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EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO
LEVANTAMENTO DA PENHORA
REAPRECIAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PROCESSO EQUITATIVO
PRESUNÇÃO DE CULPA DO DEVEDOR
EXECUÇÃO ESPECÍFICA
Sumário
I – A não apreciação de algum fundamento fáctico invocado pela parte, não obstante possa, eventualmente, prejudicar a boa decisão sobre o mérito das questões suscitadas, daí apenas pode decorrer um eventual erro de julgamento (“error in iudicando”), mas não já um vício (formal) de omissão de pronúncia a integrar a nulidade da al. d) do nº 1 do artigo 615.º do CPCivil. II - Na reapreciação da prova a Relação goza da mesma amplitude de poderes da 1.ª instância e, tendo como desiderato garantir um segundo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto impugnada, deve formar a sua própria convicção. III - A extinção da execução não tem como efeito automático a extinção da penhora que tenha sido realizada, para esse efeito é necessário que sejam ordenados o seu levantamento e o eventual cancelamento dos registos associados, sendo que atualmente é ao agente de execução que, por regra, compete ordenar esse levantamento, não o podendo fazer oficiosamente o juiz. IV - Atento o carácter instrumental da reapreciação da decisão da matéria de facto, no sentido de que a reapreciação pretendida visa sustentar uma certa solução para uma dada questão de direito, a inocuidade da aludida matéria de facto justifica que este tribunal indefira essa pretensão, em homenagem à proibição da prática no processo de atos inúteis (artigo 130.º do CPCivil). V - O tribunal ad quem apenas deve proceder à ampliação da matéria de facto sempre que conclua que, à luz das diversas soluções plausíveis das questões decidendas, existe matéria de facto alegada que não foi conhecida pelo tribunal recorrido, emitindo um juízo de provado ou não provado e isso desde que se trate de matéria indispensável à dilucidação das aludidas soluções plausíveis. VI - O legislador ordinário, como é consabido, dispõe de uma ampla margem de liberdade na concreta modelação do processo, cabendo-lhe designadamente, ponderar os diversos direitos e interesses constitucionalmente protegidos relevantes–seja os interesses das partes, sejam os interesses públicos subjacentes à organização e racionalização do próprio sistema judicial–e, em conformidade com os mesmos, disciplinar o próprio processo, estabelecendo regras e condições para a prática de determinados atos. VII - Não viola o princípio constitucional do direito a um processo equitativo (cf. artigo 20.º, nº 4 da CRP) se o tribunal recorrido, entendendo que os autos continham todos os elementos necessários para o efeito, conhece de mérito no despacho saneador [cf. artigo 595.º al. b) do CPCivil]. VIII - Da mesma forma que o tribunal que decide, por aplicação de normas adjetivas, que os autos, na fase da prolação do despacho saneador, contêm todos os elementos para decidir de mérito, cumpre a sua missão de administrar justiça e, como tal, não viola o preceito do artigo 202.º da CRP. IX - O ónus da prova da ausência de culpa, pertence, no domínio da responsabilidade contratual, ao devedor e, como tal, uma vez provados os restantes elementos da responsabilidade civil (base da presunção de culpa), presume‑se que o devedor atuou com culpa, cabendo-lhe provar o contrário. X - A presunção de culpa prevista no nº 1 do art.º 799º do Código Civil só pode ser afastada se o devedor provar que atuou com a diligência exigível, ou quando alegue e prove a conexão entre o não cumprimento e uma causa estranha, seja uma causa de força maior, um facto do próprio credor (lesado) ou facto de terceiro. XI - A execução específica basta-se com a mora no cumprimento de obrigação pelo promitente faltoso, mas poderá ainda ter lugar em típicas situações que seriam de incumprimento definitivo, desde que o promitente não incumpridor mantenha o interesse na realização da prestação.
Texto Integral
Processo nº 2627/23.3T8VNF.P1-Apelação
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este-Juízo Central Cível de Penafiel-J3
Relator: Manuel Fernandes
1º Adjunto Des. Dr. Nuno Araújo
2º Adjunto Des. Dr. António Mendes Coelho
5ª Secção
AA e BB, casados, residentes na Rua ..., freguesia ... e concelho ..., intentaram a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra A..., Lda., com sede na Rua ..., freguesia ..., concelho ..., (...).
Com os fundamentos de facto e de direito melhor alegados na petição inicial, os autores pedem: a) O reconhecimento da resolução do contrato promessa outorgado entre os A. e a R., datado de 30 de novembro de 2022, referente à compra, pelos primeiros à segunda, de habitação tipologia t2+1, com cozinha mobilada e equipada com diversos eletrodomésticos, ar condicionado nos quartos e sala, termoacumulador, sito na Rua ..., freguesia ..., Concelho ..., pelo preço de €189.000,00 (cento e oitenta e nove mil euros); b) A condenação da R. a pagar aos A. a quantia de € 40.000,00 (quarenta mil euros) correspondente ao sinal pago na data da outorgada do contrato promessa, em dobro; c) A condenação da R. no pagamento de juros legais, desde a data da sua interpelação para devolução do sinal, em dobro, até efetivo e integral pagamento.
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Regularmente citada, a ré contestou e deduziu reconvenção, tudo com os fundamentos melhor descritos naqueles articulados.
A título reconvencional, pede: a declaração que a sociedade Reconvinte tem o direito de fazer sua a quantia de € 20.000,00 que os Reconvindos lhe entregaram, a título de sinal, quando celebraram, como promitente-compradores, o contrato-promessa de compra e venda identificada nos artigos 4.º, 5.º, 6.º e 7.º da petição.
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Foi apresentada réplica, onde os autores peticionam a condenação da ré por Litigância de Má Fé, aplicando-se multa exemplar de acordo com o artigo 27.º, n.º 3, do Regulamento das Custas Processuais, a favor do Estado, e fixando-se indemnização a favor dos autores de montante nunca inferior a € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), correspondentes aos honorários da mandatária subscritora.
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A ré exerceu o seu contraditório quanto a este pedido através de requerimento apresentado nos autos em 15/04/2024, com a referência 48620507, aí reclamando a má fé processual dos autores.
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Tendo o processo corridos os seus regulares termos, foi proferido despacho saneador sentença com a seguinte parte dispositiva: “Pelo exposto, julgando-se totalmente procedente a ação e improcedente a reconvenção, decide-se: d) Reconhecer a resolução do contrato promessa outorgado entre os autores e a ré, datado de 30 de novembro de 2022, referente à compra, pelos primeiros à segunda, de habitação tipologia t2+1, com cozinha mobilada e equipada com diversos eletrodomésticos, ar condicionado nos quartos e sala, termoacumulador, sito na Rua ..., freguesia ..., Concelho ..., pelo preço de €189.000,00 (cento e oitenta e nove mil euros); e) Condenar a ré a pagar aos autores a quantia de € 40.000,00 (quarenta mil euros) correspondente ao sinal pago na data da outorgada do contrato promessa, em dobro, acrescido de juros de mora à taxa de 4%, vencidos e vincendos desde o dia 6/01/2023 e até integral e efetivo pagamento; f) Absolver os autores/reconvindos do pedido reconvencional deduzido pela ré/reconvinte; g) Absolver autores e réus dos pedidos de condenação como litigantes de má fé”. *
Não se conformando com o assim decidido veio a Ré interpor o presente recurso concluindo da seguinte forma: I - A presente ação tem por base um contrato-promessa, no qual foi escrito: “Este contrato fica expressamente sujeito ao regime de execução específica (art.º 830.º do Código Civil” (sic).–Mas esta ação não tem tal natureza. Esta ação tem, pois, por base um contrato-promessa de compra e venda de uma fração autónoma de prédio urbano, em fase de conclusão, a submeter ao regime de propriedade horizontal, na qual os Autores pedem o reconhecimento da resolução do contrato que declararam à Demandada –aqui Recorrente- e a condenação desta na restituição do sinal, que constituíram, em dobro. Os Autores alegaram que a Demandada não cumpriu pontualmente o contrato, facto que a Recorrente contestou, e, em reconvenção, pediu que os Autores fossem condenados a reconhecer que (a Demandada) tinha o direito de fazer seu o sinal constituído. Como, adiante, no parágrafo 11 destas alegações se verificará, na Audiência Prévia – que ocorreu em 28-05-2024–o Tribunal, sob as alíneas A) a W) e sob a epígrafe “Factos assentes” declarou os factos que julgava provados, e nos pontos 1 a 41, sob a epígrafe “Factos controvertidos”, fixou os factos que, nessa fase, considerou – assim - que não estavam provados nem não provados. Por sentença publicada no dia seguinte–29-05-2024–, o Tribunal condenou a Recorrente nos pedidos formulados pela Autora, absolvendo-a do pedido reconvencional, sem debate nem produção de prova dos factos controvertidos, mormente os descritos sob os pontos 23 a 41, em cuja produção da prova pertinente, a Demandada provaria que não houve incumprimento nem nunca agira com culpa. II - A sentença de que se recorre foi orientada por uma ideia do direito, e um método de o declarar, típico do positivismo de índole exegético-nominalista, que entende o direito como uma realidade pré-dada, ao qual a situação concreta terá de se ajustar. Por isso, o direito não é o direito do caso, é o caso do direito. Na senda dos professores referidos na fundamentação, em Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 10 de abril de 2024... III – Enfeudado a essa conceção errada do direito, o Tribunal reduziu tudo a uma cláusula do contrato-promessa, segundo a qual a Recorrente teria de notificar os Autores do dia do contrato, cujo n.º 1 da cláusula 1.ª diz: “consagrando-se desde já como data limite para tal efeito o dia 30/05/2022”. Como o contrato de compra e venda prometido não foi outorgado até essa data, tudo o mais que constava desse contrato, como é o caso da parte final do n.º 2 da referida cláusula 1.ª (onde está escrito: “exceto se a delonga estiver relacionada com qualquer prazo suplementar necessário para a legalização do imóvel”, como consta do n.º 1 da cláusula 4.ª (que diz: “este contrato fica expressamente sujeito ao regime da execução específica”), tudo o mais, dizíamos, caiu na total desconsideração do Tribunal. Nessa desconsideração, também caiu tudo o mais que a Recorrente alegou, para demonstrar que nunca agiu com negligência, muito menos com dolo, e cuja prova foi, objetivamente, impedida de produzir. IV – Do modo como as coisas foram julgadas, para o Tribunal, verificado o incumprimento da cláusula 2.ª, n.º 2, logo a culpa era da Recorrente, pois, verificada a situação subsumível ao n.º 1 do artigo 406.º do Código Civil (o direito está “feito”, não procurado nem dito), sem mais se aplica como aplicou, o n.º 1 do artigo 799.º do Código Civil, que de presunção iuris tantum foi interpretada por presunção iuris et de iure. Na verdade, passando a valer, apenas e só, como injuntiva, a data da outorga da escritura nada mais valendo, quer nas outras regras do contrato quer nos factos dirimentes da culpa que foram alegados, outra conclusão mais não se pode tirar que esta: o incumprimento pontual (em sentido temporal) tem como efeito a presunção iuris et de iure de incumprimento culposo da obrigação de contratar. – Por isso, o alegado incumpridor não pode fazer prova de que agiu sem culpa. V – O modo redutor como o Tribunal decidiu o caso sub judice é uma demonstração cabal de postergação do disposto no artigo 9.º, n.º 1 do Código Civil, que impõe ao intérprete o dever de ter em conta o princípio de que “quando se interpreta uma norma jurídica, interpreta-se todo o sistema jurídico” e tendo sempre em consideração as circunstâncias específicas do caso concreto. VI – O modo como o Tribunal se deixou determinar por um literalismo que parece inédito, de tudo girar à volta do artigo 406.º, n.º 1 do Código Civil, ao ponto de na Audiência Prévia fazer a descrição dos factos que julgava assentes e dos que julgava controvertidos, mas logo declarando que iria decidir sem a produção da prova do que julgara controvertido. E, assim, fez essa descrição conforme se extratou no parágrafo 11 destas alegações. VII – Na sentença recorrida, o Tribunal deu por assentes os factos que já tinha julgados provados, ignorou os que julgara controvertidos e tomou a decisão de julgar a ação procedente, conforme já foi referido. VIII – Entretanto, julgou incorretamente o que consta das alíneas b), c), k), m) e l), como se demonstrou no parágrafo 12 e desconsiderou naturalmente todos os factos que julgou controvertidos. E, por isso, violou o disposto nos artigos 607.º, n.º 3, 4 e 5 e 662.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Civil, porque a decisão deve ser revogada, ordenando-se o prosseguimento dos autos. Assim, se não entendo, mas sem prescindir, deve este Alto Tribunal alterar os factos nos termos indicados nos parágrafos 13 e 14 da fundamentação, ao abrigo do disposto no artigo 662.º, n.º 1 do CPC. IX – Por outro lado, a sentença é nula porque o Tribunal, ao recusar-se produzir prova, em audiência de discussão e julgamento dos factos constantes dos pontos 23 e seguintes da ata de audiência prévia, não cumpriu o disposto no artigo 5.º, n.º 1, alínea d), 1.ª parte e 2.º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do artigo 5.º, bem como os artigos 583.º, n.º 1 e 574.º, ambos do Código de Processo Civil. Tivesse cumprido esse dever judicativo, provavelmente, a Recorrente teria demonstrado a existência de factos essenciais, instrumentais, concretizadores do alegado e factos notórios que levariam à demonstração que não agiu com culpa. A sentença é, pois, nula, por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil. X – Mesmo com base nos factos julgados provados, dos quais constam todas as cláusulas do contrato-promessa, a sentença deve ser revogada, tendo em conta que o tal contrato, também, é lei que disciplina a situação concreta. XI – Na verdade, se é certo que nos termos do n.º 1 da cláusula 3.ª a Recorrente teria de marcar a escritura do contrato prometido até ao dia 30/05/2022, e não marcou, não é menos certo que essa data teria de ser observada se não se verificassem as delongas previstas no n.º 2 da cláusula 3.ª. XII – Ora, dos autos decorrem claramente que houve situações impeditivas da outorga da escritura nessa data, cobertas pelo referido n.º 2, sendo ainda certo que se tivessem sido julgados provados em audiência de discussão e julgamento os factos descritos nos pontos 23 e seguintes, constantes da ata da audiência prévia, ficava demonstrado que a Recorrente nunca agiu em qualquer forma de culpa, nem na modalidade de negligência, muito menos da de dolo. Por isso, a sentença violou as disposições contratuais ora referidas, ao mesmo tempo que recusou à Recorrente o direito fundamental do “direito ao direito”, em processo equitativo. Foi assim violado também o disposto nos artigos 20.º, n.º 1 e 4 e 202.º, n.º 1 e 2, todos da Constituição da República Portuguesa. XIII – Por outro lado, o Tribunal, ao considerar violado o disposto no artigo 406.º, n.º 1, com a consequente consideração de que a Recorrente agiu com culpa, nos termos do artigo 799.º, n.º 1 do Código Civil, sem primeiro discutir, em função dos factos que julgou provados, se daí resultava qualquer juízo de culpa, e no caso negativo, então considerava a presunção de culpa da Recorrente. Não tendo feito essa discussão, o Tribunal outra coisa não fez que converter a presunção iuris tantum de culpa da Recorrente em presunção iuris et de iure. – E, isso é tanto mais grave quando a impediu de discutir em audiência de julgamento a prova dos factos que demonstraria que nunca agiu com culpa, mas sempre de boa-fé. XIV – Finalmente, o Tribunal desconsiderou o disposto no n.º 1 da cláusula 4.ª da qual consta: “1. Este contrato fica expressamente sujeito ao regime da execução específica (artigo 830.º do Código Civil)”. Ora, “expressamente” significa “com o fim exclusivo”. Em função do que as partes dispuseram imperativamente, em caso de incumprimento por parte da Recorrente (e mutatis mutandis se fossem os Recorridos os incumpridores), os Recorridos deviam recorrer a juízo, exercendo a execução específica, com a condição de que a propriedade da fração fosse transferida para a sua esfera jurídica livre e alodial de quaisquer ónus ou encargos e, subsidiariamente, caso não fosse possível a transmissão livre de ónus ou encargos, que com base no disposto no artigo 442.º, n.º 2 e 755.º, n.º 1, alínea f), ambos do Código Civil, e verificando-se a culpa da Recorrente, pedir uma das duas indemnizações previstas no referido artigo 402.º, n.º 2. XV – O Tribunal não podia desconsiderar a matéria da conclusão anterior, logo na audiência prévia, a qual tem a natureza de exceção perentória, prevista no artigo 583.º, n.º 3 do Código de Processo Civil. E, por isso, devia absolver a Recorrente da instância. Não o tendo feito nessa audiência, devia dela conhecer na sentença sob recurso, absolvendo a Recorrente da instância. XVI - Tendo violado as normas ora referidas, deve a sentença em crise ser revogada, prosseguindo os autos os seus termos legais.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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II- FUNDAMENTOS
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do C.P.Civil.
No seguimento destas são as seguintes as questões que importa apreciar e decidir: a)- saber se a sentença padece de nulidade por omissão pronúncia; b)- saber se tribunal recorrido cometeu erro na apreciação da prova e assim na decisão da matéria de facto; c)- decidir em conformidade face ao julgamento da impugnação da matéria de facto.
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A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
É a seguinte a matéria de facto que vem dada como provado pelo tribunal recorrido:
A) A Ré é dona de um prédio urbano sito no antigo Lugar ... e atualmente (por atualização de toponímia) na Rua ..., freguesia ..., Concelho ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...30, da freguesia ..., e descrito na Conservatória do Registo Predial de Paços de Ferreira sob o número ...67.
B) Sob o qual se encontra registada uma penhora pela AP. ...99 de 06.08.2021, constando como Exequente o Sr. CC, sendo a quantia exequenda de €100.000,00 (cem mil euros), penhora efetuada no âmbito do processo judicial ..., a correr no Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, Juízo de Execução de Lousada, Juiz 1, que incide sobre ½ do imóvel.
C) À data, existem dois atos de penhora registados sobre o imóvel, relativos ao mesmo Exequente – AP. ...99 de 6 de agosto de 2021 e AP ...80 de 27 de maio de 2022.
D) Tal imóvel adveio à posse da Ré por via de permuta, registada pela AP. ...22 de 21.01.2021, na altura ainda esta empresa tinha o nome de B..., Unipessoal Lda., tendo depois alterado o nome da empresa para o que hoje usa, mas sempre mantendo o mesmo Número de Identificação de Pessoa Coletiva.
E) Por documento datado de 30 de novembro de 2021, intitulado de “contrato promessa de compra e venda de bens futuros”, os AA., na qualidade de segundos outorgantes, e a R., na qualidade de primeira outorgante, declararam o que consta do doc. 2 junto com a petição inicial e que aqui se dá por integralmente reproduzido, designadamente:
“CLÁUSULA PRIMEIRA
(Objeto)
1. A PRIMEIRA OUTORGANTE é dona e legítima proprietária do prédio urbano, composto por parcela de terreno para construção com área de 1620m2, sito na Rua ..., ..., freguesia ..., Concelho ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo matricial n.º ...30 da freguesia ... e descrito na Conservatória de Registo Predial de Paços de Ferreira sob o n.º ...67, da freguesia ... e Concelho ..., onde se encontra registada a aquisição a favor da PRIMEIRA OUTORGANTE pela Ap. 7 de 16/05/2021.
2. Sobre o referido prédio incide um projeto para construção de um edifício multifamiliar conforme projeto de arquitetura cuja memória descritiva e justificativa se anexa e faz parte integrante do presente contrato.
3. Pelo presente contrato, a PRIMEIRA OUTORGANTE promete vender aos SEGUNDOS OUTORGANTES ou a pessoa que esta indicar/nomear, e os SEGUNDOS OUTROGANTES prometem comprar uma fração autónoma a designar pela letra “__”, aquando da constituição da propriedade Horizontal do prédio, que será composta por um apartamento de tipologia T2+1, com área de 160m2 sita no andar 1º.
4. Faz parte da presente venda e por isso serão vendidos juntamente com a fração acima identifica a cozinha mobilada e equipada com os seguintes eletrodomésticos: placa, forno, exaustor, combinado, micro-ondas, máquina de lavar a loiça, ar condicionado nos três quartos e sala, termoacumulador.
CLÁUSULA SEGUNDA
(Preço e condições de pagamento)
1. O valor de aquisição é de 189.000,00 € (cento e oitenta e nove mil euros), que será liquidado da seguinte forma:
2. O valor 20.000,00 (vinte mil euros) é entregue à C..., Lda., enquanto fiel depositária a título de sinal e princípio de pagamento, através de transferência bancária executada para a conta nº ...73 domiciliada no Banco 1..., S.A.
O restante valor de 169.000,00 (cento e sessenta e nove mil euros), será pago na outorga da escritura pública por cheque visado e ou bancário.
CLÁUSULA TERCEIRA
(Contrato de Compra e Venda)
1- A escritura de compra e venda ou documento particular autenticado será outorgada após a conclusão da construção do edifício multifamiliar, que se prevê em Maio de dois mil e vinte e dois e logo que se encontre reunida toda a documentação para o efeito necessário, constituição de propriedade horizontal e emitidas as licenças de utilização, em dia, hora e local a acordar pelas partes ou, na falta de acordo, em dia, hora e local a indicar pela PRIMEIRA OUTORGANTE aos SEGUNDOS OUTORGANTES, através de carta registada expedida com pelo menos 30 dias de antecedência, consagrando-se desde já como data limite para tal efeito o dia 30/05/2022.
2. Findo o prazo enunciado, sem que a escritura pública tenha sido celebrada, a segunda poderá resolver o presente contrato, exceto se a delonga estiver relacionada com qualquer prazo suplementar necessário para a legalização do imóvel.
3. São da responsabilidade da PRIMEIRA OUTORGANTE todas as despesas havidas com a o btenção de toda a documentação necessária para a outorga da escritura de compra e venda ou documento particular autenticado, constituição e propriedade horizontal, emissão das licenças de utilização, identificação matricial e registral, certificado energético, bem como, com a extinção ou cancelamento de quaisquer ónus, encargos ou responsabilidades que, eventualmente, onerem a fração autónoma prometida vender.
4. Será da responsabilidade dos SEGUNDOS OUTORGANTES todos os encargos notariais, registais e fiscais inerentes à aquisição da fração ora prometida vender, designadamente o imposto municipal sobre as transmissões (IMT) a que houver lugar, imposto de selo de aquisição (IS), custos emolumentares decorrentes da celebração do contrato definitivo de compra e venda, registos provisórios de aquisição e hipoteca, se os houver, e suas subsequentes conversões em definitivos, e custos inerentes à concretização do crédito habitação para a aquisição do imóvel, o qual se compromete a satisfazê-los nas datas e momentos em que os mesmos se vençam e sejam exigíveis.
5. São também da responsabilidade da PRIMEIRA OUTORGANTE, todas as despesas, encargos, taxas e impostos, decorrentes da posse e utilização do prédio Urbano objeto do presente contrato promessa de compra e venda, até à data da respetiva tradição aos SEGUNDOS OUTROGANTES, ainda que o seu pagamento só venha a ser exigido em momento posterior. CLÁUSULA QUARTA
(Incumprimento Definitivo)
1. Este contrato fica expressamente sujeito ao regime de execução específica (art. 830º do Código Civil).
2. Em tudo o que for omisso, o presente contrato reger-se-á pelas disposições legais aplicáveis.
CLÁUSULA SÉTIMA
(Reconhecimento das Assinaturas)
1. Ambos os OUTORGANTES declaram estar de perfeitamente conscientes do conteúdo do presente contrato que de boa-fé vão assinar, acordam em prescindir livre e mutuamente das formalidades exigidas pelo artigo 410.º, n.º 3 do Código Civil abdicando assim do reconhecimento presencial das respetivas assinaturas, renunciando expressamente a invocar a nulidade deste contrato pela omissão de tais requisitos para todos os efeitos legais.”
F) Os AA. sinalizaram a compra do imóvel, com o pagamento de €20.000,00 (vinte mil euros), que foi transferido para a referida imobiliária, por ordem do Sr. DD, pagando-se já, parcelarmente, o valor da compra acordada.
G) Entre outras coisas, naquele documento foi acordado que a escritura definitiva seria outorgada após a conclusão da construção da moradia e após reunião de toda a documentação e licenciamento, devendo a R. comunicar aos A., por carta registada e com pelo menos 30 (trinta) dias de antecedência, da data da outorga da escritura ou documento particular autenticado, tendo como data limite para o efeito o dia 30 de maio de 2022, cf. cláusula terceira.
H) E que “findo o prazo enunciado, sem que a escritura pública tenha sido celebrada, a segunda poderá resolver o presente contrato, exceto se a delonga estiver relacionada com qualquer prazo suplementar necessário para a legalização do imóvel”.
I) Em 13/06/2022, os Autores remeteram à sociedade Ré a carta registada, que tem o seguinte teor: “..., 13 de junho de 2022 Assunto: Contrato de Compra e venda de bem futuro outorgado a 30/11/2021. Exmos. Srs., Os meus melhores cumprimentos. No seguimento do contrato promessa identificado em assunto, relativo à compra do imóvel a construir no ... sito na Rua ..., freguesia ..., Concelho ..., vimos pela presente missiva interpelar V/ Exas. para o cumprimento do contrato prometido. V/ Exas obrigaram-se, nos termos da cláusula terceira do contrato suprarreferido, a ter toda a documentação necessária, bem, como tal, e por inerência, a construção do imóvel concluída, para a outorga da escritura de compra e venda ou documento particular autenticado até ao passado dia 30 de maio de 2022. Contudo, não nos foi entregue qualquer documentação, nem o imóvel está concluído. Pelo exposto, vimos pela presente missiva, de forma definitiva interpelar V/ Exas. para o cumprimento do referido contrato, concluindo a construção do imóvel nos termos contratados, bem como entregando toda a documento necessária para a outorga do contrato até ao próximo dia 30 de junho de 2022. Certos da melhor compreensão, Ao vosso dispor,”.
J) Por carta registada, a sociedade Ré, em 23/06/2022, respondeu aquela carta dos Autores, nos termos seguintes:
“Assunto: Contrato Promessa de Compra e Venda de bem futuro outorgado em 30/11/2021.
Ex.mo(s) Senhor(es), Acusamos a receção da V/ missiva, a qual mereceu a N/ melhor atenção. Em resposta: 1 – Corresponde à verdade que a escritura definitiva deveria ter sido outorgada até 30 de maio do corrente ano; 2 – Contudo, no contrato outorgado, nomeadamente no número 2 da cláusula terceira, é referido expressamente que: “(…) exceto se a delonga estiver relacionada com qualquer prazo suplementar necessário para a legalização do imóvel”. 3 – Pelo que, a mora que aqui se verifica não é imputável aos vendedores, antes sim à autarquia que ainda não procedeu à emissão da competente licença de utilização; 4 – Ademais, considerando que a entrega do imóvel encontra-se pendente por aquela questão e, porque esta sociedade atua de boa-fé, poderemos, a partir do dia 30 de junho de 2022, proceder à tradição da coisa e entregar-vos as chaves do prédio. 5 – Ficamos a aguardar que nos digam se pretendem a entrega do imóvel antes da realização da escritura definitiva. Com os nossos melhores cumprimentos, subscrevemo-nos, Atentamente, A Gerência,”.
K) Os autores, através de carta datada de Junho de 2022 e enviada à ré, comunicaram a este o constante do documento 4 junto com a petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
L) Na data de 7 de dezembro de 2022, pela R. foi endereçado aos A. um email, dando conta que já tinham em sua posse o certificado energético e o termo de responsabilidade do engenheiro responsável, faltando a demais documentação para posterior submissão na Câmara Municipal ..., tudo nos moldes vertidos no DOC. 8 junto com a petição inicial cujo teor se dá por integrado e reproduzido.
M) Por carta registada com aviso de receção datada de 12 de dezembro de 2022, e enviada no dia seguinte, foi a R. interpelada, juntamente com as agências imobiliárias - contando-se que as mesmas poderiam colocar uma pressão acrescida na R. -, nos moldes vertidos nos DOC. 9, 10 e 11 juntos com a petição inicial e cujo teor dá por integrado e reproduzido.
N) A R. rececionou a carta endereçada no dia 20 de dezembro de 2022 e respondeu à mesma nos moldes vertidos no DOC. 12 junto com a petição inicial e cujo teor dá por integrado e reproduzido.
O) Por carta de 21/12/2022, a sociedade Ré respondeu à Ex. ma Sra. Advogada, na qualidade de representante dos agora Autores, declarando-lhe o seguinte: “Assunto: Resposta à V/ interpelação de dia 12 de dezembro de 2022. Ex.mo(a) Senhor(a) Doutora, Acusamos a receção da V/ carta, datada de 12 de dezembro de 2022 e recebida em 20 de dezembro, a qual cumpre-nos dizer o seguinte: 1 – A penhora inscrita no Registo Predial e a que V. Ex. cias alude não incide sobre o prédio, conforme a menção feita nessa carta, mas sobre o quinhão na proporção de metade indivisa do terreno em que a construção foi feita; 2 – Essa penhora foi requerida de forma ilícita e como forma de chantagem para obter da sociedade o pagamento de quantia que ela não deve ao Exequente, cuja atuação foi feita sem considerar os danos que estão a ser criados a terceiros; 3 – Os direitos desta sociedade contra essa ação ilegal do Exequente e de quem a acompanha nessa saga, estão a ser exercidos em parte e, em breve, contra todos os autores dos danos que estamos a sofrer e aqueles que possam ser causados a terceiros, como é o caso dos V/ Constituintes; 4 – Tendo em conta a situação, estamos disponíveis para encontrar uma solução dentro dos próximos dias, nomeadamente, proporcionando aos V/ Constituintes, o gozo do prédio; 5 – Entretanto, para agilizar toda esta situação, gostaríamos de marcar uma reunião entre V. Ex. cias, os V/ Constituintes e o N/ Advogado; 6 – Informamos, também, que tomamos a liberdade de enviar cópia da carta que nos remeteu e desta resposta aos V/ Constituintes. Com os nossos melhores cumprimentos, subscrevemo-nos, Atentamente, A Gerência,”.
P) Os A. enviaram à ré uma carta datada e endereçada no dia 5 de janeiro de 2023, comunicando a esta o vertido no DOC. 14 junto com a petição inicial e cujo teor dá por integrado e reproduzido.
Q) A carta endereçada foi endereçada também para a empresa C..., LDA, com o mesmo teor, tendo sido obtida resposta, nos moldes vertidos no DOC. 15 junto com a petição inicial e cujo teor dá por integrado e reproduzido.
R) A R., em resposta à missiva referida na alínea anterior, enviou aos AA. a carta, datada de 16/01/2023, vertida no DOC. 16 junto com a petição inicial e cujo teor dá por integrado e reproduzido.
S) Por carta de 18/01/2023, a sociedade Ré, com cópia da carta referida na alínea anterior, comunicou aos Autores o seguinte: “Assunto: Resposta a resolução do contrato promessa e venda e devolução do sinal prestado em dobro. Ex.mo(s) Senhor(es), 1 - Com data de 5 de janeiro de 2023, recebemos da Doutora EE, a carta de que juntamos cópia; 2 – Na qual, sem juntar os poderes necessários, resolve o contrato-promessa entre nós outorgado, bem como solicita a devolução do sinal em dobro; 3 – A essa carta, respondemos-lhe nos termos da carta de que também juntamos cópia. Com os nossos melhores cumprimentos, subscrevemo-nos, Atentamente, A Gerência,”.
T) Em virtude da conclusão do edifício referido no contrato-promessa que os Autores celebraram com a sociedade Ré e na sequência de pedido da Ré apresentado em 1/08/2022, a Câmara Municipal ... em 30/09/2022, emitiu a certidão para que o edifício fosse submetido ao regime da propriedade horizontal, nos moldes vertido no Doc. n.º 1 junto com a contestação e se considera integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
U) Em 06/10/2022, foi outorgada a escritura de constituição da propriedade horizontal, nos moldes vertido no Doc. n.º 2 que se junta e se considera integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
V) E, em 24/07/2023, foi feito o registo de constituição da propriedade horizontal.
W) O edifício ajuizado é hoje o prédio urbano afetado ao regime da propriedade horizontal, sito no Lugar ..., Rua ..., ..., da freguesia ..., Concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Paços de Ferreira sob o n.º ...67 - ... e inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...85, formado pelas frações denominadas pelas letras seguintes, cada uma com a respetiva composição: a) Fração autónoma A: habitação do tipo T-dois, no rés-do-chão, o primeiro a contar da esquerda para a direita, quando de frente para o edifício, com acesso direto pela Rua ..., pela parte da frente do prédio, lado esquerdo do prédio, composto por uma cozinha/sala comum, duas casas de banho, um corredor, dois quartos, dos quais uma suite, uns arrumos e uma varanda. Pertence-lhe um logradouro contíguo à fração com a área de vinte e seis vírgula quarenta e dois metros quadrados. A fração tem o valor relativo correspondente a noventa e sete vírgula cinquenta por mil do valor total do prédio, e o valor atribuído de dezanove mil e quinhentos euros; b) Fração autónoma B: habitação do tipo T-três, no rés-do-chão, o terceiro a contar da esquerda para a direita, quando de frente para o edifício, composto por uma cozinha/sala comum, duas casas de banho, um corredor, três quartos, dos quais uma suite, e uma varanda. Pertence-lhe um logradouro contíguo à fração com a área de vinte e sete vírgula dez metros quadrados. A fração tem o valor relativo correspondente a noventa e oito vírgula cinquenta por mil do valor total do prédio, e o valor atribuído de dezanove mil e setecentos euros; c) Fração autónoma C: habitação do tipo T-dois, no rés-do-chão, o sexto a contar da esquerda para a direita, quando de frente para o edifício, composto por uma cozinha/sala comum, duas casas de banho, um corredor, dois quartos, dos quais uma suite, uns arrumos e uma varanda. Pertence-lhe um logradouro contíguo à fração com a área de vinte e seis vírgula quarenta e dois metros quadrados. A fração tem o valor relativo correspondente a noventa e sete vírgula cinquenta por mil do valor total do prédio, e o valor atribuído de dezanove mil e quinhentos euros; d) Fração autónoma D: habitação do tipo T-dois, desenvolvendo-se a nível do rés-do-chão e cave, com comunicação entre os dois pisos através de escada interior com porta, o segundo a contar da esquerda para a direita, quando de frente para o edifício, composto por uns arrumos, uma cozinha/sala comum, duas casas de banho, um corredor, dois quartos, dos quais uma suite e uma varanda. Pertence-lhe dois logradouros contíguo à fração com a área total de cento e quarenta vírgula setenta e seis metros quadrados. A fração tem o valor relativo correspondente a cento e vinte e oito vírgula cinquenta por mil do valor total do prédio, e o valor atribuído de vinte e cinco mil e setecentos euros; e) Fração autónoma E: habitação do tipo T-dois, desenvolvendo-se a nível de rés-do-chão e cave, com comunicação entre os dois pisos através de escada interior com porta, o quarto a contar da esquerda para a direita, quando de frente para o edifício, composto por uns arrumos, uma cozinha / sala comum, duas casas de banho, um corredor, dois quartos, dos quais uma suite, e uma varanda. Pertence-lhe um logradouro contíguo à fração com a área de vinte e três vírgula quarenta e três metros quadrados. A fração tem o valor relativo correspondente a cento e trinta por mil do valor total do prédio, e o valor atribuído de vinte e seis mil euros; f) Fração autónoma F: habitação do tipo T-dois, desenvolvendo-se a nível do rés-do-chão e cave, com comunicação entre dois pisos através de escada interior com porta, o quinto a contar da esquerda para a direita, quando de frente para o edifício, composto por uns arrumos, uma cozinha / sala comum, duas casas de banho, um corredor, dois quartos, dos quais uma suite, e uma varanda. Pertencem-lhe dois logradouros contíguos à fração com a área total de cento e trinta e seis metros quadrados. A fração tem o valor relativo correspondente a cento e vinte e oito vírgula cinquenta por mil do valor total do prédio, e o valor atribuído de vinte e sete mil e quinhentos euros; g) Fração autónoma G: Garagem/arrumos na sub-cave, com acesso direto pela Rua ..., composto por um espaço amplo destinado a garagem e arrumos. Pertence-lhe um logradouro contíguo à fração com a área de setecentos e sessenta e seis vírgula oitenta e sete metros quadrados. A fração tem o valor relativo correspondente a trezentos e dezanove vírgula cinquenta por mil do valor total do prédio, e o valor atribuído de sessenta e três mil e novecentos euros.
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III. O DIREITO
Como supra se referiu a primeira questão que importa apreciar e decidir consiste em: a)- saber se decisão padece de nulidade por omissão de pronúncia.
Importa, antes de avançarmos, dizer que quer o corpo alegatório quer as conclusões formuladas não primam pela clareza e só com algum esforço se conseguem descortinar os fundamentos o recurso.
Isto dito, na conclusão IX alega a apelante que a sentença é nula porque o tribunal, ao recusar-se produzir prova, em audiência de discussão e julgamento dos factos constantes dos pontos 23 e seguintes da ata de audiência prévia, não cumpriu o disposto no artigo 5.º, n.º1, alínea d), 1.ª parte e 2.º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do artigo 5.º, bem como os artigos 583.º, n.º 1 e 574.º, ambos do Código de Processo Civil, pois que, se tivesse cumprido esse dever judicativo, provavelmente, teria demonstrado a existência de factos essenciais, instrumentais, concretizadores do alegado e factos notórios que levariam à demonstração que não agiu com culpa.
Nos termos do disposto da alínea d) do nº 1 do artigo 615.º do CPCivil a sentença é nula sempre que “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Estabelece-se nesta previsão legal a consequência jurídica pela infração ao disposto no artigo 608.º, nº 2, do mesmo diploma legal. Ou seja, a nulidade prevista na alínea d) está diretamente relacionada com o nº 2 do artigo 608.º, referido, segundo o qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Conforme este princípio, cabe às partes alegar os factos que integram o direito que pretendem ver salvaguardado, impondo-se ao juiz o dever de fundamentar a sua decisão nesses factos e de resolver todas as questões por aquelas suscitadas, não podendo, por regra, ocupar-se de outras questões.
Mas, importa precisar o que deve entender-se por “questões” cujo conhecimento ou não conhecimento integra nulidade por excesso ou falta de pronúncia.
Como tem sido entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência, apenas as questões em sentido técnico, ou seja, os assuntos que integram o “thema decidendum”, ou que dele se afastam, constituem verdadeiras “questões” de que o tribunal tem o dever de conhecer para decisão da causa ou o dever de não conhecer, sob pena de incorrer na nulidade em causa.
Há, assim, que distinguir as verdadeiras questões dos meros “raciocínios, razões, argumentos ou considerações”, invocados pelas partes e de que o tribunal não tenha conhecido ou que o tribunal tenha aduzido sem invocação das partes.
Num caso como no outro não está em causa omissão ou excesso de pronúncia.
No que concerne à falta de pronúncia dizia Alberto dos Reis[1] que “são na verdade coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão”.
Dentro deste raciocínio do ilustre mestre se poderá acrescentar que, quando o tribunal, para decidir as questões postas pelas partes, usar de razões ou fundamentos não invocados pelas mesmas partes não está a conhecer de questão de que não deve conhecer ou a usar de excesso de pronúncia suscetível de integrar nulidade.
Do que se conclui que apenas as questões essenciais, questões que decidem do mérito do pleito ou, convenhamos, de um problema de natureza processual relativo à validade dos pressupostos da instância, é que constituem os temas de que o julgador tem de conhecer, quando colocados pelas partes, ou não deve conhecer na hipótese inversa, sob pena de a sentença incorrer em nulidade por falta de pronúncia ou excesso de pronúncia.
Obviamente, sempre, salvaguardadas as situações onde seja admissível o conhecimento oficioso do tribunal.
Postos estes breves considerando, torna-se evidente que a decisão recorrida não padece do vício que lhe vem assacado.
Com efeito o alegado pela apelante não preenche a factie species da al. d) do nº 1 do artigo 615.º do CPCivil nos moldes que supra se deixaram referidos.
Efetivamente, o vertido pela apelante na referida conclusão poderá consubstanciar antes um possível erro de julgamento.
Com efeito, o que alega a apelante é, em retas contas, que os autos não continham ainda, na fase decisória em que o foram, todos os elementos factuais que foram alegados e que estariam carecidos de prova, para a decisão de mérito pleito, ou seja, em seu entender havia necessidade de produzir prova dos factos alegados e concretamente, os constantes dos itens 23. e seguintes da ata de audiência prévia.
Acontece que, embora a não apreciação de algum fundamento fáctico invocado pela parte, possa, eventualmente, prejudicar a boa decisão sobre o mérito das questões suscitadas, daí apenas pode decorrer um eventual erro de julgamento (“error in iudicando”), mas não já um vício (formal) de omissão de pronúncia, ou seja, este tipo de omissão pode, eventualmente, conduzir a um erro de julgamento quanto à matéria de facto e/ou quanto às questões de direito esgrimidas nos autos e, portanto, nessa medida, só em sede de impugnação da decisão de facto ou de dissídio jurídico perante a decisão, se pode/deve colocar a questão.
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Improcede, assim, a conclusão IX formulada pela apelante.
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A segunda questão que vem colocada no recurso prende-se com: b)-saber se o tribunal recorrido cometeu erro na apreciação da prova e assim na decisão da matéria de facto.
Como resulta do corpo alegatório e das respetivas conclusões a Ré apelante impugna a decisão da matéria de facto, alegando que o tribunal recorrido julgou incorretamente as alíneas B), C), K), M) e L) dos factos provados.
Vejamos, então, se lhe assiste razão.
O controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialeticamente na base da imediação e da oralidade.
Ora, contrariamente ao que sucede no sistema da prova legal, em que a conclusão probatória é prefixada legalmente, no sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objeto do julgamento, com base apenas no juízo que fundamenta no mérito objetivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo.
“O que é necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela sobre o julgamento do facto como provado ou não provado”.[2]
De facto, a lei determina expressamente a exigência de objetivação, através da imposição da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (artigo 607.º, nº 4 do CPCivil).
Todavia, na reapreciação dos meios de prova, a Relação procede a novo julgamento da matéria de facto impugnada, em busca da sua própria convicção, desta forma assegurando o duplo grau de jurisdição sobre essa mesma matéria, com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância.[3]
Impõe-se-lhe, assim, que “analise criticamente as provas indicadas em fundamento da impugnação, quer a testemunhal, quer a documental, conjugando-as entre si, contextualizando-se, se necessário, no âmbito da demais prova disponível, de modo a formar a sua própria e autónoma convicção, que deve ser fundamentada”.[4]
Tendo presentes estes princípios orientadores, vejamos agora se assiste razão à Ré apelante, neste segmento recursivo da impugnação da matéria de facto, nos termos por ela pretendidos.
As alíneas B) e C) dos factos provados têm, respetivamente, a seguinte redação: “B) Sob o qual se encontra registada uma penhora pela AP. ...99 de 06.08.2021, constando como Exequente o Sr. CC, sendo a quantia exequenda de €100.000,00 (cem mil euros), penhora efetuada no âmbito do processo judicial ..., a correr no Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, Juízo de Execução de Lousada, Juiz 1, que incide sobre ½ do imóvel. C) À data, existem dois atos de penhora registados sobre o imóvel, relativos ao mesmo Exequente–AP. ...99 de 6 de agosto de 2021 e AP ...80 de 27 de maio de 2022.”
Alega a apelante que o Tribunal não podia ter julgado, sem investigação crítica este facto, pois que, dando de barato a parte final, não podemos deixar de recordar que não há direitos “sobre ½ do imóvel”, mas sobretudo evidenciar que estamos face a duas penhoras com o mesmo Exequente e o mesmo valor, o que não deixa de prenunciar uma duplicação, e que na sua origem só pode estar um erro do Agente de Execução.
Ora, as alíneas em questão refletem apenas aquilo que consta da cópia da certidão permanente da Conservatória do Registo Predial de Paços de Ferreira junta com a petição inicial e também com a contestação, vertida nos artigos 25º e 36º da primeira das peças referida e que não consta dos autos que tivesse sido objeto de impugnação por qualquer forma, sendo certo que, incumbia a apelante, que nisso tinha interesse, produzir prova que contrariasse o que desses documento constava, o que manifestamente não fez.
No que se refere há inexistência de direitos “sobre ½ do imóvel” (neste caso a penhora, visto como direito real de garantia ou como um ónus que passa a incidir sobre a coisa penhorada para satisfação dos fins da execução), seja-nos permitido discordar.
Quando um imóvel é detido em compropriedade, ou seja, quando existem dois ou mais proprietários que partilham quotas ideais do bem (por exemplo, cada um com metade do imóvel), é possível penhorar a quota-parte indivisa que pertence a um dos comproprietários. Nesse caso a penhora recai apenas sobre a quota-parte do devedor no imóvel, e não sobre a totalidade do imóvel, após a penhora, o credor pode promover a venda da quota indivisa em execução ou, em alguns casos, exigir a divisão do bem comum, se aplicável.
Por outro lado, se um imóvel estiver integrado no património comum de um casal, sob o regime de comunhão de adquiridos ou de comunhão geral, a penhora poderá incidir sob a meação ideal do cônjuge devedor (metade abstrata de todos os bens comuns), podendo o credor promover a venda da meação penhorada, ficando o adquirente em situação de compropriedade com o cônjuge do devedor.
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Refere depois a apelante que antes de ter sido proferida a sentença foi junto aos autos, em 15 de abril de 2024, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 10 de abril de 2024, que julgou extinta a execução movida contra a Recorrente e, concomitantemente, a extinção dessas penhoras.
Mas, salvo o devido respeito, cremos que a apelante labora em manifesto equívoco.
Além de não estar comprovado nos autos o trânsito em julgado do citado acórdão, o certo é que nele STJ limitou-se a absolver da instância executiva a apelante por se parte ilegítima.
Acontece que, uma coisa é a extinção da execução em relação à apelante por ter ocorrido causa para esse desiderato, no caso, a falta de um pressuposto processual [cf. artigo 849.º, nº 1 al. f) do CPCivil], outra coisa é extinção da penhora, sendo que esta não é um efeito automático daquela.
Na verdade, para que a penhora seja extinta, é necessário que seja ordenado o seu levantamento e o consequente cancelamento dos registos associados, sendo que atualmente é ao agente de execução que, por regra, compete ordenar esse levantamento, não o podendo fazer oficiosamente o juiz.[5]
Aliás, como elucida Teixeira de Sousa[6]“a separação da competência jurisdicional e do agente de execução impede que qualquer destes órgãos da execução possa invadir a esfera de competência que está reservada ao outro órgão. Assim, se o juiz de execução praticar um ato que pertence à competência funcional do agente de execução, verifica-se uma nulidade processual (artigo 195.º, 1), porque foi realizado pelo juiz de execução um ato que a lei não lhe permite”.
Ora, dos autos e concretamente da certidão do Registo da Conservatória não consta que as penhoras em causa tivessem sido levantadas, nem da mesma consta o seu cancelamento, razão pela qual não pode ser dado como provada a extinção das penhoras como pretende a Ré apelante ou mesmo que teriam de ser canceladas como se propugna na al. e) do nº 14 do corpo alegatório.
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Desta forma, devem continuar a constar da resenha dos factos provados e com a mesma redação as alíneas B) e C).
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Alega também a apelante que o facto da alínea K) confunde-se com o da alínea I), pois trata-se do mesmo documento, pelo que deve ser eliminado.
Tem razão a apelante, o facto constante da al. K) é uma pura repetição da al. I) e, como tal procede-se à eliminação da referida alínea.
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A al. M) dos factos provados tem a seguinte redação: “Por carta registada com aviso de receção datada de 12 de dezembro de 2022, e enviada no dia seguinte, foi a R. interpelada, juntamente com as agências imobiliárias - contando-se que as mesmas poderiam colocar uma pressão acrescida na R. -, nos moldes vertidos nos DOC. 9, 10 e 11 juntos com a petição inicial e cujo teor dá por integrado e reproduzido”.
Propugna a apelante que deve ser eliminado desse facto a expressão “contando-se que as mesmas poderiam colocar uma pressão acrescida na R.”
A alínea em causa corresponde a alegação constante do artigo 37.º da petição inicial que foi objeto de impugnação por parte da apelante (cf. artigo 97º da contestação, mas sem ter sido impugnado o respetivo documento).
Desta forma o tribunal deveria ter-se limitado a dar como reproduzidas as referidas missivas “tout court”, expurgando da mencionada alínea M) a citada expressão por ter sido impugnada.
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Nestes termos, elimina-se, da citada alínea, a expressão em causa.
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Pretende depois a apelante que deveria ter sido dado como assente a carta recebida pela Ré dos Advogados FF e GG, em 09 de setembro de 2022, que representaram os Autores/Recorridos antes da atual mandatária, conforme doc. n.º 5[7], junto com a contestação/reconvenção e bem assim, a resposta[8] que a Ré deu aos aludidos advogados, em 21 de setembro de 2022, tudo conforme doc. n.º 6, que se encontra junto com a contestação/reconvenção.
Ora, para além destes documentos terem sido objeto de impugnação por parte dos Autores recorridos (cf. artigo 28º da réplica) o conteúdo neles vertido não tem qualquer relevância do ponto de vista da solução jurídica a dar ao pleito, face ao objeto da lide centrado no incumprimento/resolução do contrato e consequências daí resultantes, ou seja, fora já do âmbito da legitimidade da apelante para a outorga do mesmo.
Desta forma, atento o carácter instrumental da reapreciação da decisão da matéria de facto, no sentido de que a reapreciação pretendida visa sustentar uma certa solução para uma dada questão de direito, a inocuidade da aludida matéria de facto justifica que este tribunal indefira essa pretensão, em homenagem à proibição da prática no processo de atos inúteis (artigo 130.º do CPCivil).
Como refere Abrantes Geraldes,[9] “De acordo com as diversas circunstâncias, isto é, de acordo com o objeto do recurso (alegações e, eventualmente, contra-alegações) e com a concreta decisão recorrida, são múltiplos os resultados que pela Relação podem ser declarados quando incide especificamente sobre a matéria de facto. Sintetizando as mais correntes: (…) n) Abster-se de conhecer da impugnação da decisão da matéria de facto quando os factos impugnados não interfiram de modo algum com a solução do caso, designadamente por não se visionar qualquer solução plausível da questão de direito que esteja dependente da modificação que o recorrente pretende operar no leque de factos provados ou não provados”.
Bem pode dizer-se, pois, que a impugnação da decisão sobre matéria de facto, neste conspecto, é mera manifestação de “inconsequente inconformismo”[10], razão pela qual nos abstemos de a reapreciar relativamente ao ponto em questão.[11]
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Segundo podemos depreender quer do corpo alegatório quer das conclusões, pretende depois a apelante que os autos deviam ter prosseguido com a produção de prova sobre os factos controvertidos que o tribunal recorrido enumerou em sede de audiência prévia e, concretamente, os constantes do pontos 23. a 41., os quais levariam à demonstração que não tinha agido com culpa.[12]
Nos termos do disposto na alínea c) do nº 2 do artigo 662º do Código de Processo Civil, a Relação deve, ainda, mesmo oficiosamente anular a decisão proferida na 1ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta.
Deste modo, o tribunal ad quem apenas deve proceder à ampliação da matéria de facto sempre que conclua que, à luz das diversas soluções plausíveis das questões decidendas, existe matéria de facto alegada que não foi conhecida pelo tribunal recorrido, emitindo um juízo de provado ou não provado e isso desde que se trate de matéria indispensável à dilucidação das aludidas soluções plausíveis.
Como refere Abrantes Geraldes[13] a ampliação da matéria de facto mostra-se indispensável, quando se tenham omitido dos temas da prova factos alegados pelas partes que se revelam essenciais para a resolução do litígio, na medida em que assegurem enquadramento jurídico diverso do suposto pelo juiz do tribunal “a quo”.
Os factos essenciais são aqueles que permitem individualizar a situação jurídica alegada na ação ou na exceção.
Os factos complementares são aqueles que são indispensáveis à procedência dessa ação ou exceção, mas não integram o núcleo essencial da situação jurídica alegada pela parte.
Ambos integram a categoria de factos principais porque são necessários à procedência da ação ou exceção, por contraposição aos factos instrumentais, probatórios ou acessórios que são aqueles que indiciam os factos essenciais e que podem ser utilizados para a prova indiciária destes últimos.[14]
Em conformidade com o critério legal, a ampliação da matéria de facto tem de ser indispensável, o que significa que cumpre atender às várias soluções plausíveis de direito, o enquadramento jurídico em face do objeto do recurso e ainda, com a possível intervenção e interpretação do Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do art.º 682.º, nº 3 CPCivil.
Acontece que, os factos constantes dos pontos 23. a 41., elencados na audiência prévia como controvertidos, não se mostram indispensáveis para à dilucidação das diversas soluções plausíveis das questões decidendas.
Efetivamente tal como a ação vem estruturada, a questão decidenda nuclear prende-se, no essencial, em se apurar se apelante estava ou não numa situação de incumprimento por não ter celebrado o contrato prometido no prazo limite que foi acordado pelas partes e que permitia aos Autores recorridos proceder à resolução do contrato, sendo certo que, como também foi acordado pelas partes, o não observância desse prazo apenas seria justificável se estivesse relacionada com qualquer prazo suplementar necessário para a legalização do imóvel.
Ora, os citados pontos controvertidos ainda que pudessem resultar provados na tramitação subsequente dos autos, não permitem concluir que a ultrapassagem do prazo limite, contratualmente acordado para a outorga da escritura de compra e venda, foi motivada por um qualquer prazo suplementar necessário para a legalização do imóvel.
Na verdade, vem provado nos autos que findo o referido prazo, a propriedade horizontal ainda não estava constituída e registada e o pedido efetuado pela Ré apelante junto da Câmara para a emissão da certidão necessária àquela constituição é posterior ao decurso do citado prazo, sem que tenha sido alegado qualquer facto impeditivo, ou outro, para que a emissão dessa certidão não tivesse sido pedida antes-mais à frente retomaremos esta temática.
Diante do exposto torna-se evidente que, ainda que o tribunal recorrido tivesse enumerados como controvertidos os referidos pontos no âmbito da audiência prévia, os mesmos eram irrelevantes como matéria indispensável para a dilucidação das questões que importa resolver e à luz das diversas soluções jurídicas plausíveis tal como a ação vinha estruturada.
Na questão atinente à culpa também invocada pela apelante para o prosseguimento dos autos, a ela nos referiremos mais á frente no âmbito da análise da subsunção jurídica dos factos dados como provados.
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Procedem, assim em parte, as conclusões VII e VIII formuladas pela apelante nos termos supra expostos, ou seja, com a eliminação da al. K) dos factos provado com a alteração da redação da al. M) eliminando-se da mesma a expressão “contando-se que as mesmas poderiam colocar uma pressão acrescida na R.”.
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A terceira questão que importa apreciar e decidir prende-se com: c) saber a subsunção jurídica da factualidade que o tribunal recorrido deu como assente se encontra ou não corretamente efetuada.
Alega a apelante que com base nos factos julgados provados, dos quais constam todas as cláusulas do contrato-promessa, a sentença deve ser revogada, pois que, se é certo que nos termos do n.º 1 da cláusula 3.ª teria de marcar a escritura do contrato prometido até ao dia 30/05/2022, e não marcou, não é menos certo que essa data teria de ser observada se não se verificassem as delongas previstas no n.º 2 da cláusula citada cláusula 3ª e, dos autos, decorre claramente que houve situações impeditivas da outorga da escritura nessa data, cobertas pelo referido n.º 2.
Acontece que, da factualidade dada como provada pelo tribunal recorrido, não se extrai qualquer factualidade que possa ser subsumida ao nº 2 da cláusula 3ª do contrato outorgado entre as partes, ou seja, que a ultrapassagem do prazo limite, contratualmente acordado para a outorga da escritura de compra e venda, foi motivada por um qualquer prazo suplementar necessário para a legalização do imóvel.
O que vem provado a esse respeito é apenas que: “- Em virtude da conclusão do edifício referido no contrato-promessa que os Autores celebraram com a sociedade Ré e na sequência de pedido da Ré apresentado em 1/08/2022, a Câmara Municipal ... em 30/09/2022, emitiu a certidão para que o edifício fosse submetido ao regime da propriedade horizontal, nos moldes vertido no Doc. n.º 1 junto com a contestação e se considera integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais. - Em 06/10/2022, foi outorgada a escritura de constituição da propriedade horizontal, nos moldes vertido no Doc. n.º 2 que se junta e se considera integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais. - E, em 24/07/2023, foi feito o registo de constituição da propriedade horizontal” [cf. alíneas T), U) e V) da resenha dos factos provados].
Portanto, todos os referidos atos ocorreram muito para lá do prazo fixado pelas partes para a outorga do contrato prometido constante da do nº 1 da cláusula 3ª, mas sem que esteja alegado e provado qualquer facto impeditivo, ou outro, para que a apelante tenha apenas em 01/08/2022 solicitado a Câmara Municipal ... a emissão de certidão para que o edifício fosse submetido ao regime da propriedade horizontal, e subsequentemente só nas datas posteriores tenha outorgado a escritura de constituição da propriedade horizontal e efetuado o respetivo registo.
Repare-se que já assim não seria, se estivesse alegado e provado que, muito antes do referido prazo para a outorga da escritura, a Ré apelante havia solicitado a emissão de tal certidão a respetiva edilidade e que a mesma não foi emitida por circunstância alheia à sua esfera de ação. Significa, portanto, que não está provado que a delonga na celebração do contrato prometido estivesse relacionada com a legalização do imóvel. *
Numa outra ordem de argumentos refere a apelante que se tivessem sido julgados provados em audiência de discussão e julgamento os factos descritos nos pontos 23. e seguintes, constantes da ata da audiência prévia, ficava demonstrado que nunca agiu em qualquer forma de culpa, nem na modalidade de negligência, muito menos da de dolo e, por isso, a sentença violou as disposições contratuais ora referidas, e, ao recusar o direito fundamental do “direito ao direito”, em processo equitativo, violou o disposto nos artigos 20.º, n.º 1 e 4 e 202.º, n.º 1 e 2, todos da Constituição da República Portuguesa.
Quanto ao primeiro segmento já ele nos referidos no âmbito da impugnação da matéria de facto, razão pela qual valem aqui, mutatis mutandis, as mesmas considerações que a esse propósito se deixaram exaradas.
Quando ao segundo segmento não vemos, salvo o devido respeito, como o conhecimento do mérito no despacho saneador viole os citados preceitos constitucionais.
Analisando.
O artigo 20.º da CRPortuguesa é uma norma-princípio estruturante do Estado de Direito democrático que reconhece vários direitos conexos que são todos eles componentes de um direito geral à proteção jurídica: a garantia do acesso ao direito e aos tribunais (n.º 1), que congloba o direito ao patrocínio judiciário, enquanto direito de os particulares serem técnico-juridicamente aconselhados em vista a obterem uma cabal defesa das suas posições jurídico-substantivas (n.º 2); o direito ao processo equitativo, que envolve, entre outras vertentes, a aplicação do princípio da igualdade de armas ou de igualdade substantiva das partes no processo, do princípio da proibição da indefesa e do princípio do contraditório (n.º 4); e o direito à tutela jurisdicional efetiva, que postula a possibilidade de recurso a tipos de ações que assegurem a efetividade da proteção de direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos (de que constitui mera decorrência o princípio pro actione) (n.º 5).
Acontece que, a definição dos meios de tutela jurisdicional desses direitos e interesses, daquilo que são as suas regras de tramitação, os poderes e os ónus que recaem sobre as partes e poderes do julgador, carecem de consagração e concretização legal, não resultando dos direitos em referência a atribuição aos cidadãos de um direito a livremente poderem socorrer-se de todo e qualquer meio processual que considerem adequado para a defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, nem que estejam isentos ou desonerados do respeito de regras contendo deveres e ónus/faculdades processuais e/ou das consequências que derivem do seu incumprimento ou da sujeição às decorrências resultantes dos comportamentos desenvolvidos no ou fazendo uso de ónus/faculdades.
Na verdade, o legislador, atendendo a outros bens e valores jurídicos que importa que sejam igualmente considerados, procede à definição dos meios ao dispor dos cidadãos para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, disciplina as suas regras e pressupostos, institui deveres, poderes e ónus para as partes, cientes de que o direito a um processo equitativo só se considera violado quando for impossível o estabelecimento de uma relação mínima de equilíbrio ou proporção entre a justificação da exigência processual em causa e a gravidade das consequências ligadas ao incumprimento de tal exigência.
Por outro lado, o legislador ordinário, como é consabido, dispõe de uma ampla margem de liberdade na concreta modelação do processo, cabendo-lhe designadamente, ponderar os diversos direitos e interesses constitucionalmente protegidos relevantes–seja os interesses das partes, sejam os interesses públicos subjacentes à organização e racionalização do próprio sistema judicial–e, em conformidade com os mesmos, disciplinar o próprio processo, estabelecendo regras e condições para a prática de determinados atos.
Ora, estabelecendo a lei adjetiva que no despacho saneador o tribunal pode conhecer do mérito da causa sempre que o estado do processo o permitir, sem necessidade de mais provas [cf. artigo 595.º, nº 1 al. b) do CPCivil], não vemos como isso viole o citado preceito constitucional, pois que, foram observadas a restantes regras processuais atinentes e concretamente a realização da audiência prévia [cf. artigo 591.º, nº 1 al. b) do CPCivil] e exercício do contraditório como, aliás, o evidencia a ata de tal diligência, ou seja, foi assegurado o seu direito à tutela jurisdicional efetiva.
Acresce que apelante podia, como o fez, nesta instância recursiva impugnar essa decisão, estribada na circunstância de que o processo não continha ainda todos os elementos para decidir de mérito nesse despacho, o que não pode é dizer que, sob esse conspecto, existiu violação do princípio constitucional do processo equitativo.
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No que se refere à violação do nº 2 do artigo 202.º da CRP (deixamos de lado o nº 1 também invocado pela apelante) que analisa a função de administrar justiça de que os tribunais estão incumbidos enunciando um conteúdo tríplice que não tem sido objeto de leituras coincidentes quanto ao seu exato alcance preceptivo.[15]
Seja porém qual for a dificuldade em descrever um preciso conteúdo e estabelecer uma delimitação estanque para cada uma das tarefas enunciadas no n.º 2 do artigo 202.º da Constituição, o que não sofrerá dúvida é que este preceito respeita à identificação da função jurisdicional mediante as missões que lhe incumbem na administração da justiça.
É uma norma constitucional de competência, não uma norma de regulação material do conteúdo dos direitos suscetíveis de tutela ou critério de resolução de conflitos. Da incumbência de “assegurar a defesa dos direitos dos cidadãos” nada se retira quanto à extensão desses direitos a defender.
Ora, o tribunal que decide, por aplicação de normas adjetivas, que os autos, na fase da prolação do despacho saneador contêm todos os elementos para decidir de mérito, cumpre a sua missão de administrar justiça.
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Vem depois a recorrente alegar que o tribunal recorrido considerou que tinha agido com culpa sem ter discutido previamente, em função dos factos que julgou provados, se dos mesmos resultava esse juízo de censura convertendo, assim, a presunção iuris tantum de culpa em presunção iuris et de iure, além ter ficado impedida de discutir em audiência de julgamento a prova dos factos que demonstrariam que nunca agiu com culpa, mas sempre de boa-fé.
A responsabilidade contratual, embora subordinada aos pressupostos comuns a todas as formas de responsabilidade–ato ilícito, culpa, dano e nexo de causalidade entre o facto e o dano–resulta da falta de cumprimento das obrigações emergentes dos contratos, de negócios unilaterais ou da lei.
Ora, nas ações que visam efetivar a responsabilidade civil contratual vale plenamente a presunção de culpa do devedor, estabelecida no art.º 799.º do CCicil, pelo que não basta, pois, ao devedor, onerado com a dita presunção de culpa, negar, de forma genérica, global e factualmente indeterminada, a existência de culpa no incumprimento: na verdade, se não impugnar o facto do incumprimento que está na base da aludida presunção, terá que invocar factos impeditivos da ilação que a lei extrai desse incumprimento (objetivo) da obrigação, mostrando–através da sua versão factual, minimamente concretizada e densificada e oportunamente deduzida no processo–que foi diligente, se esforçou por cumprir, usando as cautelas e zelo que utilizaria um “bom pai de família” nas concretas circunstâncias do caso,-decorrendo, afinal, o incumprimento de fatores e circunstâncias que, escapando inteiramente ao seu domínio, lhe não foi possível controlar adequadamente.
Portanto, na responsabilidade contratual, compete ao devedor provar que a falta de cumprimento (ou o cumprimento defeituoso) da obrigação não resulta de culpa sua, ou seja, apesar da regra geral do art.º 342.º, nº 1 do CCivil, a lei estabelece uma presunção de culpa neste tipo de responsabilidade–citado art.º 799,º nº 1–bastando ao credor provar que a obrigação não foi cumprida ou que foi cumprida defeituosamente (facto ilícito).
Dito de outro modo, o ónus da prova da ausência de culpa, pertence, no domínio da responsabilidade contratual, ao devedor. Por conseguinte, uma vez provados os restantes elementos da responsabilidade civil (base da presunção de culpa), presume‑se que o devedor atuou com culpa, cabendo-lhe provar o contrário.
E, como refere Pedro Romano Martinez[16], há duas formas do devedor alijar a presunção de culpa do art.º 799.º, nº 1, ou bem que o devedor alega e prova que atuou com a diligência exigível, ou bem que alega e prova a conexão entre o não cumprimento e uma causa estranha–seja uma causa de força maior, um facto do próprio credor (lesado) ou facto de terceiro.
Isto dito, não se divisa que da materialidade dada como provada pelo tribunal recorrido se pudesse concluir pelo afastamento da presunção de culpa com que a Ré apelante estava onerada pelo incumprimento contratual ocorrido, razão pela qual não tinha o tribunal recorrido que analisar, discutir essa questão pelo que, e bem, lançou mão da citada presunção (cf. artigo citado 799.º, nº 1 do CCivil).
Bom, mas obtempera a Ré apelante que o tribunal recorrido, ao não ter prosseguido com tramitação subsequente do processo a impediu de vir a provar essa ausência de culpa no incumprimento contratual verificado.
Acontece que, por referência aos pontos controvertidos constantes dos nºs 23 e seguintes elencados na audiência prévia, mesmo que fossem dados como provados deles não resultaria a ausência de culpa por banda da apelante.
Com efeito, deles não se extraia que a Ré não tivesse atuado com a diligência exigível e, muito menos, que houvesse conexão entre o não cumprimento e uma causa estranha–seja uma causa de força maior, um facto do próprio credor (lesado) ou facto de terceiro.
Na verdade, percorrendo esses pontos, neles nada se refere sobre quais as circunstâncias que impossibilitaram a outorga da escritura pública (contrato prometido) para a data acordada e plasmada no contrato promessa celebrado entre as partes, sendo que, só por referência a uma qualquer dessas circunstâncias, se podia aquilatar da verificação ou não da culpa da apelante para esse incumprimento.
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Vem por último a apelante alegar que o tribunal recorrido desconsiderou que prevendo o n.º 1 da cláusula 4.ª do contrato a execução específica do mesmo, os apelados deviam ter recorrido a juízo para exercer esse seu direito e só no caso de não ser possível a transmissão livre de ónus ou encargos do imóvel e verificando-se a culpa daquela, pedir uma das duas indemnizações previstas no referido artigo 442.º, n.º 2 do Civil.
Sem dúvida que na cláusula 4ª, nº 1 do citado contrato fico a constar: “1. Este contrato fica expressamente sujeito ao regime de execução específica (art. 830º do Código Civil).”
Advoga a apelante que o vocábulo “expressamente” significa “com o fim exclusivo”, ou seja, que as partes dispuseram imperativamente que, em caso de incumprimento por sua banda ou dos apelados deviam recorrer a juízo, exercendo a execução específica.
Mas, salvo o devido respeito, não é esse o sentido interpretativo que decorre da citada cláusula.
Recorrendo as regras hermenêuticas de interpretação resulta que o sentido das declarações negociais das partes, nos termos do artigo 236.º, nº s 1 e 2, do CCivil será aquele que possa ser deduzido por um declaratário normal colocado na posição do declaratário real, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele, sem embargo de, conhecendo o declaratário a vontade real do declarante, ser de acordo com ela que vale a declaração emitida.
Consagrou-se, assim, a denominada teoria da impressão do destinatário, teoria que sofre adaptação objetiva no caso dos negócios formais, em que a declaração não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do documento, ainda que imperfeitamente expresso, salvo se tal sentido corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade (artigo 238.º, nº s 1 e 2).
Ora, o sentido que um declaratário normal retiraria do referido vocábulo é apenas que as partes acordaram em submeter o contrato, em caso de incumprimento, ao regime da execução específica e não que nesses casos (de incumprimento) as partes tinham imperativamente que lançar mão da referida execução, ou seja, a referida execução especifica, apesar de prevista contratualmente, era apenas uma mera faculdade ao dispor das partes.
O sentido querido pela apelante exigia que na referida cláusula se tivesse vertido um plus do que lá consta e, concretamente, que nessas situações (de incumprimento contratual) as partes apenas podiam recorrer à execução especifica afastando, por essa via, o regime sancionatório/indemnizatório a que se refere o artigo 442.º do CCivil.
Isto dito, a execução específica da obrigação de contratar a que alude o art.º 830.º, nº do CCivil, está dependente, entre outros requisitos que não vêm ao caso, do não cumprimento da promessa por parte de quem se obrigou a realizar o contrato prometido.
Como observa o Prof. Meneses Leitão[17] a referência legal a não cumprimento deve ser entendida em sentido amplo; isto porque para efeitos de execução específica é suficiente a simples mora, já que o credor mantém então o interesse na prestação; se não mantivesse, naturalmente que não exerceria o seu direito a ela. Aliás, a execução específica deixa de ser possível, acrescenta este autor, a partir do momento em que se verifique uma impossibilidade definitiva de cumprimento, como sucede no caso de o bem prometido vender já ter sido alienado a um terceiro. Nessa hipótese, com efeito, a sentença judicial não poderia produzir os efeitos de um contrato definitivo válido, mas antes os de uma venda de bens alheios nula (arts. 892.º e segs. do CCivil), o que não é admissível.[18]
O Prof. Almeida Costa[19] é também claro ao defender que a via da execução específica corresponde a uma situação de simples mora, enquanto que a da exigência do sinal (singelo ou dobrado), bem como a da indemnização atualizada do valor da coisa ou do direito corresponde a uma situação de incumprimento definitivo.
Esta mesma doutrina é ainda vigorosamente defendida pelo Prof. Calvão da Silva[20], que escreveu o seguinte: “A fim de “por ordem” onde parece reinar alguma confusão, importa reter que o pressuposto da chamada execução específica do contrato promessa é a mora e não o incumprimento definitivo”, acrescentando mais adiante que “(...) pressuposto da execução específica é a mora ou atraso no cumprimento da obrigação de contratar, ainda que não imputável ao devedor faltoso”.[21]
Também Ana Prata[22] defende idêntica posição: “Em qualquer caso–escreve–como decorre dos princípios gerais e já foi sobejamente salientado, ainda que se considere que o não cumprimento é pressuposto de recurso ao instrumento da execução específica, sempre esse não cumprimento é apenas aquele que for temporário, pois que, se já existir definitivo inadimplemento-qualificado ou não por impossibilidade–a execução específica encontra-se então precludida”
De igual modo, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem-se pronunciado dominantemente neste sentido, insistindo com frequência, por um lado, na doutrina de que a norma do art.º 442.º, nº 2 do CCivl, na parte em que refere que “se quem constituiu o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente a faculdade de fazer sua a coisa entregue; se o não cumprimento do contrato for devido a este último, tem aquele a faculdade de exigir o dobro do que prestou”, deve ser interpretada no sentido de que estes efeitos só se produzem em caso de incumprimento definitivo do contrato promessa e, por outro, na tese de que a execução específica tem lugar quando não há incumprimento definitivo.[23]
Ora, no caso e apreço a situação era de incumprimento definitivo e não de simples mora e, como tal, em princípio, estaria excluído recurso à execução específica.
Recorde-se, brevemente, que o incumprimento definitivo do contrato-promessa, pode verificar-se em consequência de uma das seguintes situações:
a)- inobservância de prazo fixo essencial para a prestação;
b)- ocorrência de um comportamento do devedor que exprima inequivocamente a vontade de não querer cumprir o contrato;
c)- ter o credor, em consequência da mora, perdido o interesse que tinha na prestação;
d)- encontrando-se o devedor em mora, não realizar a sua prestação dentro do prazo que razoavelmente lhe for fixado pelo credor.
Como se exarou na decisão recorrida e que não foi objeto de impugnação[24] no caso sub judice verifica-se a primeira das situações enunciadas.
Todavia, não obstante a doutrina dominante bem como a jurisprudência vão no sentido de que o recurso à execução específica apenas operará nas situações de simples mora, alguns autores admitem que o interesse do credor na realização da prestação pode subsistir para além do incumprimento definitivo.
Januário Gomes[25] refere “(…) Se o credor mantiver interesse na prestação, não parece haver justificação plausível que obste ao recurso à execução específica, já que o incumprimento definitivo não determina, por si só, a resolução do contrato”.
No mesmo sentido, Antunes Varela[26], escreve “se o credor pode realmente obter o efeito pretendido para a interpelação admonitória fracassada, sem ameaçar o devedor interpelado com a resolução do contrato, quer isso dizer que a falta definitiva de cumprimento prevista no artigo 808.º, n.º 1, do Código civil, não fecha de nenhum modo para o credor as portas da realização coactiva da prestação (nomeadamente da execução específica do contrato-promessa a que se refere o art. 830.º do mesmo Código), sempre que a prestação em falta, não obstante a contumácia do devedor, continue a ter interesse para o credor”.[27]
Também Ana Afonso[28] explicita que “[s]endo certo que a mora constituirá o campo privilegiado do recurso à execução específica, atendendo a que a delimitação da situação de incumprimento definitivo assenta na perda do interesse do credor, não vemos razão para excluir a admissibilidade do recurso à execução específica nas hipóteses em que na sequência do insucesso da interpelação cominatória o credor continua interessado no cumprimento da prestação. A execução específica poderá também ser desencadeada em caso de recusa categórica de cumprimento ou na hipótese de resolução infundada do contrato (cf., para a primeira, o Ac. STJ 07.05.2009 (350/09), in www.colectaneadejurisprudencia.com e, para a última, o Ac. STJ 08.06.2017 – 7461/14.9T8SNT.L1.S1)”.
José Diogo Falcão[29] afirma: “Da nossa parte cremos que a mora é pressuposto da execução específica não sendo, em princípio, possível recorrer a esta se o promitente faltoso se encontrar numa situação de incumprimento definitivo. Com efeito se, em face do inadimplemento do promitente faltoso, o promitente fiel recorre à execução específica é porque mantém interesse na prestação devida. Destarte, o recurso à execução específica significa que o promitente fiel considera como um simples atraso a violação do contrato por parte do promitente faltoso, mantendo interesse na realização da prestação em dívida. De outra forma, se o promitente fiel não mais tivesse interesse fundado na prestação debitória, consideraria o contrato-promessa definitivamente incumprido e declararia a sua resolução. Descortinamos, no entanto, uma situação em que encontrando-se o promitente faltoso em incumprimento definitivo julgamos ser possível o recurso à execução específica por banda do promitente fiel. Referimo-nos à declaração antecipada, firme e categórica, do promitente faltoso de que não irá ou não poderá cumprir o contrato-promessa. Esta recusa de cumprir, que não carece de ser reduzida a escrito ou ser expressa, podendo ser tácita (art.º 217.º), tem sido equiparada ao incumprimento definitivo imputável ao devedor, não sendo necessário que este se encontre em mora ou, caso se verifique esta, que haja lugar a uma interpelação admonitória do devedor visando o cumprimento, dada a sua inutilidade prática (art.º 808.º). Na verdade, no caso desta declaração de não querer ou não poder cumprir se revelar pela sua natureza certa, séria e segura, configura uma situação de incumprimento definitivo, sendo desnecessário e até inútil forçar o promitente fiel a recorrer à interpelação admonitória para converter a mora em incumprimento definitivo. Nesta hipótese, e apesar do promitente faltoso se encontrar numa situação de incumprimento definitivo, poderá ainda o promitente fiel ter interesse na realização da prestação debitória, pelo que não vislumbramos que interesses juridicamente relevantes poderão obstaculizar o recurso à execução específica, desde que esta seja possível, por parte daquele promitente. Assistirá, assim, ao promitente fiel o direito de recorrer à execução específica ou, em alternativa, optar pela resolução do contrato, assim se desvinculando do contrato, sem ter que recorrer previamente ao estatuído no art. 808.º (…)”.[30]
Como refere Januário Gomes[31]“a execução específica só fará sentido enquanto se mantiver o interesse do credor na realização da prestação... o interesse do credor na prestação pode sobreviver, pode subsistir para além do incumprimento definitivo nos casos em que a via da conversão da mora em inexecução definitiva seja a intimação admonitória com o subsequente decurso infrutífero de prazo perentório. Aliás, a “razoabilidade” do recurso à execução específica após incumprimento definitivo é patente no caso em que tal incumprimento decorre duma infrutífera intimação admonitória imediatamente subsequente ao vencimento da obrigação provocado por comunicação categórica e definitiva do devedor ao credor da intenção de não cumprir; se o credor mantiver o interesse na prestação, não parece haver justificação plausível que obste ao recurso à execução específica já que (…) o incumprimento definitivo não determina, por si, a resolução do contrato”.
Evidentemente, que nas referidas situações sempre é ao credor que incumbe optar pelo recurso à mencionada execução específica, ou seja, mesmo aderindo a este último entendimento nunca o alegado pela apelante seria de sufragar, pelas simples razão de que os recorridos não optaram por essa via, mas sim pela devolução do sinal em dobro como legalmente lhe era permitido (cf. artigo 442.º, nº 2 do CCivil).
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Improcedem, assim, as conclusões X a XVI e I a VI[32] formuladas pela apelante e, com elas, o respetivo recurso.
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IV-DECISÃO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.
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Custas da apelação pela Ré apelante (artigo 527.º, nº 1 do CPCivil).
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Porto, 10/2/2025
Dr. Manuel Fernandes
Dr. Nuno Araújo
Dr. António Mendes Coelho
______________________ [1] In “Código de Processo Civil”, Anotado, Volume V, pág. 143. [2] Miguel Teixeira de Sousa in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, p. 348. [3] Cfr. acórdãos do STJ de 19/10/2004, CJ, STJ, Ano XII, tomo III, pág. 72; de 22/2/2011, CJ, STJ, Ano XIX, tomo I, pág. 76; e de 24/9/2013, processo n.º 1965/04.9TBSTB.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt. [4] Cfr. Ac. do S.T.J. de 3/11/2009, processo n.º 3931/03.2TVPRT.S1, disponível em www.dgsi.pt. [5] Compete ao agente de execução ordenar o levantamento da penhora, seja por falta de impulso do exequente no andamento da execução (artigo 763.º, 1 do CPCivil), seja pela procedência da oposição à penhora pelo executado (artigo 785.º, 6 do mesmo diploma) ou por terceiro, sendo que, no que se refere à penhora, a lei só reconhece uma intervenção oficiosa do juiz no caso do artigo 734.º, 1 do CPCivil. [6] Cf. João de Castro Mendes/Miguel Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil, Vol. II, AAFDL, Lisboa, 2022, págs. 474/475. [7] A missiva em causa é do seguinte teor: “Ex. mos Senhores, Mandatados pelos n/s clientes BB e marido AA, promitentes compradores no contrato-promessa de compra e venda de bens futuros outorgado no dia 30 de novembro de 2021, em que é promitente vendedora A..., Lda, vimos pelos presentes meios e na sequência da carta registada com AR subscrita pelos mesmos, datada de junto de 2022, cujo teor damos aqui por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos, notificar V. Exªs de que a V/ intervenção no referido contrato promessa padece de vícios que oportunamente serão postos à apreciação do Tribunal competente em sede cível e criminal, uma vez que é do V/ inteiro conhecimento que Vªs. Exas, na qualidade de promitente vendedora, não tinham, à data do contrato promessa, qualquer legitimidade para o outorgar nos termos em que o fizeram, por não serem proprietários do lote onde se encontra construído o prédio urbano objeto do contrato promessa. Aliás, é do V/ conhecimento, na qualidade de promitente vendedora, a existência de diversos processos judiciais que correram e correm seus termos, quer contra a Vªs Exªs, quer contra os proprietários e a(s) sociedade anteriormente proprietárias dos bens objeto do dito contrato promessa, e bem assim, a(s) que lhes sucederam, na sequência das quais foram feitas penhoras sobre os mesmos e que se encontram em vigor, uma das quais incidiu sobre o lote onde se encontra construído o prédio urbano objeto do contrato promessa. Atento o exposto, e, em ordem a evitar mais processos judiciais, encontramo-nos à V/ disposição para regularizar a presente situação, tornando-se da máxima urgência que seja dado sem efeito o contrato promessa celebrado, com a consequente devolução do sinal e respetiva indemnização aos promitentes-compradores, pelo incumprimento verificado. Muito obrigado” [8]“Acusamos a receção da V/ carta, datada de 09 de setembro de 2022, a qual passamos a responder: 1 – Começamos por “recordar-lhes” que V. Ex. cias representam em processos judiciais o Senhor CC, que alega ter um direito de crédito sobre metade do valor do terreno, onde está a ser construído o empreendimento do qual os Senhores BB e AA, nos prometeram comprar uma fração desse empreendimento; 2 – Registamos, também, a “coincidência” dos senhores ora referidos vos mandatarem para a prática de atos ilícitos; 3 – Como V. Ex. cias não podem deixar de ignorar, nenhuma decisão existe, nem nenhuma lei o proíbe, que possam ser construídas habitações nesse terreno, porque o alegado direito do V/ Constituinte, CC, a existir, incide sobre o valor de metade desse terreno e não sobre a coisa propriamente dita; 4 – Isto, sem prejuízo de ser outro o nosso entendimento sobre a existência desse direito, pois apenas pretendemos evidenciar que quando adquirimos esse terreno, a sua propriedade plena estava livre e alodial, porque sobre esse prédio não existia outro qualquer direito real de gozo, de aquisição ou garantia que impedisse a transmissão da propriedade plena desse prédio para esta sociedade; 5 – Atento o exposto, V. Ex. cias não podiam, nem podem, ignorar, o conhecimento direto que têm da situação, que nenhuma ilegalidade cometemos, quer de natureza civil, quer penal; 6 – E, por isso, não podem ignorar que a V/ carta significa ameaça a esta sociedade, a que acresce a difamação do seu bom nome, resultante da sua difusão por outras entidades, e que assim já está a causar danos patrimoniais que podem atingir valores de centenas de milhares de euros a esta empresa; 7 – Finalmente, comunicamos-lhes que já demos instruções a Advogados, que constituímos nesta data, para intentarem a pertinente ação judicial contra V. Ex. cias, bem como contra aqueles que ora representam e, também, aqueles a quem servem com esta inaudita iniciativa, sem prejuízo de enviar à Ordem dos Advogados cópias da V/ conduta; 8 – Informamos, também, que tomamos a liberdade de enviar cópia desta carta às pessoas que representam. Com os nossos melhores cumprimentos, subscrevemo-nos, Atentamente, A Gerência”., [9] In Recursos em Processo Civil Novo Regime, 2.ª edição revista e atualizada pág. 297. [10] A.S. Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”; Almedina, 5.ª edição, 169. [11] Importa lembrar que no preâmbulo do Dec. Lei n.º 39/95, de 15 de fevereiro (pelo qual foi introduzido o segundo grau de jurisdição em matéria de facto) o legislador fez constar que um dos objetivos propostos era “facultar às partes na causa uma maior e mais real possibilidade de reação contra eventuais (…) erros do julgador na livre apreciação das provas e na fixação da matéria de facto relevante para a solução jurídica do pleito (…)” (negrito e sublinhados nossos). [12] Esses pontos tem o seguinte conteúdo: 23. Na data em que o referido contrato-promessa de compra e venda foi celebrado, o edifício que integra a fração que a sociedade Ré prometeu vender aos Autores já estava concluída, em tudo aquilo que respeita à sua classificação como prédio urbano, para ser submetido ao regime da propriedade horizontal? 24. A sua estrutura física estava totalmente concluída, as paredes exteriores e interiores estavam rebocadas e pintadas, bem como rebocados e pintados estavam os tetos? 25. As portas e janelas estavam aplicadas, bem como os soalhos de madeira? 26. Nessa altura, apenas faltava aplicar as loiças das casas de banho, os móveis de cozinha e os aparelhos de ar condicionado? 27. No fim do mês de Maio de 2022, a fração que os Autores prometeram comprar à sociedade Ré estava concluída, nos termos do contrato-promessa que ambas as partes celebraram, faltando, apenas colocar os aparelhos de ar condicionado? 28. Essas máquinas só não foram ainda colocadas porque os Autores recusaram a proposta de ocupar e habitar a fração, conforme lhes foi proposto pelas cartas que a sociedade Ré lhes remeteu em 23/06/2021 e 12/12/2022? 29. Caso os Autores tivessem aceitado tal proposta, as máquinas em causa aplicavam-se em menos de 48 horas? 30. Aquando da outorga do contrato-promessa referido, a construção do edifício estava licenciada pela Câmara Municipal ..., licença que previa que, após a sua conclusão, esse edifício fosse afetado ao regime da propriedade horizontal? 31. Em dia que agora não pode determinar do mês de Julho de 2022, os Autores encontraram-se com o gerente da sociedade Ré, na fração que esta lhes prometeu vender, ficando assim cientes de que apenas faltava aplicar as máquinas de ar condicionado? 32. Nesse encontro, o gerente da sociedade Ré garantiu aos Autores que as referidas máquinas seriam colocadas, logo que lhes indicassem o dia em que passariam a residir na fração que era objeto do contrato prometido? 33. Ainda nesse encontro, o gerente da sociedade Ré demonstrou aos Autores que o prédio estava pronto e que a outorga da escritura de afetação do prédio ao regime da propriedade horizontal seria feita logo que a Câmara Municipal ... emitisse a documentação pertinente, que já lhe tinha sido requerida, na forma prevista na lei? 34. As coisas ficaram, assim, esclarecidas? 35. E, no seguimento da proposta feita pela sociedade Ré, pela carta que remeteu aos Autores em 23/06/2022, nesse encontro o gerente da sociedade ordenou ao comercial HH, que procedesse à entrega aos Autores das chaves da fração? 36. Na posse dessas chaves, os Autores, sem que aí passassem a residir, deslocavam-se frequentemente à fração, na qual, pelo menos, aplicaram cortinas nas janelas, que abriam frequentemente e, assim, eram visíveis (as cortinas)? 37. A Ex. ma Sra. Dra. EE nunca deu qualquer resposta à proposta de haver uma reunião entre advogados das partes “para agilizar toda esta situação”? 38. Ou a resposta foi dada através da carta que constitui o doc. 13 junto com a petição inicial? 39. Pelo menos, em 30/11/2021, data da outorga do contrato promessa ajuizado, o edifício em causa estava concluído? 40. A sociedade Ré entregou aos Autores a fração que lhes prometeu vender, para eles a poderem habitar? 41. Logo que a propriedade horizontal foi constituída, também logo podia ser celebrado o prometido contrato de compra e venda, com outorga da respetiva escritura, se os Autores assim o quisessem, constituindo-se em depositário do valor reclamado pelo putativo exequente, até ser cancelada a penhora em causa, mas nunca com a abusiva exigência de entregar essa quantia, a quem a sociedade Ré nada deve?” [13] In Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2013, pág. 240
[14] Cf. Miguel Teixeira De Sousa in Estudos sobre o Novo Processo Civil, 2ª edição, Lisboa, Lex, 1997, pág. 77/78 e José Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto Código de Processo Civil Anotado, vol I, Coimbraa Editora, 1999, pág. 467/468. [15] Para alguns autores (p. ex. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa, Anotada, Vol. II, 4ª edição revista, Coimbra Editora, 2010, pág.509), com estas fórmulas do n.º 2 do artigo 202.º, a Constituição abrange tendencialmente as três áreas de jurisdição: a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos apontaria para a justiça administrativa; a repressão da violação da legalidade democrática apontaria especialmente para a justiça criminal; a resolução dos conflitos de interesses públicos e privados abrangeria principalmente a justiça cível. Para outros autores (vid. Rui Medeiros e Mª João Fernandes, in Constituição Portuguesa Anotada, Jorge Miranda/Rui Medeiros Tomo III, Coimbra Editora, 2007, págs. 21 e segs.), as fórmulas do n.º 2 do artigo 202.º sublinham a dupla vertente da função jurisdicional, oferecendo nota tanto da finalidade subjetiva quanto da finalidade objetiva desta função do Estado confiada aos tribunais. A estes é cometida não só a tutela dos direitos, (assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, bem como dirimir os conflitos de interesses públicos e privados), mas a tutela do Direito (a repressão da violação da legalidade democrática). [16] In “Cumprimento defeituoso–em especial, na compra e venda e na empreitada”, 1994, p. 306. [17] In Direito das Obrigações, Volume I, 2ª edição, pág. 214. [18] O AUJ 4/98, de 5 de dezembro, baseou-se num entendimento das coisas idêntico ao que se expressa no texto. [19] Cf. Contrato Promessa, Uma Síntese do seu Regime, 7ª edição, pág. 73/75, [20] Cf. Sinal e Contrato Promessa, 12ª edição, pág. 153. [21] Sinal e Contrato Promessa, 12ª edição, pág. 153 e 155. [22] Cf. O Contrato Promessa e o Seu Regime Civil, pág. 920. [23] Cf. entre muitos outros, os Acórdãos do STJ de 15/11/1990 (Miguel Montenegro), de 5/3/1996 (Miranda Gusmão) e de 7/5/2009 (Nuno Cameira), consultáveis em www.dgsi.pt.. [24] Como se evidencia das alegações recursivas a apelante centrou os fundamentos do recurso essencialmente na questão da culpa pelo incumprimento e na ampliação da matéria de facto. [25] In “Em tema de contrato-promessa, Lisboa, 1990, pág. 17. [26] In RLJ, Ano 128.º, p. 119, nota 1. [27] Em semelhante linha, Menezes Cordeiro em “O novíssimo regime do contrato-promessa”, in Estudos de Direito Civil, Vol. I, 1994, p. 85) sustenta que o incumprimento definitivo “é um passo que abre as portas à execução específica ou à indemnização”. [28] Em anotação ao artigo 830.º do CC, no Comentário ao Código Civil; Direito das Obrigações. Das Obrigações em Geral; Universidade Católica Editora, 2018, p. 1241. [29] In “Súmula sobre o incumprimento do contrato-promessa”, in Revista da Ordem dos Advogados, Lisboa, ano 74, nºs. 3-4 (jul.-dez. 2014), pp. 903-904. [30] No mesmo sentido cf. Acórdão desta de 20/01/2005, P. nº 0437000, consultável em www. dgsi.pt.. [31] In Tribuna da Justiça, n.º 35, novembro de 1987, pp. 3-4. [32] Aliás estas últimas nem de conclusões se podem apelidar porque mais não são do que simples considerações retóricas.