dezembro de 2022, a ré recebeu da ARSA ..., IP um e-mail com o seguinte teor:


“Boa noite.


Na sequência dos emails anteriores na nossa colega DD, venho esclarecer:


No âmbito do processo de descentralização de competências para os municípios, regulado pelo DL nº 23/2019, uma das competências transferidas para os municípios são os serviços de limpeza e os respetivos contratos quando os serviços estão externalizados, ou seja, quando não são realizados por assistentes operacionais, os quais também transitaram do mapa de pessoal desta ARSA para o mapa de pessoal dos respetivos municípios conforme a área geográfica.


Dado que o concurso para 2023 a desenvolver pelos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde - SPMS, não ficará concluído a 31/12/2022, foi-nos solicitado que assegurarmos os serviços de limpeza para os meses de janeiro e fevereiro de 2023.


Assim sendo, pretendemos realizar adenda ao contrato de 2022 formalizando a prorrogação do mesmo para 2023.


No entanto, essa prorrogação não acontecerá em todos os CS e extensões, uma vez que, em alguns municípios onde a descentralização já ocorreu, dispõem de recursos próprios para assegurar os serviços de limpeza das unidades de saúde.


Assim sendo, e conforme referido no email abaixo, apenas estes CS e respetivas extensões de saúde, serão objeto da referida prorrogação do contrato de 2022 para janeiro e fevereiro de 2023.


...;


...;


...;


...;


...;


...;


...;


...;


....


Nos restantes CS e respetivas extensões de saúde, a limpeza já será assegurada pelo respetivo município com os seus assistentes operacionais.


Dia 03 de janeiro informo os dados dos municípios que irão integrar as adendas de prorrogação do contrato.


Conforme estipulado pelo DL nº 23/2019, os municípios poderão assumir a posição contratual da ARS, o que vai acontecer neste caso com as adendas para janeiro e fevereiro, passando a "BB Facility Services, Lda." a faturar a esses municípios e este a pagar essa faturação, uma vez que estão a ser financiados pela saúde para o efeito através da ACSS e DGAL.”


63. Tendo a ré enviado à ARSA, em resposta, um email, no dia 30 de dezembro de 2022, com seguinte resposta:


“Bom dia estimado Dr. EE,


Agradecemos a sua clarificação.


Em conformidade com o seu email infra, ficamos a aguardar o envio dos dados dos Municípios a integrar a prorrogação.”


64. A partir de 01.01.2023 os serviços de limpeza do Centro de Saúde de ... deixaram de ser efetuados pela ré "BB Facility Services, Lda.".


65. Com efeito, a partir de janeiro de 2023, na sequência da assinatura do Auto de Transferência celebrado no âmbito do processo de descentralização de competências da ARS ... na área da saúde para os Municípios, o Município de ... assumiu e tornou-se responsável, entre outras áreas, pelos serviços de limpeza no Centro de Saúde de ....


66. Em autora não tinha, aquando de tal transferência de competências, qualquer vínculo de emprego público com as administrações Regionais de Saúde do ..., I. P., do ..., I. P., de ... P., do ..., I. P., e do ..., I. P., da carreira geral de assistente operacional, nem exercia funções nas unidades funcionais dos ACES e das Divisões de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências das Administrações Regionais de Saúde, que integram o SNS.


67. Em 04 de janeiro de 2023 a ré enviou ao Município de ... uma carta, por este recebida, com o seguinte teor:


“Por correio postal registado com aviso de receção


Assunto: transmissão de quadro de pessoal.


Trofa, 4 de Janeiro de 2023


Exmos. Senhores,


Com reporte ao assunto em epígrafe ora apresentamos as seguintes considerações:


Tomámos conhecimento recentemente pela ARS ... (em 3 de Janeiro de 2023) que esse município proverá diretamente pela prestação de serviços de limpezas nas unidades de saúde dessa circunscrição territorial.


Os serviços em causa e a correspondente unidade económica foram assegurados por esta empresa até 31 de Dezembro de 2022, a qual ficou convencida que continuaria essa prestação, como aliás sucede com outros municípios e o que tem sido alvo de negociação com a mencionada ARS.


Considerando contudo que esse município passará a assegurar a dita unidade económica diretamente, é então transmissário do quadro de pessoal afeto à mesma e que ora anexamos, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 285.º e seguintes do Código do Trabalho.


Seguiu hoje igualmente comunicação escrita para cada trabalhador confirmando a transmissão dos seus contratos de trabalho e recomendação para se continuarem a apresentar nos seus locais de trabalho.


Ao dispor para o mais que se considere conveniente, apresentamos os nossos cumprimentos,


"BB Facility Services, Lda."”


68. O Município de ... remeteu comunicação à ré "BB Facility Services, Lda.", em 6 de Janeiro de 2023, uma carta com o seguinte teor:


“Em referência ao assunto em epígrafe e conforme contrato celebrado entre essa empresa e a Administração Regional de Saúde do ..., I.P. em 22 de Março de 2022, não tem a entidade adjudicante a responsabilidade de, findo o contrato, assumir a posição de empregador nos contratos de trabalho dos trabalhadores dessa empresa afetos à prestação de serviço em causa.


Para além desse facto, também da leitura da resolução da Assembleia da República n.º 24/2020, de 13 de Março, não existe qualquer recomendação nesse sentido, nem poderia existir, porquanto o recrutamento e ingresso de pessoal na função pública, rege-se pelo Lei do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho, não sendo possível o ingresso na função pública de forma diferente das previstas na referida legislação.


Por último, é de referir que não existe transmissão de unidade económica dessa empresa para este Município, o que aconteceu, apenas, foi que o Município decidiu, por uma questão económica e por defesa do interesse público, não proceder à abertura de qualquer procedimento de contratação para aquisição de serviços, exercendo tais competências com recursos humanos próprios.”.


XVII


Face à prova produzida e à documentação carreada para os Autos, o Tribunal a quo com base na seguinte


«(…) Fundamentação de Direito


Em face do exposto, conclui-se que tal conjunto de trabalhadores, neles se integrando a autora, que prestavam serviços de limpeza nas diversas instalações da ARSA designadas por Lote 3, ao serviço da ré integravam uma ‘unidade económica’/estabelecimento, para efeitos de aplicação do regime previsto no artigo 285.º do Código do Trabalho.


(…)


E partindo de tal pressuposto, que, pelos fundamentos expendidos, temos por válidos, cumpre determinar se se verificou, ou não, a transmissão da referida unidade económica para o chamado Município de ....


Esclareça-se, desde logo, que a inexistência de qualquer relação negocial entre a eventual cedente, no caso, a ré, e o Município de ... não se afigura essencial para efeitos de aferir se estamos perante uma transmissão de estabelecimento (nesse sentido, cf. Acórdão do TJUE, Securitas – Serviços e Tecnologia de Segurança, S.A. c. ICTS Portugal – Consultoria de Aviação Comercial, S.A., Arthur George Resendes et alia, de 19 de Outubro de 2017, procs. C-200/16, disponível em https://curia.europa.eu). Sendo perfeitamente plausível, à luz da jurisprudência da União Europeia, que se possa falar de uma transmissão de estabelecimento, mesmo nos casos em que haja uma sucessão de prestadores de serviços perante uma entidade terceira, como sucede, aliás, na situação em apreço nos autos. Tal assim sucede, na medida em que o critério decisivo para caracterizar a existência de uma transferência de empresa ou de parte de empresa, no contexto da Diretiva n.º 2001/23/CE é o da manutenção da identidade da unidade económica em apreço, ou seja, determinar se se mantém a exploração da mesma por parte do cessionário (cf. Acórdão do TJUE, Jozef Maria Antonius Spijkers c. Gebroeders Benedik Abattoir CV e Alfred Benedik en Zonen BV, de 18 de Março de 1986, procs. 24/85, §11 e §12, disponível em https://curia.europa.eu).


Conforme assinalado pelo TJUE, o critério acima referido assenta no método indiciário, nos termos do qual incumbe aos tribunais nacionais aferir casuisticamente se determinada unidade económica foi, ou não, transferida para uma terceira entidade, o que deverá ser feito através da análise das diversas circunstâncias de facto que caracterizam a operação em causa, circunstâncias essas que permitirão, numa visão de conjunto, aferir se aquela manteve a sua identidade económica após a transferência. Nesta perspetiva, constituem, entre outros, indícios relevantes para a referida análise, de acordo com a jurisprudência firmada pelo TJUE, o tipo de empresa/unidade económica em causa, a similitude entre a atividade exercida antes e depois do negócio em análise, a transferência ou não do ativo corpóreo (edifícios, móveis, equipamentos) e não corpóreo (know how, métodos de exploração ou organização), a manutenção ou não da clientela, a readmissão pelo novo empresário dos trabalhadores do antecessor, o tipo de operação subjacente à transmissão, o tipo de atividade prosseguida ou retomada pelo novo empresário e a existência de algum hiato na respetiva execução.


Nos casos em que esteja em causa um estabelecimento comercial na sua aceção tradicional (constituído concomitantemente por fatores produtivos corpóreos e incorpóreos), a aplicação do método indiciário ao caso concreto não suscitará dificuldades, sendo, na maioria dos casos, possível, através da análise do destino de cada um dos respetivos elementos (edifícios, equipamentos, trabalhadores, direitos de propriedade industrial, etc.), formular um juízo positivo ou negativo no sentido de que a unidade económica transmitida mantém, ou não, a mesma identidade, não obstante a alteração do seu titular.


Já pelo contrário, mais difícil será formular tal juízo quando estejam em causa estabelecimentos em que o fator relevante, se não mesmo tendencialmente exclusivo, é a mão-de-obra, como sucede no âmbito da atividade de limpeza, em apreço nos autos. Nesses casos, em que as unidades económicas assentam essencialmente em mão-de-obra, os indícios mais relevantes serão, naturalmente, os próprios trabalhadores em causa. Uma entidade económica «é suscetível de manter a sua identidade para além da sua transferência, quando o novo empresário não se limitar a prosseguir a atividade em causa, retomando também uma parte essencial, em termos de número e de competências, dos efetivos que o seu antecessor afetava especialmente a essa tarefa. Nesta hipótese, o novo empresário adquire, com efeito, um conjunto organizado de elementos que lhe permitirá prosseguir de forma estável as atividades ou parte das atividades da empresa cedente» (cf. Acórdão do TJUE, EV c. Obras y Servicios Públicos, S.A.e Acciona Água, S.A:, de 24 de junho de 2021, procs. C-550/19, §92 e §93, disponível em https://curia.europa.eu). Tal conclusão mantém-se inalterada ainda que, nesses casos, a operação não seja acompanhada da cessão de quaisquer elementos do ativo, corpóreos ou incorpóreos (nesse sentido, cf. Acórdão do TJUE, Temco Service Industries S.A. c. Samir Imzilyen et alia, de 24 de janeiro de 2002, procs. C-51/00, disponível em https://curia.europa.eu). Tal posição encontra plena justificação na circunstância de a unidade económica ser constituída pela mão-de-obra, pelo que, transferida a mesma, ou parte relevante, impõe-se concluir pela existência de transmissão do estabelecimento.


Volvendo ao caso dos autos, não pode, porém, deixar de se concluir pela inexistência de qualquer transferência da unidade económica já que, por um lado, esta não era constituída única e exclusivamente pela autora mas sim pelos trabalhadores da ré por esta afetos à prestação de serviços de higiene e limpeza e fornecimento de consumíveis de casas de banho nas instalações da ARSA do distrito de ..., nelas se incluindo as instalações do Centro de Saúde de ..., as instalações da ARSA IDT de ... e IDT – Equipa de tratamento do ..., do ..., de ... e de ..., designado por lote 3 que constitui Anexo do contrato identificado nos factos provados. Ora a ré, ao alegar que existiu transmissão da unidade económica pretende fazer (cairíamos na situação caricata de existência de tantas unidades económicas quantos edifícios e equipamentos integrados no denominado Lote 3, correspondendo cada unidade económica a um trabalhador e respetivos utensílios).»


Decidiu,


XVIII


“(…) pela inexistência de transmissão do contrato de trabalho da autora para o Município de ... a comunicação enviada pela ré à autora não pode deixar de configurar um despedimento ilícito porque não foi precedido de processo disciplinar, consubstanciando-se numa decisão unilateral da ré no sentido da cessação do contrato de trabalho celebrado com a autora.


O despedimento é uma forma de cessação do contrato e traduz-se numa declaração de vontade negocial emitida pelo empregador dirigida ao trabalhador, comunicando-lhe a cessação do vínculo laboral. É estruturalmente um ato unilateral, integrado por uma declaração de vontade recetícia, cuja eficácia depende da sua receção pelo destinatário, nos termos do art.º 224, do Código Civil, pelo que o efeito extintivo do contrato só se verifica depois de a declaração ser recebida pelo trabalhador ou de ser dele conhecida, sendo irrevogável, salvo declaração em contrário, desde esse momento (artigo 230.º, n.º 1, do Código Civil).


No caso dos autos, é inequívoco que a autora foi, pela ré, despedida em 4 de janeiro de 2023, porquanto a declaração de vontade emitida pela ré é clara e expressa no sentido de pôr termo ao contrato de trabalho e, sendo uma declaração recetícia, foi pela autora recebida e entendida nesses exatos termos.


Daqui decorre que o despedimento, ainda que com a justificação, sem fundamento legal, de que o contrato de trabalho em execução com a autora se havia transmitido para o Município de ..., produz efeitos, causando a extinção dos contratos de trabalho celebrados com a autora.


Nesta conformidade, atuando a ré nos moldes que resultaram provados, procedeu ao despedimento da autora que, sendo ilícito nos termos do artigo 381.º, nº 1, al. c), do C. T. por não ter sido precedido do respetivo procedimento disciplinar, acarreta as consequências previstas nos artigos 389.º e ss. do mesmo diploma legal.


(…)»


E,


XIX


Decidiu “(…) julgar a presente ação procedente, por provada, e, em consequência:


1. Declara-se ilícito o despedimento da autora AA pela ré “"BB Facility Services, Lda."” e


2. Condena-se a ré a pagar à autora:


I. A título de créditos laborais vencidos, a quantia de 1.418€, referente a férias, e respetivo subsídio de férias, não gozadas vencidas em 01.01.2023, relativas ao ano de 2022, acrescida de juros de mora à taxa supletiva legal prevista para obrigações civis, vencidos desde a data do vencimento e vincendos até efetivo e integral pagamento (cf. art. 804.º, 805.º, n.º 1, n.º 2, alínea a), 806.º e 559.º do Código Civil);


II. A título de indemnização em substituição de reintegração, a quantia de 5.268,27€, acrescida de juros de mora, à taxa supletiva legal anualmente prevista para obrigações


(…)”


Porém,


XX


A Recorrente não pode concordar com a posição assumida pelo Tribunal a quo quando conclui pela


“(…) inexistência de qualquer transferência da unidade económica já que, por um lado, esta não era constituída única e exclusivamente pela autora mas sim pelos trabalhadores da ré por esta afetos à prestação de serviços de higiene e limpeza e fornecimento de consumíveis de casas de banho nas instalações da ARSA do distrito de ..., nelas se incluindo as instalações do Centro de Saúde de ..., as instalações da ARSA IDT de ... e IDT – Equipa de tratamento do ..., do ..., de ... e de ..., designado por lote 3 que constitui Anexo do contrato identificado nos factos provados. Ora a ré, ao alegar que existiu transmissão da unidade económica pretende fazer (cairíamos na situação caricata de existência de tantas unidades económicas quantos edifícios e equipamentos integrados no denominado Lote 3, correspondendo cada unidade económica a um trabalhador e respetivos utensílios).


Porque,


XXI


Como é do conhecimento comum, cada Centro de Saúde é uma unidade económica, dispondo de autonomia e recursos humanos próprios percetíveis, até pelos Autos de Transferências de Competências efetuados pelo Ministério da Saúde, Administração Regional de Saúde do ... com cada um dos Municípios para os quais efetuaram aquelas Transferências de Competências, cfr. documento 1 junto com a Contestação da Co-Ré Município de ..., aqui também Recorrida.


XXII


Posição corroborada pela leitura do Auto de Transferência nº 13/2022, – DOC 1 da Contestação da co-Recorrida – Município de ..., quando a pág. 18 (Anexo V) identifica todos os Contratos Logísticos celebrados pelo Ministério da Saúde e as diversas Entidades Adjudicatárias.


XXIII


Podendo-se ler, sob a epigrafe: “Identificação dos contratos logísticos, para os quais o MS cede a sua posição contratual para o Município, atendendo aos objetos alvo de cedência no Auto de Transferência nº 13/2022”.


XXIV


Figurando, nesse rol, a aqui Recorrente, enquanto prestadora de Serviços de Limpeza e Higiene, no Centro de Saúde de ...


XXV


Podemos, também, dizer que o Centro de Saúde de ... é uma unidade económica na medida em que, o próprio Município, o aqui co-Recorrido,


E,


XXVI


Conforme documentos (Declaração e Requisição Externa Contabilística) juntos pela co-Recorrida – Município de ... – através de Requerimento datado de 19/10/2023, com a ref.ª 46859778, adjudica os serviços de prestação de Serviços de Limpeza do Centro de Saúde de ..., mediante a celebração de um Contrato de Prestação de Serviços, na modalidade de avença, para limpeza e higienização do edifício do Centro de Saúde de ..., 40 horas semanais, durante um mês, com início em 12/01/2023.


XXVII


Com base nos referidos documentos e mais propriamente da análise da DECLARAÇÃO, constata-se que,


É o próprio Município de ... quem declara que “(…) em Dezembro de 2022 não existiram contratações de pessoal pelo Município de ... para prover pelos serviços de limpeza.


Mais se declara que em Janeiro de 2023 existiu a «contratação de uma prestação de serviços na modalidade de avença para limpeza e higienização do edifício do Centro de Saúde de ...», durante um mês, com início em 12.01.2023, efetuada a FF, (…)”


Sendo que,


XXVIII


Não seria necessário efetuar qualquer contratação, para os serviços de limpeza do Centro de Saúde de ..., na medida em que em 20 de maio de 2022, no âmbito Auto de Transferência n.º 13/2022, foi, também, efetuada a cessação da posição contratual que a ARSA detinha no Contrato de Prestação de Serviços de Limpeza e Higiene, com a Recorrente, para o Município de ..., pois esse mesmo contrato tinha duração até 31/12/2022.


Acresce que,


XXIX


Se não se tratasse de uma unidade económica, como refere o Tribunal a quo, que competências teria o Município de ... para adjudicar, em janeiro de 2023, através de um contrato de avença, a limpeza do Centro de Saúde de ..., conforme documentos juntos pela co-Recorrida – Município de ... – através de Requerimento datado de 19/10/2023, com a ref.ª 46859778,


Até porque,


XXX


DA TESTEMUNHA Dr. GG, Diretor do Departamento de Gestão e Administração Geral da Administração Regional de Saúde do ..., I.P.


(…)


XXXI


DA TESTEMUNHA Dra. HH – Diretora de Recursos Humanos da "BB Facility Services, Lda.",


(…)


XXXII


Contrariamente ao entendimento do Tribunal a quo, veja-se que, já o Supremo Tribunal de Justiça, no ano de 2019, decidiu de forma diversa conforme se pode ler, no Acórdão do STJ, proc. 2743/15.5T8LSB.L1.S1, de 11-09-2019, Relator Juiz Conselheiro Ferreira Pinto, in: www.dgsi.pt


IV) A reversão da concessão de exploração de uma cantina universitária enquadra-se no conceito amplo de transmissão de empresa ou estabelecimento, conforme estipulado no artigo 285º, do CT/2009 e no artigo 1º, n.º 1, alínea c), da Diretiva 2001/23/CE, do Conselho de 12 de março de 2001.


V) Sendo a concedente uma pessoa coletiva de direito público, dotada de personalidade jurídica e de autonomia financeira e administrativa, tal circunstância, segundo a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça da União Europeia, não permite excluir a existência de uma transferência abrangida pela referida Diretiva, pelo que é aplicável o disposto no seu artigo 1º, n.º 1, alínea c), por a atividade por ela exercida ser uma atividade económica que não se enquadra no exercício das prerrogativas do poder público.


VI) Transmite-se, assim, para a concedente, apesar de ser uma pessoa coletiva de direito público, a posição que o concessionário tinha nos contratos individuais de trabalho, dos trabalhadores que exerciam a sua atividade nessa Cantina.”


XXXIII


Sendo também esta a posição perfilada, no ano de 2023 por este Tribunal da Relação de Évora, conforme Acórdão proferido no Processo: 702/21.8T8TMR.E1, 25-05-2023,


Relatora Juíza Desembargadora Paula do Paço, disponível em www.dgsi.pt


«(…)


V- A limpeza dos edifícios municipais que implique uma determinada organização/gestão de meios humanos, que tem por objetivo a realização de uma atividade económica com valor de mercado, com uma identidade própria e autónoma, ainda que acessória da atividade principal exercida pelo Município, deve ser considerada uma unidade económica, nos termos previstos pelo n.º 5 do artigo 285.º do CT.


VI- Tendo o Município reassumido diretamente a atividade de limpeza dos edifícios municipais, tal significa que ocorreu uma reversão de exploração da unidade económica, pelo que a posição de empregador, que antes pertencia a uma empresa de prestação de serviços de limpeza, transmitiu-se para o Município, ao abrigo do artigo 285.º do CT


“(…)


De harmonia com o disposto no n.º 1 do referido artigo 285.º, na redação resultante da Lei n.º 14/2018, de 14 de março, que é aplicável, em caso de transmissão, por qualquer título, da titularidade da empresa ou estabelecimento ou ainda de parte da empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, transmitem-se para o adquirente a posição do empregador nos contratos de trabalho dos respetivos trabalhadores.


Esta regra é igualmente aplicável à transmissão, cessão ou reversão da exploração de empresa, estabelecimento ou unidade económica, nos termos previstos pelo n.º 2 do normativo, definindo o n. º 5, que se considera unidade económica, “o conjunto de meios organizados que constitua uma unidade produtiva dotada de autonomia técnico-organizativa e que mantenha identidade própria, com o objetivo de exercer uma atividade económica, principal ou acessória”.


A transmissão da posição de empregador, prevista no artigo, não é aplicável em caso de trabalhador que o transmitente, antes da transmissão, transfira para outro estabelecimento ou unidade económica nos termos do artigo 194.º do Código do Trabalho, mantendo-o ao seu serviço – n.º 4 do artigo 285.º.


Na concreta situação dos autos, extrai-se do circunstancialismo factual provado que a Apelada, desde junho de 2015, prestava funções de empregada de limpeza em edifícios municipais do Apelante. Começou por prestar a sua atividade profissional como trabalhadora subordinada da firma “...” e, posteriormente, a partir de 28/06/2018, passou a ser a 1.ª Ré a sua empregadora.


Sucede que, a partir de 27/06/2020 - data de cessação do contrato de prestação de serviços de limpeza dos edifícios municipais celebrado entre as Rés - o Apelante passou a realizar os serviços de limpeza que anteriormente eram realizados pela 1.ª Ré.


Deste contexto factual, depreende-se que a limpeza dos edifícios municipais pressupunha uma determinada organização/gestão de meios humanos, destinada à realização de uma atividade económica com valor de mercado, com uma identidade própria e autónoma, ainda que acessória da atividade principal exercida pelo Apelante, pelo que deve ser considerada uma unidade económica, nos termos previstos pelo n.º 5 do artigo 285.º do Código do Trabalho.


Ora, inferindo-se do acervo de factos provados que esta unidade económica passou a ser explorada, a partir de 27/06/2020, pelo Apelante, verifica-se uma situação de reversão da exploração da entidade económica.


Por outras palavras, tendo o Apelante reassumido diretamente a atividade de limpeza dos edifícios municipais, tal significa que ocorreu uma reversão de exploração da unidade económica.


Por conseguinte, a posição de empregador, que antes pertencia à 1.ª Ré, foi transmitida para o Apelante, ao abrigo do artigo 285.º do Código do Trabalho, como bem decidiu o tribunal a quo.


E não se argumente que esta norma não se aplica ao Município Apelante, por ser uma entidade pública.


O artigo 285.º transpõe para o nosso ordenamento jurídico a Diretiva n.º 2001/23/CE do Conselho de 12 de março de 2001, logo, a sua interpretação terá de ser feita à luz desta Diretiva.


E de acordo com a alínea c) do artigo 1.º da Diretiva, a mesma é aplicável a todas as empresas públicas ou privadas, que exercem uma atividade económica, com ou sem fins lucrativos.6


Logo, a circunstância de o Apelante ser uma entidade pública não obsta à aplicabilidade do artigo 285.º do Código do Trabalho.7


[6 Realce da nossa responsabilidade. 7 Neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11/09/2019, Proc. n.º 2743/15.5T8LSB.L1.S1 e o Acórdão desta Secção Social de 28706/2018, Proc. n.º 2928/17.0T8PTM.E1, ambos acessíveis em www.dgsi.pt.]


(…)”.


XXXIV


É entendimento da Recorrente que, a Unidade Económica que a Recorrente transmitiu para a co-Recorrida – Município de ... – era constituída apenas pela A, ora co-Recorrida,


Ou seja,


XXXV


Pese embora o Ministério da Saúde e a ARSA tenham transferido para a co-Recorrida – Município de ... – em 20 de maio de 2022, as competências relativas à:


«(…)


c) Gestão dos seguintes serviços de apoio logístico:


i) Serviços de limpeza;


(…)”


XXXVI


A empreitada dos serviços de limpeza do Centro de Saúde de ... continuou a ser prestada pela Recorrente "BB Facility Services, Lda." – entidade empregadora da A., ora co-Recorrida, até 31 de dezembro de 2022, no âmbito de um contrato celebrado com a ARSA,


XXVII


Contrato esse que tinha sido celebrado entre a ARSA (Administração Regional de Saúde do ...) e a Recorrente "BB Facility Services, Lda." – cuja cessão para a co-Recorrida, Município de ..., ocorreu em 20 de maio de 2022, tendo esta continuado a beneficiar da prestação de serviços de limpeza, prestados pela Recorrente, pela transferência desse mesmo contrato para a sua esfera jurídica.


XXXVIII


Facto esse que, reitera-se, está explícito no Auto de Transferência n.º 13/2022, que constitui o Documento 1 junto pelo Município de ...com a sua Contestação.


Isto porque,


XXXIX


Do referido documento, pág. 3, 4 e 18:


“(…)


2. E contrapartida, a ARS transfere para o Município, os recursos relacionados, que estão, à data de celebração do presente Auto, afetos apenas à prestação de CSP e/ou à DICAD, nomeadamente:


(…)


3. A transferência de competências relativa ao anterior n.º 1 não prejudica os procedimentos contratuais e pré-contratuais já abertos pelo MS e que se destinam à prestação de serviços logísticos, à locação de equipamento e ao pagamento de rendas e de outros encargos com imóveis abrangidos elo presente Auto, pelo que as posições contratuais do MS nesses contratos são transferidas para o Município, conforme identificado nos Anexos V e VI. Para tal, a ARS efetua as diligências necessárias, de acordo com a legislação em vigor, no sentido de informar e de obter o consentimento das entidades adjudicatárias associadas aos contratos, cujas posições contratuais da ARS são transmitidas para o Município.


(…)”


E,


XL


Conforme já acima referido, pelo Anexo V constata-se que o Contrato com a referência 00034_202, SP N.º 175.6/2022, relativo à prestação de Serviços de Limpeza celebrado com a aqui, Recorrente "BB Facility Services, Lda.", e que conforme nota 74, a “(…) posição contratual do MS é transferida para o município.”


XLI


Verifica-se, ainda, que do Anexo VII, que faz parte integrante do Auto de Transferência n.º 13/2022, na pág. 21 consta como “Serviços externalizados pela ARS – Serviços de Limpeza”.


XLII


Dúvidas não restam que, através do Auto de Transferência n.º 13/2022, a posição contratual da Recorrente foi transmitida para a co-Recorrida – Município de ....


Logo,


XLIII


Em 01/01/2023 houve a transmissão do contrato de trabalho da Autora, aqui co-Recorrida, da Recorrente para a co-Recorrida – Município de ....


Assim,


Ao decidir efetuar a limpeza do Centro de Saúde de ..., primeiramente através da celebração de um contrato de avença por 1 mês e, segundo a própria, posteriormente, através do recurso a meios próprios foi a co-Recorrida – Município de ... quem procedeu ao despedimento ilícito da co-Recorrida, a Autora


Pelo que,


XLIV


Deveria o Tribunal a quo ter condenado a co-Recorrida – Município de ... – a assumir a posição contratual existente entre a Autora, a aqui co-Recorrida e a Recorrente e,


Como tal,


XLV


Absolver a Recorrente do pedido,


XLVI


Condenando o Município de ... a pagar à co-Recorrida – Autora – a indemnização e créditos laborais vencidos e vincendos bem como tudo o demais em que a Recorrente foi condenada, nomeadamente juros de mora, custas e demais encargos com o processo, entre outros.


Termos em que se requer que o Tribunal ad quem revogue a Sentença Recorrida, substituindo-a por outra que absolva a Recorrente do pedido efetuado pela co-Recorrida – a Autora, condenado, assim, a co-Recorrida – Município de ... – a assumir a posição que a Recorrente deteve até 31/12/2022, por força da aplicação do art.º 285.º do Código do Trabalho, com as legais consequências.»2


-


Contra-alegou a Autora, suscitando, a título de questão prévia, a extemporaneidade do recurso, e, à cautela em caso de admissão, propugnou pela sua improcedência.


-


Ainda que inicialmente o recurso não tenha sido admitido pela 1.ª instância, na sequência da decisão singular proferida no âmbito do apenso A (Reclamação - 643.ºCPC) prolatada pela ora Relatora, o recurso foi admitido, tendo subido, nos próprios autos, com efeito suspensivo (em virtude de ter sido prestada caução).


-


Já na Relação, o Ministério Público emitiu o seu parecer.


A Apelante ofereceu resposta.


Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


*


II. Objeto do recurso


É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho).


Em função destas premissas, eis as questões que, por ordem lógica, importa analisar e decidir:

1. Nulidade da sentença.

2. Impugnação da decisão de facto.

3. Verificação de transmissão de unidade económica.

4. Despedimento ilícito promovido pelo Município de ....


*


III. Matéria de Facto


A 1.ª instância julgou provados os seguintes factos:


1. Em 31 de julho de 2015, a autora acordou com sociedade “CC, pessoa coletiva ..., na celebração de um contrato denominado Contrato de Trabalho a Termo Certo Não Renovável e Sem Necessidade de Comunicação Escrita”, com início em 31 de julho de 2015 e termo a 31 de agosto de 2015.


2. O termo certo não renovável que foi justificado com a necessidade de substituição “em virtude da situação de ausência por gozo de férias da trabalhadora de limpeza DD”.


3. Na sequência de tal acordo, a autora foi contratada, com a categoria profissional de trabalhadora de limpeza, para o desempenho das “funções definidas para esta categoria no Contrato Coletivo de Trabalho referido infra na cláusula 9ª”, mediante a retribuição mensal ilíquida de Eur. 505,00, “acrescida do subsidio de refeição acordado e dentro do montante, incidências e parâmetros legais da Lei nº 103/99 de 26-7 e do Contrato Coletivo de Trabalho para o sector”.


4. Mais acordaram “um período normal de trabalho semanal de 40 horas, realizadas da seguinte forma: De 2ª a 6ª feira das 10h00 às 14h00 e das 16h00 às 20h00 Descanso semanal – Sábado e Domingo”.


5. Sendo “o local de trabalho do segundo outorgante [a autora] será no cliente Administração Regional de Saúde do ... (CS ...), sito na ...”.


6. A partir do dia 1 de setembro de 2015, a autora continuou, ininterruptamente, a prestar serviço, como funcionária da “CC”, na Administração Regional de Saúde do ... (CS ...), na ..., mediante a referida retribuição e horário de trabalho.


7. Em 31.03.2022 a “CC” transmitiu a sua posição de entidade patronal de empregadora da autora a favor da aqui ré "BB Facility Services, Lda.".


8. Com efeitos reportados a 31.03.2022, a “CC” comunicou ao Instituto da Segurança Social que “o vínculo do trabalhador ... – AA com a entidade empregadora CC com data de 2015-11-23 foi cessado em 2022-03-31 pelo motivo: transmissão de empresa”.


9. A partir de abril de 2022, a autora passou a ser paga pela ré “"BB Facility Services, Lda."”, que também passou a efetuar os correspondentes descontos para a Segurança Social.


10. Continuando a autora a prestar exatamente os mesmos serviços de limpeza, com o mesmo horário e remuneração no Centro de Saúde de ....


11. Em dezembro de 2022, a autora auferia a retribuição mensal ilíquida de 709,00€, acrescida de subsídio de alimentação.


12. No início de janeiro de 2023, a autora recebeu da ré a carta registada, datada de 4 de janeiro de 2023, com o seguinte teor:


“(…)


Tomámos conhecimento recentemente pela ARS ... (em 3 de janeiro de 2023) que o seu local de trabalho será gerido diretamente pelo município de ... em termos de prestação de serviços de limpezas.


Considerando que o dito município passará a assegurar a dita unidade económica diretamente, é então transmissário do quadro de pessoal afeto à mesma, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 285º e seguintes do Código do Trabalho. Assim, o seu contrato de trabalho transmitiu-se para o município em causa, sem prejuízo da sua antiguidade, remuneração e demais condições.


(…)”


13. Nessa data, a autora encontrava-se em situação de baixa médica o que se prolongou durante os meses de janeiro e fevereiro de 2023.


14. A partir de 01.01.2023, a ré não indicou à autora local de trabalho e deixou de lhe pagar a retribuição.


15. A autora, após ter rececionado a referida carta, contactou o Município de ... para apurar a situação.


16. Como resposta, foi-lhe transmitido que, contrariamente ao referido pela ré, o contrato de trabalho da autora não se tinha transmitido para o Município de....


17. Nessa sequência, a autora, enviou à ré uma carta datada de 08.02.2023, por aquela recebida, com o seguinte teor:


“Recebida a V/ carta datada de 4 do passado mês de janeiro, na qual me comunicam que o contrato de trabalho transmitiu-se para o município em causa, sem prejuízo da sua antiguidade, remuneração e demais condições", com o argumento de que, o Município de ... "passará a assegurar a dita unidade económica diretamente, é então transmissário do quadro de pessoal afeto à mesma, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 285º e seguintes do Código do Trabalho" e, considerando que, como é do V. conhecimento, o Município de ... não aceita a transmissão que invocam do meu contrato de trabalho venho, pelo presente, transmitir que considero que o mesmo se mantém com essa sociedade, com todos os direitos e obrigações.


Assim, e considerando que me encontro de baixa médica até ao próximo dia 16 de fevereiro, no dia 17 apresentar-me-ei ao serviço, no meu local de trabalho sito no Centro de Saúde de ....


Pelo que, aguardo que no dia 17 de fevereiro me sejam dadas as respetivas instruções de trabalho.


Com os melhores cumprimentos”


18. A ré não respondeu à autora.


19. A autora enviou à ré um e-mail de 27 de janeiro de 2023, com o seguinte teor:


“Dirijo-me na qualidade de Advogada da Senhora D. AA, V. trabalhadora.


A m/ Cliente rececionou a V/ carta datada de 4 do corrente mês de janeiro, na qual lhe comunicam que "o contrato de trabalho transmitiu-se para o município em causa, sem prejuízo da sua antiguidade, remuneração e demais condições", com o argumento de que, o Município de ... "passará a assegurar a dita unidade económica diretamente, e então transmissário do quadro de pessoal afeto à mesma, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 285º e seguintes do Código do Trabalho.


Ora, conforme é do conhecimento dessa sociedade, o Município de... não aceita a transmissão que invocam do seu contrato de trabalho.


Pelo que, contrariamente ao que referem, o contrato de trabalho com a m/ identificada Cliente mantém-se com essa sociedade, como entidade empregadora.


A m/ Cliente, como é do V. conhecimento, encontra-se de baixa médica até ao próximo dia 16 de fevereiro.


Assim, quando cessar a baixa médica, apresentar-se-á ao serviço nessa sociedade, o que fará, salvo indicação expressa em contrário, no seu local de serviço à data da baixa médica, ou seja no Centro de Saúde de ....


Agradeço qualquer esclarecimento que tiverem por conveniente transmitir.”


20. Porém, a ré manteve a sua posição, não reconhecendo a manutenção do vínculo laboral, por entender que o contrato de trabalho que vigorava entre ambas, em 03 de janeiro de 2023, se tinha transmitido para o Município de ....


21. E, na sequência, a ré, em 27 fevereiro de 2023, comunicou à Segurança Social que a autora, com efeitos reportados a 31.12.2022, teria deixado de ser sua trabalhadora, com o motivo “transmissão de empresa”.


22. Em 22 de março de 2022 a “ARS ..., IP”, no âmbito de um procedimento de contratação pública desenvolvido pela central de compras dos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde, E.P.E., adjudicou à ré "BB Facility Services, Lda." a prestação de serviços de higiene e limpeza e fornecimento de consumíveis de casas de banho nas instalações da ARSA do distrito de ..., nelas se incluindo as instalações do Centro de Saúde de ..., as instalações da ARSA IDT de ... e IDT – Equipa de tratamento do ..., do ..., de ... e de ... (conforme lote 3 que constitui Anexo do contrato e que aqui se dá por reproduzido), pelo período de 01.04.2022 até 31 de dezembro de 2022, mediante o pagamento da contrapartida monetária de 430.720,92€, acrescida de IVA.


23. Ao abrigo desse contrato de prestação de serviços de limpeza celebrado entre a ARS ..., IP e a ré "BB Facility Services, Lda.", a autora, enquanto trabalhadora da ré "BB Facility Services, Lda.", continuou a desempenhar as suas funções de prestação de serviços de limpeza no Centro de Saúde de ....


24. Em 27 de dezembro de 2022, a ré enviou à ARSA um email com o seguinte teor:


“No seguimento do n/ email infra, vimos por este meio questionar se já tomaram uma decisão quanto à n/ continuidade de prestação de serviços.


Solicitamos a v/ resposta o mais atempadamente possível.”


25. Em 28 de dezembro de 2022, a ré recebeu da ARSA ..., IP um e-mail com o seguinte teor:


“Bom dia


Exmos Senhores,


Na sequência do email infra, informamos que daremos continuidade aos vossos serviços nos meses de janeiro e fevereiro, de acordo com orientações da SPMS”


26. Em 29 de dezembro de 2022, a ré recebeu da ARSA ..., IP um e-mail com o seguinte teor:


“Boa tarde.


No seguimento do e-mail anteriormente enviado, e de acordo com a descentralização, cumpre-nos informar que pretendemos a prorrogação do contrato para janeiro e fevereiro da prestação de serviços de limpeza, para os seguintes municípios:


...;


...;


...;


...;


...;


...;


...;


...;


....


Os restantes Centros de Saúde serão assegurados pelos Municípios.”


27. Tendo a ré enviado à ARSA um mail com seguinte resposta:


“Boa tarde estimada Dr.ª DD,


Na sequência do seu email infra, solicitamos informação completa dos Municípios aos quais temos de efetuar a transição da faturação (com o consequente aumento), nomeadamente:


- Contacto de email;


- Faturação atual;


- Pessoa de contacto.


No que concerne à parte final do seu email, penso que possa estar a compreender mal, quando nos diz que os restantes serão assegurados pelos Municípios, será para haver término do serviço de limpeza? Relembro que, esta situação não é linear, pois segundo o Acordo Coletivo de trabalho as Trabalhadoras de Limpeza estão afetas, após 120 dias de serviço, ao posto de trabalho em causa independentemente do Prestador de Serviço.


Pedimos, neste sentido, a v/ clarificação de todos os pontos:


- Os locais atuais de faturação à ARS se mantêm para 2023?


- Se não, quais os Municípios que vão assegurar? Para podermos entrar em contacto (pelos motivos acima referidos);


- Neste sentido, pretendemos a informação completa e desagregada por local de prestação (em conformidade com o acima explanado).


Para melhor entendimento, vou solicitar ao Gestor de Contrato – Eng.º CC que entre em contacto consigo.


Agradecemos brevidade na resolução desta temática, pois pelos motivos acima elencados estão em causa vários postos de trabalho e a vida de vários agregados familiares.”


28. Em resposta, também ainda no dia 29 de dezembro de 2022, a ré recebeu da ARSA ..., IP um e-mail com o seguinte teor:


“Boa noite.


Na sequência dos emails anteriores na nossa colega DD, venho esclarecer:


No âmbito do processo de descentralização de competências para os municípios, regulado pelo DL nº 23/2019, uma das competências transferidas para os municípios são os serviços de limpeza e os respetivos contratos quando os serviços estão externalizados, ou seja, quando não são realizados por assistentes operacionais, os quais também transitaram do mapa de pessoal desta ARSA para o mapa de pessoal dos respetivos municípios conforme a área geográfica.


Dado que o concurso para 2023 a desenvolver pelos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde - SPMS, não ficará concluído a 31/12/2022, foi-nos solicitado que assegurarmos os serviços de limpeza para os meses de janeiro e fevereiro de 2023.


Assim sendo, pretendemos realizar adenda ao contrato de 2022 formalizando a prorrogação do mesmo para 2023.


No entanto, essa prorrogação não acontecerá em todos os CS e extensões, uma vez que, em alguns municípios onde a descentralização já ocorreu, dispõem de recursos próprios para assegurar os serviços de limpeza das unidades de saúde.


Assim sendo, e conforme referido no email abaixo, apenas estes CS e respetivas extensões de saúde, serão objeto da referida prorrogação do contrato de 2022 para janeiro e fevereiro de 2023.


...;


...;


...;


...;


...;


...;


...;


...;


....


Nos restantes CS e respetivas extensões de saúde, a limpeza já será assegurada pelo respetivo município com os seus assistentes operacionais.


Dia 03 de janeiro informo os dados dos municípios que irão integrar as adendas de prorrogação do contrato.


Conforme estipulado pelo DL nº 23/2019, os municípios poderão assumir a posição contratual da ARS, o que vai acontecer neste caso com as adendas para janeiro e fevereiro, passando a Sá Limpa a faturar a esses municípios e este a pagar essa faturação, uma vez que estão a ser financiados pela saúde para o efeito através da ACSS e DGAL.”


29. Tendo a ré enviado à ARSA, em resposta, um email, no dia 30 de dezembro de 2022, com seguinte resposta:


“Bom dia estimado Dr. EE,


Agradecemos a sua clarificação.


Em conformidade com o seu email infra, ficamos a aguardar o envio dos dados dos Municípios a integrar a prorrogação.”


30. A partir de 01.01.2023 os serviços de limpeza do Centro de Saúde de ... deixaram de ser efetuados pela ré "BB Facility Services, Lda.".


31. Com efeito, a partir de janeiro de 2023, na sequência da assinatura do Auto de Transferência celebrado no âmbito do processo de descentralização de competências da ARS ... na área da saúde para os Municípios, o Município de ... assumiu e tornou-se responsável, entre outras áreas, pelos serviços de limpeza no Centro de Saúde de ....


32. Em autora não tinha, aquando de tal transferência de competências, qualquer vínculo de emprego público com as administrações Regionais de Saúde do ..., I. P., do ..., I. P., de ... P., do ..., I. P., e do ..., I. P., da carreira geral de assistente operacional, nem exercia funções nas unidades funcionais dos ACES e das Divisões de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências das Administrações Regionais de Saúde, que integram o SNS.


33. Em 04 de janeiro de 2023 a ré enviou ao Município de ... uma carta, por este recebida, com o seguinte teor:


“Por correio postal registado com aviso de receção


Assunto: transmissão de quadro de pessoal.


..., 4 de Janeiro de 2023


Exmos. Senhores,


Com reporte ao assunto em epígrafe ora apresentamos as seguintes considerações:


Tomámos conhecimento recentemente pela ARS ... (em 3 de Janeiro de 2023) que esse município proverá diretamente pela prestação de serviços de limpezas nas unidades de saúde dessa circunscrição territorial.


Os serviços em causa e a correspondente unidade económica foram assegurados por esta empresa até 31 de Dezembro de 2022, a qual ficou convencida que continuaria essa prestação, como aliás sucede com outros municípios e o que tem sido alvo de negociação com a mencionada ARS.


Considerando contudo que esse município passará a assegurar a dita unidade económica diretamente, é então transmissário do quadro de pessoal afeto à mesma e que ora anexamos, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 285.º e seguintes do Código do Trabalho.


Seguiu hoje igualmente comunicação escrita para cada trabalhador confirmando a transmissão dos seus contratos de trabalho e recomendação para se continuarem a apresentar nos seus locais de trabalho.


Ao dispor para o mais que se considere conveniente, apresentamos os nossos cumprimentos,


"BB Facility Services, Lda."”


34. O Município de ... remeteu comunicação à ré "BB Facility Services, Lda.", em 6 de Janeiro de 2023, uma carta com o seguinte teor:


“Em referência ao assunto em epígrafe e conforme contrato celebrado entre essa empresa e a Administração Regional de Saúde do ..., I.P. em 22 de Março de 2022, não tem a entidade adjudicante a responsabilidade de, findo o contrato, assumir a posição de empregador nos contratos de trabalho dos trabalhadores dessa empresa afetos à prestação de serviço em causa.


Para além desse facto, também da leitura da resolução da Assembleia da República n.º 24/2020, de 13 de Março, não existe qualquer recomendação nesse sentido, nem poderia existir, porquanto o recrutamento e ingresso de pessoal na função pública, rege-se pelo Lei do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho, não sendo possível o ingresso na função pública de forma diferente das previstas na referida legislação.


Por último, é de referir que não existe transmissão de unidade económica dessa empresa para este Município, o que aconteceu, apenas, foi que o Município decidiu, por uma questão económica e por defesa do interesse público, não proceder à abertura de qualquer procedimento de contratação para aquisição de serviços, exercendo tais competências com recursos humanos próprios.”


-


Consigna-se que inexistem factos não provados.


*


IV. Nulidade da sentença


A Apelante arguiu a nulidade da sentença com fundamento na existência de oposição entre a matéria de facto e a decisão.


Argumentou que não obstante na “Motivação da matéria de facto” o tribunal a quo tenha dado como provado que a Autora esteve de baixa médica até 18-03-2023, apenas considerou, na sentença proferida, que aquela esteve de baixa médica até 16-02-2023 e condenou a Apelante a pagar-lhe créditos laborais vencidos desde 04-01-2023.


Analisemos.


De harmonia com o disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea c), primeira parte, do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável ao processo laboral, a sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão.


Ora desde logo importa referir que na “Motivação da matéria de facto” não foi dado como provado que a Autora esteve de baixa médica até 18-03-2023, tal como não foi dado como provado, no conjunto dos factos provados, que a mesma esteve de baixa médica até 16-02-2023.


O que consta do acervo fáctico provado é que a Autora, no início de janeiro de 2023, quando recebeu a carta mencionada no ponto 12, se encontrava em situação de baixa médica, que se prolongou durante os meses de janeiro e fevereiro de 2023 – cf. pontos 12 e 13.


E o que se menciona na “Motivação da matéria de facto” são os meios probatórios que foram considerados para alicerçar o que se julgou demonstrado.


Veja-se o que se escreveu:


«Na resposta à matéria de facto dada como provada e não provada, o Tribunal, de um modo geral, fundou a sua convicção na análise crítica e conjugada da prova documental, apelando ainda às regras da experiência comum.


Com efeito, a factualidade dada por provada ou não está impugnada ou resulta da prova documental, junta aos autos designadamente o contrato de trabalho junto a fls. 19 e seguintes, as comunicações à segurança social de fls. 21 e seguintes e 32 e ss., o recibo de vencimento de fls. 23, a correspondência de fls. 24, 28 e ss., 65 e ss., 81 e ss., 83 e 84, a declaração da segurança social de fls. 26, o certificado de incapacidade temporária para o trabalho de fls. 27, os e-mail de fls. 30 e ss., 33 e ss., 77 e ss. e 85, o contrato de fls. 65 verso e seguintes e o auto de transferência de fls. 122 e ss. Dos autos, prova documental essa cuja autenticidade e genuidade não foi cabalmente posta em crise e que constitui, aliada à assunção de alguns dos factos pelas partes, prova bastante para se dar como provada a factualidade feita constar nos factos provados. No que concerne às testemunhas inquiridas, as mesmas apenas vieram confirmar o teor de alguns dos documentos com os quais foram confrontadas, nada acrescendo aos mesmo na medida em que a respetiva interpretação recai sobre o Tribunal e não sobre as partes. Com efeito, a discordância das partes é sobretudo uma questão de direito atinente à subsunção legal dos factos.»


Sendo assim, não se verificam, obviamente, as premissas respeitantes à matéria de facto em que assentava a alegada contradição.


Ademais, não existe qualquer oposição entre as datas mencionadas no ponto 13 e a decisão que condenou a Apelante a pagar as retribuições intercalares que a Autora deixou de auferir desde janeiro de 2023, ainda que com as deduções previstas no n.º 2 do artigo 390.º do Código do Trabalho, uma vez que o despedimento declarado ilícito sucedeu, de acordo com o decidido pelo tribunal a quo, em 04-01-2023.


Concluindo, por não se verificar qualquer oposição entre os fundamentos e a decisão, julga-se totalmente improcedente a arguida nulidade da sentença.


*


V. Impugnação da decisão de facto


No requerimento que introduz o recurso, a Apelante refere «vem interpor RECURSO DE APELAÇÃO, com reapreciação da prova gravada».


Quando lemos as alegações e conclusões do recurso, o que concluímos é que parece que a Apelante apenas não concorda com o decidido no ponto 13 do elenco dos factos provados, por, no seu entender, resultar do documento n.º 6 junto com a petição inicial, que não foi impugnado, e que foi relevado pelo tribunal a quo como meio de prova para o aludido ponto fáctico, que a situação de baixa médica da Autora se prolongou até 18-03-2023.


Todavia, a explanação que faz sobre o ponto 13 insere-se, toda ela, na fundamentação da arguida nulidade da sentença, o que nos deixa algumas dúvidas sobre a intenção da Apelante de impugnar a decisão sobre este ponto da matéria de facto.


Ainda assim, concedendo que a argumentação apresentada serve para os dois objetivos – arguir a nulidade da sentença e impugnar a decisão proferida sobre o facto – deparamos com um óbice à admissão da impugnação.


Passamos a explicar.


É consabido que a impugnação da decisão da matéria de facto constitui uma prerrogativa do recorrente.


Todavia, o legislador civil (e o legislador laboral, por subsidiariedade de aplicação do regime), sujeitou-a a determinadas condições.


O artigo 640.º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, prescreve o seguinte:


1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a. Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b. Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c. A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.


2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a. Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b. Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.


3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.


Sobre as exigências/condições impostas por esta norma, refere António Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág. 129: «Importa observar ainda que as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da autorresponsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo.».


Quanto à consequência prevista para o desrespeito do ónus de impugnação, resulta do citado artigo que é a rejeição do recurso.


Ora, no caso que nos ocupa, a Apelante não indica especificamente qual a decisão alternativa que propõe.


Cita-se, pela relevância, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-05-2016 (Proc. n.º 324/10.9TTALM.L1.S1), consultável em www.dgsi.pt:


« I – No recurso de apelação em que seja impugnada a decisão da matéria de facto é exigido ao Recorrente que concretize os pontos de facto que considera incorretamente julgados, especifique os concretos meios probatórios que imponham uma decisão diversa, relativamente a esses factos, e enuncie a decisão alternativa que propõe.


II – Servindo as conclusões para delimitar o objeto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objeto de impugnação; quanto aos demais requisitos, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso.».


Com interesse destaca-se, ainda, o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 12/2023, de 14 de novembro, consultável em https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/acordao-supremo-tribunal-justica/12-2023-224203164.


Deste modo, por a Apelante não ter indicado especificamente qual a decisão alternativa a proferir, afigura-se-nos que, por omissão do cumprimento do ónus de impugnação previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 640., a impugnação respeitante ao ponto 13 não pode ser recebida.


Sem embargo, sempre diremos que, mesmo que se assumisse uma posição menos formal, e se, com bastante benevolência, se entendesse que quando a Apelante refere que do documento n.º 6 junto com a petição inicial resulta que a Autora «esteve de baixa médica, pelo menos, até 18 de março de 2023» se poderia interpretar como sendo esta a decisão alternativa que propõe, o certo é que não vislumbramos a relevância desta data para a boa decisão da causa.


A hipotética alteração pretendida diria respeito a um facto absolutamente inócuo, porque não poderia provocar quaisquer consequências jurídicas, pelo que a Relação jamais poderia apreciar esta impugnação, por tal se mostrar proibido pelo artigo 130.º do Código de Processo Civil, em virtude de estar em causa um ato inútil.


Resumindo, a impugnação do ponto 13 vai rejeitada por incumprimento do ónus previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, mas mesmo que hipoteticamente fosse admitida, não poderia ser conhecida, pelas razões expostas


Não foram impugnados outros pontos factuais e a transcrição (extensa) de depoimentos testemunhais não foi apresentada para impugnar qualquer facto, mas, tão somente, para a Apelante extrair consequências da interpretação do Direito, daí que não haja que reapreciar a prova gravada.


Concluindo, rejeita-se a impugnação da matéria de facto.


*


VI. Sobre a transmissão de unidade económica


A Apelante pretende que se reconheça que ocorreu uma transmissão de unidade económica e que a posição de entidade patronal da Autora passou, a partir de 01-01-2023, de si para o Município de ..., pelo que deve ser este a ser condenado no pagamento dos créditos laborais devidos à Autora..


Para fundamentar esta sua pretensão começa por argumentar que o Centro de Saúde de ..., onde a Autora prestava as suas funções profissionais, deve ser considerado uma “unidade económica”.


O tribunal a quo assim não o entendeu, com apoio na seguinte fundamentação:


«Volvendo ao caso dos autos, não pode, porém, deixar de se concluir pela inexistência de qualquer transferência da unidade económica já que, por um lado, esta não era constituída única e exclusivamente pela autora mas sim pelos trabalhadores da ré por esta afetos à prestação de serviços de higiene e limpeza e fornecimento de consumíveis de casas de banho nas instalações da ARSA do distrito de ..., nelas se incluindo as instalações do Centro de Saúde de ..., as instalações da ARSA IDT de ...e IDT – Equipa de tratamento do ..., do ..., de ... e de ..., designado por lote 3 que constitui Anexo do contrato identificado nos factos provados. Ora a ré, ao alegar que existiu transmissão da unidade económica pretende fazer corresponder a unidade económica unicamente à autora não tendo sequer alegado ou provado a transferência da totalidade ou parte considerável dessa unidade económica.»


Vejamos.


Para efeitos da transmissão prevista no artigo 285.º do Código do Trabalho, considera-se “unidade económica” o conjunto de meios organizados que constitua uma unidade produtiva dotada de autonomia técnica-organizativa e que mantenha identidade própria, com o objetivo de exercer uma atividade económica, principal ou acessória – n.º 5 do referido artigo.


Na determinação do conceito de unidade económica o TJCE tem vindo a enunciar critérios relevantes como o tipo de estabelecimento, a transferência de bens corpóreos, a continuidade da clientela, o grau de semelhança da atividade exercida antes e depois da transmissão, a assunção de efetivos, a estabilidade da estrutura organizativa, variando a ponderação dos critérios de acordo com cada caso.


No essencial importa que os elementos indiciários recolhidos, globalmente considerados, permitam inferir a existência de uma “entidade económica”.


Neste sentido, se pronunciou o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 26-09-2012, (Proc. n.º 889/03.1TTLSB.L1.S1), acessível em www.dgsi.pt:


«Em suma, a verificação da existência de uma transferência depende da constatação da existência de uma empresa ou estabelecimento (conjunto de meios organizados, com o objetivo de prosseguir uma atividade económica), que se transmitiu (mudou de titular) e manteve a sua identidade.


É, contudo, essencial que a transferência tenha por objeto uma entidade económica organizada de modo estável, ou seja, deve haver um conjunto de elementos que permitam a prossecução, de modo estável, de todas ou de parte das atividades da empresa cedente e deve ser possível identificar essa unidade económica na esfera do transmissário».


Em resumo, para que se prove a existência de uma unidade económica, no sentido consagrado no artigo 285.º, mostra-se necessário que fique demonstrado que existe um conjunto de meios que se encontram estruturados e organizados para prosseguir e garantir o exercício de uma atividade económica.


Ora, com arrimo nos factos assentes, o que se apurou foi que a Apelante manteve com a “ARS ..., IP”, um contrato de prestação de serviços de higiene e limpeza e fornecimento de consumíveis de casas de banho nas instalações da ARSA do distrito de ..., nelas se incluindo as instalações do Centro de Saúde de ..., pelo período de 01-04-2022 até 31-12-2022.


Naturalmente que para cumprimento do serviço contratado, a Apelante tinha de ter uma estrutura organizada, isto é, um conjunto de elementos organizados (mão-de-obra, organização hierárquica, materiais, aprovisionamento de consumíveis, etc) que permitissem a prestação da limpeza, higienização e fornecimento de consumíveis de casas de banho nas instalações da ARSA do distrito de ....


Só com tal organização poderia a Apelante desenvolver a atividade produtiva em causa e, nessa medida, detinha uma unidade económica.


A referida atividade era prestada em várias instalações o que originou a existência de vários locais de trabalho para os trabalhadores da Apelante.


No caso da Autora, o seu local de trabalho era no Centro de Saúde de ..., que era uma das instalações da ARSA no distrito de ....


A partir de 01-01-2023 o serviço de limpeza deste Centro de Saúde deixou de ser realizado pela Apelante e passou a ser concretizado pelo Município de ... que, segundo se deduz da factualidade assente, dispunha de meios próprios para assegurar tal serviço.


Ora, no caso que nos ocupa, afigura-se-nos que o local de trabalho da Autora não se pode confundir com a unidade económica.


Até porque a Apelante continuou a manter o contrato de prestação de serviços com a “ARS ..., IP”, nos meses de janeiro e fevereiro de 2023, ainda que com alterações (diminuição das instalações onde eram prestados os serviços contratados).


Ou seja, o Cliente da Apelante manteve-se e a unidade económica também.


A unidade económica é uma realidade coesa, mesmo que sofra de um dinamismo interno de otimização dos meios em função da atividade produtiva.


Como tal, acompanhamos o entendimento do tribunal a quo de que o serviço de limpeza que era especificamente feito no Centro de Saúde de..., por si só, atendendo aos elementos apurados, não constituía uma unidade económica.


Aliás, realça-se a seguinte declaração constante da sentença recorrida:


«Está em causa, sim, a inexistência de qualquer transmissão da unidade económica por se considerar que a mesma não se pode resumir à autora (cairíamos na situação caricata de existência de tantas unidades económicas quantos edifícios e equipamentos integrados no denominado Lote 3, correspondendo cada unidade económica a um trabalhador e respetivos utensílios).»


Por conseguinte, não se verifica, desde logo, um dos pressupostos essenciais previstos no artigo 285.º do Código do Trabalho: a existência de uma unidade económica.


Em suma, a pretensa existência de uma transmissão de unidade económica claudica ab initio.


Mas mesmo que se entendesse que, afinal, existia uma unidade económica, ainda assim, não era possível, no caso concreto, concluir que ocorreu uma transmissão da mesma para o Município.


E isto porque desconhecemos totalmente se a “unidade económica” se manteve com o Município.


Expliquemos melhor.


Para que a unidade económica tivesse sido transmitida era necessário que a mesma se mantivesse com a sua identidade e autonomia próprias após 01-01-2023 (data em que o Município passou a ser o responsável pela limpeza do Centro de Saúde de ...).


Atente-se ao que é referido no Acórdão de 05-11-2008 (Proc. n.º 08S1332), consultável em www.dgsi.pt,


«I – A “transmissão” de estabelecimento contemplada no artigo 318.º do Código do Trabalho, é a transferência de uma unidade económica que mantém a sua identidade, entendida esta como um conjunto de meios organizado com o objetivo de prosseguir uma atividade económica, essencial ou acessória.


II – Tratando-se de uma atividade que assenta essencialmente na mão-de-obra – como é o caso da atividade de prestação de serviços de limpeza –, o fator determinante para se considerar a existência da mesma unidade económica é saber se houve manutenção do pessoal ou do essencial deste, na medida em que é esse complexo humano organizado que confere individualidade à empresa, e não tanto se se transmitiram, ou não, ativos corpóreos.


III – Constituem indícios da manutenção da “unidade económica” a transmissão de parte significativa dos efetivos da empresa, a natureza claramente similar da atividade prosseguida antes e depois da transmissão e a continuidade dessa atividade.»3


Sucede que, no caso dos autos, desconhece-se em que moldes passou a ser realizada, a partir de 01-01-2023, a atividade de limpeza do Centro de Saúde, pelo Município.


De seguro apenas temos a manutenção da atividade de prestação de limpeza, o que não é suficiente para se concluir que se manteve a unidade económica depois da referida data - cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 08-03-2023 (Proc. n.º 2442/20.6T8PRT.P1.S2) e de 29-03-2023 (Proc. n.º 1340/21.0T8PNF.P1.S2), in www.dgsi.pt.


Concluindo, não poderia ter ocorrido a transmissão da posição do empregador para o Município, ao abrigo do artigo 285.º do Código do Trabalho.


Bem decidiu, pois, o tribunal a quo ao declarar:


« Concluindo-se pela inexistência de transmissão do contrato de trabalho da autora para o Município de ... a comunicação enviada pela ré à autora não pode deixar de configurar um despedimento ilícito porque não foi precedido de processo disciplinar, consubstanciando-se numa decisão unilateral da ré no sentido da cessação do contrato de trabalho celebrado com a autora.


O despedimento é uma forma de cessação do contrato e traduz-se numa declaração de vontade negocial emitida pelo empregador dirigida ao trabalhador, comunicando-lhe a cessação do vínculo laboral. É estruturalmente um ato unilateral, integrado por uma declaração de vontade recetícia, cuja eficácia depende da sua receção pelo destinatário, nos termos do art.º 224, do Código Civil, pelo que o efeito extintivo do contrato só se verifica depois de a declaração ser recebida pelo trabalhador ou de ser dele conhecida, sendo irrevogável, salvo declaração em contrário, desde esse momento (artigo 230.º, n.º 1, do Código Civil).


No caso dos autos, é inequívoco que a autora foi, pela ré, despedida em 4 de janeiro de 2023, porquanto a declaração de vontade emita pela ré é clara e expressa no sentido de pôr termo ao contrato de trabalho e, sendo uma declaração recetícia, foi pela autora recebida e entendida nesses exatos termos. Daqui decorre que o despedimento, ainda que com a justificação, sem fundamento legal, de que o contrato de trabalho em execução com a autora se havia transmitido para o Município de ..., produz efeitos, causando a extinção dos contratos de trabalho celebrados com a autora.


Nesta conformidade, atuando a ré nos moldes que resultaram provados, procedeu ao despedimento da autora que, sendo ilícito nos termos do artigo 381.º, nº 1, al. c), do C. T. por não ter sido precedido do respetivo procedimento disciplinar, acarreta as consequências previstas nos artigos 389.º e ss. do mesmo diploma legal.»


Resta-nos, pois, confirmar que o despedimento ilícito da Autora foi promovido pela Apelante e não pelo Município, que jamais assumiu a posição de empregador da Autora.


Por consequência, improcedem as terceira e quarta questões suscitadas no recurso.


-


Concluindo, o recurso improcede na totalidade.


As custas do recurso serão suportadas pela Apelante – cf. artigo 527.º do Código de Processo Civil.


*


VII. Decisão


Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.


Custas do recurso a suportar pela Apelante.


Notifique.


-------------------------------------------------------------------------------





Évora, 13 de fevereiro de 2025


Paula do Paço


Mário Branco Coelho


João Luís Nunes

_________________________________

1. Relatora: Paula do Paço; 1.º Adjunto: Mário Branco Coelho; 2.º Adjunto: João Luís Nunes↩︎

2. Ainda que as conclusões do recurso não se possam considerar exemplares, no sentido de efetuarem uma verdadeira síntese dos fundamentos da impugnação da decisão recorrida, como é exigido pelo artigo 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável ao processo laboral, a ora relatora, na apreciação liminar do recurso, entendeu que é possível extrair das mesmas as “verdadeiras questões” que fundamentam o recurso, separando-as do que é supérfluo e, como tal, inócuo. Aliás, nas contra-alegações as “verdadeiras questões” foram devidamente identificadas e refutadas, o que demonstra que as mesmas se revelaram inteligíveis e viabilizaram o contraditório. Por conseguinte, a relatora manteve o recurso, valorizando a justiça material em detrimento de uma justiça meramente formal.↩︎

3. Embora este aresto se reposte ao artigo 318.º do anterior Código do Trabalho, o mesmo corresponde ao artigo 285.º do atual código.↩︎