FINALIDADE DO ARROLAMENTO
PARTILHA DOS BENS COMUNS DO CASAL
CONTA BANCÁRIA
POSSE EFETIVA OS BENS
Sumário

I – O que está subjacente ao arrolamento é sempre o risco de extravio, ocultação ou dissipação de bens ou documentos e a necessidade de prevenção desse risco no sentido de assegurar a manutenção e conservação desses bens (ou documentos) de modo a garantir a efetividade do direito (ou interesse) a que o Requerente se arroga e que lhe venha a ser reconhecido na ação da qual o arrolamento é dependência.
II – Sendo que o objetivo do arrolamento não se reconduz – ou não se reconduz apenas – à identificação dos bens sobre os quais incide o direito da Requerente (no caso, os bens futuramente a partilhar), visando essencialmente assegurar a permanência e conservação desses bens até à realização da partilha e prevenir o risco de extravio, ocultação ou dissipação desses bens com vista a assegurar que a Requerente do arrolamento possa tomar posse efetiva dos bens que lhe venham a caber nessa partilha.
III – À luz das regras gerais da experiência, e pelas particularidades do caso concreto (tal como delineado e “indiciado”), mais concretamente, por já ter o Requerido procedido ao levantamento da quantia de € 53.579,81 da conta bancária referente ao comércio exercido conjuntamente pelo casal formado por ele com a Requerente, logo após a separação de ambos, existia um risco sério e real de extravio, ocultação ou dissipação dos montantes monetários em causa enquanto a descrição, avaliação e depósito respetivo não estivesse efetivamente operada, e se encontrasse salvaguardado que não mais teria lugar a sua livre movimentação pelo Requerido.
IV – Contudo, também não podem nem devem ser desconsiderados os interesses do Requerido na autorização de movimentação tão livre quanto possível da conta bancária afeta ao giro comercial do estabelecimento a cujo exercício se dedica agora sozinho.
V – Assim, na adequada e equilibrada ponderação dos contrapostos interesses de ambas as partes, entende-se ser de permitir a movimentação da conta bancária em causa, sem necessidade de autorização escrita da Requerente, na metade do valor/saldo existente e anteriormente arrolado.
(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral

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Apelações em processo comum e especial (2013)

                                                                       *

      Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]

                                                                       *

            1 – RELATÓRIO

AA veio, a 24.01.2024, requerer o arrolamento dos bens identificados na petição, contra BB, como dependência do processo de divórcio pendente de ambos.

Foi, então, pedido, sem contraditório prévio do requerido, o decretamento do arrolamento dos referidos bens, que teve efetivamente lugar, em concretização da decisão proferida em 31.01.2024.

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Notificado o requerido, nos 10 dias facultados por lei, deduziu Oposição, pedindo:

- o levantamento do arrolamento da conta da Banco 1..., com o nº...43, pela não verificação dos requisitos para o seu decretamento;

- quanto à conta do Banco 2... nº...55, que os saldos arrolados fiquem disponíveis para ser movimentados pelo requerido sem autorização escrita da requerente, por razões comerciais, uma vez que todos os pagamentos relacionados com a atividade comercial do requerido gravitam em torno da mesma, correndo o risco da sua atividade comercial e empresarial ficar paralisada.

                                                           *

Realizou-se a audiência final, com observância de todo o formalismo legal, conforme consta das respetivas atas.

Na sentença, proferida em 20.08.2024, considerou-se, em suma, que face à factualidade apurada, importava concluir no sentido de que, quanto à conta da Banco 1..., falecia efetivamente um dos pressupostos para que pudesse ser mantida a providência cautelar especificada de arrolamento quanto a € 11.958,13 [mantendo-se em relação à diferença, a saber, € 1.351,34], e que quanto à conta do Banco 2..., era de determinar a alteração dos termos de movimentação da referida conta por parte do depositário [o Requerido], o que se traduziu mais concretamente no seguinte “dispositivo” final:

«Decisão:

Pelo exposto, decide-se julgar a oposição parcialmente procedente, e, consequentemente:

- determina-se o levantamento do arrolamento da conta da Banco 1..., com o nº...43, sobre o valor de €11 958, 13 (onze mil novecentos e cinquenta e oito euros e treze cêntimos), mantendo-se o arrolamento sobre €1 351, 34 (mil trezentos e cinquenta e um euros e trinta e quatro cêntimos);

- quanto à conta do Banco 2... nº...55, mantendo-se o arrolamento, determina-se que o requerido, na qualidade de depositário, pode movimentá-la sem necessidade de autorização escrita da requerente, no estrito exercício do comércio implicado pelo estabelecimento «A...».

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Custas pela requerente e pelo requerido (cfr. o art. 527º n.º 1 do CPC), na proporção de metade a cada um.

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Registe e notifique.

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Esta decisão, conforme o estatuído no art. 372º, n.º 3, in fine, do C.P.C., constitui complemento e faz parte integrante da proferida a 31.01.2024.»

                                                           *

Inconformada com esta sentença, apresentou a Requerente recurso de apelação contra a mesma, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
«I- Requerente e Requerido exploraram, desde junho de 2016, em comum, o bar A... na vila de ..., não tendo, nem um nem o outro, qualquer outra atividade ou fonte de rendimento, sendo a requerente até 12.07.2023 (data da separação), inclusive.
II- Apresentaram, pelo menos em 2022, declaração conjunta de IRS, referente ao rendimento auferido pela exploração do Bar A... na vila de ....
Na declaração de IRS de 2022, consignaram um volume de negócios de 183.320,96 € (cento e oitenta e três mil trezentos e vinte euros e noventa e seis cêntimos), com um lucro tributável de 29.357,52 € (vinte e nove mil trezentos e cinquenta e sete euros e cinquenta e dois cêntimos).
III- O Requerido apresentou igualmente, procedimento cautelar de arrolamento de bens comuns do casal, tendo por objecto as contas bancárias tituladas pela Requerente, sendo ao mesmo atribuído o apenso C dos presentes autos.
IV- À data de 01/07/2013 a conta de depósito à ordem do Banco 2... era titulada por BB, sendo AA interveniente na qualidade de procuradora.
V- As contas do Banco 3... e da Banco 1... eram movimentadas também pela requerente AA, através do multibanco que tinha na sua posse, sendo os movimentos a débito e crédito efectuados no âmbito da economia comum do casal.
VI- No dia 10/08/2023 procedeu se à alteração da movimentação da conta mencionada do Banco 2..., passando a sê-lo unicamente pelo seu titular, o aqui requerido BB.
VII- A 12.07.2023 (data da separação confirmada na acção principal), a referida conta do Banco 2... apresentava um saldo de 54.087,93 € (cinquenta e quatro mil e oitenta e sete euros e noventa e três cêntimos).
VIII- À data de 24.01.2024 (arrolamento), a referida conta do Banco 2... apresentava um saldo de € 508,12 € (quinhentos e oito euros e doze cêntimos).
IX- Entre 12.07.2023 e 24.01.2024, o bar A... continuou a funcionar normalmente.
X- O requerido, após 12.07.2023, retirou do bar-restaurante o multibanco, evitando desta forma, pagamentos para a conta do Banco 2... associada ao bar/restaurante.
XI- No referido período (12.07.2023 a 24.01.2024) na conta do Banco 2... não ocorreu qualquer entrada de dinheiro ou transferência para a mesma, tendo sido efectuados movimentos de débito pelo requerido, no valor de 53.579,81 € (cinquenta e três mil quinhentos e setenta e nove euros e oitenta e um cêntimos), dos quais 7.000,00 € (sete mil euros, foram transferidos no dia seguinte à separação (13.07.2023), para a conta do pai do requerido, sem qualquer motivo justificativo.
XII- No âmbito do arrolamento decretado, a conta da Banco 1... apresentava a 02.02.2024, a quantia de 13.309,47 € (treze mil trezentos e nove euros e quarenta e sete cêntimos).
XIII- A conta da Banco 1... era utilizada pela Requerente AA, através de cartão multibanco que lhe foi exigido pelo requerido na data da separação.
XIV- A conta do Banco 3.../Banco 1... era utilizada para despesas de alimentação, em superfícies comerciais, para combustível, vestuário, restauração e via verde, ou seja, para despesas quase diárias do agregado familiar.
XV- Não é possível, tendo por base a data do resgate da apólice ...56 ocorrida em 06.09.2019 (7.479,39 €), efetuar a separação entre o seu valor e o valor existente nessa mesma data na conta à ordem, no montante de 6.886,92 € (seis mil oitocentos e oitenta e seis euros e noventa e dois cêntimos), o mesmo se verificando com o depósito a prazo, constituído em 07.11.2019, no valor de 10.000,00 € (dez mil euros), sendo que nessa data a conta apresentava um saldo de 13.973,79 € (treze mil novecentos e setenta e três euros e setenta e nove cêntimos).
XVI- Por um lado, não é possível dissecar que o depósito dos 10.000,00 € (dez mil euros) foi efetuado com o valor resgatado (7.479,39 €) ou com o saldo líquido que a conta apresentava (6.886,92 €) e muito menos que o valor remanescente fosse próprio do requerido, face à economia em comum desde, pelo menos, a data do casamento (16.08.2015), com sucessivos depósitos na conta e débitos decorrentes da economia comum do casal, nomeadamente, com alimentação, vestuário, combustíveis, portagens e outros.
XVII- Na mesma esteira, aquando da transferência do depósito a prazo ocorrida a 28.02.2019, no valor de 3.000,00 € (três mil euros), a conta apresentava um saldo de 4.417,98 € (quatro mil quatrocentos e dezassete euros e noventa e oito cêntimos).
XVIII- Conforme resulta dos extratos bancários fornecidos pela Banco 1... e Banco 3..., notificados às partes em 11.04.2024, referência CITIUS 93925843 e 12.04.2024, referência CITIUS 93941102, o depósito a prazo no valor de 10.000,00 € (dez mil euros) constituído a 07.11.2019, foi objeto de transferência para a conta à ordem em 07.11.2022, incorporando-se na mesma que, naquela data, apresentava um saldo de 14.587,72 € (catorze mil quinhentos e oitenta e sete euros e setenta e dois cêntimos).
XIX- Na conta em causa não é possível efetuar a separação entre os valores do depósito a prazo/resgate da apólice e os restantes decorrentes de sucessivos depósitos e entregas, sendo certo que o movimento em conjunto se destinou às despesas correntes do agregado familiar.
XX- Sobre a referida conta do Banco 3... e posteriormente da Banco 1..., movimentada por requerente e requerido, foram efetuados sucessivos depósitos no âmbito da economia comum do casal e por ambos, conforme resulta do extrato bancário junto e do depoimento da testemunha e gerente bancário, CC, onde é realçado a presença da requerente para entregas/depósitos na conta, utilização conjunta da mesma, economia comum do casal, exclusividade na exploração do bar restaurante A... e ainda que também o pai do requerido efectuava depósitos na conta, não existindo qualquer prova da origem dos mesmos e da intenção, na eventualidade de ser dinheiro próprio, ser depositado a favor de ambos, no âmbito do agregado familiar que inclui uma filha do casal.
XXI- A movimentação da conta, conforme resulta dos factos dados como provados em MM), era utilizada na economia comum do casal para despesas de alimentação em superfícies comerciais, combustível, pneus, vestuário, via verde e outras correntes do agregado familiar.
XXII- Ocorreram vários depósitos, quer no Banco 3... até 25.01.2023, quer na Banco 1... após esta data, pelo que não é possível autonomizar qualquer quantia a título de resgate ou depósito a prazo, do volume financeiro da conta que era utilizado em despesas do agregado familiar, facto este corroborado pelo depoimento da testemunha CC.
XXIII- A matéria de facto classificada como não indiciada constante do ponto 5 de 2-, deverá ser alterada, passando a fazer parte do elenco da matéria indiciada, resultando inequivocamente do extracto bancário do Banco 2..., notificado às partes em 08.03.2024 pela referência 93654859, do qual consta que a 12.07.2023 (data da separação), apresentava o saldo de 54.087,93 € (cinquenta e quatro mil e oitenta e sete euros e noventa e três cêntimos) e à data do arrolamento (24.01.2024) de 508,12 € (quinhentos e um euros e doze cêntimos), não se tendo verificado naquele período qualquer entrada de dinheiro na conta, por via de depósito ou transferência, continuando o bar/restaurante a funcionar normalmente e tendo sido retirado do mesmo, após 12.07.2023, o multibanco, por forma a que a conta não tivesse entradas relativas a pagamentos correntes dos clientes do bar/restaurante.
XXIV- De igual modo, deverá ser alterada a matéria não indiciada indicada no item 8 do ponto 2-, nomeadamente, que os montantes arrolados não consistem em depósitos a prazo nem em apólices de seguro, mas o saldo da conta à ordem, facto este que deverá ser considerado como provado.
XXV- E, ainda, que o valor relativo ao resgate da apólice em questão foi utilizado para despesas comuns do casal, ao incorporar-se na conta à ordem, dando-se como provado nos factos indiciados.
XXVI- Todo o dinheiro que se arrolou é, assim, património comum do casal, pelo que deverá manter-se o arrolamento decretado na Banco 1..., no montante de 13.309,47 € (treze mil trezentos e nove euros e quarenta e sete cêntimos).
XXVII- De igual modo, deverá manter-se o arrolamento sobre a conta do Banco 2..., face ao levantamento da quantia de 53.579,81 € (cinquenta e três mil quinhentos e setenta e nove euros e oitenta e um cêntimos), cuja manutenção será essencial para o processo crime em curso e para o processo de inventário a instaurar.
XXVIII- Existe justo receio de extravio dos montantes depositados, o qual já ocorreu na conta do Banco 2..., com prejuízo notório para a Requerente, pelo que o arrolamento deve ser mantido na totalidade.
XXIX- Encontram-se violados os artigos 403º, nº 1, 409, nº 1 do CPC e 1724º e 1725º do CC.
Termos em que deverá a sentença proferida ser revogada, mantendo-se na totalidade o arrolamento decretado sobre a conta da Banco 1... e do Banco 2....»

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Não foram apresentadas quaisquer contra-alegações.

                                                           *

           O Exmo. Juiz a quo proferiu despacho a admitir o recurso interposto, providenciando pela sua subida devidamente instruído.

                                                                       *

           Colhidos os vistos e nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

                                                                       *

           2QUESTÕES A DECIDIR, tendo em conta o objeto do recurso delimitado pela Requerente/recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 635º, nº4 e 639º, ambos do n.C.P.Civil), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608º, nº2, “in fine” do mesmo n.C.P.Civil), face ao que é possível detectar o seguinte:

- incorreta valoração da prova produzida, que levou ao incorreto julgamento de factos considerados como “não indiciados”, a saber, os factos constantes dos itens “5)”, “8)” e “9)” [os quais deverão passar a figurar no elenco dos factos “indiciados”, com a redação que preconiza];

- desacerto da decisão que levantou (parcial ou restritamente) o arrolamento decretado nos autos.                                                                  

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3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

3.1 – Como ponto de partida, e tendo em vista o conhecimento dos factos, cumpre começar desde logo por enunciar o elenco factual que foi considerado/fixado como “indiciado” pelo tribunal a quo, ao que se seguirá o elenco dos factos que o mesmo tribunal considerou/decidiu que “não indiciado”, sem olvidar que tal enunciação poderá ter um carácter “provisório”, na medida em que o recurso tem em vista a alteração parcial dessa factualidade.

 Consignou-se então o seguinte em termos de factos “indiciados” na 1ª instância:

«A)

Requerente e requerido contraíram casamento entre si em 16.08.2015, sem convenção antenupcial.

B)

A ação de divórcio entre requerente e requerido, que corre termos no processo principal, foi instaurada a 30.11.2023 e sentenciada a 02.07.2024, tendo sido fixada como data de início da separação de facto, para efeitos do art. 1789º n.º 2 do Código Civil (CC) 12.07.2024.

C)

Após a conferência ocorrida a 12.01.2024 no processo principal, a Requerente dirigiu-se à Banco 1... e Banco 2..., balcão de ..., onde eram depositadas as economias comuns do casal, tendo sido informada que o Requerido havia revogado a autorização/mandato para a movimentação das contas pela Requerente.

D)

Requerente e Requerido exploraram, desde junho de 2016, em comum, o bar A... na vila de ..., não tendo, nem um nem o outro, qualquer outra atividade ou fonte de rendimento, sendo a requerente até 12.07.2023, inclusive.

E)

Por decisão de 31.01.2024, foi decretado “o arrolamento dos seguintes bens:

- o saldo das contas bancárias tituladas por BB, residente na Rua ..., ... ..., contribuinte fiscal nº ...38, existentes na Banco 1..., balcão de ..., Av. ..., Ed. ... ... e Banco 2..., balcão de ..., Avenida ..., ... ..., relativas ao período compreendido entre 01.07.2023 e 24.01.2024.

F)

Com data de 02.02.2024, foi penhorado o saldo da conta bancária titulada pelo requerido n.º...43, aberta na Banco 1..., CRL, no montante, a essa data, de €13 309, 47.

G)

Com data de 02.02.2024, foi comunicado aos autos que o saldo da conta bancária n.º...55, do Banco 2..., era:

-a 01.07.2023 - €54 648, 83;

- a 24.01.2024 - €508, 12;

H)

O arrolamento de tais bens foi concretizado pelas instituições bancárias notificadas, tendo sido feita a cativação de todos e quaisquer saldos existentes nas aludidas contas, mantendo-as bloqueadas.

I)

Por decisão de 04.03.2024, no apenso C), de arrolamento, em que é requerente o aqui requerido e requerida a aqui requerente, foi decretado “o arrolamento dos seguintes bens:

“- o saldo das contas bancárias tituladas pela requerida, sitas na Banco 1..., Banco 4..., S.A e Banco 5..., S.A., relativas ao período compreendido entre 01.07.2023 e 24.01.2024. “

J)

No apenso C), a Banco 1..., CRL, recusou o cumprimento da ordem de revelação dos extratos da conta bancária, invocando sigilo bancário, sendo o incidente de levantamento desse mesmo sigilo julgado improcedente pela Relação de Coimbra.

K)

A requerida no apenso C) não deduziu oposição.

L)

A conta bancária existente na Banco 1..., C.R.L, com o nº...43, é titulada unicamente pelo requerido.

M)

Tal conta foi aberta em 26-01-2023 pelo requerido, por força do facto de o banco Banco 3..., onde o mesmo tinha as suas poupanças de solteiro, ter fechado o seu balcão na ..., razão pela qual o requerido optou por transferir essas poupanças para esta nova conta da Banco 1... na referida data.

N)

A conta originária do banco Banco 3... foi aberta em 20/11/2013.

O)

A conta do Banco 2..., com o n.º ...55, está afeta ao exercício da atividade profissional do requerido com a exploração do restaurante A....

P)

O bloqueio da conta do Banco 2... tem trazido transtornos ao requerido quanto ao pagamento de contas a fornecedores e todas as outras afetas ao exercício da sua atividade profissional.

Q)

O saldo disponível na conta aberta em 26-01-2023, pelo requerido, junto da Banco 1... com o nº ...43 resultou, além do mais, da transferência das poupanças de solteiro do requerido que se encontravam no Banco Banco 3... e, anteriormente, no Banco 6..., por aquele primeiro ter fechado o seu balcão na ..., nos seguintes valores:

- o saldo a 16.08.2015 (data do casamento entre requerente e requerido) - € 1.329, 26;

- juros do depósito a prazo constituído antes do casamento, no valor de € 15,33, a 25.08.2015;

- transferência do depósito a prazo constituído pelo requerido antes do casamento para a conta a ordem a 25.02.2026, no valor de € 3.000, 00;

- juros do depósito a prazo constituído antes do casamento, no valor de € 23,00, a 25.02.2016;

- juros do depósito a prazo constituído antes do casamento, no valor de € 9,10, a 29.08.2016;

- juros do depósito a prazo constituído antes do casamento, no valor de € 9,91, a 28.02.2017;

- juros do depósito a prazo constituído antes do casamento, no valor de € 10,62, a 29.08.2017;

- juros do depósito a prazo constituído antes do casamento, no valor de € 11,44, a 28.02.2018;

- juros do depósito a prazo constituído antes do casamento, no valor de € 12,13, a 29.08.2018;

- juros do depósito a prazo constituído antes do casamento, no valor de € 15,25, a 28.02.2019;

- € 7.476,39 de seguro com a designação “B..., S.A.”, constituído antes do casamento, a 12.09.2019;

- juros do depósito a prazo constituído a 07.11.2019 mas com dinheiro investido pelo requerido antes do casamento, no valor de € 3,79, a 07.05.2020;

- juros do depósito a prazo constituído a 07.11.2019 mas com dinheiro investido pelo requerido antes do casamento, no valor de € 3,83, a 07.11.2020;

- juros do depósito a prazo constituído a 07.11.2019 mas com dinheiro investido pelo requerido antes do casamento, no valor de € 5,03, a 07.05.2021;

- juros do depósito a prazo constituído a 07.11.2019 mas com dinheiro investido pelo requerido antes do casamento, no valor de € 7,67, a 07.11.2021;

- juros do depósito a prazo constituído a 07.11.2019 mas com dinheiro investido pelo requerido antes do casamento, no valor de € 10,06, a 07.05.2022;

- juros do depósito a prazo constituído a 07.11.2019 mas com dinheiro investido pelo requerido antes do casamento, no valor de € 15,33, a 07.11.2022.

R)

Em 25/08/2014 – data anterior ao casamento de requerente e requerido –, o requerido constituiu um depósito a prazo com o nº D.P. ...63-5, que se veio a vencer em 25/02/2016.

S)

Em 29/02/2016 (4 dias depois) e sem que tenha nesse período entrado qualquer outro capital na conta do requerido, o mesmo voltou a constituir um depósito a prazo com o montante que se havia vencido, de € 3.000,00, e que deu origem ao D.P. nº 412-15...., que por sua vez, se venceu em 28/02/2019.

T)

Em 12/09/2019, o requerido recebeu na sua conta um montante de € 7.476,39 com a designação “B..., S.A.”

U)

O requerido subscreveu um seguro de vida, em 18 de outubro de 2010 - em data anterior ao casamento de requerente e requerido - pelo prazo de 8 anos e 1 dia, junto do Banco 7..., que encerrou no ano de 2015 e que posteriormente foi adquirida pela C..., S.A.

V)

Em 12-09-2019, após vencimento de tal seguro e conforme comunicação da C..., o capital investido pelo requerido acrescido dos rendimentos que se venceram em resultado da referida aplicação, foram transferidos para a conta de que o mesmo era titular.

W)

Em 07/11/2019, o requerido constituiu um depósito a prazo com o nº .... 412-15...., no montante de € 10.000,00.

X)

Tal depósito a prazo no montante de € 10.000,00 regressou à conta à ordem do requerido em 07/11/2022 e, sem que tenham existido movimentos de relevo, em 25/01/2023, o requerido procedeu à liquidação da totalidade do montante existente na conta do Banco 3..., para a conta da Banco 1... com o nº ...43, de todas as suas poupanças de solteiro.

Y)

Aquando da abertura da conta no antigo Banco 6..., em 26-10-2006, o pai do requerido doou ao seu filho a quantia de € 4.500,00 para abertura da mesma.

Z)

A conta do Banco 2... está afeta ao exercício da atividade profissional do requerido com a exploração do restaurante A....

AA)

Requerente e Requerido apresentaram, pelo menos em 2022, declaração conjunta de IRS, referente ao rendimento auferido pela exploração do Bar A... na vila de ....

BB)

Requerente e requerida, na declaração de IRS de 2022, consignaram um volume de negócios de € 183.320,96 (cento e oitenta e três mil trezentos e vinte euros e noventa e seis cêntimos), com um lucro tributável de € 29.357,52 (vinte e nove mil trezentos e cinquenta e sete euros e cinquenta e dois cêntimos).

CC)

À data de 01/07/2013 a conta de depósito à ordem do Banco 2... era titulada por BB, sendo AA interveniente na qualidade de procuradora.

DD)

No dia 10/08/2023 procedeu se à alteração da movimentação da conta mencionada, passando a sê-lo unicamente pelo seu titular, o aqui requerido BB.

EE)

A 12.07.2023, a referida conta do Banco 2... apresentava um saldo de 54.087,93 € (cinquenta e quatro mil e oitenta e sete euros e noventa e três cêntimos).

FF)

A referida conta do Banco 2... encontrava-se associada ao bar-restaurante A..., explorado pela Requerente e Requerido.

GG)

No dia 13.07.2023, o Requerido transferiu para a conta do seu pai, o montante de € 7.000,00 (sete mil euros).

HH)

O requerido, após 12.07.2023, retirou do bar-restaurante o multibanco.

II)

À data de 24.01.2024, a referida conta do Banco 2... apresentava um saldo de € 508,12 € (quinhentos e oito euros e doze cêntimos).

JJ)

Entre 12.07.2023 e 24.01.2024, o bar A... continuou a funcionar normalmente.

KK)

No âmbito do arrolamento decretado, a conta da Banco 1... apresentava a 02.02.2024, a quantia de € 13.309,47 (treze mil trezentos e nove euros e quarenta e sete cêntimos).

LL)

A conta da Banco 1... era utilizada pela Requerente AA, através de cartão multibanco que lhe foi exigido pelo requerido na data da separação.

MM)

A requerida conta da Banco 1... era utilizada para despesas de alimentação, em superfícies comerciais, para combustível, vestuário, restauração e via verde, ou seja, para despesas correntes do agregado familiar.

NN)

De acordo com a informação da C..., a apólice ...60, emitida pela Ex-Banco 7... no seguimento da subscrição da proposta 0...46-2010, com início a 18.10.2010, foi renumerada, passando a ter o nº de apólice ...57, conforme comunicação oportunamente enviada ao Tomador.

OO)

A apólice inicial, contratada por 8 anos e posteriormente renumerada, teve o seu termo a 18.10.2018.

PP)

O saldo final da apólice ...57, no valor de € 7.442,15, foi reinvestido, tendo sido emitida a apólice ...56, com data início a 19.10.2018.

QQ)

O resgate total da apólice ...56, efectuado a pedido do Tomador, ocorreu a 06.09.2019.

RR)

O valor resgatado e transferido para o IBAN do cliente a 11.09.2019, foi de € 7.479,39.

SS)

Na referida data, o valor do resgate incorporou-se na conta à ordem que tinha um saldo líquido de € 6.886,92 (seis mil oitocentos e oitenta e seis euros e noventa e dois cêntimos).

TT)

A 07.11.2019 foi constituído um depósito a prazo de € 10.000,00 (dez mil euros), em nome do requerido, sendo que, naquela data, a conta apresentava um saldo de € 13.973,79 (treze mil novecentos e setenta e três euros e setenta e nove cêntimos).

UU)

Ocorreram vários depósitos, quer no Banco 3... até 25.01.2023, quer na Banco 1... após esta data.»

*

E o seguinte em termos de factos “não indiciados” no tribunal a quo:

«1)

O bloqueio da conta da Banco 1... está a gerar dificuldades o requerido em pagar as suas despesas pessoais.

2)

A requerente não tinha, nem nunca teve acesso à conta da Banco 1..., com o nº...43, titulada pelo requerido.

3)

O saldo disponível na conta aberta em 26-01-2023, pelo requerido, junto da Banco 1... com o nº ...43 resultou exclusivamente da transferência das poupanças de solteiro do requerido que se encontravam no Banco Banco 3... e, anteriormente, no Banco 6..., por aquele primeiro ter fechado o seu balcão na ....

4)

A Requerente não era funcionária do referido bar «A...».

5)

Entre 12.07.2023 e 24.1.2024, a referida conta do Banco 2... não registou qualquer entrada.

6)

No período entre 12.07.2023 e 24.01.2024, o requerido sacou a quantia de 53.579,81 € (cinquenta e três mil quinhentos e setenta e nove euros e oitenta e um cêntimos) da gestão do bar A....

7)

O bar A... registou lucros avultados por ocasião das festas de ... em ..., com agrupamentos de relevo.

8)

Os montantes arrolados não constituem nem depósitos a prazo, nem apólices de seguro.

9)

O valor relativo ao resgate foi utilizado para despesas comuns do casal.»

                                                                       *

            3.2 – A Requerente/recorrente suscita a incorreta valoração da prova produzida, que levou ao incorreto julgamento de factos considerados como “não indiciados”, a saber, os factos constantes dos itens “5)”, “8)” e “9)” [os quais deverão passar a figurar no elenco dos factos “indiciados”, com a redação que preconiza].

            Vejamos.

            Rememoremos o teor literal do ponto de facto “não indiciado” sob “5)”, a saber:

«5) Entre 12.07.2023 e 24.1.2024, a referida conta do Banco 2... não registou qualquer entrada.»

           Apela a Requerente/recorrente para fundamentar a sua discordância quanto a este particular ao que resultaria do extrato bancário junto aos autos pelo banco Banco 2... [informação notificada às partes em 08.03.2024 pela referência 93654859], mais concretamente, que «(…) resulta inequivocamente que no período em causa não existiu qualquer entrada por via de transferência ou depósito».

Que dizer?

Que, salvo o devido respeito, esta argumentação só se compreende como fruto de qualquer lapso ou desatenção.

É que do confronto do dito extrato bancário resulta precisamente o inverso: são inúmeras as entradas com a designação de “crédito TPA Banco 2...”.

Termos em que, por não existir qualquer oposição com o extrato bancário apresentado, improcede claramente a impugnação que tinha o dito ponto de facto como objeto.

                                                           ¨¨¨

o ponto de facto “não indiciado” sob “8)” tinha a seguinte redação literal:

«8) Os montantes arrolados não constituem nem depósitos a prazo, nem apólices de seguro.»

De referir que perscrutando as alegações recursivas, não se deteta o concreto fundamento nem a verdadeira razão para a impugnação da Requerente/recorrente relativamente a este ponto de facto, tanto mais que conclui no sentido de que «(…) deverá ser considerado como provado os itens 8 (…) dos factos dados como não indiciados, nomeadamente, que os montantes arrolados não consistem em depósitos a prazo nem em apólices de seguro, mas o saldo da conta à ordem».

S.m.j., ao concluir desta forma, está a Requerente/recorrente a evidenciar/reconhecer a sem razão da impugnação apresentada, pois que é precisamente por os saldos arrolados consistirem no “saldo da conta à ordem” que, a contrario [é obvio de compreender!] se considerou como “não indiciado” que «Os montantes arrolados não constituem nem depósitos a prazo, nem apólices de seguro»…

Improcede manifestamente a impugnação neste ponto.

¨¨¨

           Vejamos, para finalizar esta parte, o ponto de facto “não indiciado” sob “9)” que tem a seguinte redação literal:

«9) O valor relativo ao resgate foi utilizado para despesas comuns do casal.»

Argumenta a Requerente/recorrente que foram efetuados sucessivos depósitos e movimentos nessa conta bancária no âmbito da economia comum do casal, isto é, em síntese, que «[A] movimentação da conta, conforme resulta dos factos dados como provados em MM), era utilizada para despesas de alimentação em superfícies comerciais, combustível, vestuário, via verde e outras, quase diárias, correntes do agregado familiar.»

Será assim?

Não se denega o que resultou apurado sob MM) dos factos “indiciados”, a saber, que a dita conta da Banco 1... «era utilizada para despesas de alimentação, em superfícies comerciais, para combustível, vestuário, restauração e via verde, ou seja, para despesas correntes do agregado familiar».

Sucede que, também resulta da factualidade apurada, mormente do ponto de facto “indiciado” sob “Q)”, que houve diversas entradas a crédito na conta bancária em causa, possibilitando qualificá-las como bens próprios e pessoais do Requerido/recorrido, nos concretos moldes que o mesmo detalhou/pormenorizou sob os pontos de facto “indiciados” sob “R)” a “Y)”. 

Ora, consabidamente, o dinheiro é um bem, por natureza e definição “fungível”[2],  pelo que, não é possível concluir qual o concreto e preciso destino do valor relativo ao resgate, ou seja, tanto podia ter sido para o fim a que se alude neste ponto de facto, como não ter sido.

Nesta mesma linha de entendimento, sublinhou-se na “motivação” da decisão final recorrida que «(…) é impossível distinguir qual a proveniência dos valores que estão a ser gastos a cada momento».

Acresce que se bem compulsarmos o extracto detalhado da conta bancária em causa [fls. 86-90 da versão dos autos papel], não pode deixar de se concluir que aquando da entrada do valor do resgate [€ 7.476,39], que teve lugar em 12.09.2019, o saldo da conta estava em € 6.886,82 [tendo passado para € 14.363,21], e que menos de dois meses até ao momento em que teve lugar a constituição do depósito a prazo de € 10.000 [em 7.11.2019, isto é, menos de 2 meses decorridos], houve efetivamente alguns/poucos débitos na conta que se podem atribuir a “despesas correntes do agregado familiar”, mas todos eles de pequenos montantes, e tanto assim é que o saldo positivo, à data da constituição do depósito a prazo, se encontrava em € 13.973,79.

O que, só por si, justifica que se desse o dito ponto de facto sob “9)”, com a redação que tinha, como “não indiciado”.

Termos em que também improcede a impugnação apresentada quanto ao mesmo.

                                                                       *

4 - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Cumpre então entrar na apreciação da questão supra enunciada, a saber, a de que houve desacerto da decisão que levantou (parcial ou restritamente) o arrolamento decretado nos autos.

Ora – e ressalvado o juízo antecipatório! – não pode deixar de se reconhecer razão à Requerente/recorrente no que toca a uma das vertentes da questão, a saber, a que se traduziu na autorização do Requerido/recorrido a movimentar a conta do Banco 2... sem necessidade de autorização escrita da Requerente/recorrente.

Senão vejamos.

Começando então pela questão concernente à conta da Banco 1....

Já começou por se adiantar que nessa parte não assiste razão à Requerente/recorrente.

O que, no quadro fáctico apurado, salvo o devido respeito, se afigura como claro e inequívoco.

Com efeito, recorde-se que o arrolamento decretado ab initio em 02.02.2024, incidiu sobre a totalidade do montante dela constante, a saber, sobre € 13.309,47 [cf. facto “indiciado” sob “F)”].

Na sequência da Oposição deduzida pelo Requerido/recorrido, na sentença/decisão final proferida, em 20.08.2024, considerou-se, em suma, que face à factualidade apurada, importava concluir no sentido de que, quanto a essa conta da Banco 1..., falecia efetivamente um dos pressupostos para que pudesse ser mantida a providência cautelar especificada de arrolamento quanto a € 11.958,13 [mantendo-se em relação à diferença, a saber, € 1.351,34].

Contra tal insurge-se a Requerente/recorrente, pugnando em sede do recurso que interpôs no sentido da reposição do arrolamento sobre a totalidade do montante existente em saldo [isto é, sobre os € 13.309,47].

A sentença/decisão final que procedeu ao levantamento parcial, fundamentou-se para tanto na “natureza própria” de € 11.958,00 dos € 13.309,47 arrolados na dita conta da Banco 1... [Conta da Banco 1..., balcão de ..., com o nº ...43, cf. o assente sob “Q)”], mais concretamente assente na seguinte linha de argumentação:

«(…)

Com efeito, relativamente à conta da Banco 1..., são próprios os valores monetários descriminados em Q), porquanto não foram obtidos pelos cônjuges na constância do matrimónio, nem resultou do trabalho de ambos (art. 1724º do CC).

Pelo contrário, são o dinheiro que o requerido tinha como seu antes do casamento com a requerente e os frutos respetivos.

Prescreve o art. 1722º do CC:

“São considerados próprios dos cônjuges: a) Os bens que cada um deles tiver ao tempo da celebração do casamento; b) Os bens que lhes advierem depois do casamento por sucessão ou doação”.

Não se trata de um caso de dúvida sobre a comunicabilidade de bens móveis, para efeitos do art. 1725º, sendo certo que valor existente à data do arrolamento cobre a soma do que pertence exclusivamente ao requerido.

Note-se, aliás, que as aplicações em depósitos a prazo e seguros foram sempre feitas em nome do requerido, sem oposição da requerente.

Acresce que a finalidade desta providência cautelar de arrolamento é meramente inventariativa e, assim, instrumental da operação de partilha.

Falece, pois, um dos pressupostos para que possa ser mantida a providência cautelar especificada de arrolamento quanto aos referidos €11 958, 13, mantendo-se em relação à diferença, a saber, €1 351, 34.

Não se trata, pois, de bem comum, ou – sendo como é bem próprio do requerido - que esteja sob a administração da requerente.»

Argumenta quanto a este particular a Requerente/recorrente que «[Nos] termos do artigo 1724º do CC, o produto do trabalho dos cônjuges integra a comunhão e nos termos do artigo 1725º do mesmo diploma legal, quando existam dúvidas sobre a comunicabilidade, os bens consideram-se comuns».

Sucede que – e releve-se o juízo antecipatório! – não lhe assiste qualquer razão.

Desde logo porque não resultou apurado [leia-se “indiciado”], que a totalidade do saldo em causa [os ditos € 13.309,47] tivesse sido obtido pelos cônjuges na constância do matrimónio, ou que fosse o resultado do trabalho de ambos.

Assim, não se lhe aplica o disposto no invocado art. 1724º do C.Civil[3].

Atente-se que a dita conta bancária no Banco 1... é titulada unicamente pelo Requerido[4], tendo sido por este aberta, em 26-01-2023, «(…) por força do facto de o banco Banco 3..., onde o mesmo tinha as suas poupanças de solteiro, ter fechado o seu balcão na ..., razão pela qual o requerido optou por transferir essas poupanças para esta nova conta da Banco 1... na referida data.» [cf. factos “indiciados” sob “L)” e “M)”]

Consabidamente, o art. 516º do C.Civil faz presumir que os titulares de depósitos solidários participam nos valores depositados em montantes iguais, mas «[A] titularidade da conta não predetermina a propriedade dos fundos nela contidos, que pode pertencer apenas a algum ou alguns dos seus titulares ou mesmo até porventura a um terceiro».[5]

A esta luz, não sendo, como não era, a Requerente/recorrente titular ou contitular inscrito no contrato de depósito com o Banco, nem sequer há que atender à eventual presunção de contitularidade do dinheiro depositado na conta em causa…

Por outro lado, «[R]egulando-se a conta colectiva pelos princípios que comandam a solidariedade activa no nosso regime civilístico, a presunção de compropriedade da mesma só valerá se não se provar que só um dos co-titulares é o único beneficiário do dinheiro depositado.»[6]

Ora se assim é, por maioria de razão valerá e prevalecerá relativamente a uma conta bancária com um único titular, in casu o Requerido/recorrido, o que resultar provado em concreto por este relativamente à propriedade das quantias depositadas.

Sucedendo que este efetivamente demonstrou, mormente face ao que consta do ponto de facto “indiciado” sob “Q)”, que houve diversas entradas a crédito na conta bancária em causa, possibilitando qualificá-las como bens próprios e pessoais dele Requerido/recorrido, nos concretos moldes que o mesmo detalhou/pormenorizou sob os pontos de facto “indiciados” sob “R)” a “Y)”.

Assim sendo, porque a soma aritmética dos parciais elencados no ponto de facto “indiciado” sob “Q)” corresponde efetivamente ao montante de € 11.958,00, nada há a censurar à decisão final ora recorrida, assente como foi na “natureza própria” do mesmo, isto é, de se tratar de bem próprio e exclusivo do Requerido/recorrido, donde sobre o qual o arrolamento não podia subsistir.

                                                           ¨¨

Vejamos agora da solução a dar no que respeita à conta do Banco 2....

Recorde-se que, neste particular, concomitantemente com o arrolamento decretado ab initio em 02.02.2024, o Requerido/recorrido ficou a necessitar de autorização escrita da Requerente/recorrente para a movimentar.

Sendo que foi precisamente um dos principais fundamentos para a Oposição deduzida por este, a necessidade e o objetivo de a poder movimentar sem a autorização da Requerente.

No que logrou procedência, como já visto.

Com tal não concorda a Requerente/recorrente, suscitando tal questão nas suas alegações recursivas, fundamentando essa sua posição, de forma muito sintética e linear, no argumento de que a manutenção do arrolamento «(…) será essencial para o processo crime em curso e para o processo de inventário a instaurar», e bem assim porque «[E]xiste justo receio de extravio dos montantes depositados, o qual já ocorreu na conta do Banco 2..., com prejuízo notório para a Requerente».

Que dizer?

Em primeiro lugar, cumpre sublinhar que a alteração deferida em sede da decisão final ora sob recurso (após a Oposição do Requerido), não se traduziu no levantamento do arrolamento quanto à conta do Banco 2... (em qualquer medida que fosse), antes e tão só, em estabelecer que o Requerido poderia movimentar tal conta sem a autorização escrita da Requerente.

Consabidamente, o arrolamento visa impedir o extravio, a ocultação ou a dissipação de bens ou de documentos.

Temos presente que existe uma linha de entendimento segundo a qual o arrolamento não implica o bloqueio do saldo bancário, podendo o requerido continuar a dispor livremente desse saldo[7].

Isto em sintonia com a tese de que o arrolamento nem sequer teria como escopo uma apreensão efetiva dos bens em causa, isto é, dos montantes existentes em dinheiro (que serão bens comuns) em diversas contas bancárias (que estejam somente em nome do requerido).

Contudo, parece-nos muito mais curial e fundado o entendimento de que tendo o arrolamento recaído sobre um saldo de um depósito bancário, este deva ficar bloqueado, por aplicação subsidiária do regime da penhora de saldos bancários, previsto no artigo 780º do n.C.P.Civil.

Nesse preciso sentido, já foi doutamente sustentado que «se o arrolamento recair sobre um saldo de um depósito bancário, esse saldo deve ficar bloqueado, por aplicação subsidiária do art. 780.º. É que, se assim não se entendesse, a providência cautelar de arrolamento não cumpriria a sua finalidade, qual seja a de garantir a conservação dos bens em caso de justo receio de extravio, ocultação ou dissipação dos mesmos, razão pela qual o requerente ver-se-ia forçado a complementar o arrolamento com o pedido de decretamento de uma outra providência cautelar (não especificada), tendente a impedir a movimentação da respetiva conta bancária – sob pena de, não procedendo deste modo, o requerido poder dissipar todo o dinheiro depositado na instituição bancária –, solução que não se afigura minimamente razoável ou sustentável.».[8]

Assim como já foi decidido que «(…), havendo receio de que os interessados titulares da conta bancária ocasionem o extravio/dissipação desses depósitos bancários, assim impedindo a sua entrega a quem couberem em partilha, não devem tais interessados ser nomeados depositários, por ocorrer manifesto inconveniente nos termos do art.º 408.º, n.º 1, do NCPCiv., antes se justificando a nomeação da respetiva entidade bancária como depositária, a dever impedir a movimentação da conta a débito, sem o que o procedimento não cumpriria a sua essencial função conservatória.»[9]

A esta luz, o objetivo do arrolamento não se reconduz, apenas, à identificação dos bens sobre os quais incide o direito do requerente, visando, também, garantir a persistência dos bens até lhe ser dado destino na ação principal.

Sendo também por isso que o legislador, na iminência da dissolução do contrato conjugal, dá como assente a verificação de um justo receio, dispensando a respetiva prova, sendo este o alcance do nº3 do atual art. 409º do n.C.P.Civil.

Cremos que foi na ponderação e acolhimento desta segunda linha de entendimento que teve lugar o arrolamento ab initio decretado, sendo certo que foi concretizado pela instituição bancária Banco 2... através da cativação de todos e quaisquer saldos existentes na conta aí existente, mantendo-a bloqueada [cf. facto “indiciado” sob “H)”].

S.m.j., preside a tudo isto a ideia de estar subjacente ao arrolamento sempre o risco de extravio, ocultação ou dissipação de bens ou documentos e a necessidade de prevenção desse risco no sentido de assegurar a manutenção e conservação desses bens (ou documentos) de modo a garantir a efetividade do direito (ou interesse) a que o requerente se arroga e que lhe venha a ser reconhecido na ação da qual o arrolamento é dependência.

Esta ideia é ponderosa e não vislumbramos como dissentir dela livremente no caso vertente.

Atente-se que o objetivo do arrolamento in casu não se reconduzia – ou não se reconduzia apenas – à identificação dos bens sobre os quais incide o direito da Requerente (no caso, os bens futuramente a partilhar), visando essencialmente assegurar a permanência e conservação desses bens até à realização da partilha e prevenir o risco de extravio, ocultação ou dissipação desses bens com vista a assegurar que a Requerente do arrolamento possa tomar posse efetiva dos bens que lhe venham a caber nessa partilha.

Aliás, esse risco não terminava necessariamente – parece-nos – com a mera descrição dos bens no contexto do divórcio do casal, antes esse risco poderia manter-se, naturalmente, após a identificação/relacionação dos bens, frustrando a expetativa e o direito da Requerente relativamente aos bens que lhe venham a caber em futura partilha.

É que, como já foi doutamente salientado, o arrolamento tem como finalidade garantir a persistência dos bens até lhe ser dado destino na ação principal.[10]

Ora se assim é, existia um risco sério e real de extravio, ocultação ou dissipação dos montantes monetários em causa enquanto a descrição, avaliação e depósito respetivo não estivesse efetivamente operada, e particularmente no que a este último diz respeito, se encontrasse salvaguardado que não mais tivesse lugar a sua livre movimentação pelo Requerido.

Dito de outra forma: ficaria em causa a eficácia do arrolamento, se tivesse lugar a livre movimentação de todo o saldo bancário existente na dita conta do Banco 2... pelo Requerido.

Ademais porque resulta também indiciariamente apurado nos autos o Requerido já ter procedido ao levantamento da quantia de € 53.579,81[11] no período que decorreu entre a separação do casal formado por ele com a Requerente, e o decretamento do arrolamento.

Sem embargo do vindo de dizer, também não se pode nem deve desconsiderar o que também resultou indiciariamente apurado nos autos, mais concretamente, que «A conta do Banco 2..., com o n.º ...55, está afeta ao exercício da atividade profissional do requerido com a exploração do restaurante A...» [cf. facto “indiciado” sob “O)”], e que «O bloqueio da conta do Banco 2... tem trazido transtornos ao requerido quanto ao pagamento de contas a fornecedores e todas as outras afetas ao exercício da sua atividade profissional» [cf. facto “indiciado” sob “P)”].

Sendo certo que foi por ser dado prevalência aos interesses do Requerido com tal conexionados, pelo mesmo suscitados na Oposição que deduziu, que lhe foi dada procedência na decisão final ora sob recurso!

Assim, intentando alcançar um equilíbrio e compatibilização entre os interesses contrapostos em presença, cremos que tal passará por aderir a um entendimento que se pode considerar intermédio, mas que, no fundo é sensível à mesma ordem de interesses do referenciado segundo grupo por último citado [qual seja, o de a movimentação não ser livre após o arrolamento], o que se traduz em que o Requerido apenas fica livre de movimentar metade do valor/saldo existente e anteriormente arrolado.

De referir que numa ponderação algo semelhante já foi doutamente decidido que «[E]m caso de arrolamento de depósitos bancários, devem nomear-se como depositários desses saldos requerente e requerido, cada um na proporção de metade do respectivo valor».[12]

Ademais, não se encontra impedido o Requerido de abrir outra(s) conta(s) bancária(s) para o livre exercício do seu comércio…

Nestes termos procedendo a apelação, com a revogação da decisão recorrida atinente a este último particular, e sua substituição por outra que, reduz a livre movimentação da conta do Banco 2... pelo Requerido, no exercício do comércio implicado pelo estabelecimento “A...”, a metade do valor/saldo existente e anteriormente arrolado.

                                                           *                    

5 – SÍNTESE CONCLUSIVA  (…).

                                                            *

6 - DISPOSITIVO

Pelo exposto, decide-se a final, dar parcial procedência à apelação, em consequência do que se revoga em parte a decisão recorrida, substituindo-a na parte relativa à conta do Banco 2..., face ao que o correspondente segmento da decisão anteriormente proferida passa a ter a seguinte redação: «quanto à conta do Banco 2... nº...55, mantendo-se o arrolamento, determina-se que o requerido, na qualidade de depositário, pode movimentá-la sem necessidade de autorização escrita da requerente quanto a metade do valor/saldo existente e anteriormente arrolado, no estrito exercício do comércio implicado pelo estabelecimento “A...”».

           Custas do recurso pela Requerente e pelo Requerido, na proporção de metade para cada um.

                                                                       *

                                Coimbra, 11 de Fevereiro de 2025

Luís Filipe Cravo

Fernando Monteiro

 Carlos Moreira


[1] Relator: Des. Luís Cravo
  1º Adjunto: Des. Fernando Monteiro
  2º Adjunto: Des. Carlos Moreira
[2] Numa definição breve retirada da Wikipédia, «Fungibilidade é o atributo pertencente aos bens móveis que podem ser substituídos por outros da mesma espécie, qualidade e quantidade».
[3] No qual, sob a epígrafe de “Bens integrados na comunhão”, se preceitua o seguinte:
«Fazem parte da comunhão:
a) O produto do trabalho dos cônjuges;
b) Os bens adquiridos pelos cônjuges na constância do matrimónio, que não sejam exceptuados por lei.»
[4] Sendo ela “utilizada “pela Requerente “através de cartão multibanco” [cf. facto “indiciado” sob “LL)”].
[5] Citámos o acórdão do STJ de 15.11.2017, proferido no proc. nº 879/14.9TBSSB.E1.S1, acessível em www.dgsi.pt/jstj.
[6] Assim, inter alia, o acórdão do STJ de 01.07.2010, proferido no proc. nº 1315/05.7TCLRS.L1.S1, igualmente acessível em www.dgsi.pt/jstj.
[7] Neste sentido, inter alia, os acórdãos do TRP de 21.1.2008 (proferido no proc. nº 0754997), e do  TRL de 12.11.2014 (proferido no proc. nº 273/14.1TBSCR-B.L1-8), ambos acessíveis em www.dgsi.pt, decidindo-se no último dos arestos citados que «O arrolamento de depósitos bancários não invalida a sua possível movimentação pelo seu titular, já que este arrolamento especial não pretende impedir a normal utilização dos bens arrolados, mas obviar ao seu extravio ou dissipação, o que se atinge com a descrição, avaliação e depósito dos bens.»
[8] Assim por MARCO GONÇALVES, in texto da intervenção proferida no Centro de Estudos Judiciários no dia 16 de março de 2018, no âmbito da ação de formação contínua Temas do Direito Civil e Processual Civil, https://elearning.cej.mj.pt/course/view.php?id=760, p. 15; na jurisprudência, vide neste mesmo sentido, inter alia, os acórdãos do TRL de 23.4.2015 (proferido no proc. nº 3376/14.9T8FNC-A.L1) e de 2.7.2015 (proferido no proc. nº 4899/14.5T2SNT.L2-2), ambos acessíveis em www.dgsi.pt.
[9] Citámos, agora, o acórdão do TRC de 27.02.2018, proferido no proc. nº 131/11.1TBVLF-B.C1, igualmente acessível em www.dgsi.pt.
[10] Cfr. ABRANTES GERALDES, in “Temas da Reforma do Processo Civil”, IV Volume, a págs. 259.
[11] Cf. facto indiciariamente apurado sob “G)”: «Com data de 02.02.2024, foi comunicado aos autos que o saldo da conta bancária n.º...55, do Banco 2..., era:
-a 01.07.2023 - € 54 648, 83;
- a 24.01.2024 - € 508, 12»  
[12] Assim o acórdão do TRG de 19.6.2014 (proferido no proc. nº 1281/12.2TBEPS-B.G1), também ele acessível em www.dgsi.pt.