SUSPENSÃO DE DESPEDIMENTO INDIVIDUAL
PROVIDÊNCIA CAUTELAR
PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
CADUCIDADE DA ACÇÃO DISCIPLINAR
COMPETÊNCIA DISCIPLINAR
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
NULIDADE DA SENTENÇA
Sumário

Sumário elaborado pela relatora (artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil):
I – Nos termos do art. 329.º, n.º 2, do Código do Trabalho, o prazo de 60 dias para a entidade empregadora dar início ao procedimento disciplinar, apenas se inicia, por um lado, quando é conhecido, em concreto, o trabalhador a quem se imputa determinada infração disciplinar; e, por outro, quando tal infração disciplinar e quem a cometeu chega ao conhecimento de quem efetivamente possui competência disciplinar na organização da entidade empregadora.
II – Inexiste nulidade da decisão por omissão de pronúncia, nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. d), do Código de Processo Civil, quando tenha sido proferida decisão sobre a questão colocada ao tribunal, independentemente da justeza ou suficiência dessa decisão, bem como da discordância da recorrente relativamente à mesma.

III – A suspensão de despedimento apenas é decretada se o tribunal, ponderadas todas as circunstâncias relevantes, concluir pela probabilidade séria de ilicitude do despedimento.

Texto Integral

Proc. n.º 1881/24.8T8FAR.E1

Secção Social do Tribunal da Relação de Évora1





Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:


I – Relatório


A requerente AA interpôs procedimento cautelar especificado de suspensão do despedimento contra a requerida “CCAM do Sotavento Algarvio – Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do Sotavento Algarvio, CRL”, solicitando, a final, que o presente procedimento cautelar seja julgado totalmente procedente por provado e, consequentemente, seja declarada a suspensão do seu despedimento.





Por despacho judicial proferido em 05-06-2024 foi determinada a correção do respetivo procedimento, deixando de ser comum e passando a procedimento cautelar de suspensão do despedimento; e, por despacho judicial proferido em 07-06-2024, foi determinada a apensação a estes autos da ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento igualmente interposta pela requerente contra a requerida.





A requerida apresentou oposição, solicitando, a final, a improcedência do presente procedimento, por não provado, absolvendo-se a requerida do pedido.





Realizada a audiência final, em 03-07-2024, foi tentada, sem sucesso, a conciliação das partes, tendo sido solicitado pela requerente o depoimento de parte, a prestar por D. BB, o que veio a ser indeferido, conforme despacho proferido em ata.


Após a realização da prova, foi proferida, em 21-07-2024, decisão final, com o seguinte teor decisório:

Em face do exposto, julgo improcedente a presente providência cautelar e, consequentemente, indefiro o pedido de suspensão do despedimento da requerente AA.

Custas pela Requerente.

Notifique e registe.




Inconformada com tal despacho, veio a requerente interpor recurso de Apelação, terminando as suas alegações com as conclusões que se seguem:

1. Por sentença datada de 21-07-2027 o tribunal “a quo” julgou improcedente a presente providência cautelar e, consequentemente, indeferiu o pedido de suspensão do despedimento da requerente.

2. A Requerente ora Recorrente não se conforma com a sentença de que ora se recorre.

3. Em sede de audiência final a Requerida ora Recorrente requereu o depoimento de parte, nos termos do artigo 452.º do Código de Processo Civil aplicado por analogia nos termos do artigo 1.º n.º 2 alínea a) do Código de Processo do Trabalho nomeadamente quanto ao ponto 6.º da Oposição relativamente ao ponto 9.º, 10.º, 11.º e também 12.º a prestar pelo Dr. BB que se encontrava presente no Tribunal.

4. O tribunal “a quo” indeferiu o requerido depoimento de parte, conforme despacho proferido em ata, tendo sido de imediato manifestada a intenção de interposição de recurso.

5. Andou mal o tribunal “a quo” ao indeferir o requerido depoimento de parte, o que viola o disposto nos artigos 453.º e 454.º ambos do Código de Processo Civil.

6. O depoimento de parte e a confissão são realidades jurídicas diferentes.

7. Quando a parte presta o seu depoimento não se visa exclusivamente a confissão.

8. Ao que acresce que a decisão recorrida é nula por manifesta violação do princípio do contraditório e da igualdade das partes.

9. Termos em que deverá ser declarada a nulidade da decisão de que ora recorre por violação do disposto no artigo 454.º do Código de Processo Civil e consequentemente deverá ser proferido outro despacho que admita o requerido depoimento de parte, ordenando-se a reabertura da audiência final para a produção de prova por depoimento de parte.

10. O tribunal “a quo” indeferiu a realização de perícia a elaborar por entidade externa à requerida, a todos os computadores existentes nas agências do Sotavento Algarvio a fim de se apurar a que horas os mesmos foram ligados, foram desligados e quais foram os acessos realizados por cada um dos funcionários bem como ao apuramento requerido quanto a todos os funcionários se realizam apenas as tarefas que estão na ordem do dia, na negativa deverão ser especificadas quais as tarefas realizadas para além das constantes na ordem do dia, por considerar que a mesma não se compadece com a urgência e prazos legais a respeitar na presente providência, podendo os factos em causa ser aferidos face os demais meios de prova documentais e testemunhais.

11. E indeferiu a junção aos autos das requeridas imagens das Câmaras de videovigilância na sala de back office onde a trabalhadora exerce as suas funções não iriam permitir a visualização dos acessos informáticos em causa nos autos com identificação da pessoa que os efectuou, por também entender que existe prova documental quanto aos mesmos.

12. O que em nosso entender viola o princípio do inquisitório e o disposto no artigo 411.º do Código de Processo Civil.

13. Termos em que deverá a sentença recorrida ser revogada por violação do disposto no artigo 411.º Código Processo Civil e bem assim do princípio do inquisitório.

14. Relativamente à caducidade do procedimento disciplinar o tribunal “a quo” decidiu que nesta sede que é meramente indiciária, não é possível concluir que a entidade com competência disciplinar ultrapassou os prazos legais supra referidos.

15. E como tal conclui que não se verifica a caducidade ou a prescrição do procedimento disciplinar.

16. Sucede que a denúncia terá sido apresentada a 11-05-2023.

17. Nessa sequência foi desencadeada uma investigação que se reporta ao período de 01 de Dezembro de 2022 a 15 de Maio de 2023.

18. Porém o presente processo disciplinar apenas teve início a 16-02-2024, volvidos que estavam mais de nove meses desde a alegada prática dos factos.

19. O procedimento disciplinar deve ser exercido, sob pena de caducidade, no prazo de 60 dias a partir do momento em que a entidade patronal ou o superior hierárquico com poder disciplinar tenha conhecimento da infração.

20. O que manifestamente não sucedeu in casu.

21. Assim como o inquérito não foi iniciado nos 30 dias seguintes à suspeita dos comportamentos irregulares.

22. Motivos pelos quais andou mal o tribunal “a quo” ao escusar-se de decidir acerca da caducidade ou da prescrição do procedimento disciplinar.

23. A sentença recorrida viola assim o disposto no n.º 2 do artigo 329.º do Código do Trabalho.

24. Termos em que deverá a sentença recorrida ser revogada e consequentemente deverá ser declarada a caducidade do presente processo disciplinar.

25. Sem prescindir, o tribunal “a quo” considera que no processo disciplinar em apreço não foram omitidas quaisquer diligências e que o mesmo não padece de qualquer irregularidade ou nulidade.

26. A ora recorrente não se conforma com a sentença de que ora se recorre porquanto é certo que ao presente processo disciplinar não foi atribuído algum número e/ou identificação.

27. A sentença recorrida viola assim o disposto no artigo 352.º do Código do Trabalho.

28. Termos em que deverá a sentença recorrida ser revogada e consequentemente deverá o procedimento disciplinar ser declarado inexistente ou caso assim não se entenda, o que apenas se admite por mera cautela de patrocínio, terá que ser declarada a nulidade do mesmo e o consequente arquivamento.

29. A ora Recorrente em sede do presente procedimento cautelar invocou a nulidade do relatório de averiguação, a violação do disposto no n.º 2 do artigo 353.º do Código do Trabalho (Do não envio da nota de culpa ao Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas), da violação do disposto no n.º 1 do artigo 353.º do Código do Trabalho, da violação do segredo de justiça, da perturbação da vida privada da trabalhadora-arguida e do incidente de suspeição da Sra. Instrutora do Processo Disciplinar.

30. Sucede que o tribunal “a quo” em sede da sentença proferida de que ora se recorre nada decidiu acerca dos peticionados pontos supra referenciados.

31. Assim, a sentença de que ora se recorre é totalmente omissa acerca a nulidade do relatório de averiguação, a violação do disposto no n.º 2 do artigo 353.º do Código do Trabalho (Do não envio da nota de culpa ao Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas), da violação do disposto no n.º 1 do artigo 353.º do Código do Trabalho, da violação do segredo de justiça, da perturbação da vida privada da trabalhadora-arguida e do incidente de suspeição da Sra. Instrutora do Processo Disciplinar.

32. Pelo que se conclui que estamos perante uma omissão de pronúncia, isto é o tribunal "a quo" deixou de decidir sobre as questões em apreço, o que consubstancia uma causa de nulidade da sentença recorrida e a mesma deverá ser revogada por omissão de pronúncia, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alíneas c) e d) do Código de Processo Civil.

33. Nesta perpectiva, não pode deixar de se concluir que a omissão em apreço é uma circunstância relevante no exame e decisão da causa, tanto mais que poderá prejudicar a impugnação da decisão e o cumprimento do ónus de alegação, bem como a reponderação eficaz da decisão.

34. Deste modo, com a omissão das formalidades referidas, previstas no artigo 607.º, n.º 4, do CPC, cometeu-se uma nulidade processual prevista no artigo 195.º, n.1, do CPC.

35. Termos em que deverá a sentença recorrida ser revogada nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alíneas c) e d) do Código de Processo Civil.

36. Sem prescindir e caso assim não se entenda, o que apenas se admite por mera cautela de patrocínio sempre se dirá que andou mal o tribunal “a quo” ao indeferir o pedido de suspensão do despedimento da Requerente ora Recorrente.

37. A sentença de que ora se recorre viola o disposto no artigo 39.º do Código de Processo de Trabalho.

38. Verificando-se in casu que estamos uma probabilidade séria da ilicitude do despedimento.

39. Andou mal o tribunal “a quo” ao considerar que não se verificam os requisitos para decretar presente procedimento cautelar.

40. Sendo certo que a providência cautelar de suspensão do despedimento basta-se com a verificação dos requisitos previstos no artigo 39.º, n.º 1, do Código Processo Trabalho, os quais se verificam no presente caso concreto.

41. Termos em que e face ao supra exposto deverá a sentença recorrida ser violada por violação do disposto no artigo 39.º do Código de Processo de Trabalho e consequentemente deverá ser deferida a suspensão do despedimento da Requerente ora Recorrente.

Nestes termos e nos melhores de direito deverá o presente recurso de apelação ser julgado procedente por provado e em consequência deverá a sentença recorrida ser revogada e consequentemente deverá ser decretada a providência cautelar, deferindo-se a suspensão do despedimento, com o que se fará Justiça!




A requerida veio apresentar contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso e consequente manutenção da decisão recorrida.





O tribunal de 1.ª instância admitiu o recurso como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo, e pronunciou-se relativamente às invocadas nulidades da decisão final no sentido da sua inexistência.


Já neste Tribunal da Relação, foi dado cumprimento ao disposto no n.º 3 do artigo 87.º do Código de Processo do Trabalho, tendo a Exma. Sra. Procuradora-Geral Adjunta emitido parecer, no qual pugnou pela improcedência do recurso.


Apenas a requerida veio responder a tal parecer, fazendo constar, em tal resposta, a sua concordância com o mesmo.


A ora relatora, após notificação das partes, rejeitou, por intempestividade, nos termos do despacho judicial proferido em 04-02-2025, o recurso relativo ao despacho judicial proferido, em ata, em 03-07-2024, prosseguindo os autos apenas quanto ao recurso interposto pela recorrente relativamente à decisão final proferida em 21-07-2024, mantendo-se, quanto a este, a admissão do recurso nos seus precisos termos.


Após terem os autos ido aos vistos legais, cumpre agora apreciar e decidir.





II – Objeto do Recurso


Nos termos dos arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo de Trabalho, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da recorrente, ressalvada a matéria de conhecimento oficioso (art. 662.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).


No caso em apreço, as questões que importa decidir são:2


1) Errada rejeição de meios de prova;


2) Caducidade do procedimento disciplinar;


3) Nulidade da decisão final;


4) Inexistência ou nulidade do processo disciplinar; e


5) Errada apreciação da causa.





III – Matéria de Facto


O tribunal da 1.ª instância deu como indiciariamente provados os seguintes factos:

A) A requerente iniciou o seu trabalho ao serviço da Requerida em 06-06-1990, com a categoria profissional de bancária, desempenhando atualmente as funções de validação de contas;

B) A Requerida dedica-se ao exercício da atividade bancária;

C) A requerida recebeu o email subscrito em 11 de Maio de 2023 por CC, cliente da requerida, email que se encontra a folhas 16 e 17 do processo disciplinar, sem haver no texto deste identificação de pessoa suspeita.

D) O cliente CC autorizou a utilização do referido email para efeitos deste processo, como consta do auto das suas declarações a folhas 13 a 15 verso do processo disciplinar.

E) Destas declarações resulta claramente a explicação dos fatos que motivaram a perceção de intrusão na sua conta bancária por parte de CC, e ainda a relação que existe entre este e a trabalhadora arguida e delas decorre ainda que não é possível que a trabalhadora não saiba quem é ou desconheça a identidade de CC ou não faça a ligação entre o nome e a pessoa do mesmo, pois é a avó materna do filho deste e conviveram largamente.

F) A requerida, em 17 de Maio de 2023, solicitou auditoria aos serviços de auditoria da Caixa Central do Crédito Agrícola Mútuo, CRL, a qual tem poderes de supervisão sobre a ora requerida;

G) O objeto da auditoria era detetar se tinha havido acesso indevido à conta do cliente CC por parte de colaboradores da ora requerida;

H) O relatório da direção de auditoria, com o respetivo anexo, que atribui os acessos indevidos à ora requerente tem data de 14 de Fevereiro de 2024 e chegou ao conhecimento da requerida nesse dia;

I) Em 15 de Fevereiro de 2024, o Conselho de Administração da requerida deliberou intentar procedimento disciplinar contra a ora requerente, com intenção de despedimento, com suspensão preventiva de funções e ainda para realização de diligências previamente à dedução da nota de culpa, tendo designado instrutor para o referido processo;

J) Em 16 de Fevereiro de 2024, a arguida foi notificada da suspensão preventiva de funções;

K) Foi tomado o depoimento do cliente CC;

L) Em 4 de Março de 2024 foi expedida a notificação com a nota de culpa, que foi enviada por correio, registada com aviso de receção, as quais foram subscritas pelos três administradores executivos da requerida;

M) A requerente apresentou defesa por email de 22 de Março de 2024), e por correio, recebido pela instrutora em 25 de Março de 2024;

N) Foi convidada a aperfeiçoar o rol de testemunhas, por o rol exceder o limite admissível e não indicar os pontos da nota de culpa a que cada testemunha devia responder, devendo respeitar o número de três a cada fato;

O) Respondeu ao convite, por email, recebido em 2 de Abril de 2024, e por carta, recebida em 5 de Abril de 2024;

P) A audição das testemunhas indicadas pela arguida foi recusada, e foi comunicada à advogada da requerente;

Q) Foi decidido pela instrutora inquirir pessoas, cuja identidade teve que determinar em função de terem o melhor conhecimento e razão de ciência sobre as funções desempenhadas pela arguida e modo como as desempenhava, e configuração do gabinete e do local da fotocopiadora, e a arguida foi convidada a formular questões sobre o tema, para serem colocadas a essas pessoas, por carta e email em 17 de Abril de 2024;

R) Por email de 24 de Abril de 2024, a arguida respondeu a esse convite e por correio recebido no escritório da instrutora em ..., no dia 30 de Abril de 2024;

S) A inquirição das três testemunhas, feita por determinação da instrutora, na sequência da defesa apresentada, ocorreu em 30 de Abril de 2024, as duas primeiras e a última em 6 de Maio de 2024, e esta não antes por só neste dia ter regressado de férias;

T) A decisão disciplinar foi notificada à arguida e à sua advogada por cartas expedidas em 24 de Maio de 2024, que ambas receberam em 28 de Maio de 2024, decisão disciplinar e notificações subscritas pelos administradores da requerida, com referência ao incidente de recusa de instrutora;

U) O relatório de averiguações dá a conhecer que a auditoria detetou acessos à conta de CC, feitos pela ora requerente, sem qualquer necessidade desses acessos para desempenhar as funções que lhe cabiam nas tarefas de validação de contas, nos períodos de Janeiro de 2023 a Abril de 2023;

V) Foi determinado pela instrutora do processo que nenhuma das testemunhas arroladas pela arguida aos pontos da defesa que por si enumerados, seria inquirida por estarem indicadas para defender/sustentar invocadas invalidades do processo disciplinar e sobre temas que não são objeto da nota de culpa, nem da defesa, em resposta aos temas da nota de culpa, tais como assédio sexual, burnout, agressão psicológica, se tratar de pessoas ou sem qualquer ligação à relação de trabalho de trabalhadora e empregadora ou trabalhadores ou antigos administradores da empregadora sem qualquer possibilidade de terem ciência do tema da nota de culpa;

W) A instrutora do processo determinou o depoimento de três trabalhadores da empregadora ligados ao gabinete da validação, onde a ora requerente desempenhava ultimamente as suas funções, e onde as desempenhava especificamente no período visado pela auditoria, tendo a audição destas três pessoas respondido a perguntas sugeridas pela defesa da arguida;

X) A requerente nunca foi delegada sindical;

Y) O trabalho da requerente na validação de contas faz-se apenas através de uma aplicação informática, abreviadamente designada por EDOC;

Z) Os colegas das agências/balcões ou com autorização para abertura de contas e para atualização de dados de contas e de clientes, introduzem na aplicação EDOC os documentos sujeitos a validação, tarefa de validação que nunca está atribuída a estes, os quais nunca solicitam aos trabalhadores da validação que acedam à conta e dados de clientes para lhes fornecerem informações por esse acesso adquiridas;

AA) Os trabalhadores da validação, tal como a requerente, acedem à mesma aplicação EDOC para recolher tais pedidos de validação e proceder à validação dos documentos submetidos, consistindo a validação na verificação da conformidade dos documentos e dados necessários para abertura e atualização de contas e dados de clientes com a lei;

BB) A requerente, tal como outro trabalhador com tarefas na validação de documentos, não recebem “ordem do dia” de qualquer superior hierárquico sobre o que têm a fazer no dia de trabalho;

CC) O que a requerente tinha que fazer era, através do computador que a empregadora lhe atribuiu, entrar ou ligar-se à aplicação EDOC, ir “picando” os processos pendentes de validação na referida aplicação e depois devolvê-los, pela dita aplicação, tratados (por estarem os documentos conformes ou por não estarem/estarem incompletos);

DD) O trabalhador da validação, para aceder ao seu posto de trabalho, tem que ligar o computador que lhe está atribuído pelo empregador e tem que introduzir a sua palavra-passe, que só ele deve conhecer, e que deve bloquear o computador se se afastar do mesmo, por razões de segurança, além do que o mesmo bloqueia automaticamente se estiver sem utilização durante cerca de um minuto;

EE) O trabalhador com tarefa de validação de documentos, para o fazer, pode ter que aceder à conta e dados do cliente, a que respeitam os documentos a validar, para realizar tal tarefa, mas só para completar tal tarefa e pelo tempo estritamente necessário (através do sistema PROFILE, que corresponde à base de dados dos clientes da empregadora);

FF) Relativamente ao cliente CC, foram submetidos pedidos de validação de documentos em Abril de 2017 (abertura de conta), em Outubro de 2020 (atualização de documento de identificação) e em Setembro de 20093 (por engano);

GG) Nestas datas, a requerente não desempenhava funções no gabinete de validação;

HH) No período investigado pela auditoria e constante da nota de culpa, as funções da requerente não careciam que ela acedesse ao sistema PROFILE, como fez, e pelas vezes e duração de cada acesso;

II) A secretária onde a arguida tem o seu computador encontra-se de um dos lados de uma parede de vidro do respetivo gabinete, e encostada a esta, do lado de fora do gabinete, encontra-se a fotocopiadora;

JJ) Se algum colega da requerente pudesse utilizar o computador desta enquanto ela estava na fotocopiadora tal seria visível pelos outros colegas dos gabinetes vizinhos, do jurídico e da contratação, todos separados uns dos outros por finas paredes de vidro transparente;

KK) O computador da requerente, tal como os dos seus colegas, bloqueia ao fim de cerca de um minuto de atividade;

LL) A requerente, tem obrigação de bloquear o acesso ao mesmo sempre que se afasta desse equipamento por razões de segurança;

MM) As informações com origem nos acessos efectuados pela requerente à conta CC foram ao conhecimento da filha da requerente e, por via desta, ao próprio cliente CC, o que originou a reclamação através do email acima citado;

NN) A Requerente encontra-se sindicalizada junto do Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas desde 25/09/1990;

OO) A Requerente esteve de baixa médica desde o mês de Maio de 2023 até ao dia 29 de Janeiro de 2023,4 tendo regressado ao trabalho no dia 30 de Janeiro de 20235;

PP) A Requerente foi inquirida em “reunião Via Teams”, a qual foi realizada no dia 31-01-20236 pelas 9H00), tendo sido conduzida segundo o referido e-mail pelo Sr. DD e Sr. EE da DA;




E deu indiciariamente como não provados os seguintes factos:

A) A requerente sofre de Burnout motivado pelo stress laboral a que esteve sujeita, bem como pelo assédio sexual do qual foi vítima pelos Srs. FF e GG à semelhança do que sucedeu com outras colegas.




IV – Enquadramento jurídico


1 – Errada rejeição de meios de prova


Entende a recorrente que o tribunal a quo errou ao indeferir a realização de perícia a elaborar por entidade externa à requerida, a todos os computadores existentes nas agências do Sotavento Algarvio, a fim de se apurar a que horas os mesmos foram ligados, foram desligados e quais foram os acessos realizados por cada um dos funcionários, bem como a fim de se apurar, quanto a todos os funcionários, se os mesmos realizam apenas as tarefas que estão na ordem do dia, e, na negativa, quais são as tarefas realizadas para além das constantes na ordem do dia, tendo fundamentado tal indeferimento por entender que se trata de uma diligência que não se compadece com a urgência e prazos legais a respeitar na providência cautelar, podendo os factos em causa ser aferidos face os demais meios de prova documentais e testemunhais.


Entende igualmente que o tribunal a quo errou ao indeferir a junção aos autos das imagens das câmaras de videovigilância na sala de back office onde a recorrente exerce as suas funções, tendo fundamentado tal indeferimento por entender que tais imagens não iriam permitir a visualização dos acessos informáticos que estão em causa nos autos, nem a identificação da pessoa que os efetuou, considerando existir prova documental nos autos sobre estes factos.


Considera a recorrente que o tribunal a quo, ao decidir nestes termos, violou o princípio do inquisitório previsto no art. 411.º do Código de Processo Civil.


Apreciemos.


O tribunal a quo indeferiu as mencionadas diligências nos seguintes termos:

Não se procede a realização de perícia, a elaborar por entidade externa à requerida, a todos os computadores existentes nas agências do Sotavento Algarvio a fim de se apurar a que horas os mesmos foram ligados, foram desligados e quais foram os acessos realizados por cada um dos funcionários bem como ao apuramento requerido quanto a todos os funcionários se realizam apenas as tarefas que estão na ordem do dia, na negativa deverão ser especificadas quais as tarefas realizadas para além das constantes na ordem do dia, por se entender que a mesma não se compadece com a urgência e prazos legais a respeitar na presente providência, podendo os factos em causa ser aferidos face os demais meios de prova documentais e testemunhais.

Também as imagens das Câmaras de videovigilância na sala de back office onde a trabalhadora exerce as suas funções não iriam permitir a visualização dos acessos informáticos em causa nos autos com identificação da pessoa que os efectuou, existindo prova documental quanto aos mesmos, razão pelo que não se determina a sua junção.

Notifique.

Relativamente à primeira diligência, efetivamente “os procedimentos cautelares constituem mecanismos jurisdicionalizados, expeditos e eficazes, que permitem assegurar os resultados práticos da ação, evitar prejuízos graves ou antecipar a realização do direito (instrumentalidade hipotética), de forma a obter, na medida do possível, a conciliação dos interesses da celeridade e da segurança jurídica”7.


Deste modo, até porque no procedimento cautelar apenas se apuram indícios e não certezas, a que acresce a sua natureza expedita, não se compadece tal procedimento com a necessariamente bastante demorada perícia requerida pela requerente. Atente-se que a recorrente pretende que seja realiza perícia a todos os computadores existentes nas agências do Sotavento Algarvio, ou seja, não é sequer só ao seu computador, nem é só aos computadores do local onde trabalha.


Diga-se, ainda, que, quanto ao pedido de perícia a todos os computadores existentes nas agências do Sotavento Algarvio, a fim de se apurar, quanto a todos os funcionários, se os mesmos realizam apenas as tarefas que estão na ordem do dia, e, na negativa, quais são as tarefas realizadas para além das constantes na ordem do dia, não se vislumbra sequer qualquer relevância para aquilo que está em apreciação, até porque, nos termos dos factos indiciariamente provados, consta do facto BB) que a recorrente não recebia “ordem do dia”.


E quanto ao pedido de perícia a todos os computadores existentes nas agências do Sotavento Algarvio, a fim de se apurar a que horas os mesmos foram ligados, foram desligados e quais foram os acessos realizados por cada um dos funcionários, pretendendo eventualmente com tal perícia fazer prova do que alegou no art. 112.º do seu requerimento inicial,8 importa acentuar que na auditoria realizada já constam os acessos efetuados à conta de CC.


Importa ainda salientar que apenas se verifica uma situação de violação do princípio do inquisitório, previsto no art. 411.º do Código de Processo Civil, quando as diligências se revelem necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, o que, no caso, não se verifica.


Assim, e quanto a esta diligência, é de manter o despacho recorrido.


Relativamente à segunda diligência, para além do que consta do despacho recorrido, sempre se dirá que a recorrente não afirma sequer, em qualquer parte do seu requerimento inicial, não ter sido ela quem procedeu a tais acessos à conta de CC, tendo apenas alegado que se desconhece “até se outro colega não terá acedido ao seu computador”9. Ora, tratando-se de factos pessoais, a recorrente tem obrigatoriamente de saber se os praticou ou não.


E, a ser assim, é também evidente a irrelevância na realização desta diligência de prova, pelo que o seu indeferimento não importa a violação do invocado princípio do contraditório.


Pelo exposto, improcede, nesta parte, a pretensão da recorrente, mantendo-se na íntegra o despacho recorrido.


2 – Caducidade do procedimento disciplinar


Considera a recorrente que, tendo a denúncia sido apresentada em 11-05-2023, e a investigação que se desencadeou a seguir versado sobre o período temporal de 01-12-2022 e 15-05-2023, quando o processo disciplinar se iniciou em 16-02-2024, já tinham decorrido mais de nove meses desde a alegada prática dos factos, pelo que o prazo legal para que se inicie o procedimento disciplinar, que é de 60 dias a partir do momento em que a entidade patronal ou o superior hierárquico com poder disciplinar tenha conhecimento da infração, já se mostrava ultrapassado.


Considera ainda a recorrente que o inquérito não foi iniciado nos 30 dias seguintes à suspeita de comportamentos irregulares.


Conclui, por isso, que a decisão final recorrida violou o disposto no art. 329.º, n.º 2, do Código do Trabalho, pelo que deve ser revogada, devendo, em consequência, ser declarada a caducidade do processo disciplinar.


Decidamos.


Dispõe o art. 329.º, nºs. 1 e 2, do Código do Trabalho, que:

1 - O direito de exercer o poder disciplinar prescreve um ano após a prática da infracção, ou no prazo de prescrição da lei penal se o facto constituir igualmente crime.

2 - O procedimento disciplinar deve iniciar-se nos 60 dias subsequentes àquele em que o empregador, ou o superior hierárquico com competência disciplinar, teve conhecimento da infracção.

Dispõe ainda o art. 352.º do Código do Trabalho, que:

Caso o procedimento prévio de inquérito seja necessário para fundamentar a nota de culpa, o seu início interrompe a contagem dos prazos estabelecidos nos n.os 1 ou 2 do artigo 329.º, desde que ocorra nos 30 dias seguintes à suspeita de comportamentos irregulares, o procedimento seja conduzido de forma diligente e a nota de culpa seja notificada até 30 dias após a conclusão do mesmo.

Em face das disposições citadas, importa esclarecer que, relativamente ao prazo de 60 dias para dar início ao procedimento disciplinar, este prazo apenas se inicia, por um lado, quando se conhece em concreto quem seja o trabalhador a quem se imputa determinada infração disciplinar; e, por outro, quando haja conhecimento real dessa infração disciplinar por parte de quem efetivamente possui competência disciplina na organização da entidade empregadora.


Na realidade, conforme bem refere o acórdão do STJ, proferido em 23-05-2018, no âmbito do processo n.º 7489/15.1T8LSB.L1.S1:10 11

O prazo de caducidade do procedimento disciplinar corre a partir do conhecimento efetivo pela entidade patronal, ou superior hierárquico com competência disciplinar, do facto infracional atribuído ao trabalhador.

De igual modo, esclarece o acórdão do STJ proferido em 05-06-2013 no âmbito do processo n.º 192/10.0TTVNF.P1S1,12 13que:

1. O procedimento disciplinar deve iniciar-se nos 60 dias subsequentes àquele em que o empregador, ou o superior hierárquico com competência disciplinar, teve conhecimento da infracção e do respectivo autor, nos termos do art. 372.º, n.º 1, do CT de 2003, regime que se funda na necessidade de tutela de interesses colectivos em matéria de segurança jurídica, em especial, dos interesses dos trabalhadores.

Vejamos, então, o que se mostra indiciariamente apurado.


São, assim, estes os factos indiciariamente apurados e que versam sobre esta questão, os quais não foram impugnados pela recorrente:

C) A requerida recebeu o email subscrito em 11 de Maio de 2023 por CC, cliente da requerida, email que se encontra a folhas 16 e 17 do processo disciplinar, sem haver no texto deste identificação de pessoa suspeita.

D) O cliente CC autorizou a utilização do referido email para efeitos deste processo, como consta do auto das suas declarações a folhas 13 a 15 verso do processo disciplinar.

E) Destas declarações resulta claramente a explicação dos fatos que motivaram a perceção de intrusão na sua conta bancária por parte de CC, e ainda a relação que existe entre este e a trabalhadora arguida e delas decorre ainda que não é possível que a trabalhadora não saiba quem é ou desconheça a identidade de CC ou não faça a ligação entre o nome e a pessoa do mesmo, pois é a avó materna do filho deste e conviveram largamente.

F) A requerida, em 17 de Maio de 2023, solicitou auditoria aos serviços de auditoria da Caixa Central do Crédito Agrícola

G) O objeto da auditoria era detetar se tinha havido acesso indevido à conta do cliente CC por parte de colaboradores da ora requerida;

H) O relatório da direção de auditoria, com o respetivo anexo, que atribui os acessos indevidos à ora requerente tem data de 14 de Fevereiro de 2024 e chegou ao conhecimento da requerida nesse dia;

I) Em 15 de Fevereiro de 2024, o Conselho de Administração da requerida deliberou intentar procedimento disciplinar contra a ora requerente, com intenção de despedimento, com suspensão preventiva de funções e ainda para realização de diligências previamente à dedução da nota de culpa, tendo designado instrutor para o referido processo;

J) Em 16 de Fevereiro de 2024, a arguida foi notificada da suspensão preventiva de funções;

L) Em 4 de Março de 2024 foi expedida a notificação com a nota de culpa, que foi enviada por correio, registada com aviso de receção, as quais foram subscritas pelos três administradores executivos da requerida;

Na realidade, consta de tal matéria factual, bem como do próprio email enviado pelo cliente CC, em 11-05-2023, junto ao processo disciplinar a fls. 16, que no pedido solicitado pelo referido cliente apenas foi mencionado de que suspeitava de acessos indevidos à sua conta bancária, requerendo que averiguassem tal situação, sem que, porém, tenha indicado qualquer pessoa suspeita ou mesmo quaisquer factos que permitissem identificar a recorrente.


Acresce que as declarações que o referido cliente prestou e a que é feito menção no facto E) apenas foram prestadas em 27-02-2024,14 ou seja, bastante tempo após o envio do referido email.


Assim, é manifesto que em data anterior à conclusão do relatório da direção de auditoria, datado de 14-02-2024, era impossível ao Conselho de Administração da recorrida ter conhecimento efetivo de que existia uma infração (visto que a reclamação do cliente de que acediam indevidamente à sua conta bancária podia não se ter confirmado), mas, ainda mais importante, era-lhe impossível saber quem era o trabalhador que cometia tal infração.


Por sua vez, resulta do facto H) que no próprio dia em que foi elaborado o referido relatório, o Conselho de Administração teve dele conhecimento, deliberando no dia 15-02-2024, ou seja, no dia seguinte, a intenção de procedimento disciplinar contra a recorrente, com intenção de despedimento, com suspensão preventiva de funções e ainda para realização de diligências previamente à dedução da nota de culpa, tendo designado instrutor para o referido processo (facto I)).


E, a ser assim, é evidente que tendo apenas decorrido um dia entre o conhecimento efetivo por parte de quem detém a competência disciplinar de que houve uma infração e de quem foi o seu autor e a instauração do respetivo procedimento disciplinar, que o prazo de 60 dias previsto no n.º 2 do art. 329.º do Código do Trabalho, se afigura inteiramente respeitado.


De igual modo, mesmo que no email enviado em 11-05-2023 já constasse o nome da recorrente (o que não ocorreu, como já se esclareceu), mesmo assim, o prazo do início do procedimento disciplinar não se mostraria ultrapassado, visto que, nos termos do art. 352.º do Código do Trabalho, tal prazo sempre se teria interrompido, uma vez que em 17-05-2023, a recorrida determinou a realização de uma auditoria aos serviços de auditoria da própria instituição bancária, sendo que, entre 11-05-2023 e 17-05-2023 não foi ultrapassado o prazo de 30 dias previsto em tal artigo.


Relativamente à prescrição, apesar de a recorrente nada se referir a factos reportáveis à prescrição, por diversas vezes, em sede de alegações recursivas, associada à caducidade, invoca igualmente a prescrição. Acontece, porém, que em sede de requerimento inicial, a recorrente não invocou a prescrição do procedimento disciplinar, pelo que, nos termos do art. 303.º do Código Civil, não sendo a prescrição de conhecimento oficioso, nem tendo sido tal questão invocada em sede de requerimento inicial, por se tratar de questão nova, não pode este tribunal a apreciar.15


Pelo exposto, apenas resta concluir pela inexistência de qualquer evidência de que o procedimento disciplinar instaurado à recorrente sofra do vício da caducidade, improcedendo, nesta parte, a pretensão da recorrente.


3 – Nulidade da decisão final


Entende a recorrente que a decisão final recorrida é nula por omissão de pronúncia, nos termos do art. 615.º, n.º 1, als. c) e d), do Código de Processo Civil, visto que a recorrente no seu requerimento inicial invocou (i) a nulidade do relatório de averiguação, (ii) a violação do disposto no n.º 2 do artigo 353.º do Código do Trabalho, referente ao não envio da nota de culpa ao Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas, (iii) da violação do disposto no n.º 1 do artigo 353.º do Código do Trabalho, (iv) da violação do segredo de justiça, (v) da perturbação da vida privada da trabalhadora-arguida, e (vi) do incidente de suspeição da Sra. Instrutora do Processo Disciplinar, não tendo porém, tal decisão final tomado qualquer decisão sobre estas questões.


Referiu ainda que esta omissão é uma circunstância relevante no exame e decisão da causa, tanto mais que poderá prejudicar a impugnação da decisão e o cumprimento do ónus de alegação, bem como a reponderação eficaz da decisão, pelo que se mostra igualmente verificada a prática de uma nulidade processual prevista no art. 195.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.


A juíza que proferiu a decisão final pronunciou-se sobre esta nulidade, considerando que apreciou todas as questões invocadas, pelo que concluiu pela inexistência da mesma.


Decidamos


Dispõe o art. 615.º, n.º 1, als. c) e d), do Código de Processo Civil, que:

1 - É nula a sentença quando:

(…)

c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;

d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;

Dispõe, por sua vez, o art. 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, que:

2 - O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.

Em primeiro lugar, importa referir que, apesar de a recorrente ter indicado a al. c) do n.º 1 do citado art. 615.º, não invocou qualquer argumento quanto a uma eventual contradição entre os fundamentos e a decisão ou quanto a uma eventual ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão a decisão ininteligível, tendo sempre se reportado à omissão de pronúncia sobre as questões invocadas pela recorrente. Assim, não iremos apreciar a nulidade prevista na al. c) do n.º 1 do art. 615.º do Código de Processo Civil.


Assim, a nulidade da decisão por omissão de pronúncia, ocorre, em face dos artigos citados, quando o juiz não se pronuncia sobre todas as questões que lhe tenham sido submetidas pelas partes, excluindo aquelas cuja decisão se mostre prejudicada pela solução já dada a outras.


Porém, não se deve confundir questões com considerações, argumentos ou razões.


Conforme bem referiu Alberto dos Reis:16

São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzido pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.

E, a ser assim, a sentença não padece de nulidade quando não aborda todos os fundamentos invocados pela parte para justificar determinada opção jurídica, desde que aprecie a questão jurídica invocada, apresentando a sua própria fundamentação.


Por outro lado, não se pode confundir omissão de pronúncia, que se terá de entender como ausência de apreciação, com deficiente ou obscura fundamentação.


Cita-se a este propósito, o acórdão do STJ, proferido em 22-01-2015:17

(…) a nulidade por omissão de pronúncia apenas se verifica quando o tribunal deixa de apreciar questões que tinha de conhecer, mas já não quando, no entender do recorrente, as razões da decisão resultam pouco explicitadas ou não se conhecem de argumentos invocados.

Transcreve-se ainda o que consta da obra O Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, de António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa:18

4. Acresce ainda uma frequente confusão entre nulidade da decisão e discordância quanto ao resultado, entre a falta de fundamentação e uma fundamentação insuficiente ou divergente da pretendida ou mesmo entre a omissão de pronúncia (relativamente a alguma questão ou pretensão) e a falta de resposta a algum argumento dos muitos que florescem nas alegações de recurso.

Vejamos então a situação concreta.


(i) a nulidade do relatório de averiguação


Sob esta epígrafe, a recorrente, no seu requerimento inicial, invocou que as pessoas que assinaram o relatório de averiguação, datado de 14-02-2024, não pertencem ao Conselho de Administração da entidade patronal, nem tem capacidade para a representar, não reconhecendo, nos mesmos, autoridade ou até poderes para elaboração do referido relatório.


Concluiu, assim, que o processo de averiguações foi desencadeado por quem não tem poderes/legitimidade para tal, não correspondendo o processo de averiguações a um inquérito prévio, desde logo, porque a Direção de Auditoria da Caixa Central não tem competências e poderes disciplinares sobre o trabalhador, devendo considerar-se a nulidade do relatório e, consequentemente, deverá o mesmo ser mandado desentranhar.


Relativamente a esta questão, o tribunal a quo, independentemente da suficiência ou acerto da decisão, pronunciou-se nos seguintes termos:

Segundo os artigos 98º e 329º nº4 do Código do Trabalho, aprovado pela Lei nº 7/2009 de 12/02, o poder disciplinar está na titularidade do empregador, mas pode ser exercido por ele ou por superior hierárquico do trabalhador, nos termos estabelecidos pelo primeiro.

A lei, no entanto, não se basta com essa qualidade para o exercício efetivo do poder disciplinar.

Impõe, antes, que esse poder seja exercido “diretamente pelo empregador, ou por superior hierárquico do trabalhador, nos termos estabelecidos por aquele”- nº 4 do artº 329º já referido.

Note-se que há aqui uma diferença importante.

Enquanto a titularidade do poder disciplinar pertence em exclusivo ao empregador (artº 98º), essa exclusividade já não se estende ao exercício desse mesmo poder.

A lei consente, claramente, que o mencionado exercício seja levado a cabo por outrem, desde que lhe sejam conferidos poderes para o efeito pelo empregador. Isto é, poderes de representação específicos, que podem ser conferidos por procuração, entre outros, a um advogado mandatado para o efeito.

Ponto é que, em qualquer dos casos, o representante limite a sua atuação ao cumprimento das condições estabelecidas pelo empregador.

Nestes casos, o representante que esteja mandatado nesses termos, atua sempre em nome alheio e tem “o dever de agir não só por conta, mas em nome do mandante, a não ser que outra coisa tenha sido estipulada” – artº 1178º nº2 do C.Civil.

Já, ao invés, se o mandatário agir sem poderes de representação, atua em nome próprio e, por isso, “adquire os direitos e assume as obrigações decorrentes dos atos que celebra, embora o mandato seja conhecido dos terceiros que participem nos atos ou sejam destinatários destes” – artº 1180º do C.Civil. Mas, nesta hipótese, “o mandatário é obrigado a transferir para o mandante os direitos adquiridos em execução do mandato” – artº 1181º nº1 do C.Civil.

O mandato, no entanto, como se assinalou no Ac. STJ de 21/03/2012, consultável em www.dgsi.pt, que aqui seguimos de perto, não se confunde com a procuração.

O mandato, com efeito, é a relação contratual pela qual uma das partes se obriga a praticar, por conta da outra, um ou mais atos jurídicos – artº 1157º do C.Civil.

O contrato tem, pois, a finalidade primeira de criar essa obrigação e regular os interesses das partes contratantes.

Já a procuração "é o ato pelo qual o representado se vincula, em face de pessoa determinada ou do público, a receber e suportar na sua esfera jurídica os efeitos dos negócios que em seu nome realizar o procurador, nos limites objetivamente assinalados e, ao mesmo tempo, adquire direito a haver por seus, diretamente, esses negócios. Se quisermos, o ato pelo qual o representado se apropria, preventivamente, dos efeitos ativos e passivos de certos negócios jurídicos, a concluir em seu nome pelo representante".

São, pois, figuras jurídicas distintas. É possível haver mandato sem representação (na medida em que essa relação contratual não confere, por si só, poderes de representação), tal como é possível a representação sem mandato.

Mas, coexistindo ambos os institutos, ou seja, se o mandatário for representante por ter recebido poderes para agir em nome do mandante, são-lhe aplicáveis, quer as regras relativas ao mandato, quer as atinentes à representação. É o que resulta do disposto no artº 1178º nº1 do Código Civil.

E assim, como se assinala no acórdão já referido, “nas relações mandante-mandatário – e ante a insuficiência ou inexistência do suporte formal respetivo – pontifica a regra constante do artº 1163º, valendo o silêncio do mandante, nas previstas circunstâncias, como aprovação da conduta do mandatário, ainda que este haja excedido os limites do mandato ou desrespeitado as instruções do mandante.

Nas relações com terceiros dispõe o artº 260º nº1 do Cód. Civil, em cujos termos “se uma pessoa dirigir em nome de outrem uma declaração a terceiro, pode este exigir que o representante, dentro de prazo razoável, faça prova dos seus poderes, sob pena de a declaração não produzir efeitos””.

Trata-se de um esquema, como refere Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I, 2005, pág. 85 e 86, “destinado, por um lado, a dar credibilidade à representação e, por outro, a evitar situações de incerteza quanto ao futuro do negócio jurídico, sempre que tarde a surgir a prova dos poderes invocados pelo representante”.

Resultou indiciado que em 15 de Fevereiro de 2024, o Conselho de Administração da requerida deliberou intentar procedimento disciplinar contra a ora requerente, com intenção de despedimento, com suspensão preventiva de funções e ainda para realização de diligências previamente à dedução da nota de culpa, tendo designado instrutor para o referido processo.

Em 16 de Fevereiro de 2024, a arguida foi notificada da suspensão preventiva de funções.

Em 4 de Março de 2024 foi expedida a notificação com a nota de culpa, que foi enviada por correio, registada com aviso de receção, as quais foram subscritas pelos três administradores executivos da requerida

Não se identifica, pelo referido qualquer ilegitimidade das pessoas em causa, mostrando-se comprovados os poderes e funções desempenhadas pelas mesmas.

De modo que, pelas razões já aduzidas, temos como certo que nem o procedimento, nem a decisão disciplinar impugnadas são inválidos, sob este ponto de vista.

Até porque o procedimento só é inválido se verificada alguma das omissões enunciadas no nº 2 do artº 382º do Código do Trabalho.

Ora, no caso em apreço, nem ocorre nenhuma dessas omissões, nem a falta da menção expressa dos poderes referidos, no contexto descrito, pode ter aquela invalidade como consequência.

(ii) a violação do disposto no n.º 2 do artigo 353.º do Código do Trabalho, referente ao não envio da nota de culpa ao Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas


Relativamente a esta questão, o tribunal a quo, independentemente da suficiência ou acerto da decisão, pronunciou-se nos seguintes termos:

A requerente nunca foi delegada sindical (representante sindical), pelo que a invalidade que invoca não encontra fundamento legal.

(iii) da violação do disposto no n.º 1 do artigo 353.º do Código do Trabalho


Resulta do n.º 1 do referido art. 353.º que, quando se verifique algum comportamento suscetível de constituir justa causa de despedimento, o empregador comunica, por escrito, ao trabalhador que o tenha praticado a intenção de proceder ao seu despedimento, juntando nota de culpa com a descrição circunstanciada dos factos que lhe são imputados.


Relativamente a esta questão, o tribunal a quo, independentemente da suficiência ou acerto da decisão, pronunciou-se nos seguintes termos:

Analisado o procedimento disciplinar, verifica-se que a nota de culpa foi redigida nos termos prescritos na lei, foi feita a comunicação de intenção de proceder ao despedimento da ali arguida, concedendo-lhe 15 dias úteis para apresentação da defesa (folhas 22 a 33 do processo disciplinar), a ora requerente consultou o processo disciplinar (folhas 35 a 43 do processo disciplinar), foi concedido e respeitado o prazo para apresentar a sua defesa (apresentada por email, a folhas 49 a 60, e por correio, a folhas 61 até 73 do processo disciplinar); a ora requerente arguida foi convidada a aperfeiçoar o rol de testemunhas, convite expedido por email e por carta registada (folhas 74 a 77 do processo disciplinar), respondeu a este convite por email e por carta registada (a folhas 78 até 87 do processo disciplinar), foi notificada da decisão sobre as diligências probatórias por si requeridas (folhas 88 a 100 do processo disciplinar), pela comunicação expedida para a sua advogada, especificamente ao final da folha 99 verso, foi convidada a formular questões a colocar a testemunhas cuja audição, após apresentação da defesa, foi feita por iniciativa da empregadora, convite a que respondeu, como está a folhas 108 a 109 verso (recebido por email) e a folhas 127 a 128 (recebida por carta), e que foram tidas em conta na inquirição das testemunhas (por iniciativa do empregador), cujos autos de inquirição se encontram a folhas 121 a 124 (HH), a folhas 125 a 126 verso (II), e a folhas 129 a 132 (JJ). Ainda por comunicação expedida por email (a folhas 135 até 139) foi notificada a defensora da trabalhadora, adicionalmente à comunicação da decisão sobre incidente de recusa de folhas 163 a 107 verso (recebido por email) e de folhas 110 a 118 (recebido por carta), que foi tomado o depoimento das três testemunhas acima indicadas por iniciativa do empregador.

(iv) da violação do segredo de justiça


Sob esta epígrafe, a recorrente, no seu requerimento inicial, invocou que do relatório de diligências de instrução e proposta de decisão disciplinar notificada à trabalhadora-arguida constam factos pessoais da sua vida privada e da vida da sua filha KK, bem como do seu neto LL, factos esses que se encontram a ser discutidos judicialmente no âmbito de um processo de responsabilidades parentais, a correr termos no Juízo de Família e Menores de ..., entendendo, por isso, que deve ser declarada a nulidade dos presentes autos por violação da reserva da vida privada, do direito ao bom nome e privacidade e dos direitos fundamentais, direitos previstos nos arts. 20.º, 26.º e 32.º da Constituição da República Portuguesa.


Relativamente a esta questão, o tribunal a quo, independentemente da suficiência ou acerto da decisão, pronunciou-se nos seguintes termos:

Não resulta, também, evidente qualquer violação de sigilo nos termos invocados pela Requerente.

(v) da perturbação da vida privada da trabalhadora-arguida


Sob esta epígrafe, a recorrente, no seu requerimento inicial, invocou que a recorrida, ao instaurar o procedimento disciplinar enquanto a recorrente estava de baixa médica visou perturbar os direitos desta, sendo que no primeiro dia em que regressou ao trabalho foi sujeita a uma reunião “Via Teams”, que constituiu um autêntico interrogatório inquisitorial, com a adoção de um comportamento extremamente rigoroso, sem que a recorrente estivesse acompanhada por um advogado, pelo que impugnou tal inquirição, por total ausência de formalismo legal.


Relativamente a esta questão, o tribunal a quo, independentemente da suficiência ou acerto da decisão, pronunciou-se nos seguintes termos:

A Requerente esteve de baixa médica desde o mês de Maio de 2023 até ao dia 29 de Janeiro de 2023, tendo regressado ao trabalho no dia 30 de Janeiro de 2023.

A Requerente foi inquirida em “reunião Via Teams”, a qual foi realizada no dia 31-01-2023 pelas 9H00), tendo sido conduzida segundo o referido e-mail pelo Sr. DD e Sr. EE da DA.

Nada mais resultou alegado ou indiciado quanto à forma como decorreu tal reunião, no sentido de se concluir por um interrogatório inquisitorial com devassa realizada à vida privada da trabalhadora-arguida e visando perturbar a sua saúde.

(vi) do incidente de suspeição da Sra. Instrutora do Processo Disciplinar


Sob esta epígrafe, a recorrente, no seu requerimento inicial, referiu ter deduzido incidente de recusa da Sra. Instrutora, o qual foi decidido pela própria.


Relativamente a esta questão, o tribunal a quo, independentemente da suficiência ou acerto da decisão, pronunciou-se nos seguintes termos:

Não se verifica, como tal, também esta pretendida invalidade do procedimento disciplinar.

O mesmo se dirá do incidente de recusa de instrutor e decisão sobre o mesmo, que, pelas razões já supra e exaustivamente invocadas, não inquina o procedimento disciplinar de nulidade.

Na realidade, e independentemente da justeza da decisão, da sua suficiência ou da discordância da recorrente, o tribunal a quo fundamentou, no essencial, o indeferimento destas invocadas invalidades do procedimento disciplinar no disposto no art. 382.º, n.º 2, do Código do Trabalho, pelo que inexiste qualquer omissão de pronúncia, nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. d), do Código de Processo Civil.


Uma vez que a invocada nulidade processual, prevista no art. 195.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, assenta igualmente na omissão de pronúncia do tribunal a quo sobre as indicadas seis questões, visto que inexiste tal omissão, nada mais há a esclarecer sobre esta nulidade.


Pelo exposto, nesta parte, improcede a pretensão da recorrente.


4 – Inexistência ou nulidade do processo disciplinar


Entende a recorrente que o processo disciplinar deve ser declarado inexistente ou nulo, uma vez que não lhe foi atribuído qualquer número ou identificação, violando, assim, a decisão final o disposto no art. 352.º do Código do Trabalho.


Apreciemos.


Em primeiro lugar, importa esclarecer que, independentemente das invocadas nulidades do processo disciplinar a que a recorrente faz menção em sede de alegações de recurso, aquando das conclusões recursivas, esta é a única nulidade que invoca, pelo que, nos termos do art. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo de Trabalho, apenas nos pronunciaremos sobre esta, até porque todas as demais não são de conhecimento oficioso.


Por sua vez, dispõe o art. 352.º do Código do Trabalho que:

Caso o procedimento prévio de inquérito seja necessário para fundamentar a nota de culpa, o seu início interrompe a contagem dos prazos estabelecidos nos n.os 1 ou 2 do artigo 329.º, desde que ocorra nos 30 dias seguintes à suspeita de comportamentos irregulares, o procedimento seja conduzido de forma diligente e a nota de culpa seja notificada até 30 dias após a conclusão do mesmo.

Ora, desde logo, importa referir que as consequências relativas a uma eventual falta de número ou de identificação do procedimento disciplinar não se mostram reguladas no citado artigo do Código do Trabalho, pelo que o mesmo não possui qualquer aplicação neste caso, visto que tal eventual falta não põe em causa nem a condução diligente do procedimento disciplinar, nem a notificação da nota de culpa no prazo legal.


Por sua vez, da análise do procedimento disciplinar, junto em 28-06-2024, resulta que o mesmo se encontra identificado logo na primeira página, como sendo o processo disciplinar em que a entidade empregadora é a “Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do Sotavento Algarvio, C.R.L”, a trabalhadora arguida é AA e a instrutora nomeada é MM, advogada.


Assim, e apesar de a identificação do procedimento disciplinar não resultar da atribuição de um determinado número, não é possível pretender que o mesmo não se encontra identificado. Acresce que no procedimento disciplinar com vista ao despedimento, que se mostra regulado nos arts. 353 a 357.º do Código do Trabalho, não é feita qualquer menção à obrigatoriedade de atribuição de um número ao respetivo processo, pelo que nem sequer se pode concluir que a inexistência de um número possa constituir uma mera irregularidade, visto que, a existir esse vício, de qualquer modo, o mesmo jamais implicaria a invalidade do respetivo procedimento, em face do que dispõe o art. 382.º, n.º 2, do Código do Trabalho.


Nesta conformidade, apenas nos resta concluir, quanto a este ponto, pela improcedência da pretensão da recorrente.


5 – Errada apreciação da causa


Considera a recorrente que a decisão final recorrida andou mal ao indeferir o seu pedido de suspensão do despedimento, tendo violado o disposto no art. 39.º do Código de Processo do Trabalho, visto existir uma probabilidade séria da ilicitude do despedimento, encontrando-se verificados os requisitos previstos no citado artigo.


Cumpre decidir.


Dispõe o art. 32.º do Código de Processo do Trabalho que:

1 - Aos procedimentos cautelares aplica-se o regime estabelecido no Código de Processo Civil para o procedimento cautelar comum, incluindo no que respeita à inversão do contencioso prevista nesse diploma, com as seguintes especialidades:

a) Recebido o requerimento inicial, é designado dia para a audiência final;

b) Sempre que seja admissível oposição do requerido, esta é apresentada até ao início da audiência final;

c) A decisão é sucintamente fundamentada, regendo-se a sua gravação e transcrição para a ata pelo disposto no artigo 155.º do Código de Processo Civil.

2 - Nos casos de admissibilidade de oposição, as partes são advertidas para comparecer pessoalmente ou, em caso de justificada impossibilidade de comparência, fazer-se representar por mandatário com poderes especiais para confessar, desistir ou transigir, na audiência final, na qual se procederá à tentativa de conciliação.

3 - Sempre que as partes se fizerem representar nos termos do número anterior, o mandatário deve informar-se previamente sobre os termos em que o mandante aceita a conciliação.

4 - A falta de comparência de qualquer das partes ou dos seus mandatários não é motivo de adiamento.

Consagra o art. 33.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, que:

1 - O disposto no artigo anterior é aplicável aos procedimentos cautelares previstos na secção seguinte em tudo quanto nesta se não encontre especialmente regulado.

Determina o art. 33.º-A do Código de Processo do Trabalho que:

O procedimento cautelar de suspensão de despedimento regulado na presente subsecção é aplicável a qualquer modalidade de despedimento por iniciativa do empregador, seja individual, seja coletivo, e independentemente do modo ou da forma da comunicação ao trabalhador da decisão de despedimento.

Estipula, por fim, o art. 39.º, n.º 1, do Código de Processo Trabalho, que:

1 - A suspensão é decretada se o tribunal, ponderadas todas as circunstâncias relevantes, concluir pela probabilidade séria de ilicitude do despedimento, designadamente quando o juiz conclua:

a) Pela provável inexistência de procedimento disciplinar ou pela sua provável invalidade;

b) Pela provável inexistência de justa causa; ou

c) Nos casos de despedimento coletivo, de despedimento por extinção de posto de trabalho ou de despedimento por inadaptação, pela provável verificação de qualquer dos fundamentos de ilicitude previstos no artigo 381.º do Código do Trabalho ou, ainda, pela provável inobservância de qualquer formalidade prevista nas normas referidas, respetivamente, no artigo 383.º, no artigo 384.º ou no artigo 385.º do Código do Trabalho.

2 - A decisão sobre a suspensão tem força executiva relativamente às retribuições em dívida, devendo o empregador, até ao último dia de cada mês subsequente à decisão, juntar documento comprovativo do seu pagamento.

3 - A execução, com trato sucessivo, segue os termos do artigo 90.º, com as necessárias adaptações.

Da análise dos citados artigos resulta que a suspensão de despedimento é decretada se o tribunal, ponderadas todas as circunstâncias relevantes, concluir pela probabilidade séria de ilicitude do despedimento, designadamente quando o juiz conclua, (i) pela provável inexistência de procedimento disciplinar ou pela sua provável invalidade; (ii) pela provável inexistência de justa causa; ou (iii) nos casos de despedimento coletivo, de despedimento por extinção de posto de trabalho ou de despedimento por inadaptação, pela provável verificação de qualquer dos fundamentos de ilicitude previstos no artigo 381.º do Código do Trabalho ou, ainda, pela provável inobservância de qualquer formalidade prevista nas normas referidas, respetivamente, no artigo 383.º, no artigo 384.º ou no artigo 385.º do Código do Trabalho.


Ora, em face da improcedência das invocadas inexistência e invalidades do procedimento disciplinar, não se mostra verificada a al. a) do n.º 1 do art. 39.º do Código de Processo do Trabalho.


Relativamente à al. b) do n.º 1 desse artigo, importa referir que os factos indiciariamente dados como assentes U), Y) a AA), CC) a EE) e HH) a MM) não apontam no sentido da provável inexistência de justa causa, antes pelo contrário, visto tais indícios apontarem a recorrida como a autora dos acessos indevidos efetuados à conta do cliente CC.


E, a ser assim, dada a natureza indiciária do próprio procedimento cautelar de suspensão de despedimento, não apontando os indícios recolhidos no sentido do pretendido pela recorrente, apenas nos resta determinar a improcedência, também quanto a esta questão, da sua pretensão, concluindo pela manutenção integral da decisão recorrida.





Sumário elaborado pela relatora (artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil):


(…)








V – Decisão


Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso totalmente improcedente, confirmando-se a decisão final recorrida.


Custas pela recorrente (art. 527.º, nºs. 1 e 2, do Código de Processo Civil).


Notifique.



Évora, 13 de fevereiro de 2025

Emília Ramos Costa (relatora)

Paula do Paço

João Luís Nunes

________________________________________

1. Relatora: Emília Ramos Costa; 1.ª Adjunta: Paula do Paço; 2.º Adjunto: João Luís Nunes.↩︎

2. Reitera-se que o recurso relativo às conclusões recursivas 3 a 9 foi rejeitado, por intempestivo.↩︎

3. Existe manifesto lapso, sendo a data correta setembro de 2022, conforme documento a fls. 133 do procedimento disciplinar.↩︎

4. Existe manifesto lapso, sendo a data correta a de 29 de janeiro de 2024, conforme documento a fls. 164 do procedimento disciplinar.↩︎

5. Existe manifesto lapso, sendo a data correta a de 31-01-2024, conforme documento a fls. 164 do procedimento disciplinar.↩︎

6. Existe manifesto lapso, sendo a data correta 31-01-2024, uma vez que a referida reunião ocorreu após a recorrente ter regressado da baixa médica.↩︎

7. Temas da Reforma de Processo Civil, III Volume, Abrantes Geraldes, 3.ª edição, Almedina, Coimbra, p. 43.↩︎

8. 112. Ao que acresce que a trabalhadora-arguida não foi a única funcionária da CCAM a aceder à conta do aqui denunciante, sendo certo que outros colega o fizeram devendo ser justificado o motivo pelo qual acederam e a pedido de quem.↩︎

9. Art. 111 do requerimento inicial.↩︎

10. Consultável em www.dgsi.pt.↩︎

11. Vide, igualmente, acórdãos, do TRG proferido em 23-09-2021 no âmbito do processo n.º 5566/20.6T8BRG.G1; do TRE proferido em 24-10-2019 no âmbito do processo n.º 1342/18.4T8STR.E1; do TRP proferido em 16-11-2015 no âmbito do processo n.º 192/14.1TTVLG.P1; e do TRL proferido em 27-05-2015 no âmbito do processo n.º 2950/12.2TTLSB.L1-5; todos consultáveis em www.dgsi.pt.↩︎

12. Consultável no mesmo site.↩︎

13. Ainda que se reportando ao Código de Trabalho de 2003, as considerações tecidas neste acórdão são igualmente válidas quanto ao atual Código do Trabalho.↩︎

14. Conforme folhas 13 a 15 do processo disciplinar.↩︎

15. Vide acórdão do STJ, proferido em 17-11-2016 no âmbito do processo n.º 861/13.3TTVIS.C1.S2, consultável em www.dgsi.pt.↩︎

16. In Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, p. 143.↩︎

17. No âmbito do Proc. 24/09.2TBMDA.C2.S2, consultável em www.dgsi.pt.↩︎

18. Almedina, 2018, p.737.↩︎