ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ANÁLISE CRÍTICA DA PROVA PELO RECORRENTE
AÇÃO DE REIVINDICAÇÃO
Sumário

1. A Relação só poderá/deverá alterar a decisão de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa (art.º 662º, n.º 1 do CPC).
2. Não basta ao recorrente atacar a convicção que o julgador for­mou sobre cada uma ou sobre a globalidade das provas, para provocar uma alteração da decisão da matéria de facto, mostrando-se necessário que cumpra os ónus de especifica­ção impostos pelos n.ºs 1 e 2 do art.º 640º do CPC, devendo ainda proceder a uma análise crítica da prova, de molde a demonstrar que a decisão proferida sobre cada um dos concretos pontos de facto, que pretende ver alterados, não é possível, não é plausível ou não é a mais razoável.
3. Se as partes discutem o título de aquisição, como se, por exemplo, o autor pede o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre determinado logradouro, porque a adquiriu por usucapião, a ação é de reivindicação (art.º 1311º do CC).
(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral

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Relator: Fonte Ramos
Adjuntos: Vítor Amaral
                  Carlos Moreira


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                Sumário do acórdão:       

           

               


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Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

           I. Em 15.7.2022, AA, intentou a presente ação declarativa comum, contra BB e marido, CC, pedindo que se declare que a A. é dona e legítima possuidora dos prédios identificados no art.º 1º da petição inicial (p. i.) e que os atos praticados pelos Réus, descritos nos art.ºs 60º a 66º da p. i., violam o seu direito de propriedade, e, consequentemente, sejam os Réus condenados: a reconhecerem que a A. é dona e legítima possuidora dos referidos prédios, com a composição, área e confrontações identificadas na p. i.; absterem-se, a partir desta data, de praticar qualquer ato que prejudique/lese os mencionados direitos de propriedade da A. sobre esses prédios; a removerem todos os bens e a demolirem todas as obras descritas nos art.ºs 50º a 66º da p. i., bem como todos os detritos ainda existentes no logradouro resultantes da sua atuação ilícita; a pagarem uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, no montante global de € 11 000, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento e, ainda, uma sanção pecuniária compulsória, no montante diário de € 20, a favor da A., caso não se abstenham da prática dos atos supra referidos.

           Alegou, em síntese: os prédios descritos no art.º 1º da p. i., inscritos a seu favor e o prédio dos Réus, descrito no art.º 12º da p. i., confinantes pelo lado nascente (poente do dos Réus), pertenceram aos seus avós paternos, tendo o seu avó paterno, em 1977, afeto o prédio que hoje é dos Réus à exploração de um aviário e realizado uma verdadeira separação física/demarcação entre os prédios, tendo, nessa altura, assinalado as estremas naturais entre os prédios identificados nos art.ºs 1º e 12º da p. i., coincidentes com as indicadas nos documentos de fls. 29 e seguintes; o seu prédio tem uma área de logradouro, com aproximadamente 1602 m2, a qual foi sempre limpa e mantida de modo exclusivo, a partir de 1977, por si e pelos seus antecessores, acedendo-se aos prédios afetos ao aviário através desse logradouro, o qual ficou então onerado com uma servidão de passagem a pé e de carro, para acesso e trânsito de pessoas e veículos, por destinação de pai de família em proveito do prédio dos Réus; estes, desde que adquiriram o prédio descrito em 12º da p. i., assumiram um comportamento que viola o seu direito de propriedade e o uso da referida servidão, tentando apropriar-se de uma parcela de terreno que faz parte do seu logradouro, causando-lhe danos patrimoniais e não patrimoniais.

           Os Réus contestaram, arguindo a nulidade do processo por ineptidão da p. i., impugnando os seus fundamentos e alegando que existe apenas um portão de entrada para o logradouro e que ambos os proprietários o teriam de usar para aceder às suas propriedades e que a estrema poente do seu prédio/nascente do da A., se inicia a meio do portão principal em direção às habitações, que se encontram bem delimitadas pela traça da construção, janelas e escadas, e continua até à lateral esquerda das escadas da habitação da A./Reconvinda, e deriva ligeiramente para poente em direção a uma vala natural, existente desde sempre no local e que demarca/separa os imóveis rústicos (quintas) das partes, e que se estende para sul até à barroca, limite da freguesia.

           Concluíram pela sua absolvição da instância ou do pedido. Reconvindo, pediram que a A. seja condenada a concorrer para a demarcação das estremas respetivas, reconhecendo e aceitando as indicadas pelos Réus/Reconvintes (desde sempre existentes) como verdadeiras e corretas.

           Na réplica, a A./Reconvinda pugnou pela improcedência da arguida nulidade, pela inadmissibilidade do pedido reconvencional, impugnando, à cautela, os factos em que o mesmo se consubstancia e pugnando pela sua improcedência.

           Foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a matéria de exceção, firmou o objeto do litígio e enunciou os temas da prova.

           Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal a quo, por sentença de 14.8.2024, julgou parcialmente procedente a ação e, consequentemente: a) reconheceu a A. como dona e legítima proprietária do prédio urbano, destinado a habitação, composto por casa de habitação, dependência e logradouro adjacente, com a área total de 1 848 m2, que confronta de norte com o Largo ..., nascente atualmente com os Réus, sul com a A. e poente com DD, inscrito na respetiva matriz sob o art.º ...47 da União das freguesias ..., ..., ... e ... (proveio do art.º ...72 da extinta freguesia ...), e descrito na Conservatória do Registo Predial ... com o n.º ...09 da freguesia ..., sito em Vale ...; b) reconheceu a A. como dona e legítima proprietária do prédio rústico sito aos ..., composto por terra de pastagem, pinhal, outras árvores e anexos, com a área matricial global de 42 020 m2, que confronta de norte com a Câmara Municipal, nascente com os Réus, sul com Barroca - limite de freguesia e poente com EE, inscrito na respetiva matriz sob o art.º ...65 da União das freguesias ..., ..., ... e ... (proveio do art.º ...69 da extinta freguesia ...), e descrito na Conservatória do Registo Predial ... com o n.º ...09 da freguesia ..., sito em Vale ...; c) condenou os Réus a reconhecer o aludido direito de propriedade da A. sobre os identificados prédios, com a composição, área e confrontações indicadas em a) e b); d) condenou os Réus a absterem-se de praticar qualquer acto que prejudique/lese o declarado direito de propriedade; e) condenou os Réus a removerem todos os bens e detritos que ainda subsistam no logradouro do prédio aludido em a), bem como a demolirem o degrau em cimento com 3,4 metros x 1 metro x 15 cm, que edificaram na zona do logradouro junto à porta de acesso a um dos pavilhões que integra o seu prédio; f) condenou os Réus a pagarem à A., a título de danos não patrimoniais, a quantia de € 750, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a data da sentença até integral pagamento; g) absolveu os Réus do demais pedido. Julgou totalmente improcedente o pedido reconvencional, absolvendo a A..

           Dizendo-se inconformados, os Réus apelaram formulando as seguintes conclusões:[1]

           1ª - No Despacho Saneador foi identificado como objeto do litígio uma “ação de reivindicação dirigida a uma parte de um imóvel, com reconvenção visando a parcela reivindicada” (SIC).

            2ª - Tendo ficado determinado que os temas de prova a que se referem os autos se reconduziam a apurar: “1 - Definição, como integrante do prédio da autora, da parte do solo em disputa; 2 - Natureza e valor dos prejuízos causados à autora; 3 - Definição, como integrante do prédio dos réus, da parte do solo em disputa” (SIC).

           3ª - Quando, no Despacho Saneador, é fixado o objeto do litígio, esse despacho adquire força de caso julgado formal, ou seja, dentro daquele processo específico, ele vincula as partes e o tribunal quanto à delimitação das questões que serão objeto de decisão na Sentença final.

           4ª - Essa vinculação significa que o juiz, na fase de Sentença, deve obrigatoriamente respeitar os limites do objeto do litígio já fixado.

           5ª - Se o juiz não se pronuncia sobre uma ou mais questões incluídas no objeto do litígio, há uma nulidade por omissão de pronúncia. Este vício decorre do art.º 615º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil (CPC), que prevê como causa de nulidade a falta de pronúncia sobre questões que o tribunal deva apreciar.

           6ª - Se o juiz decide questões que não estavam incluídas no objeto do litígio, há uma nulidade por excesso de pronúncia, prevista no mesmo artigo, uma vez que o juiz está impedido de decidir fora do que foi definido como objeto do litígio, sendo que a decisão além do que foi delimitado constitui um erro de julgamento.

            7ª - O Despacho Saneador faz caso julgado formal em relação às matérias que decide, significando isso que, uma vez transitado em julgado, torna-se inalterável no âmbito desse processo, vinculando o tribunal e as partes às definições nele contidas quanto ao objeto do litígio e aos temas de prova.

           8ª - Devendo, portanto, a Sentença cingir-se às questões definidas como objeto do litígio no Despacho Saneador e aos temas de prova que foram fixados, coisa que, in casu, não aconteceu.

            9ª - Se o juiz decidir sobre questões que não foram previamente definidas em tal Despacho como objeto do litígio, haverá uma violação das regras processuais, nomeadamente do Princípio do Contraditório, que garante que as partes devem ser ouvidas sobre todas as questões que serão decididas.

           10ª - Portanto, se o Despacho Saneador não incluiu expressamente a demarcação de quaisquer prédios que foram mencionados na Petição Inicial, a Sentença que vier (e veio) a decidir sobre essa questão será considerada extra petita (isto é, para além do que foi pedido ou decidido no desenrolar do processo).

           11ª - Nestes autos, o Despacho Saneador fixou apenas a questão da reivindicação e da propriedade em relação a um dos prédios, não podendo assim o tribunal decidir sobre a demarcação deste e de outro prédio não abrangido por esse objeto, mesmo que tenha sido inicialmente (e de forma proibida, o que dá azo a manifesta Ineptidão) pedido na Petição Inicial.

            12ª - Tal decisão viola o princípio da congruência entre a Petição Inicial, o Saneador e a Sentença.

           13ª - A doutrina e a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem seguido esta linha de raciocínio, sendo bastante restritiva em relação à extensão dos poderes do tribunal no momento da prolação da Sentença, sempre em respeito ao Princípio da Congruência.

           14ª - O Acórdão do STJ de 22.3.2018-Processo n.º 3925/11.8T2AVR é um exemplo relevante, pois, neste Acórdão, o tribunal sublinhou que a Sentença não pode decidir sobre matéria que não tenha sido incluída no objeto da causa fixado pelo Saneador, mesmo que tal matéria tenha sido inicialmente invocada na Petição Inicial (a menos que tenha havido uma modificação objetiva da instância, nos termos dos artigos 260º e 265º do CPC, o que, aqui, não ocorreu).

            15ª - Se o litígio incide sobre a determinação dos limites entre prédios, especialmente quando existem dúvidas sobre a quem pertence uma faixa de terreno entre dois confinantes, o mais adequado e teleologicamente exigível será recorrer à ação de demarcação.

            16ª - A ação de reivindicação não é o meio correto se o objetivo for apenas clarificar os limites, uma vez que não se trata aqui de discutir a titularidade de um bem (o título de propriedade e a forma de aquisição da mesma), mas sim os seus limites ou configuração material em relação a outro prédio confinante.

           17ª - Se a Sentença recorrida reconhece, como acontece, a titularidade de um prédio quando esta questão já foi aceite e confessada pelas partes (constando, por isso mesmo, nos Factos Provados) mas, posteriormente, decide incluir na delimitação desse prédio uma faixa de terreno e acaba por definir os limites entre os prédios, é visível que a Sentença se está a pronunciar sobre uma matéria que não pode ser objeto da ação de reivindicação.

           18ª - Assim, se a Sentença no âmbito de uma ação de reivindicação, vier a pronunciar-se sobre a delimitação de prédios (quando a titularidade do prédio já estava aceite) padece de nulidade, por estar a decidir questões que deveriam ser discutidas numa ação de demarcação, o que aconteceu neste processo, invocando-se, assim, tal nulidade.

           19ª - Por outro lado, e até ad maior, os RR/Reconvintes alegaram na sua Contestação a Ineptidão da Petição não tendo os seus fundamentos para tal Exceção Dilatória sido atendidos, mostrando-se claro que a P. I. era/é mesmo inepta e só o facto de não ter sido declarada assim pelo tribunal a quo deu azo e está na génese duma Decisão completamente farisaica e fértil em nulidades.

            20ª - Neste caso, a Petição Inicial seria inepta porque: a A causa de pedir (determinação dos limites entre os prédios) não corresponde ao pedido de reivindicação, que pressupõe disputa sobre a posse ou titularidade do imóvel; existe uma incompatibilidade entre o pedido e os factos alegados, já que o que está em causa é a linha de demarcação e não a posse ou propriedade do imóvel.

           21ª - A reivindicação é uma ação destinada à restituição de um bem possuído por outrem sem justa causa e não se confunde com ações cuja finalidade seja apenas delimitar propriedades - quando o objetivo é fixar limites entre propriedades, o instrumento processual adequado é a ação de demarcação, conforme previsto nos artigos 1353º e seguintes do Código Civil (CC).

           22ª - A reivindicação destina-se à proteção do direito de propriedade, enquanto a demarcação visa prevenir ou resolver conflitos entre prédios confinantes através da fixação de marcos ou outros meios que determinem os limites.

            23ª - Nesta senda, a jurisprudência tem sido coerente em afirmar a inadequação da ação de reivindicação quando o litígio diz respeito à fixação de limites entre prédios, devendo ser utilizada a ação de demarcação.

            24ª - Assim, a Petição Inicial que usa a ação de reivindicação para resolver uma questão de demarcação deve ser considerada inepta, por não respeitar a sistemática legal para a resolução de litígios sobre limites entre propriedades.

           25ª - A ação de reivindicação, regulada pelo artigo 1311º do CC, visa a restituição de um bem imóvel ao proprietário, requerendo que este prove a sua titularidade e a posse injusta do réu, no entanto, esta ação não serve para resolver questões de limites entre prédios vizinhos.

           26ª - Por isso, se na Petição Inicial de uma ação de reivindicação, o verdadeiro propósito dos autores for definir esses limites, e não reivindicar a posse de um imóvel, tal pedido será inepto, uma vez que a ação de reivindicação não é o meio processual adequado para esse fim.

            27ª - In casu, a Sentença vem reconhecer a Autora como dona e legítima proprietária do prédio rústico inscrito na respetiva matriz sob o art.º ...65 da União das freguesias ..., ..., ... e ..., com a composição, área e confrontações indicadas, quando o Objeto do Litígio não indicou (postulou) como questão a decidir o que quer que fosse relativamente a este assunto e a presente ação foi formulada e seguiu regras duma ação de reivindicação.

           28ª - E também reconhece que a Autora é dona e legítima proprietária do prédio urbano, destinado a habitação, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...47 da União das freguesias ..., ..., ... e ..., sendo tal direito de propriedade reconhecido com a composição, área e confrontações indicadas, mostrando-se esta decisão (para além de materialmente surpreendente, como se exporá

infra) completamente inusitada uma vez que a titularidade deste prédio nunca foi posta

em causa pelos RR/Reconvintes, estando aceite e assente por confissão e acordo das partes, outrossim, o que opõe a pretensão da Autora à dos RR é a linha de demarcação

relativa ao logradouro existente na parte confinante dos prédios propriedade de cada uma das partes, é dizer, o que está em causa é a demarcação e não qualquer reivindicação entre tais prédios.

           29ª - Assim, a Sentença recorrida padece dos vícios e nulidades que foram expostos, com as legais consequências que também se deixaram descritas.

            30ª - Os recorrentes, por mera cautela, e se até aí for necessário chegar, pretendem com o presente Recurso modificar a decisão proferida sobre a matéria de facto, cumprindo os requisitos formais, previstos no art.º 640º, do CPC.

            31ª - Não se conformam e é sua convicção que os factos dados como provados que sustentam a tese de que a totalidade do logradouro é propriedade da autora não o deveriam ter sido, nomeadamente os descritos sob as alíneas “H” e “X”, não passando

tal decisão de mero erro na interpretação da prova produzida que urge corrigir visando

uma apreciação correta e apropriada, geradora de verdade material e não de mero processo de intenções que parte de um juízo prévio e que configura e aprecia os elementos instrumentais (prova) apenas com o intuito de, silogisticamente, preencher e criar a convicção formal do acerto da decisão.

           32ª - Ademais, a factualidade dada como provada mostra-se inapta, por insuficiente, para sustentar a tese peregrina e inopinada de que todo o espaço do logradouro é propriedade da Autora como facilmente se intui e constata duma análise minimamente cuidada à mesma.

            33ª - Tendo em conta, desde logo, a realidade material existente no local e suficientemente patente no Auto de Inspeção ao Local que consta destes autos, conjugada com os depoimentos de testemunhas, há factos inelidíveis e impossíveis de escamotear ou “esconder” na “ramagem da história” que, de per se, são sinónimo duma realidade material que foi escamoteada e apreciada em completa negação da “natureza das coisas”.

           34ª - Perante o teor destes depoimentos (transcrição apresentada na Motivação dos depoimentos das testemunhas), prestados por testemunhas com conhecimento profundo, porque ocular, e completo em termos temporais, da factualidade pertinente, devidamente integrados e confrontados com os elementos constantes no Auto de Inspeção ao Local e toda a demais prova documental e fotográfica carreada para estes autos por ambas as partes, mostra-se completamente inusitado, por surpreendente, que a Sentença aqui recorrida possa declarar e concluir que o logradouro existente em frente dos dois prédios urbanos (o da A., e o dos RR/R) possa ser, na sua totalidade, propriedade da Autora, ou seja, que faça parte integrante, apenas e só, do prédio da mesma.

           35ª - Como é possível que um prédio, in casu o dos recorrentes, possa ter, desde a sua construção, portas, janelas, sistemas de iluminação e até (e sobretudo) uma entrada/saída através de uma escadaria (com estrutura completa) para um terreno que,

conclui-se na Sentença, pertence ao vizinho?!

            36ª - Como é possível em face dos depoimentos aqui transcritos não dar o relevo devido ao uso que durante décadas foi dado a tal logradouro pelos diferentes proprietários do prédio atual propriedade dos recorrentes?

           37ª - Será que, pelo facto de nos últimos anos, por força da utilização dada a tal prédio e das vicissitudes práticas por que o mesmo passou, o mesmo se pode ver esbulhado do terreno que, NATURALMENTE, lhe pertencia por força do sobredito (realidade material)?

           38ª - É que, e desde logo, não ficou demonstrado, não foi discutido, nem foi dado como provado (não podia!) que tenha sobrevindo alguma das causas de extinção da posse sobre tal logradouro exercida pelos diferentes proprietários do, ora, prédio dos RR, que aqui se podiam mostrar pertinentes e, teoricamente, aplicáveis (“perda da posse”) previstas no art.º 1267º, do CC.

            39ª - Sendo certo que o “abandono” (a primeira das causas aí mencionadas, art.º 1267º, n.º 1, a)) pressupõe um ato material, praticado intencionalmente de rejeição da coisa ou do direito e, mais importante, não tem aplicação à posse dos direitos reais de natureza perpétua (o caso típico é o da propriedade sobre imóveis), isto é, daqueles direitos reais que não se extinguem por renúncia do titular - em relação a estes direitos valerá o princípio consagrado no art.º 1257º, n.º 1, do CC, nos termos do qual a posse se mantém enquanto durar a atuação correspondente ao exercício do direito ou a possibilidade de a continuar.

           40ª - Mostrando-se, assim, completamente farisaica e juridicamente insustentável a conclusão de que a Autora é possuidora da totalidade do logradouro em causa e que o adquiriu através da Aquisição Originária.

           41ª - E isto porque, ad maior, analisada a prova pessoal e documental supra descrita, existem elementos bastantes (suficientes para “as necessidades da vida), designadamente, de que o logradouro em causa foi possuído, é dizer, encontrou-se na disponibilidade fáctica ou empírica de todos os proprietários que ao longo de décadas dele usufruíram e essa posse não foi interrompida ou obstaculizada por quem quer que fosse, sendo que os recorrentes sucederam na posse dos seus antecessores, independentemente da eventual prática de qualquer ato de apreensão ou de utilização da coisa.

            42ª - Sabendo-se que, por mero efeito da lei, os bens, aqui o logradouro, que integram o património desses distintos proprietários não poderão ser considerados simples res nullius, entregues à voragem ilegítima e desordenada de quem primeiro os ocupe, sendo que a posse dos RR é exatamente a mesma que a dos antigos proprietários, formando assim um todo único, havendo apenas uma alteração ou novação subjetiva na relação possessória de que eram titulares os proprietários que compõem a cadeia e os RR, atuais proprietários.

            43ª - Por força e em face de tudo quanto vem de se expor, apresentar e alegar, mostra-se imperativo, adequado e exigível que passe a constar dos Factos Provados a factualidade que tais elementos fazem emergir, nomeadamente:

           a) Que a cadeia de proprietários do prédio urbano ora propriedade dos aqui recorrentes sempre possuiu, tendo tal posse o corpus e o animus consabidamente exigíveis, pelo menos uma parcela de não menos de 5 m de largura em frente ao mesmo prédio e em toda a sua extensão, que é a medida material que a “normalidade das coisas e as “regras da experiência” (à falta duma demarcação efetuada em cumprimento da sistemática legal positivada para o assunto) mostram ser adequada, razoável e equitativa;

           b) Que tal parcela de terreno foi, desde tempos imemoriais, fruída, usada e utilizada pelos diferentes proprietários, para o efeito que bem lhes aprouve, de forma pacífica, à vista de toda a gente, de boa fé e sem que (pelo menos na referida extensão de 5 m) alguém se opusesse a tal posse ou sequer a questionasse.

            44ª - Assim, feita devida e exigível interpretação/integração com a matéria dada como provada nestes autos (incluindo aquela a que ora se reclama tal estatuto), os documentos juntos, a posição assumida pelas partes nos articulados e a própria Sentença recorrida, não se pode deixar de concluir que o tribunal a quo incorreu, também, em manifesto erro na apreciação da prova, que sendo livre não pode ser alheia

à realidade e muito menos dar azo a situações que além de ilegais e juridicamente insustentadas e insustentáveis, violam as mais elementares regras da experiência comum.

            45ª - Até porque, como é consabido, a afirmação da prova de um certo facto representa sempre o resultado da formulação de um juízo humano e, uma vez que este jamais pode basear-se numa absoluta certeza, o sistema jurídico basta-se com a verificação de uma situação que, de acordo com a natureza dos factos e/ou dos meios de prova, permita ao tribunal a formação da convicção assente em padrões de probabilidade e razoabilidade, capaz de afastar a situação de dúvida razoável.

            46ª - Pelo que o tribunal ad quem não poderá deixar de anular a decisão da matéria de facto sobre os pontos indicados pelos recorrentes, cujo teor impugnam para os efeitos legais previstos, devendo tal decisão ser substituída pelas decisões indicadas pelos recorrentes relativas a cada um desses pontos, com as consequências legais pertinentes, nomeadamente e ad maior, com a revogação da Sentença proferida, que nessa matéria, erradamente dada como provada, se baseava.

           Rematam, pedindo: “(...) julgando procedentes e verificadas as nulidades apontadas à Sentença recorrida, revogando-se a mesma e decidindo-se no sentido reclamado pelos recorrentes”.

            A A. respondeu concluindo pela improcedência do recurso.

           Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objeto do recurso, importa apreciar e decidir, sobretudo: a) “nulidades” (do processo e/ou da sentença); b) impugnação da decisão sobre a matéria de facto (erro na apreciação da prova); c) decisão de mérito, cuja modificação depende da eventual alteração da decisão de facto.


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            II. 1. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos:

            A. O prédio urbano, destinado a habitação, composto por casa de habitação e dependência, com a área total de 1 848 m2, que confronta de norte com o Largo ..., nascente atualmente com BB e marido CC, ora Réus, sul com a ora Autora e poente com DD, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...47 da União das freguesias ..., ..., ... e ... (proveio do artigo ...72 da extinta freguesia ...), e descrito na Conservatória do Registo Predial (CRP) de ... com o n.º ...09 da freguesia ..., sito em Vale ..., encontra-se inscrito em nome da Autora pela apresentação Ap. ...43 de 2017/08/28.

            B. O prédio rústico sito aos ..., composto por terra de pastagem, pinhal, outras árvores e anexos, com a área matricial global de 42 020 m2, que confronta de norte com a Câmara Municipal, nascente com BB e marido CC, ora Réus, sul com Barroca – limite de freguesia e poente com EE, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...65 da União das freguesias ..., ..., ... e ... (proveio do artigo ...69 da extinta freguesia ...), e descrito na CRP ... com o n.º ...09 da freguesia ..., sito em Vale ..., encontra-se inscrito em nome da Autora pela apresentação Ap. ...43 de 2017/08/28.

           C. Por testamento outorgado, no dia 12.3.2010, no Cartório Notarial ..., a cargo da Notária FF, lavrado a fls. 82 a 83, do livro de 1B dos testamentos, o avô paterno da Autora, GG, legou-lhe a nua propriedade dos referidos prédios.

            D. No mesmo testamento, o testador deixou o usufruto daqueles prédios à sua mulher HH, a qual também interveio no ato, dando o seu consentimento.

            E. O testador GG faleceu em 21.3.2012.

            F. Em 09.01.2019, a usufrutuária dos prédios, a avó paterna da Autora, HH, renunciou ao usufruto que detinha sobre os mesmos.

           G. Desde há mais de 60 anos que a Autora e os seus antecessores habitam o prédio urbano identificado em A., aí recebendo os seus familiares e amigos, fazendo nele obras e benfeitorias, procedendo à sua limpeza, conservação e manutenção.

           H. Nomeadamente em toda a área do logradouro adjacente, com cerca de 1602 m2, o qual tem sido limpo e mantido pela Autora e antecessores, procedendo à poda de árvores e plantas, nomeadamente das palmeiras centenárias aí existentes, plantando e mantendo outras, cuidando e limpando o chafariz aí também existente, estacionando veículos, fazendo obras, procedendo à limpeza e conservação e aumento do portão de ferro que dá acesso ao prédio, sito na estrema norte, pagando os respetivos impostos.

            I. Este prédio urbano sempre foi destinado a habitação e nele habitaram diversos familiares da Autora, tais como os bisavós da Autora, o avô, duas tias avós da Autora e, nos últimos anos, a própria Autora.

            J. E também desde há mais de 60 anos que a Autora e os seus antecessores procedem à limpeza, conservação e manutenção do prédio rústico referido em B. avivando marcos, dando-o de arrendamento, cortando pinheiros e eucaliptos, transplantando árvores, recolhendo pinhas, vindimando, semeando, reconstruindo muros de suporte, restaurando e limpando os diversos anexos nele implantados, aí guardando diversos equipamentos agrícolas, limpando e conservando os tanques, caminhos, pagando os respetivos impostos.

            K. O que fizeram sem violência, sem lesar direitos de outrem e por forma a ser conhecido por toda a gente.

            L. Na convicção de exercer um direito próprio sobre ambos os prédios.

            M. O prédio misto sito em Vale ..., União das freguesias ..., ..., ... e ..., concelho ..., composto por quatro prédios urbanos destinados a armazéns e atividade industrial, com as superfícies cobertas de 2650,65 m2, 686 m2, 1382,50 m2 e 371 m2, inscritos na respetiva matriz sob os artigos ...69, ...13, ...99 e ...88 da União das freguesias das freguesias de ..., ..., ... e ... (provenientes dos artigos urbanos ...46, ...05, ...55 e ...25 da extinta freguesia ...), e de um prédio rústico composto por terra de pastagem e árvores diversas, com a área matricial de 34540 m2, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...62 da União das freguesias ..., ..., ... e ... (proveniente do artigo rústico ...68 da extinta freguesia ...), que confronta de sul com viso, norte com caminho público, nascente com Herdeiros de II e poente com AA, ora Autora, descrito na CRP ... com o n.º ...12 da freguesia ..., encontra-se inscrito em nome dos Réus pela apresentação Ap....61 de 2021/08/03.

           N. Os Réus adquiriram o referido imóvel por escritura de compra e venda celebrada no dia 29.7.2021, no Cartório Notarial a Cargo da Notária JJ, sito em Lisboa, outorgada de fls.146 a 149 do livro de notas para escrituras diversas n.º ...56.

           O. Os prédios da Autora identificados em A. e B. e o prédio misto dos Réus identificado em M. são confinantes entre si, pelo lado nascente dos primeiros e poente do segundo.

           P. Os prédios identificados em A. e B. e o prédio misto identificado em M. pertenceram todos aos avós paternos da Autora, GG e mulher HH.

           Q. Por volta do ano de 1963, o avô paterno da Autora, GG, procedeu à constituição de uma sociedade com a firma “Aviário A...”, tendo transmitido para a mesma o prédio misto aludido em M.

            R. A referida sociedade tinha como objecto social a exploração de um aviário e teve a sua sede no local onde se situava o prédio misto identificado em M.

           S. Nessa altura, os avós paternos da Autora procederam à separação física entre os prédios afetos à atividade industrial identificados em M. e os prédios aludidos em A. e B. os quais se mantiveram afetos a habitação e à exploração familiar da Autora e dos seus antecessores.

           T. Tendo sido assinaladas e avivadas as estremas entre os prédios identificados em A. B. e M..

            U. A estrema nascente/poente entre os prédios rústicos é traçada por uma linha reta que tem o seu início num marco situado a norte e se estende para sul, com cerca de 430 metros de comprimento, sensivelmente no alinhamento de outro marco em pedra, coincidente com uma oliveira aí existente, tendo sido respeitada pelas edificações implantadas no prédio identificado em M.

            V. Foi colocado um portão com duas folhas, com cerca de 3,80 metros de largura, para acesso de veículos e outro com uma folha, com cerca de 1,20 metros de largura, para trânsito pedonal, junto à estrema nascente/poente dos prédios urbanos, na parte que confina diretamente com o referido logradouro, o qual abre para dentro do prédio aludido em M. 

            W. Foi através dessa abertura (portão) que passou a ser feito o acesso aos aviários, bem como aos edifícios afetos à parte administrativa, refeitórios.

           X. Este portão seguiu o alinhamento do prédio urbano aí implantado que foi transmitido para a sociedade Aviário A..., SA.

            Y. Foi mandada construir uma lomba junto aos portões referidos em V., para colocação de desinfetante, para que as rodas dos veículos que aí passavam fossem desinfetadas, a fim de evitar contágios dos pintainhos.

           Z. O avô da Autora fechou a porta interior por onde era efetuada a comunicação entre o prédio urbano aludido em A. e o prédio urbano contiguo que foi transmitido para a sociedade Aviário A..., onde depois passou a funcionar o refeitório afeto à exploração do aviário.

           AA. O acesso e trânsito de pessoas e veículos aos prédios urbanos afetos ao aviário passou a ser feito através do referido logradouro.

           BB. O referido acesso iniciava-se junto ao caminho público situado a norte, com uma largura de 3,95 metros, correspondente à largura do portão que aí se encontra implantado, entre dois pilares de granito, e estende-se depois em linha reta para sul, com cerca de 9,50 metros de comprimento, e depois flete para nascente, prosseguindo com a mesma largura, prolongando-se novamente em linha reta numa extensão de cerca 12,50 metros de comprimento, até atingir o prédio dos Réus, onde foi colocado o portão referido em V.

           CC. Por volta do ano de 2003 foi decretada a falência da sociedade Aviário A.... 

            DD. Nessa sequência, o prédio identificado em M. foi adquirido no âmbito do processo de insolvência, pela Banco 1..., CRL, com sede na ....

            EE. No ano de 2008, a Banco 1... procedeu à venda daquele prédio à sociedade B..., SA, com sede no ..., ..., ..., com o número de pessoa coletiva ...27.

            FF. A sociedade B..., SA reativou a exploração do aviário, no prédio identificado em M., o que sucedeu até 2017.

           GG. No ano de 2017, a sociedade B..., SA, foi também declarada insolvente.

            HH. Tendo os ora Réus adquirido o prédio identificado em M., no âmbito do processo de insolvência da sociedade B..., SA.

           II. Nessa altura foi resolvido o contrato de arrendamento florestal existente sobre o rústico aludido em M., tendo nesse momento o Arrendatário, C..., S.A., representada pelo Sr. KK, procedido ao corte e retirada dos Eucaliptos sua pertença e que se encontravam implantados nesse imóvel.

           JJ. Os RR. Reconvintes tiveram conhecimento da venda dos imóveis supra identificados, através de anúncio público da Leiloeira – D... e das condições do negócio através da mesma empresa, na pessoa do Sr. LL.

            KK. Antes de outorgarem a Escritura de Compra e Venda dos imóveis supra identificados os RR. Reconvintes visitaram o local por diversas vezes.

            LL. As habitações existentes nos prédios aludidos em A. e M. encontram-se delimitadas pela traça da construção, janelas e escadas - telhados com diferentes alturas e separados, janelas com arquitetura distintas.

            MM. No dia 30.8.2021, um trabalhador ao serviço dos Réus, sem o consentimento ou autorização da Autora, despejou telhas diversas no referido logradouro, junto à zona este do portão (e junto ao muro que confronta com a via pública), o que se repetiu em outras ocasiões.

           NN. A partir do dia 08.9.2021, trabalhadores ao serviço dos RR começaram a depositar detritos de telhas, paletes de telhas novas, tubo metálico, andaimes no logradouro e a estacionar aí diversos veículos.

           OO. Nessa sequência, trabalhadores ao serviço dos Réus danificaram o logradouro com rodados de veículos pesados.

            PP. No dia 19.11.2021, a Autora procedeu ao corte da erva e à limpeza do logradouro do prédio, à plantação de arbustos junto ao muro e à colocação de estacas à volta das árvores e do chafariz existentes no logradouro.

           QQ. No dia 20.11.2021, a Autora procedeu à poda das Roseiras existentes no logradouro.

            RR. No dia 22.11.2021, um trabalhador ao serviço dos Réus, arrancou parte dos arbustos plantados e das estacas colocadas pela Autora no logradouro no dia 19.11.2021.

           SS. Desde julho de 2021 até aos dias de hoje, os Réus e o pessoal ao seu serviço procedem ao estacionamento de veículos diversos no logradouro.

            TT. Os Réus também espalharam areia e cimento na zona dos paralelos centenários do logradouro.

           UU. No passado mês de junho de 2022, os Réus mandaram construir um degrau em cimento com 3,4 metros de comprimento, 1 metro de largura e 15 cm de altura, o qual foi edificado na zona do logradouro junto à porta de acesso a um dos pavilhões que integra o prédio dos Réus.

            VV. A Autora tem andado desde julho de 2021 até à presente data nervosa e entristecida com a conduta dos Réus.

           WW. A Autora é uma pessoa pacata e jovem, respeitada e conhecida em Vale ....

            2. E deu como não provado:

           a. Foram fechadas de forma definitiva todas as portas e janelas do prédio urbano que foi transmitido para o aviário que deitavam para o logradouro.

            b. Desde o ano de 1977 que deixou de haver entradas e saídas pelas referidas portas, as quais deitam diretamente para o logradouro.

           c. No mês de julho de 2021, os Réus mandaram proceder ao corte dos eucaliptos que estavam implantados na zona sul do prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo ...62, junto à estrema poente deste prédio, nascente do prédio rústico da Autora.

           d. Nesse acto, os Réus cortaram 10 eucaliptos que se encontravam implantados no prédio da Autora junto à estrema nascente do seu prédio.

            e. Os 10 eucaliptos tinham mais de 12 anos e tinham um valor, atenta a sua idade e porte, não inferior a € 1000.

            f. Os Réus removeram os eucaliptos do local, fazendo-os seus.

           g. No dia 11.8.2021, um trabalhador ao serviço dos Réus, Sr. CC, sem autorização da Autora, procedeu à poda das cameleiras situadas no logradouro.

           h. No dia 07.11.2021, trabalhadores ao serviço dos Réus destruíram os canteiros em volta do chafariz que tinham begónias de inverno.

           i. Os RR mantêm o portão situado junto à estrema norte do prédio aludido em A. aberto durante a noite.

            j. A Autora nunca se viu envolvida em qualquer questão judicial.

           k. No ano letivo de 2021/2022, a Autora foi obrigada a abandonar uma licenciatura em sociologia, que frequentava na universidade ..., a fim de estar por perto dos prédios.

           l. Ao abandonar a licenciatura, a Autora perdeu o direito a uma bolsa (alojamento, transporte, etc.) que lhe tinha sido atribuída.

           m. Os RR/Reconvintes outorgaram a Escritura de Compra e Venda depois de esclarecidas as suas dúvidas quanto às delimitações das propriedades.

            n. A estrema poente do prédio dos RR/Reconvintes inicia-se a meio do portão principal em direção às habitações e continua até à lateral esquerda das escadas da habitação do prédio referido em A., continuando até ao final das traseiras das habitações.

           o. A “linha delimitadora dos prédios deriva ligeiramente para poente em direção à vala natural que se estende para sul até à barroca, limite da freguesia.

            p. O logradouro tem características distintas no que concerne às árvores, flores e arbustos que o compõem, nomeadamente, na parte junto à propriedade dos RR, com pinheiros/árvores centenárias ao contrário do lado pertença da Autora Reconvinda.

            3. Cumpre apreciar e decidir.

           A Mm.ª Juíza do Tribunal a quo enunciou como “questões a decidir”: “- do direito de propriedade da Autora sobre o prédio descrito em 1º da petição inicial, com a área e confrontações indicadas; - do direito potestativo dos RR de concorrer para demarcação entre os prédios da Autora e dos RR.”

           Foi indicado como objeto do litígio “ação de reivindicação dirigida a uma parte de um imóvel, com reconvenção visando a parcela reivindicada” e foram temas da prova: “1 - Definição, como integrante do prédio da autora, da parte do solo em disputa. (...) 3 - Definição, como integrante do prédio dos réus, da parte do solo em disputa” (cf. despacho de 26.5.2023).

            Os Réus/recorrentes referem que a sentença recorrida “padece de várias nulidades” e que pretendem “impugnar e modificar a decisão relativa à matéria de facto dada como provada e como não provada, nos termos conjugados dos art.ºs 662º, n.ºs 1 e 2 , e, cumprindo os seus requisitos formais, do art.º 640º, todos do CPC” (cf. o exórdio da alegação de recurso); no seu arrazoado, dizem que a sentença recorrida padece de diversos “vícios e nulidades” e que, relativamente à questão central do litígio (ao acolher a posição da A. quanto ao logradouro em causa), mostra-se “completamente farisaica e juridicamente insustentável” (cf., designadamente, “conclusões 29ª e 40ª”. ponto I., supra).

            Sem quebra do respeito sempre devido, desde já se adianta, que não se vislumbra que algum erro exista na sentença recorrida e que a confessada “prolixa exposição” do recurso[2] contem “traves” que fazem ignorar a realidade substantiva e adjetiva e são avessas aos ónus que a lei prevê!

           4. O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou a anulação da decisão (art.º 639º, n.º 1, do CPC[3]), ou seja, ao ónus de alegar acresce o ónus de concluir, indicando quais os fundamentos do recurso – as razões ou fundamentos são primeiro expostos, explicados e desenvolvidos no curso da alegação; hão de ser, depois, enunciados e resumidos, sob a forma de conclusões, importando que a alegação feche pela indicação resumida das razões por que se pede o provimento do recurso (a alteração ou a anulação da decisão).

            Ora, o tribunal superior tem de guiar-se pelas conclusões da alegação para determinar, com precisão, o objeto do recurso; só deve conhecer, pois, das questões ou pontos compreendidos nas conclusões, pouco importando a extensão objetiva que haja sido dada ao recurso, no corpo da alegação[4], sendo que tudo o que conste das conclusões sem corresponder a matéria explanada nas alegações propriamente ditas, não pode ser considerado e não é possível tomar conhecimento de qualquer questão que não esteja contida nas conclusões das alegações, ainda que versada no respetivo corpo.[5]

            As conclusões servem assim para delimitar o objeto do recurso (art.º 635º), devendo corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que se pretende obter do tribunal superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo tribunal a quo, constando normalmente, na sua parte final, se se pretende obter a revogação, a anulação ou a modificação da decisão recorrida.

Os Réus/recorrentes não deram o devido cumprimento a tais exigências!

            5. Prosseguindo.

            Conhecido o conteúdo (“licere”) do direito de propriedade [“O proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas.” (art.º 1305º do CC)] e o objeto da ação de reivindicação [estabelece o art.º 1311º do CC, sob a epígrafe «Ação de reivindicação», que “o proprietário pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence” (n.º 1), e que, “havendo reconhecimento do direito de propriedade, a restituição só pode ser recusada nos casos previstos na lei” (n.º 2)], nada nos diz que a presente ação tenha diferente enquadramento legal/jurídico, ajustando-se, sim, ao descrito quadro normativo.[6]

           Na ação de reivindicação, relativamente à conformação do pedido a dirigir ao tribunal, pode dizer-se que há um ponto principal e outro secundário. O principal é o do reconhecimento da titularidade do direito; o secundário, o de restituição da coisa reivindicada. Na verdade, a condenação do réu na restituição da coisa constitui, na própria letra da lei, uma consequência da procedência daquele pedido. Assim se explica o regime do n.º 2 do art.º 1311º, segundo o qual, sendo reconhecido o direito, «a restituição só pode ser recusada nos casos previstos na lei».

           A recusa de restituição da coisa, uma vez demonstrada a titularidade do direito reivindicado, só pode justificar-se se o possuidor ou detentor for titular de algum direito que legitime a posse ou a detenção, nomeadamente, algum direito real ou pessoal sobre a coisa, oponível ao reivindicante.[7]

            6. Muito do que repetidamente se diz sobre a “ineptidão” da p. i. - arguição desatendida no despacho saneador - foi interligado com o pretenso desacerto da sentença (cf., por exemplo, “conclusões 19ª, 20ª, 24ª e 26ª”, ponto I., supra), o que, como se verá, não colhe o menor fundamento.

           Quanto às invocadas nulidades da sentença por omissão ou excesso de pronúncia ou condenação em objeto diverso do pedido (cf., v. g., “conclusões 17ª, 18ª, 28ª”, ponto I., supra), salvo o devido respeito por opinião em contrário, afigura-se evidente que o Tribunal a quo conheceu, apenas, da matéria incluída no objeto do litígio e enunciada nos temas da prova, ou seja, conformou a sua atividade em função da controvérsia como ficou delimitada em sede de despacho saneador (cf. II. 3., supra)[8] e decidiu sobre o que foi efetivamente colocado em discussão no processo, pelo que não foi violado o disposto no art.º 609º, n.º 1, do CPC [que assim reza: “A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir.”] e não se verifica qualquer vício ou nulidade, na previsão do art.º 615º, n.º 1, alíneas d) e e).

7. Os Réus/recorrentes impugnam a decisão sobre a matéria de facto, dizendo:

a) “Por mera cautela, e se até aí for necessário chegar, pretendem com o presente Recurso modificar a decisão proferida sobre a matéria de facto”, pois “não se conformam e é sua convicção que os factos dados como provados que sustentam a tese de que a totalidade do logradouro é propriedade da autora não o deveriam ter sido[9], nomeadamente os descritos sob as alíneas ´H` e ´X`, não passando tal decisão de mero erro na interpretação da prova produzida que urge corrigir” (cf. “conclusões 30ª e 31ª”, ponto I., supra).

           Havendo indicado e transcrito excertos dos depoimentos prestados pelas testemunhas MM, NN e OO, e invocado, ainda, os elementos, a conjugar, decorrentes do auto de inspeção ao local e a “prova documental e fotográfica carreada para estes autos por ambas as partes” (cf., sobretudo, “conclusão 34ª”, ponto I., supra), concluíram que deverá passar “a constar dos Factos Provados a factualidade que tais elementos fazem emergir, nomeadamente:

           - Que a cadeia de proprietários do prédio urbano ora propriedade dos aqui recorrentes sempre possuiu, tendo tal posse o corpus e o animus consabidamente exigíveis, pelo menos uma parcela de não menos de 5 m de largura em frente ao mesmo prédio e em toda a sua extensão, que é a medida material que a “normalidade das coisas e as “regras da experiência” (à falta duma demarcação efetuada em cumprimento da sistemática legal positivada para o assunto) mostram ser adequada, razoável e equitativa;

            - Que tal parcela de terreno foi, desde tempos imemoriais, fruída, usada e utilizada pelos diferentes proprietários, para o efeito que bem lhes aprouve, de forma pacífica, à vista de toda a gente, de boa fé e sem que (pelo menos na referida extensão de 5 m) alguém se opusesse a tal posse ou sequer a questionasse.”

            b) Ainda que não devidamente cumpridas as exigências do art.º 640º, é evidente que os Réus se insurgem, sobretudo, quanto à matéria de facto dita em II. 1. H) e X), supra, pugnando pela sua eliminação e a aludida decisão/configuração de sentido contrário (dita na precedente alínea), ainda que mesclada de conclusões e conceitos jurídicos (que, obviamente, não são factos!), necessariamente, a expurgar.

            Porém, não obstante tais incorreções, ante as particularidades do caso em análise, antolha-se fundamental saber se outra poderia/deveria ser a decisão do Tribunal a quo quanto à factualidade em causa.

            c) Esta Relação procedeu à audição (integral) da prova pessoal produzida em audiência de julgamento, conjugando-a com a prova documental junta aos autos e os elementos recolhidos na inspeção judicial (cf. fls. 155 e 156).

           d) Pese embora a maior dificuldade na apreciação da prova (pessoal) em 2ª instância, designadamente, em razão da não efetivação do princípio da imediação[10] afigura-se, no entanto, que, no caso em análise, tal não obstará a que se verifique se os depoimentos foram apreciados de forma razoável e adequada.

           e) Da motivação de facto apresentada pela Mm.ª Juíza do Tribunal a quo importa destacar os seguintes excertos [atento o objeto do recurso]:

                «A convicção do Tribunal assenta no conjunto da prova documental, testemunhal, por depoimento/declarações de parte e resultante da inspeção judicial, conforme análise crítica que se passará a fazer[11], tendo em mente as questões de facto controvertidas na ação e as regras de repartição do ónus da prova.

               Em concreto, na descrição dos prédios em confronto, inscritos a favor da Autora e dos RR, conforme se fez constar nas alíneas A., B., e M., dos factos provados, considerámos o teor das respetivas cadernetas prediais urbanas e rústicas, bem como as informações extraídas das Conservatórias dos Registo Predial, documentos esses juntos a fls. 12 a 14 e 20 a 24 verso dos autos, sendo certo que os RR não contestaram essa descrição (cf. artigo 20º da contestação), aceitando as atuais confrontações dos prédios (cf. facto O), tal como não contestaram a sua recíproca inscrição no registo predial.

                Relativamente aos títulos de aquisição dos prédios a favor da Autora e dos RR, tal como provado em C. a F. e N., acolhemos os documentos autênticos que integram as folhas 16 a 19 verso e 25 a 28 verso dos autos.

            (...) Justifica-se que tenham ficado demonstrados os factos ínsitos em G. a I., ponderando, desde logo, que os RR não puseram em causa que o prédio urbano identificado em A. esteja na posse da família da Autora há mais de 60 anos (os próprios Réus, em sede de depoimento de parte, afirmaram que esses prédios constituíam a quinta do avô da Autora e que, só nos anos 50 do século passado, as propriedades em confronto pertenceram a famílias completamente distintas), sendo certo que, relativamente, aos atos de posse dirigidos à área que constitui o logradouro do prédio urbano (com cerca de 1600 m2), acreditámos nos depoimentos de HH, PP e QQ, conjugando-os com os dados que se extraem dos documentos autênticos referidos, com as fotografias juntas aos autos que o retratam e com o resultado da inspeção ao local.

                Vejamos.

               HH, avó da Autora, com 88 anos de idade, revelou conhecer profundamente toda a factualidade em discussão, mostrando-se isenta e credível no relato que fez. Com efeito, trata-se de uma testemunha que conhece as propriedades desde os 10 anos uma vez que com essa idade já para ali ia brincar ´com aquele que veio a ser o seu marido`, GG, informando que a parte habitacional mais baixa (que atualmente pertence aos RR), embora inicialmente pertencente à mesma família, passou para segundo plano, dado que era na casa mais alta que vivia a família do seu marido, concretamente, a mãe da sua sogra e a irmã da mesma e, mais tarde, apenas a sua sogra, a quem coube a casa que hoje pertence à sua neta, ora Autora, afirmando que, embora nunca tenha residido nessa casa, vivia em Vale ... e, na qualidade de nora, sempre cuidou da casa e do jardim.

               HH disse ainda que a ´entrada` larga, de frente para o logradouro, sempre pertenceu à casa da sua sogra, bem como o logradouro, sendo que, em 1963, quando a depoente e o marido ficaram novamente com a quinta toda, incluindo a casa do lado esquerdo (referindo-se à habitação que hoje pertence aos RR), as casas ainda comunicavam interiormente (comunicação que pudemos constatar ter existido aquando da inspeção ao local), tendo a depoente mandado fechar essa ligação, através da construção de uma parede na zona comunicante, devido à abertura do aviário, em 1964 ou 1965, nos prédios que hoje são dos RR, tendo, para esse efeito, o seu falecido marido mandado reconstruir as zonas dos arrumos e as destinadas aos animais, aumentando outras, bem como fazendo obras na casa antiga para a destinar ao refeitório dos trabalhadores, os quais, quando iam trabalhar, acediam pelo portão principal, dirigindo-se pela esquerda para entrarem no interior das instalações do aviário e depois através de umas escadas que davam para a cozinha (...). Esta testemunha narrou também que depois de casar, em 1956, tentou modernizar o logradouro frontal da casa, plantando flores em ambos os lados, colocando relva, plantando cedros e cameleiras, cuidando ou contratando pessoas para cuidarem de toda a zona do logradouro, bem como do chafariz em granito existente no centro, explicando que o portão principal, do qual se recorda desde que é pequena, foi aumentado duas ou três vezes, pelo seu marido, para permitir que passassem as carrinhas para o aviário, as quais depois entravam num portão lateral (onde antes era o sítio dos cavalos), onde desinfetavam os rodados, portões esses que foram edificados aquando da abertura do aviário, o qual pertenceu ao seu marido durante muitos anos, declarando ainda que o mesmo faleceu em 2012 e que nos últimos anos de vida gostava muito de ficar naquela casa, ´sentia-se muito bem ali`, pelo que teve sempre o cuidado de manter a casa limpa e a entrada arranjada, a qual era frequentada igualmente pela Autora, sua neta, dado que a mesma foi ´criada consigo e com o marido`.

               Instada quanto ao estacionamento de viaturas de funcionários do aviário no logradouro, HH adiantou que apenas dois ou três, adstritos a tarefas administrativas (escritório) o faziam mas, com autorização do seu marido e, pronunciando-se quanto à delimitação das duas propriedades, asseverou conhecer perfeitamente as estremas que as separam nas traseiras das habitações, por ter sido ela quem colocou os marcos atualmente existentes, fazendo-o de acordo com as instruções da sua sogra, na altura em que foram construídos os pavilhões das galinhas, marcos esses e linha divisória que referiu nunca terem sido contestados pelos anteriores proprietários, descrevendo a linha existente ao longo do caminho que separa as duas propriedades, tal como assente em U., revelando, por fim, que depois do marido morrer, em 2012, chamou a si a responsabilidade de ter sempre tudo limpo, orientando os trabalhos de limpeza e podas, tendo entregue a propriedade à sua neta limpa e arranjada.

               HH negou que a vala existente na sua propriedade constituísse uma delimitação natural entre os prédios, esclarecendo que a função da vala seria o escoamento de águas e que a demarcação das estremas foi feita quando os seus filhos eram pequenos (com cerca de 10 anos) pelo que o caminho existente a seguir à vala, a separar as propriedades, foi sempre limpo por si e pelo seu marido, porque lhes pertencia.

                Por sua vez, PP, reformado, funcionário do Aviário A... durante 40 anos (desde 1971 até à falência da última sociedade que os explorou), igualmente de modo conhecedor e isento, narrou que os donos do aviário eram o Sr. GG e a Dona HH (...), recordando-se que para aceder ao seu local de trabalho entrava no portão grande (que mais tarde viu ser alargado a mando do Sr. GG), deslocava-se pelo lado esquerdo, acedendo por um portão mais pequeno que se mantinha fechado e, posteriormente, entrava no escritório.

                Afirmou ainda, de modo convincente, que quando outras sociedades passaram a explorar o aviário, a Dona HH não gostava que as viaturas estacionassem no logradouro, manifestando esse desagrado, recordando que toda essa zona de jardim era gerida pela mesma e asseverando que, enquanto ali trabalhou, era ela quem lhe mandava fazer essa limpeza, o que conseguia fazer quando tinha algum tempo disponível, podando as árvores, cortando a relva, afirmando que nunca recebeu dinheiro por esses serviços e que os donos dos aviários nunca se opuseram a essas limpezas. (...) na parte traseira das propriedades existiam uns marcos a delimitá-las, os quais (...) teriam sido colocados há muito tempo (concluindo, depois de alguma insistência, que, ´pelo menos há 8 anos, quando foi despedido, já lá estavam`), explicando, por fim, que essas marcações foram respeitadas por quem plantou os eucaliptos nas duas propriedades confinantes e que alguém teve de indicar as estremas ao RR (pessoa que fez a plantação para as duas partes, assim se referindo aos proprietários dos terrenos em questão).

                QQ, funcionário do aviário entre 1986 e 2000, exercendo funções na parte do escritório, fez um relato memoriado do modo como faziam o acesso ao aviário, afirmando, de modo incisivo, que o aviário era do 2º portão para dentro e que o primeiro portão era para acesso à casa principal, dizendo que tinham autorização do Sr. GG, para estacionarem as viaturas dos dois lados do logradouro, o qual tem uma fonte no meio, estando convencido que as limpezas do logradouro eram feitas a pedido da mulher do Sr. GG, recordando-se desse espaço exterior sempre nas mesmas condições, com relva, roseiras e árvores.

               Também SS, funcionária do aviário entre 1990 e 2000 (rececionista e secretária) nos deixou com a convicção que as instalações do aviário começavam apenas depois de entrarem no portão existente à esquerda do portão principal da quinta, recordando que, quando foi para ali trabalhar, o aviário já funcionava há vários anos, pertencendo inicialmente ao avô da Autora, tendo descrito o acesso ao seu local de trabalho como sendo feito pelo portão principal da quinta para depois entrar num segundo portão, do lado esquerdo, onde se situavam as instalações destinadas ao aviário. Segundo o seu depoimento, as viaturas dos funcionários do aviário eram estacionadas no logradouro, onde houvesse sombra (quer do lado esquerdo, quer do lado direito) e eram trabalhadores do aviário quem fazia a limpeza do logradouro frontal ao aviário, não se recordando do nome desses funcionários, sabendo igualmente que na casa de habitação vivia a D. TT, mãe do avô da Autora e que o logradouro se encontrava, em toda a sua área, bem cuidado.

                Por outro lado, valorizámos as declarações de parte da Autora uma vez que as considerámos verdadeiramente elucidativas e espontâneas quanto aos factos que envolveram a sua família, os quais, globalmente, estão em consonância com o conjunto da prova recolhida.

               Segundo a Autora, AA, com 42 anos, a casa que atualmente pertence aos RR é mais antiga do que a sua, tendo sido construída em 1500 e a sua em 1700 todavia, desde as invasões francesas que passaram ambas a pertencer à sua família, com exceção de um período de cerca de 30 ou 40 anos, imediatamente anteriores a 1963, momento em que esteve na posse de terceiros, tendo o logradouro em questão sido edificado aquando da ´casa principal` (referindo-se à casa maior, em frente ao chafariz e ao portão principal).

            A Autora explicou que essa casa de habitação que existe em frente ao logradouro foi depois herdada pelos seus avós paternos, em 2001, e que, nessa altura, começou a ser preparada para a família, tendo sido feitas algumas obras, afirmando que, desde pequena, sempre passou férias naquele local e que as festas familiares também eram ali celebradas, explicando ter sido criada pelos seus avós. Relatou ainda que, em 1963, o seu avô comprou a propriedade vizinha, com a casa mais baixa, que atualmente pertence aos RR, e construiu as infraestruturas do aviário, constituindo uma sociedade que funcionou até 2003, altura em que entrou em falência, todavia, só em 2008 é que o seu avô deixou de estar envolvido nas sociedades que exploravam os aviários, tendo-se retirado, adiantando que, enquanto o seu avô esteve à frente dos aviários a circulação de viaturas se fazia quer pelo lado esquerdo, quer pelo lado direito do portão principal, sendo que o portão secundário existente do lado esquerdo marca o início da propriedade dos RR, revelando com franqueza que, enquanto funcionaram os aviários, o portão principal se manteve sempre aberto. Mais disse que teve quatro breves conversas com os RR antes de os mesmos adquirirem a propriedade e que lhes perguntou: ´como é que vai ser daqui para a frente? Vão se informar e ajam em conformidade`, tendo-lhes dito que só tinham direito a passar no logradouro, esclarecendo que passou a viver naquela casa em 2018, nela permanecendo durante 6 meses, tal como em 2019, residindo permanentemente na quinta a partir de 2020, declarando ainda que informou o responsável da leiloeira que havia uma serventia sobre a sua propriedade (posição que deixou expressa nas mensagens enviadas aos RR, conforme transcrição junta a fls. 63 verso a 66).

               Efectivamente, analisados os documentos 12, 26 e 27 juntos com a petição inicial, verificamos que em 17 de Março de 1964 ficou declarado no registo predial que o prédio descrito em livro sob o n.º ...32 (extrato da atual descrição ...12 da freguesia ...) como ´uma propriedade composta de casas de habitação e mais pertenças com uma quinta pegada e testada de pinhal, sita em Vale ..., freguesia ...`, que anteriormente partia ´do nascente com UU e outros, de poente com D. VV, do norte com o caminho e do sul com o viso`, passou a ter novas confrontações (confrontando do poente com Dona WW) e foi inscrita a favor de GG e esposa. Sabemos, assim, que a partir de 1964 essa propriedade, onde já estava instalado o aviário A... (conforme se infere da leitura da brochura junta a fls. 140) passou a estar definitivamente inscrita a favor dos avós da Autora - assim se justificando igualmente os factos provados em P, Q, e R - resultando, no nosso juízo, claro, através dos referidos relatos e através do modo como as instalações industriais foram delimitadas - com um portão para veículos e com um portão pedonal, alinhados com as edificações existentes nessa propriedade, que se erguiam na margem do logradouro - ter sido intenção dos proprietários em delimitar, por referência a essa entrada, o que seria pertença/utilização diária do aviário e em deixar a zona do logradouro, ora em disputa, um espaço murado, frontal ao portão principal e à casa de habitação da sua família, materialmente atribuída ao prédio urbano, atualmente descrito sob o n.º ...09, assim resultando provada também a materialidade ínsita em S. e T. e em V. a BB.

            Note-se que de acordo com a respetiva descrição predial e cadastral, o prédio aludido em A. descrito sob o n.º ...09 da freguesia ... como urbano, sito em Vale ... – Largo ..., composto de casa de habitação e dependência, apresenta-se com uma área total de 1848 m2 e, embora lhe corresponda, nessa descrição, a mesma área coberta, pudemos constatar em sede de inspeção ao local, que essa área total se ajusta, na realidade, à área de implantação do edifício (casa de habitação) mas acrescida da área do respetivo logradouro, murado, tal como consta na descrição da caderneta predial urbana (em que a área total do terreno de 1842 m2 se desdobra na área de implantação do edifício de 246 m2, área bruta de construção de 492 m2 (dois pisos) e área bruta privativa com os mesmos 246 m2 (implantação que as fotografias juntas aos autos e constantes do auto de inspeção ao local também revelam).

               Por outro lado, a tese dos RR, veiculada através das testemunhas MM e NN, no sentido de que o logradouro estaria materialmente dividido entre os anteriores proprietários (nos anos 50 do século XX), numa linha imaginária que partiria a meio do portão principal em direção às habitações e que dividiria o chafariz a meio, não se mostra sequer razoável e exequível, dado que, por um lado, se o portão principal estivesse ´materialmente dividido` não teria dimensões para permitir a entrada de veículos (uma vez que as suas duas folhas medem no total 3,95 metros, conforme consignado em sede de auto de inspeção ao local); por outro lado, se essa linha imaginária tivesse como referência o ponto onde as habitações confinam (zona onde se verifica a diferença na altura do telhado da duas habitações, retratada na figura 4 do auto de inspeção ao local e que serviu de suporte probatório para o item dado como provado em LL) constatávamos que esse traçado imaginário iria além do portão principal cerca de 1 metro, medido do lado da propriedade dos RR; por fim, parece-nos decisiva a circunstância de o logradouro conter um chafariz central, enquadrado com as escadas de habitação da moradia da Autora e que a ladear o portão central existam duas palmeiras centenárias, simétricas, elementos esses que são, no nosso ponto de vista, indiciadores de que aquela zona exterior foi edificada por quem vivia na ´casa principal`, dado que a teve certamente como referência estética (uniformidade edificativa do logradouro que o documento 6 junto com a contestação - fotografia captada em 2010 - revela e que desmente a alegação dos Réus no sentido de que o logradouro apresenta características distintas no que concerne às arvores, flores e arbustos que o compõem, justificando o facto não provado em p.).

                Analisemos, ainda assim, os indicados depoimentos.

               MM, reformado, com 81 anos, residente em Vale ..., funcionário de prospeção do aviário em 1968 e depois entre 1984 e 1991, sobrinho de XX e YY, anteriores proprietários do prédio dos RR, foi capaz de descrever acontecimentos relevantes relativos à utilização de ambas as propriedades quando estavam na posse dos seus tios, todavia, anotámos a sua animosidade relativamente à família GG, qualificando-a como ´gente um pouco esquizofrénica`, apreciação que nos levou a questionar a imparcialidade do seu depoimento.

                Neste contexto, MM afirmou conhecer a quinta - que era denominada de Quinta ..., onde veio a ser instalado o aviário - desde os cinco anos de idade, opinando que essa denominação se generalizou às duas casas, recordando que o seu tio veio a falecer, em 1959, com dívidas, obrigando a sua tia YY (que ainda viveu na casa da parte esquerda mais dois anos), a vender metade do usufruto e a ceder a outra metade à filha do marido, tendo sido feito um leilão na garagem, à entrada do portão, do lado esquerdo, tendo a propriedade sido adquirida pelo Sr. GG, ´por 195 contos`. Explicou que a Dona TT, através da governanta, proibia as crianças de brincar do seu lado, barafustava e impunha ordens relativamente ´ao seu espaço` do logradouro, descrevendo que a sua tia YY entrava para casa pelo portão principal, ia pela esquerda, com destino à cozinha, tal como os trabalhadores agrícolas, mas que a escada principal que dava para o logradouro era utilizada pelas visitas, afirmando que a sua tia tratava do seu lado do logradouro, de acordo com a estrema das casas até chegar ao portão principal (que afirmou: ´não tinha dono, era de todos`, desconhecendo quem o tinha construído), estrema essa que passava junto ao chafariz (que mencionou ´sempre ali ter estado`). Esta testemunha disse também que o portão de ferro que existe à esquerda do portão principal foi mandado colocar pelo Sr. GG quando abriu o aviário e que o portão que hoje existe do lado direito do portão principal foi colocado mais tarde, também pelo Sr. GG, sendo que era por esse lado - pelas traseiras da parte habitacional do Sr. GG - que passavam os camiões que iam buscar estrume aos aviários, para evitar o contágio dos pintainhos. Por fim, narrando o que recordava em relação ao estacionamento dos veículos, na área do logradouro, enquanto o aviário funcionou, (...) disse que havia atritos quando os funcionários pretendiam estacionar do lado direito e afirmou que ninguém estacionava do lado direito, afirmando que tinham ordem para não o fazerem.

                Por sua vez, a testemunha NN, com 81 anos, reformado bancário, tio da Ré, revelou conhecer as propriedades em questão por ter uma casa a cerca de 300 metros, afirmando que, quando era criança, brincava com as crianças das duas famílias no pátio e na zona do lagar e assegurou recordar-se do portão principal desde sempre, relatando um acidente que o danificou quando teria cerca de 14 ou 15 anos de idade, descrevendo como eram as casas nesse período (embora desconheça como se encontram atualmente), afiançando que, quando era criança, o acesso à casa principal e à adega dos RR era feita pelo logradouro e que cada lado do logradouro era tratado pelos respetivos proprietários, encontrando-se o chafariz ao meio, opinando que a linha divisória entre as propriedades passa a meio do chafariz.

                Perante o ilogismo destes relatos no que toca ao local onde situam a alegada linha divisória, avaliando o conspecto probatório antes exposto, ficámos convencidos que a área do logradouro adjacente à casa de habitação aludida em A, com cerca de 1602 m2, há mais de 60 anos que tem sido limpa e mantida pela Autora e pelos seus antecessores, os quais a utilizaram e conservaram conforme descrito em H e K, na convicção de exercerem um direito próprio sobre essa área de terreno.

                Aponta-se ainda que o depoimento de LL funcionário da leiloeira que vendeu o prédio aos RR, se revelou totalmente inconsistente e feito com o propósito de se desresponsabilizar pelas eventuais informações erróneas e/ou falta de informação que terá prestado aos RR quando negociaram esse contrato, tendo sido desmentido, na parte mais relevante, pelo depoimento de OO, o qual ajuizamos ter sido prestado de modo desinteressado e conhecedor. Com efeito, LL afirmou ter dito aos RR que depois de entrarem pelo portão principal o terreno estaria dividido por uma linha que seguia ao lado do chafariz, e que esse lado esquerdo pertencia à propriedade que estava a vender, esclarecendo que obteve essas informações através do Sr. OO, com quem esteve no local em 2021, dado que era ele quem estava na posse das chaves dos aviários.

                Sucede que OO, reformado, com 69 anos, responsável de aviários, a trabalhar no local desde 1968, disse ter sido a última pessoa a sair do local, ter ficado na posse das chaves das instalações e que quando foi contactado pelo senhor da leiloeira se limitou a mostrar-lhe o centro de incubação, dado que desconhecia quaisquer estremas ou marcos, negando que tivesse prestado informações quanto à divisão do logradouro. Já em relação ao modo como era utilizado esse espaço, recordava-se que era usado quer pelo aviário, quer pela família GG, dado que a mãe do Sr. GG vivia na casa em frente ao portão principal, e que quando os camiões eram de grandes dimensões até circulavam pelo lado direito do portão principal, referindo haver tolerância, mas que os funcionários do aviário só utilizavam o lado esquerdo para acederem às respetivas instalações, relatando que enquanto o aviário A... funcionou sem problemas, era a sociedade quem fazia a limpeza do logradouro, do lado esquerdo até ao chafariz, dado que, na sua opinião, essa parte estaria adstrita ao aviário e o estacionamento se fazia do lado esquerdo do chafariz, onde havia um lugar de estacionamento destinado especificamente ao Sr. GG.

            De todo o modo, sem prejuízo da fragilidade que se apontou ao depoimento de LL, no qual não acreditámos em face do desmentido a que foi sujeito, a verdade é que o mesmo acabou por revelar que nas últimas vezes em que se deslocou à propriedade, ainda antes da venda, encontrou o portão principal fechado a cadeado e foi obrigado a ligar à Autora para que a mesma lhe abrisse a porta, circunstâncias que, no nosso juízo, corroboram a versão apresentada pela Autora em sede de declarações de parte, no sentido de que informou a leiloeira de qual era, na sua perspetiva, o direito dos RR sobre o logradouro – apenas o de passagem.

            Por sua vez, ZZ, administrador da insolvência da B... SA, expôs que a propriedade que atualmente pertence aos RR foi apreendida para a massa insolvente, que nunca se deslocou ao local, afirmando que fizeram a venda em função das informações que o Sr. OO terá dado à leiloeira (as quais não foram nenhumas, como se viu), tendo-lhe sido dito que a propriedade tinha uma entrada comum com outro imóvel. Questionado disse nunca ter falado com a Autora e que os seus colaboradores terão conversado com a mesma, a qual lhes transmitiu estar desagrada com a utilização do portão e que quando nele foi colocado um cadeado já não tinham qualquer atividade nas instalações do aviário, admitindo que o conflito possa ter surgido antes da celebração da escritura de compra e venda, embora tenham celebrado um contrato promessa de compra e venda com os RR, a quem entregaram o imóvel.

               Em sede de depoimento de parte os RR revelaram, de modo sincero, que foram informados pelo administrador de insolvência e pela entidade encarregada da venda, que o espaço do logradouro seria comum a ambas as propriedades, todavia, como se infere do conjunto da prova produzida, essas informações terão sido dadas de modo leviano, contrariando a posição que a Autora já assumia publicamente - ou seja, a de que estava apenas obrigada a permitir a passagem para a propriedade dos RR. Por outro lado, como os próprios RR reconheceram, os vendedores não lhes entregaram qualquer chave do portão principal, sendo que, quando fizeram a escritura pública de compra e venda, em Lisboa, tiveram de contactar a Autora para que deixasse a chave pendurada no portão para assim poderem aceder à sua propriedade, tendo o Réu (...) dito, a instância nossa, que quando a Autora foi viver para o prédio, em 2019, passou a ter o portão principal sempre fechado, comportamento que deveria ter servido de alerta para a bondade das informações que lhes tinham sido dadas a propósito da titularidade do logradouro, sendo certo que só formalizaram a compra em 29.07.2021.

               Assim sendo, analisada criticamente, a prova apresentada pelos RR, assente nos depoimentos de LL e de ZZ, serviu apenas para dar como provada a materialidade descrita em JJ e KK, sendo que, pelo contrário, não lograram os RR provar que quando outorgaram a Escritura de Compra e Venda tivessem esclarecido as suas dúvidas quanto às delimitações das propriedades (cf. facto não provado em m.).

            (...) Adensando a justificação da nossa convicção quanto à estrema que se deu como provada em U., valorizámos também o depoimento de AAA, residente em Vale ..., com 57 anos de idade, o qual afirmou conhecer bem as propriedades, descrevendo o portão principal da quinta e o facto de se encontrar em frente à casa de habitação da Autora, adiantando que fez a limpeza dos terrenos da quinta a pedido da avó da Autora, entre 2015 e 2019, sendo que neste último ano já o fez a mando da Autora, ali se deslocando anualmente, para roçar ervas, cortar árvores, limpar à volta da fonte com uma mota roçadoura, fazendo essa limpeza, com outro homem, nas traseiras da habitação, com um trator, tendo sido a avó da Autora quem lhes indicou em que zona deveriam limpar, adiantando, com total isenção, que limpou para cá dos pavilhões que foram vendidos no processo de insolvência e que vão a direito às traseiras da habitação, afirmando que nunca lhe disseram que não poderia limpar naquela zona e que chegou a ver no local, em 2015 ou 2016, o Sr. KK a limpar os eucaliptos que estavam plantados em frente desses pavilhões, recordando-se que, nessa altura, os aviários já não tinham actividade.

               E acreditámos em BBB, manobrador de máquinas agrícolas, que de modo imparcial, confirmou ter sido contratado pela Autora em 2020, juntamente com o CCC, para fazer limpezas no logradouro, no qual roçaram ervas, tendo igualmente roçado ervas e silvas junto ao aviário, bem como limparam as linhas de água, recordando-se de ter visto três marcos em cimento e que toda a limpeza foi feita em função dessa marcação, tendo igualmente feito a poda das oliveiras existentes no terreno da Autora. Confrontado com a fotografia que constitui o documento 22, explicou que limparam apenas em frente a esse pavilhão, dado que o mesmo já pertence a outras pessoas e, de modo significativo, esclareceu que nesse mesmo ano, mas uns meses mais tarde, foi contratado pelos proprietários dos terrenos onde se situam os pavilhões destinados a aviários, para que os limpasse do mato e das silvas, tendo a área que lhe foi indicada como pertencendo aos RR coincidido com aquela que a Autora lhe tinha indicado[12], tendo percebido que não existiam dúvidas quanto às estremas nas traseiras dos dois terrenos, afirmando perentoriamente ´os marcos estão lá e foram indicados pelo representante do aviário`, tendo regressado para fazer a mesma limpeza, na mesma área em 2021, 2022 e em 2023 mas, neste ano na companhia de outro colaborador, o DDD. Testemunhou, por fim, que em 2021 quando plantavam alguns arbustos no logradouro, a pedido da Autora, presenciaram um conflito com uma senhora que apareceu a discutir e a dizer que aquele lado do logradouro lhe pertencia, tendo sido chamada a GNR, mas prosseguiram com o trabalho, tendo colocado estacas em ambos os lados, terminando já de noite.

               EEE confirmou o depoimento da anterior testemunha, fazendo um relato que avaliámos como muito coerente e verosímil dos acontecimentos, explicando de modo rigoroso as áreas que foram limpas a pedido da Autora, em Abril de 2020, com um trator e roçadouras, traçando uma linha reta iniciada nas traseiras da casa de habitação (onde verificou existir um marco) até ao pavilhão dos RR, limpando todo o caminho do lado direito desse pavilhão até à via pública, afirmando que voltaram ao local, em Junho ou Julho desse mesmo ano, para, desta vez, limparem do lado que agora pertence aos RR (contratados pelos proprietários do aviário), tendo respeitado os limites que conheciam ser os da propriedade da Autora[13], tendo regressado no ano seguinte, em Março, novamente a pedido da Autora, para podarem as oliveiras e, em Maio ou Junho, fizeram a limpeza dos terrenos, nas mesmas áreas, relatando igualmente o incidente que surgiu com a Ré, quando estavam a fazer plantações no logradouro e a colocar estacas nesse local.

           Relevante mostrou-se ainda o testemunho de RR (o qual conjugámos com o documento junto a fls. 87 a 89 para assim darmos como provada materialidade constante da alínea II), arrendatário de terrenos sitos em ambas as propriedades, por força de contratos que celebrou com a sociedade B... e com o falecido Sr. GG, avô da Autora, nos quais disse ter plantado eucaliptos, explicando que as estremas da parte agrícola foi-lhe indicada pelos proprietários e que quando fez o corte foi ao local com a AA (Autora) e com a avó, tendo verificado que não tinham ido além da área que pertencia à B..., sendo certo que, através das fotografias que constituem doc. 21 a 23 da petição inicial, conseguimos perceber que nessa parte do terreno (destinada a passagem) não foram plantados quaisquer eucaliptos, tratando-se da tal área que, segundo AAA, BBB e EEE, era limpa a pedido da Autora e da sua avó e constituía o limite das duas propriedades (...).

           Na verdade nenhuma das testemunhas arroladas pelos RR conseguiu pôr em causa o depoimento conhecedor de HH quanto à delimitação das propriedades na estrema nascente/poente dos prédios rústicos, dado que MM se limitou a descrever a existência de uma barroca/vala que pertence aos GG, com a função de escoar as águas que faziam mover o lagar de azeite, informando que a água vinha de uma presa e desaguava num ribeiro que passa ao fundo das propriedades, opinando que essa vala fará a delimitação das propriedades, mas sem capacitar quanto à sua razão de ciência, dado que, afirmando que nunca viu marco nenhum colocado, reconheceu também que a última vez que esteve nas traseiras das casas foi em 1991, acrescentando que, ´nessa altura, os marcos não eram precisos` (querendo referir-se, naturalmente, ao facto das propriedades em questão estarem concentradas na mesma família).

               Também NN afirmou que a levada do lagar (querendo referir-se à vala) pertencia à família GG e que seguiria na direção das escadas traseiras da habitação, desconhecendo se ali estavam colocados marcos.

            (...) O certo é que, no local, pudemos constatar a existência dos marcos que foram referidos pelas testemunhas supra referidas, do mesmo material e nas mesmas condições físicas, sendo certo que o seu estado de conservação não colide e não é incompatível com uma colocação no terreno aquando da insolvência do aviário A..., ou seja, há cerca de 15 anos, mas, sobretudo, conseguimos perceber que essa colocação se ajusta à utilização efetiva que cada um dos proprietários fazia da sua parte dos terrenos e se alinha, nas traseiras das habitações (ao lado das escadas que dão acesso à casa da Autora, naturalmente por forma a incluí-las), com o marco natural ali existente – uma das oliveiras paralelas que emoldura essa passagem (conforme retratado nos doc. 21, 22, 24 e 25 da petição inicial e sobretudo nos documentos 1 a 3 da réplica), seguindo depois para sul, sensivelmente em linha reta, até atingir o segundo marco que o doc. 23 reproduz, permitindo-nos perceber e acreditar que o terreno rústico da Autora não se quedava na aludida vala, como aliás, no nosso modesto juízo, as fotografias enquadradas nas cartas militares juntas como documentos 7 a 9 da contestação, datadas de 1977, 1998 e 2015, confirmam, se e quando sobrepostas ao documento 14 da petição inicial, dado que nelas está bem patente a passagem existente a nascente da vala, a qual, de acordo com a prova produzida, sabemos que sempre foi limpa e utilizada pela Autora e seus antecessores. (...)»

            f) A descrita análise crítica da prova afigura-se correta.

           Relativamente à prova testemunhal invocada na alegação de recurso, vejamos o que de relevante foi dito:

            - MM (fls. 149):

            «(...) os meus tios viveram lá (na casa hoje dos Réus), depois o meu tio morreu, a minha tia ficou com dívidas …(...). A minha tia viveu lá quase, cerca de 2 anos ainda. (...) Não havia boas relações (entre os ascendentes da A. e os tios do depoente) porque (os primeiros) era gente um pouco esquizofrénica. Por tudo e por nada barafustavam, por tudo e por nada impunham ordens... (...) Era a Sra. Dona TT, essencialmente… A YY era minha tia. (...) Aquele portãozinho de ferro que lá está, foi mandado pôr lá pelo Sr. GG, quando fez os aviários. (...) No tempo do aviário, os camiões e carrinhas que levavam os ovos para as incubadoras era por ali que entravam…. E (...) era por ali que saíam... (...) havia uma vala (...) com um desinfetante para que as rodas dos camiões fossem desinfetadas antes de irem para a zona de incubação. (...) a casa (hoje pertença dos Réus) é bastante grande e…por a parte esquerda só entravam as pessoas com destino à cozinha, ou os trabalhadores… (...) Tem a escada, a escadinha que desce…que pousa no logradouro (por onde as pessoas entravam e subiam para a casa) (...) E havia outra porta quando era as vindimas, que se traziam as uvas de outros lados…a porta da adega também era pelo logradouro… Portanto há a da escada e uma outra que é a da adega. (...) As portas…eu sempre reconheci aquelas portas… (...) o meu tio morreu…em 1959 se a memória não me falha, (...) e a minha tia teve direito a metade de usufruto…foi-lhe dado pelo tribunal usufruto, depois como havia dívidas para pagar (...), venderem…(...); Tinha uma zona verde. (...) cada um tratava da sua…nós tratávamos, a minha tia mandava tratar da parte dela (...); os outros (antepassados da A.) até nos dias de feira iam apanhar sal para meter…tinham pedras, para meter por cima, para o sal não deixar medrar as ervas. Isso era a parte da dona TT. (...) Eu não sei a quem é que os meus tios tinham comprado, não sei. Mas é anterior a eu começar a andar por lá. (...) havia diferença no relvado e no empedramento do logradouro daquele lado. (...) Havia e há! São diferentes. (o portão principal) não tinha donos, era de todos, porque…era a entrada para lá… (...) Sempre lá conheci aquele portão.

(...) …pelo que parece, pelo que parece a casa dos meus tios é mais antiga do que a outra…; (...) tem uma barroca que pertence à parte GG, que é a barroca por onde corriam as águas que faziam mover o lagar, porque eles tinham um lagar de azeite, a água vinha de uma presa mais longe e fazia tocar o lagar e depois a saída, passa um ribeiro quase ao fundo das quintas, passa um ribeiro e a barroca foi aberta na extrema para levar as águas…Uma vala, sim (...) É ali a delimitação. (...) A vala começa muito perto das casas… E portanto, a vala vinha do lagar fazia assim e depois à estrema vai por aí abaixo (...); mantém-se lá (...) até ao ribeiro que passa ao fundo. (...) Nunca lá houve marco nenhum (...). Tenho a certeza absoluta. Lá nunca houve marcos. (...) saí do aviário em 1991; (...) na altura não eram lá precisos…porque cada um sabia aquilo que era seu. (...) só havia algum atrito quando, quando, às vezes, um cliente não sabia ou coisa parecida e que ia ao aviário, estacionava do lado contrário, do lado direito. E às vezes, aí, havia, efetivamente, uma reclamação, porque os carros que iam para o aviário, não tinham nada que estacionar… (...) Os funcionários…estacionavam do lado do aviário porque tinha árvores para sombra. (...) Os funcionários não estacionavam do lado direito. (...) mas os funcionários tinham ordem para não estacionar do lado direito. (...) Aliás, era tudo do Sr. GG, não é?! E depois em frente ao portão também não porque era zona de passagem e não se podia estacionar. Tanto que não estacionavam. (...) (quando era criança) nós brincávamos do lado esquerdo (...), não tinham que dizer, naquela altura… (...) porque não havia razão para dizer. (...)»

            - NN (fls. 149):

            «(...) Da casa dos meus pais eu via toda a propriedade. As duas. Dos GG… (...) Era uma criança ali que era vizinho e que era aceite em ambas as casas. Tanto dos GG como do Sr. FFF. (...) ia ter com as pessoas, era acarinhado e passava ali assim o tempo. (...) Com outros miúdos que se juntavam ali assim, muitas vezes íamos para lá. (...) Muito miúdo não tinha perceção das divisões e comecei a tê-las mais tarde. Aquilo era dividido. Do meio do portão, estando a parte do exterior virado para o portão, era do meio e a direito sensivelmente a um chafariz que havia lá e ainda lá está, penso…. E depois a uma divisória das casas de nível, a parte da frente. Portanto, a propriedade do Sr. FFF, da Dona YY, confrontava a norte com a via pública, a parte de nascente era com um tio meu, II, de cujos herdeiros foi a minha mãe e uma tia. Ao sul, era o viso e a parte poente era a levada do lagar. A vala era dos GG, (...) era a divisória, tenho a certeza absoluta. Ainda hoje se for à Google, se for à ´earth`, os terrenos da parte florestal demarcam bem a inclinação e o seguimento dessa mesma vala. Era a vala e aliás, se reparar, a vala vinha do lagar, fletia precisamente no sentido do poente nascente e depois tomava a posição talvez retirados aí uns 50 ou 60 metros, (...) no sentido norte sul. E ao lado havia um caminho que era um caminho do Sr. FFF. Dava a toda a parte a propriedade, além do ribeiro, porque o ribeiro cortava a propriedade na zona de poente para nascente. (...) não tenho ideia que possa haver marcos, não faço ideia nenhuma se havia, se não havia. (...) Ora, a parte do lado direito, da margem direito da levada era dos GG…. (...) Era a direito, ia dar sensivelmente a uma escada que havia ali mas não sei se havia marco. (...) na parte de trás das casas há uma escadinha que dava acesso a um jardim que era bastante engraçado na altura. Nós andávamos ali a brincar. (...) Era dos GG. Parte, pelo menos… Eu não faço ideia também mas sei que era ali assim a divisória. A parte urbana ali eu não sei bem, mas penso que essa parte que era dos GG. (...) O portão… sim, lá o portão. Desde pequenino. (...) E o portão numa altura foi alvo de um acidente porque para porem um camião a trabalhar, que há um declive anteriormente ao portão, talvez tenha uma percentagem de 8 %, o motorista não conseguiu travar e o portão da… pilar do lado direito estando de frente para o portão, caiu. (...) Juntaram-se as pessoas e aí é que eu tive a noção concreta de que o portão era dividido, parte de uma casa e outra parte de outra casa. Porque as pessoas diziam “olhe que o pilar que caiu é dos GG, da Dona TT”. Do lado esquerdo era do Sr. FFF e da dona YY. (...)  eu devia ter à volta de 14/15 anos. (...) tinha acesso à casa, no logradouro. Na parte velha das casas. Aquilo modificou-se muito para hoje. Nem sei, já nem conheço bem aquilo. Portanto, nós entrávamos e havia uma porta que dava acesso à casa… Do rés-do-chão e do primeiro andar. (A entrada era feita pelo logradouro?) (...) sim, o logradouro… (...) Cortava à esquerda e depois novamente à direita e tinha acesso na casa em baixo. Tinha acesso pelo logradouro. (...) …. A adega do sr. FFF era a última porta do lado esquerdo no correr de todas aquelas casas. (...) estava dividido, inclusivamente o tratamento da calçada, aquilo era empedrado, era tratado muitas vezes com sal da cozinha, que aquilo (...) era dividido precisamente por uma linha que vinha do meio do portão a esse chafariz sensivelmente… (...) as relações entre as casas eram frias. (...) Na altura, o estrato social de uma e de outra casa eram diferentes. E, portanto, havia ali uma relação relativamente fria. Até para os próprios empregados, não se davam. (...) Jardim com alguma superfície e área não havia. Podia haver uns jarros, algumas coisas do género. (...) As palmeiras eram as duas à entrada. (...) Tem que haver uma solução para tudo, Sr. Dr., e quando se tratam de propriedades, tem que haver uma divisória. (...) No lado do Sr. FFF, muitas vezes havia bois, (...) na parte do logradouro que era dele. (...)»

            - OO (fls. 149 verso):

            «(...) Naqueles aviários eu trabalhei, sei lá, alguns 20 anos… (...) Era utilizado pelo Aviário A..., com o transporte da sua mercadoria, pintos, ração, frangas, aquilo que era necessário entrar e era utilizado pela família do Sr. GG (...) vivia numa casa em frente ao portão; (...) a tolerância havia! Mas os funcionários do Aviário A... não utilizavam para além do lado direito… Utilizavam só daquele chafariz para o seu lado e não utilizavam para o outro. (...) É assim, enquanto o Aviário A... funcionou como empresa sem problemas, tinham uma equipa de limpeza dos pavilhões e de tudo aquilo que pertencia ao Aviário A..., até ao chamado chafariz. Para lá, não era feito por nós. (...) Havia um lugar que estava destinado ao Sr. GG, aí ninguém punha viatura nenhuma. (...) começou por se pôr motorizadas - não havia carros ainda -, bicicletas, mas não se punha para lá do chafariz. Sempre que queriam. Havia funcionários no escritório, havia funcionários no centro de incubação, (...) havia funcionários de dois pavilhões de aves que estão mais para baixo desses edifícios. (...) De facto era aí que passavam os carros…, (...) aquilo era uma fossa para desinfetar os carros… (...)»

           Afirmou ter sido o último empregado da empresa declarada insolvente, mas que não se recorda de ter indicado/mostrado ou explicado, às pessoas encarregues da venda dos bens daquela empresa/sociedade, a existência do “logradouro” ou de qualquer “linha divisória do logradouro”, e não tem presente que alguma vez haja sido questionado sobre a “propriedade do logradouro” ou as “estremas” das propriedades; desconhece a existência de “marcos”.

           g) A prova documental foi adequadamente mencionada na descrita fundamentação de facto, assumindo particular importância a fotografia de fls. 98 verso (que mostra a localização do logradouro em causa) e as tiradas no decurso da inspeção ao local (fls. 155 verso e 156).

           8. A fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, elaborada pela Mm.ª Juíza do Tribunal a quo, afigura-se correta.

            Na verdade, face à mencionada prova pessoal (e aos elementos úteis para o exame e decisão da causa registados no decurso da inspeção ao local), podemos dizer que a decisão de facto respeita a prova produzida nos autos e em audiência de julgamento, sendo que, até em razão da exigência de (especial) prudência na apreciação da prova pessoal[14], a Mm.ª Juíza não terá desconsiderado as regras elementares desse procedimento, inexistindo elementos seguros que apontem ou indiciem que não pudesse ou devesse ponderar a prova no sentido e com o resultado a que chegou, pela simples razão de que não se antolha inverosímil e à sua obtenção não terão sido alheias as regras da experiência e as necessidades práticas da vida[15]

           A Mm.ª Juíza analisou criticamente as provas e especificou os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, respeitando as normas/critérios dos n.ºs 4 e 5 do art.º 607º, sendo que a Relação só poderá/deverá alterar a decisão de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa (art.º 662º, n.º 1).

            Conjugados os descritos meios de prova produzidos nos autos e em audiência de julgamento, nenhuma razão se vê para introduzir quaisquer das pretendidas modificações, além de que os Réus/recorrentes, em bom rigor, acabam por não explicitar a relevância e a valoração a dar a tais meios de prova, de modo a tornar patente a violação, pelo decisor de facto, da regra de ciência, da lógica ou da experiência aplicável ao caso.[16]

            Na verdade, não basta ao recorrente atacar a convicção que o julgador for­mou sobre cada uma ou sobre a globalidade das provas, para provocar uma alteração da decisão da matéria de facto, mostrando-se necessário que cumpra os ónus de especifica­ção impostos pelos n.ºs 1 e 2 do art.º 640º, devendo ainda proceder a uma análise crítica (rigorosa) da prova, de molde a demonstrar que a decisão proferida sobre cada um dos concretos pontos de facto, que pretende ver alterados, não é possível, não é plausível ou não é a mais razoável.[17]

            Os Réus decidiram ignorar quase toda a prova produzida, com exceção dos depoimentos de três testemunhas (“devidamente integrados e confrontados com os elementos constantes no Auto de Inspeção ao Local e toda a demais prova documental e fotográfica carreada para estes autos”...), mas, como é evidente, estes depoimentos não têm o peso ou a importância que, aparentemente, lhes é atribuída, evidenciando, sim, as limitações e insuficiências (bem) assinaladas na motivação da decisão sobre a matéria de facto.

           Ademais, os Réus/recorrentes não questionam sequer a credibilidade das testemunhas indicadas pela A., e, afora o que entenderam afirmar quanto às ditas três testemunhas, nada mais concretizam, analisam e/ou explicitam!

            Improcede, assim, a pretensão de verem modificada a decisão de facto.

           9. Os Réus/recorrentes não lograram ver modificada a decisão de facto proferida em 1ª instância e não colocam quaisquer questões relacionadas com a decisão de mérito (que não tenham sido ponderadas ao nível da reapreciação da decisão sobre a matéria de facto) - cf., nomeadamente, “conclusão 46ª”, ponto I., supra.

           A parte injuntiva da sentença é mero corolário da factualidade apurada [cf., nomeadamente, II. 1. A., C. a F., G. a L. e Q. a T., supra] no confronto com o direito aplicável, que a sentença sob censura indicou sucinta e adequadamente, concluindo-se, além do mais, de harmonia com a factualidade apurada, que “a utilização e/ou permanência no logradouro do prédio descrito em A. apenas encontra justificação na confessada servidão de passagem que onera o prédio da Autora”.[18]

           10. Soçobram, desta forma, as (demais) “conclusões” da alegação de recurso, não se mostrando violadas quaisquer disposições legais.


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III. Face ao exposto, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.        

            Custas pelos Réus/apelantes. 


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11.02.2025


           



[1] Expurgadas dalguns excertos ou pontos tidos como desnecessários (até pela sua redundância) enquanto “conclusões”.

[2] Cf. alegação de recurso, máxime, excerto «no seguimento da prolixa (confessa-se) exposição feita supra» - fls. 191 verso e 216 verso/primitiva “conclusão 64” -, trecho expurgado da “conclusão 28ª”, ponto I., supra.
[3] Diploma a que pertencem as disposições doravante citadas sem menção da origem.
[4] Vide, entre outros, Alberto dos Reis, CPC Anotado, Vol. V (reimpressão), Coimbra Editora, 1984, págs. 308 e seguintes e 358 e seguintes; J. Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, CPC Anotado, Vol. 3º, Coimbra Editora, 2003, pág. 33 e os acórdãos do STJ de 21.10.1993 e 12.01.1995, in CJ-STJ, I, 3, 84 e III, 1, 19, respetivamente.
[5] Cf. o citado acórdão do STJ de 12.01.1995.
[6] Vide, nomeadamente, Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, Vol. III, 2ª edição, Coimbra Editora, 1987, págs. 93, 113, 116 e 199 [explicitando-se, nomeadamente, que se as partes discutem o título de aquisição, como se, por exemplo, o autor pede o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre a faixa ou sobre uma parte dela, porque a adquiriu por usucapião, por sucessão, por compra, por doação, etc., a ação é de reivindicação / pág. 199] e  Henrique Mesquita, Direitos Reais, Sumários das Lições ao Curso de 1966/1967, Coimbra, 1967, págs. 177 e seguintes.

   Na jurisprudência, sobre a distinção da ação de reivindicação da ação de demarcação, cf., por exemplo, os acórdãos do STJ de 27.10.2009-processo 1407/04.0TBAGD.C1.S1, da RC de 25.5.2010-processo 115/09.0TBCDN.C1 e 12.4.2023-processo 204/21.2T8MMV.C1 e da RP de 08.3.2022, Proc.1008/20.5T8PVZ.P1, publicados no “site” da dgsi.
[7] Vide L. Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, Quid Juris, 6ª edição (reimpressão), 2010, pág. 276.
[8] Destacando a natureza flexível e dinâmica ou meramente orientadora da correspondente ferramenta/instrumento adjetivo previsto no art.º 596º do CPC, vide Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Código de Processo Civil, Os artigos da reforma, 2ª edição, Vol. I, Almedina, 2014, págs. 549 e seguintes.
[9] Sublinhado nosso, como o demais a incluir no texto (sem outra indicação).

[10] Vide, entre outros, Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, págs. 284 e 386 e Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, Vol. II, 4ª edição, 2004, págs. 266 e seguinte.
[11] Sublinhado do texto da sentença.
[12] Sublinhado do texto da sentença.
[13] Idem.
[14] Vide, entre outros, Manuel de Andrade, ob. cit., pág. 277.
[15] Vide, nomeadamente, Manuel de Andrade, ob. cit., pág. 192 e nota (1) e A. Vaz Serra, Provas (Direito Probatório Material), BMJ, 110º, 82.
[16] Cf., nomeadamente, acórdão da RC de 24.02.2015-processo 1265/05.7TBPBL.C1 [constando do sumário: “O recorrente que se limita a indicar o meio de prova em que funda a impugnação da decisão da questão de facto, sem proceder à determinação da sua relevância e à sua valoração, de modo a tornar patente a violação, pelo decisor de facto, da regra da ciência, da lógica ou da experiência aplicável ao caso, não satisfaz o ónus de impugnação daquela matéria a que lei de processo o vincula.”], publicado no “site” da dgsi.
[17] Cf., ainda, de entre vários, acórdãos da RC de 17.6.2014-processo 405/09.1TMCBR.C1, 03.3.2015-processo 1381/12.9TBGRD.C1 [tendo-se concluído: “Fundamentando-se o recurso de facto na desconformidade entre a prova documental e a factualidade que veio a ser demonstrada, não basta remeter para o teor do documento, recaindo sobre o recorrente o ónus de indicar eventuais erros do julgador na livre apreciação das provas e na fixação da matéria de facto relevante para a solução jurídica do pleito, especificando os fundamentos da sua discordância, os motivos que justificam que o documento conduza a um juízo diferente do efetuado pelo juiz.”] e 22.9.2015 processo 198/10.0TBVLF.C1 [constando do respetivo sumário: (…) não basta ao recorrente atacar a convicção que o julgador for­mou sobre cada uma ou sobre a globalidade das provas, para provocar uma alteração da decisão da matéria de facto, mostrando-se necessário que cumpra os ónus de especifica­ção impostos pelos n.ºs 1 e 2, do art.º 640º do Novo C. P. Civil, devendo ainda proceder a uma análise crítica da prova, de molde a demonstrar que a decisão proferida sobre cada um dos concretos pontos de facto, que pretende ver alterados, não é possível, não é plausível ou não é a mais razoável.”], publicados no “site” da dgsi.

[18] E, à semelhança da posição sobre a matéria de facto, os Réus/recorrentes não fundamentam/explicitam por que razão “a factualidade dada como provada mostra-se inapta, por insuficiente, para sustentar a tese peregrina e inopinada de que todo o espaço do logradouro é propriedade da Autora como facilmente se intui e constata duma análise minimamente cuidada à mesma”...