ACIDENTE DE TRABALHO
PREDISPOSIÇÃO PATOLÓGICA
INCAPACIDADE PERMANENTE PARCIAL
Sumário

Sumário elaborado pelo relator (artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil)
I – Face ao disposto no n.º 1 do artigo 11.º da LAT, a predisposição patológica do sinistrado não exclui o direito à reparação desde que se tenha verificado um acidente de trabalho.

II – Para efeitos da LAT o que releva é a existência de uma causa próxima que desencadeia lesões e sequelas, traduzida num acidente de trabalho, sendo para tanto indiferente a predisposição patológica do sinistrado, salvo se esta tiver sido ocultada.

III – Em tal situação, a incapacidade deve avaliar-se como se tudo resultou do acidente.
IV – Não obstante no auto de junta médica a maioria dos peritos ter considerado que o sinistrado se encontra curado sem desvalorização, é de concluir que o mesmo se encontra afetado de uma IPP de 8% – tal como sustentado pelo perito médico indicado pelo sinistrado e interveniente nessa junta médica –, no circunstancialismo em que se apura que em razão do acidente sofreu lombalgia de esforço, agravada por patologia degenerativa, ficando a padecer de raquialgia (dor) residual, sendo certo que só após o acidente teve que recorrer ao Centro de Saúde por vários episódios de “Síndrome da coluna com irradiação de dor”.

Texto Integral

Proc. n.º 2970/21.6T8FAR.E1

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora1:


I. Relatório


Os presentes autos de ação especial emergente de acidente de trabalho, em que é sinistrado AA e entidade responsável Companhia de Seguros Mapfre, S.A., tiveram a sua origem no acidente ocorrido em dia 25 de maio de 2021, quando o sinistrado prestava o seu trabalho no âmbito da organização e autoridade de Civilsul, Construtora do Sul, Lda., a qual tinha a sua responsabilidade infortunística laboral transferida para a identificada Companhia de Seguros.


Na fase conciliatória do processo procedeu-se a exame médico, tendo o exmo. perito considerado o sinistrado curado sem desvalorização.


O sinistrado não se conformou, tendo requerido a realização de exame por junta médica.


No prosseguimento dos autos, veio a proceder-se, no que ora importa, à realização de junta médica e foi proferida sentença, cuja parte decisória é do seguinte teor:


«a) declaro que AA, no dia 25 de maio de 2021, sofreu acidente de trabalho ;


b) em consequência do qual sofreu:


1. incapacidade temporária absoluta entre 26 de maio de 2021 e 11 de Novembro de 2022;


2. ficando afetado, após a alta ocorrida a 11 de Novembro de 2022, de incapacidade permanente parcial de 8%.


b) consequentemente, condeno a Companhia de Seguros Mapfre, S.A.. a pagar-lhe:


1. a título de indemnização por incapacidade temporária absoluta a quantia de €15 092,26 (quinze mil e noventa e dois euros e vinte e seis cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data do vencimento e até efetivo e integral pagamento;


2. o capital de remição calculado em função de uma pensão anual e vitalícia de €1048, 20 (mil e quarenta e oito euros e vinte cêntimos), devida desde 12 de Novembro de 2022, acrescida dos juros de mora legais, atualmente à taxa de 4%, desde tal data e até efetivo e integral pagamento.


3. a quantia de €32,80 ( trinta e dois euros e oitenta cêntimos), acrescida de juros de mora legais, atualmente à taxa de 4%, desde 10 de maio de 2023 e até efetivo e integral pagamento


(…)».


Inconformada com o assim decidido, a seguradora interpôs recurso para este tribunal, tendo a terminar as alegações apresentado as seguintes conclusões:


«1ª A extensa documentação clinica, os exames, as juntas realizadas, o teor dos esclarecimentos proferidos, tudo a fls.. dos autos, que consideram não estar o sinistrado afetado por IPP, não sustentam a mui douta decisão proferida pelo douto Tribunal “ a quo “.


2ª Por serem conhecimentos de índole técnica devia o Tribunal “ a quo” ter seguido o parecer maioritário da junta que, esse sim está sustentado, por sua vez, em exames imagiológicos.


3ª Uma dor não é uma lesão, é uma manifestação de uma lesão ou doença, no caso dos autos, a manifestação da dor de uma doença natural, já que, o A nada teve de natureza traumática (à semelhança da anca que foi afastada) sendo este mais um ponto a considerar na argumentação jurídica do presente caso.


4ª A lombalgia de esforço está tratada e portanto, não se já não havia lesão, também não há sequela permanente.


5ª Encontra-se violado o disposto no artº 11º, nº 2 da LAT, o que se alega para todos os devidos e legais efeitos».


Contra-alegou o recorrido, a pugnar pela improcedência do recurso, assim concluindo:


«1. A douta sentença recorrida não merece qualquer censura, não violou qualquer disposição legal e está correta e muito bem fundamentada.


2. É um facto que os peritos médicos em representação do Tribunal e da Entidade Responsável concluíram, através da documentação junta aos autos, que as queixas do A. não são imputáveis ao acidente, mas sim a alterações degenerativas de que o A. padece.


3. Porém, perito médico em representação do sinistrado é defendido que “(…) apesar de o sinistrado ter algumas alterações degenerativas, as lesões principais e que foram sublinhadas pelo Colega Ortopedia, são na TAC de 11/6/2021 – espondilolistesis de L5-S1, ou seja o desvio de uma vértebra em relação á seguinte, estão desalinhadas e a lesão na da RMN de 24/9/2021 – lise ístmica de L5 bilateral, podem ser atribuídas à entorse sofrida pelo sinistrado. É importante dizer que até à data do acidente, não há no Centro de Saúde, qualquer registo de dor lombar sendo a primeira ida ao Centro de Saúde com queixas em 23 de junho de 2021; (…)


As descrições já referidas na TAC lombar de 11/6/2021 e na RMN de 24/9/2021, podem como já referi ter a sua causa no acidente sofrido, as dores referidas e principalmente a lombocitalgia direita é referida pelo sinistrado ao longo de todo o processo e em todas as consultas que realizou. A lombalgia esquerda acreditamos ser fruto da compensação em esforço a que o doente vem a ser sujeito.


Acrescento ainda que fiz uma consulta sobre as causas de espondilolistesis e a origem traumática é uma das possíveis, como tinha noção, e em especial tratando-se de uma pessoa jovem como é o caso do sinistrado.”


4. É um facto, comprovado nos autos mediante o histórico clínico do Centro de Saúde, que o A. não apresentou qualquer queixa ao nível da região lombar até à data do acidente.


5. Admitindo-se um quadro de patologia pré-existente, a Lei contempla a possibilidade de lesão traumática numa zona onde existe já um quadro de patologia pré-existente.


6. E, nesse caso, a lei não exclui a imputação da eventual incapacidade ao acidente de trabalho.


7. Nessa situação, de pré-existência de patologia, agravada pelo acidente de trabalho (na medida em que antes não determinava qualquer limitação e, depois do acidente, passou a limitar a capacidade de ganho), o art. 11º, n.º 2, da LAT, determina que tudo deve ser avaliado como resultante do acidente de trabalho.


8. Ora, do exame objetivo realizado ao A. resulta, ao contrário do alegado pela recorrente, não só uma dor, como uma manifesta limitação das mobilidades e na capacidade de marcha.


9. O que é imputável às lesões sofridas decorrentes do sinistro e consequentes sequelas de ficou a padecer.


10. Não há, portanto, razões para divergir da douta decisão recorrida.


11. Pelo que o recurso da não tem qualquer fundamento e deve, por isso, ser indeferido.».


Admitido o recurso na 1.ª instância – como de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito devolutivo –, e subidos os autos a esta Relação, neles o Ministério Público emitiu douto parecer, que não foi objeto de resposta, no qual se pronunciou pela improcedência do recurso.


Elaborado projeto de acórdão, colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.


II. Objeto do recurso


Sabido como é que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, que aqui não se colocam (cfr. artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do novo Código de Processo Civil, ex vi do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho), no caso a única questão a decidir centra-se em saber se em consequência do acidente de trabalho o sinistrado/recorrido ficou afetado de incapacidade permanente parcial (IPP), mais concretamente de raquialgia residual, que lhe determinou a IPP de 8%.


III. Matéria de facto


Na 1.ª instância foi dada como provada a seguinte factualidade:


1. No dia 25 de maio de 2021, AA exercia funções de servente de pedreiro, por conta de Civilsul, Construtora do Sul, Lda.


2. Auferia a retribuição anual de € 665,00 x 14 meses, acrescida de € 129,80 x 11 meses relativo a subsídio de refeição e € 665,00 x 12 relativo a outras remunerações, num total de € 18.717,80/ano.


3. A entidade patronal tinha a responsabilidade infortunística transferida para a Companhia de Seguros Mapfre, S.A..


4. Aquando do exercício das suas funções e no dia referido em 1., AA, quando carregava sacos de cimento, sentiu um choque nas costas e perna direita.


5. Em consequência o sinistrado sofreu lombalgia de esforço, em resultado de agravamento de, em L3-L4 e L4-L5 abaulamento circunferencial do disco, lise ístmica bilateral em L5, sem compromisso radicular e canal vertebral tinha dimensão congénita no limite inferior da normalidade.


6. Em consequência o sinistrado esteve impedido de realizar a sua atividade profissional até 11 de novembro de 2022.


7. A consolidação médico-legal ocorreu em 11 de novembro de 2022, ficando o sinistrado, em consequência, com raquialgia residual, determinante de IPP de 8%.


8. A título de indemnização pelo período de incapacidade temporária absoluta, compreendido entre 31 de maio de 2021 e 29 de setembro do mesmo ano, a seguradora pagou-lhe € 379,45.


9. Em deslocações obrigatórias ao tribunal e realização de junta médica o sinistrado despendeu € 32,80.


10. No âmbito da sua atividade o sinistrado:


- efetua carregamento/descarregamento de camião ou carrinha com equipamentos e materiais (sacos de cimento, sacos de areia, tijolos, ferro, vigas de pré-esforçado, etc) no estaleiro e no local de obra e transporta materiais em obra;


- prepara massas diversas, consoante a superfície a revestir, procedendo à mistura dos componentes na betoneira (água, cimento, areia, brita, cal, etc), de acordo com as orientações recebidas, e utilizando pá;


- colabora na montagem e desmontagem de andaimes;


- participa na marcação e sinalização de alinhamentos em obra, segurando fita-métrica ou bate-linhas;


- executa alvenarias com blocos de cimento ou tijolo;


- molha o solo, no local de levantamento da alvenaria;


- posiciona os blocos de cimento ou os tijolos em fieiras;


- aplica uma camada de argamassa por cima de cada fieira, com colher de pedreiro;


- participa na execução de betonilhas de regularização e de acabamentos de pavimentos, alisando a massa com pente de pedreiro e compactando-a com cilindro vibratório;


- participa na execução de revestimentos de paredes e tetos, arremessando a massa para a parede ou teto, utilizando talocha e colher de pedreiro;


- procede ao alisamento e remoção de massa em excesso com régua de pedreiro;


- corta placas de PVC e mosaicos com rebarbadora, a fim de serem aplicados por outros profissionais;


- auxilia ou executa sob orientação estruturas de cofragens em madeira;


- corta a madeira à medida, utilizando rebarbadora;


- fixa os elementos de madeira com martelo e pregos;


- auxilia a posicionar a cofragem ou elementos da cofragem em lajes, placas, pilares, vigas, escadas e telhados;


- aplica parafusos e pregos para fixar os elementos da cofragem;


- despeja com balde massa para o interior da cofragem;


- colabora na distribuição uniforme e adequada do betão, utilizando vibrador;


- participa na desmontagem de painéis e estruturas em madeira, após o enchimento e secagem, utilizando arranca-pregos;


- executa tarefas de preparação de paredes interiores e exteriores para pintura, limpando paredes com vassoura para remover o pó;


- tapa buracos e remove irregularidades das superfícies, aplicando massa e lixando-a após secagem;


- aplica nas superfícies, previamente à pintura, uma ou várias camadas de primários;


- efetua, no estaleiro da empresa, armaduras para construção de pilares e de vigas de pequenas dimensões cortando os ferros à medida indicada pelo encarregado, com rebarbadora ou alicate;


- procede à ligação dos ferros com arame, segundo as distâncias indicadas, e utilizando instrumento adequado;


- efetua tarefas de arrumação e limpeza do estaleiro da empresa, procedendo à separação das paletes em que o material tinha vindo para o estaleiro, segundo o seu estado, tendo em vista a sua reutilização ou a colocação no lixo;


- varre piso do estaleiro.


11. O supra mencionado exige:


a) a adoção da postura ortostática e inclinada, posturas de cócoras e de joelhos, frequentes flexões frontais e torsões laterais do tronco, flexões, torsões e extensões do pescoço, assim como trabalhar com os braços estendidos em frente e acima do nível dos ombros;


b) deslocações em terreno irregular e ou com obstáculos, subidas e descidas da caixas da carrinha/ camião, de escadotes, cavaletes e andaimes em obra;


c) que o trabalhador levante, manuseie, transporte/desloque ou sustente pesos variados, podendo ascender a cerca de 25 kg (sacos de cimento, de areia e de cal, vigas de pré-forçado, e, ainda, componentes de andaimes, painéis de cofragem, baldes de massa, baldes de tinta, blocos de cimento, tijolos) ou superiores (por exemplo betoneira), com auxílio de outros trabalhadores;


d) agilidade física e coordenação motora, especificamente a coordenação motora mão- mão, braço-braço, ombro-braço-mão e dedos-mão, assim como coxa-perna-pé e pé-pé;


e) firmeza e força muscular ao nível dos membros superiores e do tronco e membros inferiores;


f) acuidade visual, ao perto e ao longe, bem como orientação corporal (capacidade para detetar a posição e o equilíbrio do corpo) aquando da execução de trabalhos em altura e em equilíbrio instável;


g) atenção distribuída e a capacidade de visualização espacial;


12. o sinistrado nasceu em ... de ... de 1989.


IV. O direito


Recorde-se que a decisão recorrida considerou o sinistrado afetado de uma IPP de 8%, no que merece o aplauso do recorrido, bem como do Ministério Público junto deste tribunal.


A recorrente discorda de tal conclusão, argumentando, ao fim e ao resto, que a documentação clínica junta aos autos denota que o sinistrado se encontra curado do acidente sem qualquer desvalorização e que a decisão recorrida violou o disposto no artigo 11.º, n.º 2 da LAT (Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro).


Vejamos.


Em sede de fundamentação, escreveu-se na decisão recorrida:


«(…) em sede de junta médica, os peritos do tribunal e da seguradora, por maioria, entenderam que, em consequência do evento, o sinistrado sofreu apenas lombalgia de esforço, em resultado de agravamento de patologia prévia ao nível da coluna vertebral, com cura médico legal em 13 de Outubro de 2021.


Diversamente o perito médico do sinistrado entendeu que o mesmo sofreu entorse da coluna lombar e, consequentemente, lombalgia bilateral e lombociatalgia direita, consolidadas em 11 de Novembro de 2022 por entender que o sinistrado após a alta da companhia de seguros ( em 13/10/2021) se manteve incapacitado tendo-lhe o médico de família atribuído baixa com reabilitação da qual teve alta naquela data.


Ora, compulsados os autos, junto aos mesmos encontra-se exame imagiológico realizado no dia 11 de junho de 2021 (vide fls. 8 vº), ou seja 17 dias depois do evento no qual consta que em L3-L4 e L4-L5 se verificava abaulamento circunferencial do disco e lise ístmica bilateral em L5, sem compromisso radicular; mais se verificava que o canal vertebral tinha dimensão congénita no limite inferior da normalidade.


Por outro lado, a fls. 8 dos autos, consta, também, exame imagiológico realizado em 24 de setembro de 2021, ou seja quatro meses depois do evento, constando do mesmo a constatação de lordose lombar, ligeira escoliose, bem assim as demais já evidenciadas no exame de 11 de junho de 2021.


Em consulta de neurocirurgia realizada em 08 de setembro do mesmo ano (vide fls. 9 vº) foi diagnosticada ao sinistrado lombalgia com irradiação para a anca e virilha direita e, no dia 29 de setembro do mesmo ano, também em consulta de neurocirurgia, foi dito que o mesmo não tinha dor radicular mas apenas lombalgia localizada na nádega direita.


No exame ortopédico realizado em 03 de Novembro de 2022 (vide fls. 59) o senhor perito conclui que no exame objetivo não se evidenciavam alterações neurológicas, apresentando subjetivos dolorosos da coluna lombo-sagrada.


(…)


Como decorre do disposto no art.11.º nº2 da lei 98/2009, 04 de setembro “Quando a lesão ou doença consecutiva ao acidente for agravada por lesão ou doença anterior, ou quando esta for agravada pelo acidente, a incapacidade avaliar-se-á como se tudo dele resultasse, a não ser que pela lesão ou doença anterior o sinistrado já esteja a receber pensão ou tenha recebido um capital de remição nos termos da presente lei.(…) . Ora, desde logo, o supra referido permite concluir ter existido, por força do evento, um agravamento de patologia prévia do sinistrado ao nível da coluna vertebral (…).


Assim se entendendo, resultando dos registos clínicos de fls. 8 vss que o sinistrado após a alta, em decorrência do “síndrome da coluna”, continuou com dores, afigura-se-nos verosímil o juízo do senhor perito do sinistrado ao referir que o mesmo ficou a padecer de raquialgia (dor) residual, determinante de IPP de 8% (…)».


Com vista à decisão, atente-se na sequência factual:


- O sinistrado sofreu o acidente em 25 de maio de 2021.


- Em 11 de junho seguinte é-lhe realizado um exame imagiológico do qual consta, entre o mais. (…) em l3-l4 verifica-se abaulamento circunferencial do disco que no canal ocupa o espaço epidural anterior e molda o saco tecal reduzindo o espaço útil para a emergência das raízes de L4. O disco prolonga-se à base dos buracos de conjugação diminuindo sobretudo à direita o espaço útil para a raiz emergente. no espaço l4-l5 observa-se abaulamento circunferencial do disco com ligeiro predomínio posterior obliterando a gordura epidural e moldando o saco tecal reduzindo o espaço útil para a emergência das raízes de L5. (...) Lise ístmica bilateral de L5 sem condicionar listesis na posição de estudo. Verifica-se abaulamento circunferencial do disco de L5-S1 e alterações degenerativas das articulações interapofisárias respetivas diminuindo ligeiramente a amplitude da vertente superior dos recessos laterais mas sem imagem de compromisso radicular. (...)".


- Em RM da coluna lombar realizada em 24 de setembro de 2021 consta: (…) "Acentuação da lordose lombar. Ligeira escoliose dextroconvexa. Sem desalinhamentos significativos (...) Não se identificam focos (...) que sugiram presença de edema ósseo ligamentar em contexto traumático recente.


Excluem-se hematomas endocanalares. Em L3-L4 observa-se procidência discal de base larga que provoca ligeira estenose dos buracos de conjugação e redução da amplitude endocanalar com potencial compromisso das raízes de L4 dos recessos laterais. (...) Artroses posteriores em L4-L5. Provável lise ístmica bilateral de L5. Não há lesões ósseas líticas ou blásticas. (...)".


- Do relatório da seguradora consta: "29-09-2021: (...) O sinistrado não tem dor radicular. Apenas lombalgia localizada à nadega direita. Portanto situação clínica sem indicação para cirurgia. Penso que as queixas não estejam relacionadas com a protusão L3-L4 mas com a restante patologia degenerativa. Sugiro que seja encarada a possibilidade de reinserção profissional”.


- O relatório ortopédico efetuado em 3 de novembro de 2022 refere que o sinistrado foi vítima de acidente de trabalho de que resultou sob o ponto de vista ortopédico “Traumatismo da coluna lombar” e que tem “Subjetivos dolorosos da coluna lombar (agravada com acidente)”


- No exame médico de avaliação de incapacidade, realizado no referido Gabinete Médico-Legal em 15 de dezembro de 2022, escreveu-se: “Os elementos disponíveis permitem admitir o nexo de causalidade entre o traumatismo e o dano atendendo a que: existe adequação entre a sede do traumatismo e a sede do dano corporal resultante, existe continuidade sintomatológica e adequação temporal entre o traumatismo e o dano corporal resultante, o tipo de lesões é adequado a uma etiologia traumática, o tipo de traumatismo é adequado a produzir este tipo de lesões e se exclui a existência de uma causa estranha relativamente ao traumatismo”.


- No mesmo exame fixou-se a incapacidade permanente parcial em 0,0000%.


- Em sede de tentativa de conciliação, o sinistrado não aceitou a incapacidade de 0%, ou seja, que se encontrasse curado sem desvalorização, e a seguradora reconheceu a existência e caracterização do acidente como de trabalho, divergindo do resultado do exame médico quanto a outros factos que aqui não relevam.


- A informação clínica do Centro de Saúde de Quarteira, iniciada em 23-06-2021, refere vários exames/episódios de “síndrome da coluna com irradiação de dor”.


- Em auto de junta médica, os peritos, por maioria (peritos do tribunal e da seguradora) consideraram, no que ora releva, que o sinistrado sofreu “lombalgia de esforço em indivíduo com patologia degenerativa da coluna lombar”, que “sofreu agravamento de patologia prévia ao nível da coluna lombar traduzido em lombalgia de esforço” e que do “evento não resultaram sequelas, uma vez que o processo agudo (lombalgia de esforço) foi tratado.


- Por sua vez, no mesmo auto de junta médica o perito do sinistrado fez constar, no essencial e no que ora releva, que o sinistrado sofreu “Lombalgia bilateral e ciatalgia direita, provocadas pela entorse da coluna lombar” e que a(s) sequela(s) é enquadrável no Capítulo I – 1.1.1 alínea b) da Tabela Nacional de Incapacidades (TNI), onde se prevê para raquialgia residual uma incapacidade a fixar entre 0.02 e 0,10.


Como resulta do disposto no artigo 99.º, n.º 1, do Código de Processo de Trabalho, o processo especial emergente de acidente de trabalho inicia-se por uma fase conciliatória dirigida pelo Ministério Público e tem por base a participação do acidente.


Encontrando-se o sinistrado afetado de incapacidade permanente, o Ministério Público designa data para exame médico, seguido de tentativa de conciliação (n.º 1, do artigo 101.º).


No caso, como se viu, no exame médico o sinistrado foi considerado curado sem desvalorização.


Subsequentemente realizou-se a tentativa de conciliação, tendo, no que aqui releva, o sinistrado discordado do resultado do exame médico, pelo que requereu que fosse submetido a exame por junta médica.


Assim, o processo transitou para a fase contenciosa, para fixar, além do mais, o grau de desvalorização funcional do sinistrado, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 138º do Código de Processo de Trabalho [cfr. artigo 117.º, n.º 1, alínea b)].


A decisão a proferir é então aquela a que se reporta o artigo 140.º, n. º1, do mesmo compêndio legal, o que significa que fixada a incapacidade, o juiz profere decisão de mérito, fixando a natureza, grau de desvalorização e o valor da causa.


E para proferir tal decisão o juiz serve-se da diversa prova obtida, designadamente da prova pericial.


Quanto a esta, estatui o artigo 139.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, que o exame por junta médica, constituída por três peritos, tem carácter urgente, é secreto e presidido pelo juiz.


É sabido que a prova pericial tem por fim a perceção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos que os julgadores não possuem, ou quando os factos relativos a pessoas não devam ser objeto de inspeção judicial, e a força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal (artigos 388.º e 389.º do Código Civil e 489.º do Código de Processo Civil).


Como assinala Antunes Varela (et alii, Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 1985, pág. 583), «[a]pesar de a resposta do perito assentar, por via de regra, em conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, é ao tribunal, de harmonia com o prudente critério dos juízes, que se reconhece o poder de decidir sobre a realidade do facto a que a perícia se refere. Parte-se do princípio de que aos juízes não é inacessível controlo do raciocínio que conduz o perito à formulação do seu lado e de que lhes é de igual modo possível optar por um dos laudos ou afastar-se mesmo de todos eles, no caso frequente de divergência entre os peritos».


E, ao contrário do que se encontra previsto no Código de Processo Civil – em que o juiz só assiste à perícia quando o considerar necessário (artigo 480.º, n.º 2) –, aqui o exame é secreto e presidido pelo juiz, o que significa que este, caso o considere necessário, não deixará de solicitar aos peritos os esclarecimentos que entender por convenientes, para ficar perfeitamente habilitado a decidir, concedendo-lhe até a lei a faculdade de formular quesitos (art.º 139.º, n.º 6, do Código de Processo do Trabalho) e determinar a realização de exames e pareceres complementares ou requisitar pareceres técnicos, se o considerar necessário (n.º 7, do mesmo artigo).


No caso em apreço, a exma. julgadora a quo, perante os vários elementos constantes dos autos, incluindo a informação clínica do Centro de Saúde onde o sinistrado foi/é acompanhado e a junta médica realizada, entendeu seguir a posição (minoritária) do perito médico indicado pelo sinistrado, e concluir que este se encontra afetado de uma IPP de 8%.


Adiante-se desde já que não vislumbramos fundamento para nos afastarmos do assim decidido.


Expliquemos porquê.


É incontroverso que no acidente de trabalho o sinistrado sofreu lombalgia de esforço.


E incontroverso se apresenta também que o sinistrado sofria, e sofre, de patologia degenerativa da coluna lombar.


Ora, decorre do disposto no artigo 11.º, n.º 1, da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro (LAT), que a predisposição patológica do sinistrado num acidente não exclui o direito à reparação integral, salvo quando tiver sido ocultada.


Como assinala Carlos Alegre (Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Regime Jurídico Anotado, 2.ª Edição, pág. 69; ensinamento no domínio de anterior legislação, mas que se mantém atual), «[a] predisposição patológica não é, em si, doença ou patogenia: é antes uma causa patente ou oculta que prepara o organismo para, num prazo mais ou menos longo e segundo graus de vária intensidade, poder vir a sofrer determinadas doenças. O acidente de trabalho funciona, nesta situação, como agente ou causa próxima desencadeadora da doença ou lesão.».


Ou seja, a predisposição patológica não exclui o direito à reparação desde que se tenha verificado um acidente de trabalho: assim, para efeitos da LAT o que releva é a existência de uma causa próxima que desencadeia lesões e sequelas, traduzida num acidente de trabalho, sendo para tanto indiferente a predisposição patológica do sinistrado.


A este propósito, e com referência ao artigo 11.º, escreveu-se de modo assertivo no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-09-2013 (Proc. n.º 118/10.1TTLMG.P1.S1): «(…) o número 1 ocupa-se da predisposição patológica que, como escreve José Augusto Cruz de Carvalho [], «…embora constitua um estado mórbido do individuo, não é o mesmo que uma doença. Consiste num estado doentio do organismo humano, produzido por uma anormalidade do metabolismo ou das funções de nutrição e que torna o individuo propenso para certas doenças ou para o agravamento de outras, sob a influência de uma causa ocasional – conhecida medicamente por diátese…».


(…)


Quer isto dizer que, no âmbito de aplicação da norma do número 1 do artigo 11º, encontram cabimento todas aquelas situações em que existe uma anomalia no organismo humano que torna o individuo propenso a doenças, lesões ou perturbações funcionais, sob a influência de uma causa fortuita, ocasional, adequada a desencadear tal efeito.


Condicionalismo em que, mesmo que a predisposição patológica haja sido a única causa da lesão, a responsabilidade pela reparação integral do acidente persiste, a não ser que tenha sido ocultada (…).


Por sua vez, o número 2 do referenciado artigo 11º da NLAT ocupa-se do tratamento de duas situações distintas que já nada têm a ver com a predisposição patológica da vitima mas, sim, com : i) a lesão ou a doença consecutiva ao acidente, agravada por lesão ou doença anterior ao acidente (primeiro segmento da norma); ii) o agravamento da lesão ou doença anterior ao acidente por via da lesão ou doença consecutiva a este (segundo segmento da norma).


Porém, quer numa quer noutra destas situações a incapacidade há-de avaliar-se como se tudo resultasse do acidente, salvo se, por causa da lesão ou doença anteriores, a vítima já estivesse a receber pensão vitalícia ou já tivesse recebido uma indemnização em capital (vulgo remição da pensão), cabendo, em tal caso, à entidade responsável pela reparação o ónus de alegar e comprovar que, pela doença ou lesão anteriores ao acidente, o sinistrado já aufere uma pensão ou já auferiu capital de remição».


Pois bem: no caso que nos ocupa está em causa o n.º 1 do artigo, pois sendo pacifico que o sinistrado sofreu um acidente de trabalho, para a reparação do mesmo é indiferente a predisposição patológica do sinistrado, devendo proceder-se à reparação integral do acidente.


A divergência da recorrente centra-se, pois, na verificação ou não de incapacidade do sinistrado em decorrência do acidente de trabalho.


Porém, tendo em razão do acidente o sinistrado sofrido lombalgia de esforço, que agravou a patologia de que que sofria ao nível da coluna lombar ou seja, a predisposição patológica – não se afigura consentâneo, face aos elementos constantes dos autos, que se possa considerar curado sem qualquer incapacidade.


Atente-se que não há nota nos autos que anteriormente ao acidente o sinistrado tivesse que recorrer ao Centro de Saúde da sua área por queixas relacionadas com a coluna lombar, ao contrário do que sucedeu após o acidente, com vários episódios de “Síndrome da coluna com irradiação de dor”.


Além disso, o próprio relatório ortopédico realizado em 3 de novembro de 2022 aponta para a existência de sequelas decorrentes do acidente de trabalho – agravadas por “patologia degenerativa e lesões não traumáticas ao mesmo nível” –, embora acabe por subsumir a situação a traumatismo assintomático da coluna vertebral (Cap. I n.º 1.1.1 a) da TNI).


Ora, neste enquadramento fáctico, afigura-se certeira a conclusão da 1.ª instância, quando afirma que «(…) em decorrência do “síndrome da coluna”, [o sinistrado] continuou com dores, afigura-se-nos verosímil o juízo do senhor perito do sinistrado ao referir que o mesmo ficou a padecer de raquialgia (dor) residual, determinante de IPP de 8% (…)».


Dito de outro modo: tendo o sinistrado sofrido acidente de trabalho, pelo qual tem direito a reparação, independentemente da predisposição patológica (n.º 1 do artigo 11.º da LAT), o quadro clínico que apresenta é compatível com raquialgia (dor) residual da coluna lombar, pelo que se inscreve no Cap. I, n.ºs 1.1.1 b) da TNI, com concreta IPP de 8%.


Por consequência, sem desdouro pela argumentação da recorrente, o recurso não pode proceder, sendo de confirmar a decisão recorrida, embora com fundamentação jurídica não totalmente coincidente (uma vez que, como se deixou afirmado a situação não se inscreve no n.º 2 do artigo 11.º da LAT, mas no seu n.º 1).


V. Decisão


Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.


Custas pela recorrente/seguradora, por ter ficado vencida (artigo 527.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).


Évora, 13 de fevereiro de 2025


João Luís Nunes (relator)


Emília Ramos Costa


Paula do Paço





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1. Relator: João Nunes; Adjuntas: (1) Emília Ramos Costa, (2) Paula do Paço.↩︎