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PROCEDIMENTO DE INJUNÇÃO
FÓRMULA EXECUTÓRIA
EXCEÇÃO DILATÓRIA INOMINADA
Sumário
I - O procedimento de injunção só pode ter por objeto o cumprimento de obrigações pecuniárias diretamente emergentes de contrato, não comportando cumprimento de obrigações emergentes de outra fonte, designadamente derivada de responsabilidade civil. II - A injunção à qual foi aposta fórmula executória nestas circunstâncias está assim afetada de vício que constitui exceção dilatória inominada justificativa do indeferimento liminar da execução.
Texto Integral
Processo nº 3501/24.1T8VLG.P1-Apelação
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto-Juízo de Execução de Valongo-J1
Relator: Des. Dr. Manuel Fernandes
1º Adjunto Des. Dr.ª Fátima Andrade
2º Adjunto Des. Dr.ª Maria Fernandes de Almeida
A..., S.A. veio interpor a presente ação executiva contra AA Aranha com vista ao pagamento da quantia de € 3.130,66 dando à execução um requerimento de injunção ao qual foi aposta fórmula executória e no qual alega que a pedido da executada disponibilizou–lhe a quantia de 1884,08 € (mil e oitocentos e oitenta e quatro euros e oito cêntimos) através de crédito na sua conta corrente, valor esse que teria de ser reembolsado em prestações mensais, por débito em conta bancária do mutuário ou outra forma indicada por si.
Acontece que, em 1 de setembro de 2020, na data de vencimento da prestação, a mesma não foi paga e partir dessa data a executada deixou de cumprir, pontualmente, o pagamento das prestações mensais o que motivou a resolução do contrato.
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Conclusos os autos foi lavrado despacho que rejeitou liminarmente a execução.
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Não se conformando com o assim decidido veio a exequente interpor o presente recurso rematando com as seguintes conclusões: 1. Entende o Tribunal a quo que “(…) Do requerimento de injunção dado à execução resulta que este foi intentado, não para o cumprimento de obrigação pecuniária emergente de contrato, a contrapartida pelo empréstimo concedido - a remuneração -, mas sim a efetivação das consequências da sua extinção por efeito da resolução efetuada, ou seja, fazer valer direitos indemnizatórios concernentes à responsabilidade contratual inerente ao incumprimento do referido contrato. (…)”. 2. Porém, o Tribunal a quo não justifica o seu entendimento, não sendo possível compreender se a decisão proferida se baseia no valor globalmente peticionado ou se apenas numa parcela desse valor, dado não especificar que montantes considera ser ilegítimo peticionar. 3. Entende a Recorrente que, contrariamente ao que é entendido pelo Tribunal a quo, e com o devido respeito, é admissível o recurso ao procedimento de injunção como meio processual para obter o pagamento das quantias por si solicitadas no requerimento de injunção dado à execução. 4. O procedimento de injunção foi empregue pela ora Recorrente com acerto, uma vez que foi utilizado para o fim a que a lei o destina, isto é, o reconhecimento do direito a uma prestação pecuniária, de valor inferior ao da alçada da Relação, emergente de um contrato, e a imposição ao devedor do cumprimento dessa prestação (artigo 1.º, do Decreto Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, e artigo 7.º, do anexo ao Decreto Lei n.º 269/98, de 1 de setembro). 5. Ainda que fundado no incumprimento contratual, o crédito da Exequente/Recorrente sobre a Executada tem a sua origem no capital por esta devido, sendo pacífico na jurisprudência portuguesa que a cobrança de valores a título de capital e juros pode ser efetuada através do procedimento especial de injunção (nesse sentido, veja-se o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 08-11-2022, proferido no processo n.º 901/22.5T8VLG-A.P1, bem como o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 25-10-2016, proferido no processo n.º 166428/15.5YRPRT.C1). 6. Analisando o requerimento de injunção dado à execução, verificamos que apenas é pedido o montante de € 1.689,40 (relativo às prestações devidas pela Executada), a título de capital, e o montante de € 181,44, a título de juros de mora, não sendo pedido qualquer outro valor, nomeadamente, qualquer valor a título de cláusula penal. 7. Entende, por isso, a Recorrente que podia ter sido utilizado o procedimento de injunção para obter o pagamento das quantias em questão. 8. Do exposto resulta que a decisão em crise fez uma incorreta interpretação dos factos e desadequada aplicação do Direito, designadamente das citadas disposições legais previstas no Decreto Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro (e respetivo anexo), que violou, devendo, por isso, ser revogada e substituída por outra que determine ser admissível o recurso ao procedimento de injunção como NUIPC ...75, registada no Conselho Geral da Ordem dos Advogados sob o n.º .../10, de 14 de Abril de 2010 meio processual para obter o pagamento das quantias solicitadas pela Recorrente no requerimento de injunção dado à execução, devendo a dita execução, consequentemente, seguir os seus termos.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Foram dispensados os vistos.
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II- FUNDAMENTOS
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 3, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do C.P.Civil.
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No seguimento desta orientação é apenas uma a questão que importa apreciar e decidir: a)- saber se o título dado à execução é ou não ilegal.
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A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A materialidade com relevo para o conhecimento do objeto do presente recurso é a que decorre das ocorrências e dinâmica processual expostas no relatório que antecede.
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III. O DIREITO
Como supra se referiu é apenas uma a questão que no recurso vem colocada: a)- saber se o título dado à execução é ou não legal.
Como se evidencia do despacho recorrido aí se propendeu para o entendimento de que o procedimento de injunção requerido pela exequente é um expediente processual impróprio para obter a satisfação dos pedidos “já que estes não são subsumíveis ao conceito de cumprimento de obrigações pecuniárias emergente de um contrato”, sendo que este uso indevido do procedimento de injunção, constitui uma exceção dilatória inominada que afeta “todo o procedimento de injunção, designadamente a aposição da fórmula executória, por não se mostrarem reunidos os pressuposto legalmente exigidos para a sua utilização (as condições de natureza substantiva que a lei impõe para que seja decretada a injunção) não permitindo o aludido vício qualquer adequação processual ou convite a um aperfeiçoamento.
Deste entendimento dissente a apelante alegando que ainda que fundado no incumprimento contratual, o crédito sobre a executada tem a sua origem no capital por esta devido, sendo que a cobrança de valores a título de capital e juros pode ser efetuada através do procedimento especial de injunção.
Que dizer?
Como se extrai do requerimento executivo apelante visa com a presente execução ser ressarcida do pagamento da quantia que se encontra em dívida de capital no montante de 1.689,40 € (mil e seiscentos e oitenta e nove euros e quarenta cêntimos), acrescido de juros de mora, contados desde 1 de setembro de 2020 à taxa anual de 16,00%, por ser a que vigorava no momento da resolução do contrato e que na data da instauração da execução ascendiam a € 181,44 mais os juros vincendos e os compulsórios à taxa de 5,00% até efetivo pagamento respetiva taxa de justiça.
Invoca, para tanto, que a pedido da executada disponibilizou–lhe a quantia de 1884,08 € (mil e oitocentos e oitenta e quatro euros e oito cêntimos) através de crédito na sua conta corrente, valor esse que teria de ser reembolsado em prestações mensais, por débito em conta bancária do mutuário ou outra forma indicada por si.
Acontece que, em 1 de setembro de 2020, na data de vencimento da prestação, a mesma não foi paga e, a partir dessa data, a executada deixou de cumprir, pontualmente, o pagamento das prestações mensais, tendo então e nessa sequência procedido à resolução do contrato.
Ora, a injunção constitui procedimento especial destinado a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a € 15.000,00, nos termos do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro.[1]
Como resulta do artigo 7.º do anexo ao mencionado diploma, tem aquele procedimento por fim conferir força executiva ao requerimento destinado a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a 15.000€, ou das obrigações emergentes das transações comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de fevereiro, independentemente do seu valor.
O procedimento de injunção começou por se aplicar ao cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1ª instância (artigo 1.º do Decreto-Lei nº 269/98, de 1.09, diploma preambular do Regime Anexo - Regime dos Procedimentos para Cumprimento de Obrigações Pecuniárias Emergentes de Contratos - a que se refere esse mesmo artigo 1.º).
Posteriormente, o artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17.02, procedeu à alteração do artigo 7.º do Regime Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, que passou a dispor “[C]onsidera-se injunção a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1º do diploma preambular, ou das obrigações emergentes de transações comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei nº 32/2003, de 17 de fevereiro”.
O artigo 3.º do citado Decreto-Lei nº 32/2003, de 17.02, dispunha, por sua vez, que, para efeitos do mesmo diploma, se entendia por “transação comercial qualquer transação entre empresas ou entre empresas e entidades públicas, qualquer que seja a respetiva natureza, forma ou designação, que dê origem ao fornecimento de mercadorias ou à prestação de serviços contra uma remuneração”.
Na sequência da alteração introduzida pelo artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 107/2005, de 1.07, o n.º 1 do artigo 7.º do mencionado Decreto-Lei n.º 32/2003 passou a dispor que “[O] atraso de pagamento em transações comerciais nos termos previstos no presente diploma, confere ao credor o direito a recorrer à injunção, independentemente do valor da dívida”, sendo que, nos termos do seu n.º 2, “[P]ara valores superiores à alçada da Relação, a dedução de oposição e a frustração da notificação no procedimento de injunção determinam a remessa dos autos para o tribunal competente, aplicando-se a forma de processo comum”, enquanto, de acordo com o seu nº 4, “[A]s ações destinadas a exigir o cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de transações comerciais, nos termos previstos no presente diploma, de valor não superior à alçada da Relação seguem os termos da ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos”.
Portanto, pressupõe a providência de injunção, para que possa ser decretada mediante a aposição da fórmula executória a reclamação de cumprimento de obrigações emergentes de contratos de valor não superior a € 15.000 ou, independentemente desse valor, créditos de natureza contratual emergentes de transações comerciais que deram origem ao fornecimento de bens ou à prestação de serviços.
O procedimento de injunção só pode, assim, ter por objeto o cumprimento de obrigações pecuniárias diretamente emergentes de contrato, não comportando cumprimento de obrigações emergentes de outra fonte, designadamente derivada de responsabilidade civil.
O pedido processualmente admissível no procedimento de injunção será, pois, a prestação contratual estabelecida entre as partes cujo objeto seja em si mesmo uma soma de dinheiro e não um valor representado em dinheiro.
Tal entendimento é defendido, entre outros, por Salvador da Costa[2] quando explica que “o regime processual em causa só é aplicável às obrigações pecuniárias diretamente emergentes de contratos, pelo que não tem a virtualidade de servir para a exigência de obrigações pecuniárias resultantes, por exemplo, de responsabilidade civil […]”.
É, por conseguinte, em função da contraposição destas obrigações pecuniárias às obrigações de valor que se obtém o conceito operante na matéria em causa, e que é, afinal, o de obrigação pecuniária em sentido estrito.
Na verdade, enquanto que obrigação pecuniária em sentido estrito é aquela em que a quantia pecuniária é o próprio objeto da prestação[3], já as obrigações de valor não têm originariamente por objeto quantias pecuniárias, mas prestações de outra natureza, intervindo o valor pecuniário apenas como meio de liquidação.
Será pois o conceito de obrigação pecuniária em sentido estrito o que está pressuposto nos diplomas referidos [Decretos–Leis nºs 404/93, 269/98, 32/2003, 107/2005 e 62/2013], de tal modo que se poderá dizer que “quando o dinheiro funcionar como substituto do valor económico de um bem ou da reintegração do património, não estará preenchido o pressuposto objetivo de admissibilidade do processo de injunção”.[4]
No caso em apreço, como já supra se referiu, a apelante a pedido da executada disponibilizou–lhe a quantia de 1884,08 € (mil e oitocentos e oitenta e quatro euros e oito cêntimos) através de crédito na sua conta corrente, valor esse que teria de ser reembolsado em prestações mensais no valor de correspondendo a € 151,69.
Porque desde 1 de setembro de 2020 a executada deixou de cumprir pontualmente o pagamento das prestações não obstante as interpelações efetuadas, a apelante procedeu à resolução do contrato.
Daqui resulta que o pedido formulado pela requerente através do procedimento injuntivo de que lançou mão não se subordina ao cumprimento de uma obrigação pecuniária stricto sensu, mas antes ao exercício da responsabilidade civil contratualsubsequente à resolução de um contrato por incumprimento, com todas as consequências dele resultantes: vencimento imediato de todas as prestações em dívida, contabilização de juros de mora e aplicação de uma taxa a título de cláusula penal.
Como bem se refere na decisão recorrida não pretende a apelante/exequente com o procedimento processual instaurado reclamar o cumprimento de uma obrigação, mas antes exercer contra o requerido a responsabilidade contratual decorrente do seu incumprimento que conduziu à resolução do contrato de mútuo celebrado entre as partes, ao vencimento imediato de todas as prestações em dívida, e à contabilização de juros moratórios e aplicação da sobretaxa a título de juros compulsórios.
Ora, nestas circunstâncias o procedimento de injunção não é o meio processual adequado a dar guarida à pretensão da requerente considerando, para o efeito, a causa de pedir que lhe serve de fundamento.[5]
Conclui-se, deste modo, à semelhança do que defendeu a 1.ª instância, que a requerente usou de forma indevida o procedimento de injunção, situação que configura uma exceção dilatória inominada[6] que inquina o requerimento de injunção a que foi aposta a fórmula executória, já que tal documento, por disposição especial, não lhe pode ser atribuída força executiva.
E, assim sendo, estamos perante a falta de um pressuposto processual da ação executiva, isto é, a falta de título executivo, atenta a ilegalidade do título oferecido com o requerimento executivo que, embora ao arrepio da lei, lhe tenha sido atribuída força executória, acarreta, pelo que acima se deixou consignado, necessariamente o indeferimento liminar da execução, nos termos dos art.ºs 726.º n.ºs 2 al. a) e 5 e 734.º, ambos do CPCivil.[7]
Indeferimento que, como é evidente, abrange todo a execução uma vez que à totalidade da quantia exequenda esta subjacente a resolução contratual operada pela apelante, isto é, toda ela se move no âmbito da responsabilidade civil contratual por via do incumprimento.
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Improcedem, desta forma, todas as conclusões formuladas pelo apelante e, com elas, o respetivo recurso.
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IV-DECISÃO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.
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Custas da apelação pelo Autor sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido (artigo 527.º, nº 1 do CPCivil).
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Porto, 10/2/2025.
Des. Dr. Manuel Domingos Fernandes
Des. Dr.ª Fátima Andrade
Des. Dr.ª Fernanda de Almeida
_____________________ [1] Com as sucessivas alterações que lhe forma introduzidas. [2] In Injunções e as Conexas Ação e Execução, 5.ª ed. atualizada e ampliada, 2005, pág. 41. [3] Cf. João Vasconcelos Raposo e Luís Batista Carvalho, «Injunções e Acções de Cobranças», 2012, p 15, que aqui citam o Ac. RL 27/5/2010 que a refere como aquela em que «a prestação debitória consiste numa quantia em dinheiro que se toma pelo seu valor propriamente monetário». [4] Cf. Paulo Duarte Teixeira, “Os Pressupostos Objectivos e Subjectivos do Procedimento de Injunção», em “Themis”, VII, nº 13, pág. 184. [5] Neste sentido, cf., entre outros, o acórdão da Relação do Porto de 15.12.2021, processo n.º 17463/20.0YIPRT.P1, www.dgsi.pt. [6] Neste sentido, cf. Salvador da Costa, “A Injunção e as Conexas Acão e Execução”, 6ª edição, págs. 171 e, entre outros, os acórdãos do STJ de 14.02.2012, proc. 319937/10.3YIPRT.L1.S1, da Relação do Porto de 26.9.2005, proc. 0554261, 18.12.2013, proc. 32895/12.0YIPRT.P1, de 15.1.2019, proc. 141613/14.0YIPRT.P1, da Relação de Lisboa de 07.6.2011, proc. 319937/10.3YIPRT.L1-1 e de 29.3.2012, proc. 227640/10.4UIPRT.L1-2 e da Relação de Coimbra de 24.01.2012, proc. 546/07.0TBCBR.C1, todos disponíveis em www.dgsi.pt. [7] Cf. neste sentido, entre outros, Acs. desta Relação de 15/09/2019, 13/07/2022, 08/11/2022, 27/02/2023 (relatado pela aqui 1ª adjunta) 14/09/2023, 22/04/2024 (onde foi relatora a aqui 1ª adjunta e adjuntos o aqui relator e a aqui segunda adjunta), 11/12/2024 e 18/06/2024 e da Relação de Lisboa de 07/11/2024, 21/11/2024, todos consultáveis em www.dgsi.pt..