I - Quando colocado perante a alegação de celebração de acordos anteriores, contemporâneos ou posteriores ao teor de documento legalmente exigido para uma declaração negocial a primeira questão que deve ser decidida pelo julgador - se for de conhecimento oficioso ou tiver sido suscitada por quem tenha legitimidade para a arguir -, é a de saber se tais estipulações (verbais ou escritas em documento não sujeito à forma legalmente exigida) podem ser consideradas válidas. Só se assim for é que fará sentido apreciar se pode ser admitida a sua prova apesar de tais estipulações não revestirem a forma prevista para a declaração que complementam ou contrariam.
II - A declaração de que se desconhece se a cópia de um documento corresponde ao seu original, não equivale à impugnação da autoria da sua letra, sendo a primeira afirmação tendente a pôr em causa apenas a exatidão da cópia junta.
III - A declaração da parte contra quem é apresentado documento cujos dizeres manuscritos lhe são imputados de que não tem memória os de ter aposto nesse documento equivale à declaração de que não sabe se são da sua autoria, nos termos do artigo 374.º, número 1 parte final do Código Civil. Trata-se de uma impugnação não operante da autoria da letra que desobriga a contraparte de produzir prova tendente a convencer da sua genuinidade, nos termos do artigo 445.º do Código de Processo Civil.
IV - Tal impugnação inoperante não equivale à confissão de um facto em sede de articulados e não se lhe aplica, portanto, o regime da retratação previsto no artigo 465.º, número 2 do Código de Processo Civil.
V - O artigo 394.º do Código Civil visa afastar da incerteza que a prova testemunhal comporta os factos para cuja atestação o legislador exige que constem de documento autêntico ou particular.
VI - Assim, por regra, o teor de um documento autêntico ou particular com autoria reconhecida não pode ser posto em causa por via de outro meio de prova de valor inferior, sob pena de se estar a derrogar, na prática, a norma que impôs que determinado negócio revestisse essa forma.
VII - Deve ainda ter-se em conta, perante a distinção entre documentos ad substantiam e ad probationem, que quando se esteja perante os primeiros (como se deve presumir nos termos do artigo 364.º, número 1 do Código Civil), a exigência é redobrada, pois se no caso da imposição de forma se destinar apenas à prova o legislador ainda admite expressamente a confissão como meio de prova dos mesmos factos (número 2 do artigo 364.º), no primeiro caso nem tal admite.
VIII - Apenas se pode abrir a possibilidade de produção de prova testemunhal, por presunção ou por declarações de parte, no caso de se ter produzido prova documental escrita, da autoria da parte contra quem se quer produzir tal prova, de que foram acordadas estipulações que contrariam o que foi vertido em documento exigido para a validade do próprio negócio, sendo ainda de exigir que tal documento revele inequivocamente que tais estipulações foram feitas, não havendo outra explicação plausível para o seu teor.
IX - Depois de produzida essa prova adminicular e na valoração da mesma, bem como da prova produzida a partir, dela deve o juiz ter sempre presentes as razões de ser da exigência da forma que não foi cumprida e a incerteza que decorre da admissibilidade de meios de prova que o legislador expressamente pretendeu arredar.
X - O regime de exclusividade que pode ser estipulado nos contratos de mediação imobiliária à luz do artigo 16.º, número 2 g) da Lei 15/2013 de 8/2 deve ser interpretado de acordo com a especificação, nesse contrato, dos efeitos que dessa exclusividade decorrem.
XI - Uma cláusula pela qual se estipule apenas que o cliente contrata o mediador “em regime de exclusividade” não impede que a própria cliente proceda diretamente à venda a um comprador por si encontrado e nem impõe que, nesse caso, a mediadora tenha direito a qualquer remuneração. Tal regime de exclusividade reforçada apenas pode resultar de expressa menção no contrato de mediação.
(Sumário da responsabilidade da Relatora)
Recorrente: A... – Unipessoal, Ldª
Recorrida: B..., Construções, Ldª
Relatora: Ana Olívia Loureiro
Primeira adjunta: Eugénia Cunha
Segunda adjunta: Anabela Mendes Morais
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I – Relatório:
1. Em 14-04-2023, A... – Unipessoal, Ldª propôs ação a seguir a forma de processo comum contra B..., Construções, Ldª, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de 16 199, 10 € acrescida de juros à taxa legal desde a sua citação e até integral pagamento.
Para tanto alegou dedicar-se à atividade de mediação imobiliária e ter, no exercício dessa atividade, celebrado com a Ré dois contratos em que se obrigou, contra remuneração, a obter interessados na compra de frações em dois prédios, em propriedade horizontal, que a mesma iria construir em dois lotes de terreno. Alegou que tais contratos foram celebrados em regime de exclusividade e que por via deles a Ré se obrigou a pagar-lhe o montante correspondente a 3% do preço de venda, a liquidar no momento da redução a escrito dos contratos promessa de compra e venda.
A Ré, contudo, não pagou a remuneração correspondente ao preço de venda das frações A do prédio construído no lote 1 e C do que foi implantado no lote 2, apesar da Autora ter angariado compradores para ambos e de aqueles terem subscrito os respetivos contratos promessa de compra e venda, tendo a Ré, enquanto promitente vendedora protelado dolosamente a assinatura de tais contratos e tendo as referidas frações vindo a ser adquiridas por duas sócias suas sem o conhecimento da Autora.
Alegou, ainda, que teve despesas com a sua atividade de angariação desses cliente e de formalização dos contratos promessa de compra e venda.
2. A Ré contestou, em 21-06-2023, alegando que os contratos referidos na petição inicial foram celebrados no regime de exclusividade simples, pelo que ela mesma não ficou impedida de angariar interessados na compra das frações, atividade a que também se dedica (além da de construção) e ainda que desde a celebração daqueles contratos ficou claramente acordado entre as partes que cada um dos sócios da Ré reservaria para si, após a conclusão, uma fração autónoma, tendo um dos seus sócios trocado até o que tinha reservado para si por um outro, por ter surgido interessado na compra daquele.
Alegou que a legal representante da Autora anotava e fazia a correspondência entre cada fração e os seus arrumos no sótão, tendo feito o mesmo, pelo seu punho, com as frações e arrumos destinados aos sócios da Ré. Assim, com exceção das duas frações adquiridas pelos seus sócios nos termos inicialmente acordados, a Ré pagou à Autora a comissão devida pela venda das demais, nela se incluindo mesmo uma fração adquirida por um dos seus sócios (além da inicialmente acordada), uma vez que a Autora tinha a expetativa de receber comissões de venda por 10 das 12 frações construídas.
Explicou a omissão de menção nos contratos celebrados com a Ré de que duas das frações ficariam reservadas aos seus sócios com o facto não estar ainda definido, à data da celebração dos contratos de mediação com a Autora, quais a que seriam destinadas aos mesmos, nem ainda estabelecida a planta das frações.
Descreveu a celebração de aditamentos aos dois contratos referidos na petição inicial tendo sido a estes que foi anexada uma planta com o desenho de todas as frações e com indicação dos respetivos preços de venda, sendo tais anexos os que a Autora juntou na petição inicial como fazendo parte dos contratos inicialmente celebrados.
Finalmente, a Ré desmentiu que a Autora tenha desenvolvido qualquer esforço para a venda das duas frações em discussão nos autos e que tenha havido quaisquer interessados na sua compra, tendo sido por si pagos atempada ou adiantadamente todos os valores devidos a título de comissões, nomeadamente quanto a frações cujos contratos promessa de compra e venda foram contemporâneos dos que a Autora alega ter celebrado com os alegados interessados na compra das duas frações adquiridas pelos sócios da Ré. A Autora nunca lhe terá dado conhecimento da existência de interessados na compra dessas frações, nem da outorga de qualquer contrato promessa de venda das mesmas, cuja assinatura nunca lhe solicitou, nem, até 22-12-2022 lhe pediu qualquer comissão relativa a tais negócios que agora afirma terem sido formalizados com os promitentes compradores em 22-05-1019 e em 21-09-2020.
Explicou que a Autora apenas propôs a presente ação porque foi testemunha em processo judicial pendente entre a Ré e o construtor dos prédios em causa e ali prestou falsas declarações, o que levou a Ré a pedir a sua reinquirição e a manifestar o propósito de participar criminalmente contra ela.
3 – A 07-07-2023 a Autora impugnou o teor dos documentos juntos com a contestação, alegando, nomeadamente o seguinte: “A..., Lda., autora da presente acção, notificada dos documentos apresentados com a contestação, vem dizer, quanto ao nº 2, que não tem memória de ter nele aposto quaisquer dizeres manuscritos e tratando-se de mera cópia nem sequer sabe se é documento verdadeiro; o mesmo refere quanto aos demais documentos, aliás, mesmo que fossem verdadeiros, sempre seriam inócuos em termos de prova para a solução do vertente litígio.”.
4 – Em 18-09-2023 foi dispensada a audiência prévia e foi proferido despacho saneador em que se afirmou a regularidade da instância, se fixou o valor da ação, foram identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova. Ali foram ainda admitidos os requerimentos de prova e designada data para audiência de julgamento.
5 – A mesma iniciou-se a 26-10-2023 e teve continuação a 16-11-2023, 15-12-2023 (data em que foi requerido pela Ré e admitido incidente e contradita da testemunha AA),19-12-2023 e 27-02-2024.
6 – Em 07-07-2024 foi proferida sentença que absolveu a Ré dos pedidos, condenou a Autora como litigante de má-fé e julgou improcedente o incidente de contradita.
II - O recurso:
É desta sentença que recorre a Autora, pretendendo a alteração parcial do julgamento da matéria de facto e a sua revogação com a consequente declaração de procedência da ação.
Para tanto, alega o que sumaria da seguinte forma em sede de conclusões de recurso:
“I - Os contratos de mediação em causa estão sujeitos à forma escrita, dado o disposto no artº 16º, nº 1, da Lei nº 15, de 8 de Fevereiro, não admitindo, por isso, qualquer alteração, a não ser pela mesma forma, de acordo com o preceituado nos artºs. 220º e 221º do C. Civil, sendo que tal proibição também resulta do disposto no art 394º do mesmo diploma legal.
Não obstante e sem prescindir,
II -Em presença do documento nº 2, acompanhante da contestação, a resposta da Autora, de “não ter memória de nele ter aposto quaisquer dizeres manuscritos e tratando-se de mera cópia nem sequer sabe se é documento verdadeiro” não equivale nem significa que, esteja a admitir ser sua a letra constante do documento, nem sequer equivale à afirmação de não saber se tal letra lhe pertence;
III - Perante o documento em causa, sem data, nem qualquer outra identificação que o ligasse aos prédios em questão, consistindo em mera fotocópia, respondeu da predita forma, em obediência ao dever de verdade, e nem parece que, para evitar eventual consequência legal devesse fugir a este escorreito e são comportamento de dizer a verdade;
IV – Estado que o Tribunal bem interpretou, pois, na pag. 3 do despacho saneador, ordenou a notificação da ré para apresentar o documento original.
V-E ainda que à afirmação, na resposta à contestação, fosse atribuído significado relevante para efeito do citado artº 374º do C. Civil, sempre se deveria considerar que tal correspondia a confissão feita em articulado processual, em nenhum momento ulterior expressamente aceite pela parte contrária, e, por isso, retratável de acordo com o artº 465º, nº 2, do C. P. Civil;
VI - Tal confissão foi efectivamente retratada na audiência de julgamento, quando a legal representante da autora, à vista do documento físico e original correspondente ao questionado documento nº 2 apresentado com a contestação, de imediato negou que os escritos dele constantes fossem da sua autoria, como consta das passagens de 28,00 a 33,12 minutos do depoimento gravado, prestado gravado na sessão da audiência de julgamento do dia 16/11/2023 entre as 9,48 horas, às 11,28 horas;
VII- A aplicação ao caso citada norma do artº 465º do C.P.C., que prevê a retratação, tem abrigo no princípio da unidade do sistema jurídico, dada necessária coerência valorativa da ordem jurídica, como é imposição dos artºs 9º e 10º do C. Civil.
VIII – Acresce que do documento em causa nem sequer pode ser assacada qualquer estipulação ou manifestação de entendimento entre as partes, no sentido de dever ser alterado o principal objecto dos contratos de mediação em causa, cujo é o da totalidade dos apartamentos acordados entre a autora e ré, cuja venda, sob comissão, aquela deveria mediar.
IX – Foram erradamente julgados provados os factos nºs. 10 (segmento final), 11, 12 (quanto ao segmento a partir de “anotando peno seu punho…... até final) e 21 (segmento final), tendo em conta todos os documentos juntos aos autos, o facto provado nº 8, o que consta quanto ao âmbito referidos nos factos provados dos contratos de mediação provados nos nºs. 3.4., 5, 6, 7 e 8º e as passagens dos depoimentos e declarações gravadas em audiência de julgamento, respeitantes às gravações e sessões identificadas nas alegações supra, nomeadamente.
De BB – passagens de minutos 00,10 a 01,16;05;05,45-13,10; 13,10 – 16,12; 24,00 – 26,09:
CC – 00,00-08,45; 08,45-13,10; 13,10-16,12; e 24,00-26,09;
DD – 02-00 – 03,18 ; e 03,30-29,39;
EE – 03.00 – 06,00;
FF – 00,00 – 18,00;
GG – 00,00 -10,25;
HH – 01,30-11,20;11,50-21,20; 26,00,00 -34,00;
AA – 05,30 – 27,00;
II - 01,40 -03,40;
JJ – 02,10 – 11,23;
KK – 01,28 -22,52. E
LL – 00,00-10,00; 11,00-13,36; 15,01 16,58.
X – E também com fundamentos nos mesmos elementos de prova citados na conclusão anterior, foram erradamente julgados não provados os factos das alíneas a), b), c), d), e), f), i), j), k), l e m).
XI – O Tribunal valorou de forma totalmente positiva as declarações de parte dos dois legais representantes legais da ré, BB e CC, bem como das testemunhas JJ e KK aquele marido da filha de falecido sócio da ré, e este filho do sócio CC, como assim, quanto aos meios de prova oralmente prestados, acolheu apenas aqueles acerca dos quais mais reserva deveria ter, porque todos enquanto sócios ou deles familiares, têm interesse material directo ou indirecto na improcedência da acção; Além de que a razão de ciência indicada por qualquer de tais depoentes e declarantres não justifica tão acentuada credibilidade;
XII - Valorou ainda de forma totalmente positiva o depoimento de LL, cujo veracidade de depoimento se mostra condicionada por ser ex-inquilino do falecido sócio da Ré, MM, como o próprio depôs, e beneficiário de um regime especial de sinal, de valor mais baixo pago em prestações, ao contrário do que aconteceu com todos os demais promitentes-compradores, como se alcança contratos-promessas tidos por factos instrumentais a pág. 16 da sentença recorrida.
XIII – Tal depoente, naquilo que para a causa se mostra relevante, ou seja sobre a atribuição de apartamentos ao sócios e a data em que isso teria sido a testemunha respondeu de forma pouco convincente, limitando-se a aderir a perguntas sugestivas da ilustre advogada da ré, e além disso, não se afigura normal que a sua relação de apenas comprador de uma fracção e apenas de um dos prédios em causa, lhe desse motivo motivo para se preocupar e cuidar da .a atribuição ou não de fracções dos imóveis aos sócios.
XIV - Em contrapartida considerou pouco credíveis os depoimentos prestados pela representante legal da autora e das testemunhas por si oferecidas, sem que para tal haja fundamento, pois, todas eram pessoas alheias aos interesses em causa na acção, ao contrário do que acontecia com os depoentes oferecidos pela ré, tanto mais que a douta sentença não refere quaisquer aspectos não verbais ou meramente comportamentais dos intervenientes susceptíveis influenciar a credibilidade dos depoimentos e o seus efeitos na formação da convicção do Tribunal;
XV - A falta de referência, salientada na sentença como facto de descredibilidade, quanto à forma de pagamento dos sinais constantes dos documentos de promessa de compra e venda por parte das depoentes FF e EE foi suficientemente explicada pela representante legal da autora, pela sua empregada quer pelas próprias depoentes, como que devendo ser concretizada aquando dos legais representantes da ré assinassem os contratos promessa de compra e venda, o que se revela absolutamente normal, face às regras da vida;
XVI – A eleição de tal motivo de descrédito do depoimento da legal representante da autora, expresso na douta sentença, quando estabeleceu alguma confusão téorica entre contrato promessa, minuta e resposta, longe de afastar a credibilidade do depoimento, parece até que a deveria confirmar, por
XVII – A prova produzida relevante, consistente nos documentos juntos ao autos e nos depoimentos e declarações identificados nas duas precedentes conclusões impõem, ao abrigo do art.º 662º, nº 1 do Código do Processo Civil, que decisão seja diversa da que foi tomada, no sentido de os primeiros passarem a ser julgados não provados e os segundos julgados provados.
XVIII – É errada a condenação da Ré como litigante de má-fé, porque a autora alegou factos que são verdadeiros e não agiu com culpa ou negligência grave, nem deduziu pretensão a que ase não sentisse com direito e sempre seria exarada a medida da condenação.
Foi erradamente interpretada e aplicada a norma do artº 542º do C.P.C., nomeadamente as alíneas a) e b) do seu nº 2.
XIX – A autora, ao conseguir interessados compradores das duas fracções em causa, não tendo as compras e vendas respectivas se realizada por culpa da ré, embora esta não tenha assinado os contratos promessa de compra e venda, tem direito a receber a respectiva comissão, se não ao abrigo dos contratos de mediação pelo menos ao abrigo do instituto do abuso de direito .
XX – Ainda que, por mera hipótese e sem conceder, durante a execução dos contratos de mediação, a legal representante tivesse tomado conhecimento de que os sócios da ré tinham determinado adquirir uma apartamento cada e de tal representar a exclusão dos mesmos do objecto dos contratos de mediação, sempre importaria saber o momento em que tal aconteceu, por al ser relevante para se conhecer se a autora já tinha ou não feito as diligências que motivam o seu direito a receber a comissão.
XXI - Foram mal interpretadas e aplicadas a norma do artº 19, nº 1, da Lei nº 15/2013, de 8 de Fevereiro e as estipulações constantes do contrato de mediação, e subsidiariamente, o artº 334º do C.Civil.
XXII – A autora deduziu, na petição inicial, pedido subsidiário em que fundou o seu direito à comissão no artº 334º do C. Civil, a douta sentença não se pronunciou acerca de tal pedido, formulação na qual mantém, subsidiaramente, interesse.
Devem as conclusões do presente recurso ser julgadas procedente e anulada a douta sentença recorrida e substituída por outra que julgue a acção procedente.”.
1.ª) A recorrente confunde a determinação da força probatória formal do documento n.º 2 (quando invoca nas suas alegações os artigos 220.º e 221.º do Código Civil), por um lado, com a determinação da força probatória material do mesmo (aqui, nos termos do artigo 376.º do Código Civil, tal como vem citado na sentença recorrida), por outro;
2.ª) O entendimento amplamente maioritário sufragado pelos tribunais superiores, máxime o STJ, baseado no trabalho do Prof. Vaz Serra, vai no sentido de que as circunstâncias adjacentes à elaboração, no caso dos autos, dos contratos de mediação imobiliária, onde se inclui a planta com os manuscritos como um princípio de prova por escrito, por tornar o facto de terem sido excluídas da venda as duas frações em causa verosímil, ainda que contrário à declaração contratual, deixa aberta a possibilidade de completar esse indício de prova com recurso a outro tipo de prova, nomeadamente testemunhal, pois deixa de existir o perigo abstrato de abrir a porta a este outro tipo de prova, que não é, assim, o único meio de prova que infirma a declaração contratual, e isto vale também para outros documentos autênticos;
3.ª) O documento n.º 2 junto com a contestação, ao ser digitalizado a cores e por conter, no canto inferior direito, alusões evidentes aos prédios dos autos, é uma cópia bastante e fiel do original, pelo que a determinação da junção do seu original foi operada por convite que o tribunal dirigiu à Ré sem qualquer condição ou sanção associadas à eventual não apresentação, após a legal representante da Autora não ter negado que era a sua letra neles aposta, nem tendo sido impugnada nos termos dos artigos 444.º e 445.º do CPC, nem no prazo ali referido nem em qualquer outro, o que constitui o dito princípio de prova escrita, sobretudo porque o original veio a ser efetivamente apresentado em audiência;
4.ª) Ao não negar a letra como sendo sua no confronto com o documento, e ao não vir impugnar a sua letra nos termos previstos no CPC, o tribunal recorrido deu como provado e bem que a letra seria da gerente da Autora, não esquecendo as regras da experiência comum, entre outros porque aquela também admitiu ter aposto as correspondências de forma colorida e de ter elaborado o documento para entregar a outros intervenientes;
5.ª) As alterações que a recorrente propõe à matéria de facto, por um lado não têm qualquer fundamento, por outro colidem com o princípio da livre apreciação da prova, mormente na sua vertente da análise global da prova produzida, sem recurso à avaliação compartimentada e isolada de qualquer dos elementos probatórios, sendo que o caso dos autos foi muitíssimo bem decidido de acordo com o princípio da imediação, que atenta a postura da legal representante da Autora e de algumas testemunhas, tudo como melhor vem vertido na douta sentença, permitiu ao julgador a correta e justa valoração de todos os depoimentos;
6.ª) A M.ma Juiz apurou a matéria de facto criteriosamente, fazendo uma justa e correta análise crítica de toda a prova produzida, desde o teor dos inúmeros documentos juntos até aos depoimentos concretos das várias testemunhas arroladas e ouvidas, bem como as declarações e depoimentos das partes, culminando com a acareação e a contradita (e, claro, com extração de certidão e comunicação ao Ministério Público para apuramento da responsabilidade criminal da Autora), explicitando até ao pormenor o critério, as razões e os elementos que presidiram aos resultados obtidos e compatibilizados entre si, em extensa fundamentação muito além da mera obediência legal aos critérios mais exigentes que se queiram ver consagrados no artigo 607.º do CPC;
7.ª) As respostas à matéria de facto (provada e não provada) devem ser mantidas de forma integral, também porque a alegação da recorrente ficou muito aquém do legalmente exigido, não no que toca aos ónus impostos pelo artigo 639.º do CPC, mas sim tendo em conta o disposto nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC;
8.ª) O julgador explicou de forma clara, detalhada e inequívoca por que razão, perante versões contraditórias, privilegiou uns meios de prova em detrimento de outros, sendo que o depoimento das testemunhas arroladas pela Autora evidenciou comprometimento, constrangimento, falta de espontaneidade e manipulação, pelo que bem andou o tribunal recorrido ao considerar inidóneos tais depoimentos, fazendo-o com cuidado redobrado em função da absolvição da Ré dos pedidos e atenta a condenação da Autora como litigante de má fé;
9.ª) O facto provado 8. não contraria o facto provado 10., pois nos mapas anexos aos aditamentos estão assinaladas as frações que já tinham sido objeto de CPCV (facto 8), e isso mesmo faz com que sobre os apartamentos que sempre estiveram destinados aos sócios (facto 10) não incidisse qualquer menção da existência de CPCV, isto além de os gerentes da Ré terem referido que havia maleabilidade quanto à escolha concreta dessas 2 frações autónomas;
10.ª) A Autora lançou mão desta ação judicial bem sabendo que a sua alegação era espúria e falsa, o que resultou não só das contradições por ela mesmo manifestadas, por meio das declarações da sua gerente, mas de toda a prova produzida em audiência, nomeadamente documental e testemunhal, incluindo a acareação e a contradita, pelo que deve manter-se a condenação exemplar da Autora como litigante de má fé, sendo o caso dos autos paradigmático do que configura a litigação má fé, tantas vezes banalizada por advogados e tão poucas vezes utilizada como forma de sancionar quem efetivamente recorre à Justiça faltando à verdade e de forma censurável e reprovável;
11.ª) A recorrente apenas se insurge contra a sua condenação como litigante de má fé na medida em que idealiza a alteração da matéria de facto provada, logo, caso não venha a haver qualquer alteração à matéria de facto, como se espera, deve, sem mais, manter-se a condenação da Autora como litigante de má fé, nos termos e com os fundamentos que vêm consignados na sentença recorrida;
12.ª) A douta sentença mostra ter interpretado e aplicado corretamente todas as normas, substantivas e adjetivas, chamadas a qualificar a situação do mundo da vida trazida ao V/ conhecimento no âmbito destes autos, pelo que deve ser mantida na íntegra.
Nestes termos e nos melhores de Direito, deve ser negado provimento ao recurso de apelação a que ora se responde e, consequentemente, deve manter-se o teor da douta sentença proferida pela 1.ª instância, assim se fazendo a habitual Justiça.”.
III – Questões a resolver:
Em face das conclusões da Recorrente nas suas alegações – que fixam o objeto do recurso nos termos do previsto nos artigos 635º, números 4 e 5 e 639º, números 1 e 2, do Código de Processo Civil -, são as seguintes as questões a resolver:
1. Omissão de pronúncia sobre pedido subsidiário (conclusão XXII);
2. Admissibilidade da produção de prova testemunhal quanto à celebração de acordos verbais complementares ou adicionais ao teor dos contratos de mediação imobiliária firmados entre as partes em 12-01-2018 e validade dos mesmos (conclusões I a VIII).
3. Alteração da matéria de facto provada sob as alíneas 10), 11),12) e 21) e da não provada nas alíneas a) a f), e i) a m) (conclusões IX a XVII); ocorrendo a mesma,
4. Apurar qual o seu reflexo na decisão (conclusões XIX e XX) nomeadamente em função da interpretação a fazer sobre o regime de exclusividade estipulado entre as partes nos contratos celebrados entres em 12-02-2018 à luz do artigo 19º da Lei 15/2013 de 8 de fevereiro (conclusão XXI);
5. Apreciação da conduta processual da Autora à luz do artigo 542º do Código de Processo Civil (conclusão XVIII).
IV – Fundamentação:
Foram os seguintes os factos selecionados pelo tribunal recorrido como relevantes para a decisão da causa (destacar-se-ão desde já aqueles que o Recorrente pretende que sejam alterados):
“1) A autora dedica-se, além do mais, à actividade de mediação imobiliária, tendo a licença AMI n.º ...64.
2) A ré dedica-se à promoção imobiliária, compra e venda de prédios rústicos e urbanos, revenda dos adquiridos ou constituídos, aquisição de prédios rústicos ou urbanos para urbanização ou transformações, venda e revenda dos bens adquiridos ou constituídos e construção civil, bem como prestação de serviços conexos com as referidas actividades.
3) Por documento escrito datado de 12-01-2018, designado de “Contrato de Mediação Imobiliária”, a autora obrigou-se perante a ré a diligenciar no sentido de conseguir interessados para a compra dos apartamentos/fracções do edifício em construção, destinado a habitação multifamiliar, de que esta era dona, sito na Rua ..., em ..., ... ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Aveiro sob o n.º ...17 - Lote 1. (documento 4 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido)
4) Por documento escrito datado de 10-07-2019, denominado de “Aditamento ao Contrato de Mediação Imobiliária celebrado em 12/01/2018 Lote 1”, a autora e a ré acordaram em alterar o ponto 3 da cláusula segunda, designada por “IDENTIFICAÇÃO DO NEGÓCIO”, bem como os pontos 3a) e 3 b) da cláusula quinta, designada por “REMUNERAÇÃO”. (documento 4 junto com a petição inicial cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
5) Por documento escrito datado de 12-01-2018, designado de “Contrato de Mediação Imobiliária”, a autora obrigou-se perante a ré a diligenciar no sentido de conseguir interessados para a compra dos apartamentos/fracções do edifício em construção, destinado a habitação multifamiliar, de que esta era dona, sito na Rua ..., em ..., ... ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Aveiro sob o n.º ...18 - Lote 2. (documento 5 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido)
6) Por documento escrito datado de 10-07-2019, denominado de “Aditamento ao Contrato de Mediação Imobiliária celebrado em 12/01/2018 Lote 2”, a autora e a ré acordaram em alterar o ponto 3 da cláusula segunda, designada por “IDENTIFICAÇÃO DO NEGÓCIO”, bem como os pontos 3a) e 3 b) da cláusula quinta, designada por “REMUNERAÇÃO”. (documento 5 junto com a petição inicial cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
7) Nos acordos referidos em 3) e 5) ficou exarado, além do mais, que:
7.1) a autora era contratada em regime de exclusividade (cláusula quarta – ponto 1.);
7.2) a remuneração seria de 3%, acrescida de IVA, do preço total da venda de cada fracção/apartamento (cláusula quinta);
7.3) a remuneração seria devida se a mediadora conseguisse interessado que concretizasse o negócio visado, através de contrato-promessa reduzido a escrito (cláusula quinta);
7.4) a remuneração seria devida se a mediadora conseguisse comprador que tenha celebrado contrato-promessa de compra e venda de qualquer uma das fracções e o contrato definitivo não se concretizasse por causa imputável à aqui ré (cláusula quinta).
8) Os aditamentos referidos em 4) e 6) possuem um mapa anexo, com o desenho das fracções e os correspondentes preços de venda, onde estão assinaladas as fracções que já tinham sido objecto de contrato-promessa de compra e venda, concretamente, as fracções F e B, do Lote 2, e a fracção E, do Lote 1.
9) A autora encontrou interessados para a compra das fracções B, C, D, E e F, do Lote 1, e para as fracções A, B, E e F do Lote 2, referidos em 3) e 5), respectivamente, tendo a ré pago à mesma as correspondentes quantias.
10) Desde o início que ficou definido que cada um dos sócios da ré, MM e CC, ficaria com uma fracção autónoma, após a conclusão da construção dos edifícios referidos em 3) e 5), o que a autora sabia.
11) CC chegou a aceder ao pedido da autora, de troca do apartamento que havia reservado para si, por haver um interessado na compra do mesmo.
12) Era a gerente da autora DD que ia fazendo a correspondência entre os arrumos no sótão e as fracções autónomas, anotando pelo seu punho, nas plantas, a atribuição que ia fazendo, nas quais apôs os nomes dos então sócios e gerentes da ré, CC e MM, ali insertos como ‘Sr. CC’ e ‘Sr. MM’.
13) O sócio e gerente da ré CC, acabou por adquirir, também, a fracção D, sita no primeiro andar esquerdo do Lote 2, tendo pago à autora a quantia correspondente, definida no acordo referido em 5),
14) porque tal não tinha sido previamente delineado entre as partes e porque a autora ajudou na elaboração dos documentos e subsequente outorga do contrato-promessa de compra e venda e da escritura pública de compra e venda.
15) FF assinou o documento intitulado “Contrato Promessa de Compra e Venda”, datado de 22 de Maio de 2019, a declarar que prometia comprar a fracção A, tipo T3, correspondente ao rés-do-chão direito, do Lote referido em 3), pelo preço de 210.000,00 € (duzentos e dez mil euros) e mediante o pagamento, nessa data, da quantia de 60.000,00 € (sessenta mil euros), a título de sinal e princípio de pagamento.
16) Na data referida em 15), a ré celebrou o primeiro contrato-promessa relativo aos edifícios identificados em 3) e 5), enquanto promitente-vendedora, com NN, na qualidade de promitente-compradora, relativo à fracção E, tipo T3, correspondente ao segundo andar direito, do lote 1.
17) EE assinou o documento intitulado “Contrato Promessa de Compra e Venda”, datado de 21 de Setembro de 2020, a declarar que prometia comprar a fracção C, tipo T3, correspondente ao primeiro andar direito, do Lote referido em 5), pelo preço de 219.000,00 € (duzentos e dezanove mil euros) e mediante o pagamento, nessa data, da quantia de 70.000,00 € (setenta mil euros), a título de sinal e princípio de pagamento.
18) Em 26-09-2020 a ré celebrou contrato-promessa, enquanto promitente-vendedora, com OO e PP, na qualidade de promitentes-compradores, relativo à fracção E, tipo T3, correspondente ao 2.º andar direito do lote 2.
19) Em 11-11-2020 a ré celebrou contrato-promessa, enquanto promitente-vendedora, com CC, na qualidade de promitente-comprador, relativo à fracção D, tipo T3, correspondente ao 1.º andar esquerdo do lote 2.
20) Sempre que eram assinados contratos-promessa de compra e venda, a ré recebia dos promitentes-compradores o respectivo sinal e pagava à autora a respectiva comissão, e esta emitia as respectivas facturas.
21) Os documentos referidos em 15) e 17) não se encontram assinados pela ré, nem esta teve conhecimento dos mesmos.
22) Por escritura pública outorgada em 22-09-2022, no Cartório Notarial ..., a ré “C..., Lda.” declarou vender, e QQ de Campina, BB e RR, sócias da ré e herdeiras do anterior sócio-gerente MM, declaram comprar, em comum e em partes iguais, a fracção autónoma designada pela letra “A” – rés-do-chão direito, do edifício identificado em 3), pelo preço de 190.000,00 € (cento e noventa mil euros).
23) Por escritura pública outorgada em 28-10-2022, no Cartório Notarial ..., a ré “C..., Lda.” declarou vender, e CC, sócio-gerente daquela, declarou comprar, a fracção autónoma designada pela letra “C” – primeiro andar direito, do edifício identificado em 5), pelo preço de 190.000,00 € (cento e noventa mil euros).
24) A autora emitiu as seguintes facturas, em nome da ré:
24.1) FAC 106, de 22/12/2022, com a descrição pagamento por conta da venda do Apartamento tipo T3 lote 1 fracção A, R/C, Dt., no valor de 5.700,00 €, acrescida de IVA, num total de 7.011,00 €;
24.2) FAC 107, de 22/12/2022, com a descrição de Pagamento por conta da venda do Apartamento tipo T3, lote 2, fracção C, 1ºDt., no valor de 5.700,00 €, acrescida de IVA, num total de 7.011,00 €.
25) O valor das facturas referidas em 24) corresponde a 3% do preço de venda das fracções identificadas em 22) e em 23).
26) Em data não apurada, a ré sugeriu à autora que o valor que faltava pagar à mesma, de comissões da venda das fracções B, C, D, E e F do Lote 1, e A, B, D, E e F do Lote 2, fosse dividido pelo número de escrituras que faltava celebrar.
27) Nessa sequência, a ré dividiu a quantia de 21.192,20 € em oito parcelas iguais de 2.649,03 € (2.153,68 € + IVA), uma por cada escritura que faltava celebrar, que pagou à autora, tendo esta emitido as correspondentes facturas.
28) A publicitação efectuada pela autora, no âmbito dos acordos referidos em 3) e 5), foi feita de forma genérica, e não para cada uma das fracções dos edifícios, não havendo um andar modelo físico mobiliado.
· Do incidente de contradita
29) No depoimento prestado nestes autos, em 15-12-2023, a testemunha AA declarou, além do mais, que o Sr. CC dizia na obra que em vez de um, ia ficar com dois apartamentos e que foram os seus funcionários que lhe disseram isso, e não a D. DD.
Não se provou que:
a) a autora tivesse procurado, em nome da ré, compradores para a fracção, do Lote 1, e para a fracção C, do Lote 2;
b) a autora tivesse conseguido e apresentado à ré a Dr.ª FF, como interessada na compra da fracção A, do Lote 1, pelo preço de 210.000,00 € (duzentos e dez mil euros) e mediante o pagamento da quantia de 60.000,00 € (sessenta mil euros);
c) a autora tivesse conseguido e apresentado à ré EE, como interessada na compra da fracção C, do Lote 2, pelo preço de 219.000,00 € (duzentos e dezanove mil euros) e mediante o pagamento da quantia de 70.000,00 € (setenta mil euros), a título de sinal e princípio de pagamento;
d) a autora tivesse apresentado à ré os contratos-promessa referidos em 15) e 17) e que esta tivesse protelado apor-lhes as assinaturas dos seus representantes;
e) o referido em d) visasse ocultar a vontade dos sócios da ré, nunca dada a conhecer à autora, de que as fracções aí referidas viessem a ser vendidas aos próprios ou a familiares seus;
f) a ré soubesse que a autora estava a diligenciar por obter compradores para as fracções identificadas em 22) e em 23);
g) no âmbito da sua colaboração com a ré, ao abrigo dos acordos referidos em 3) e 5), a autora tivesse despendido a quantia de 369,00 € (trezentos e sessenta e nove euros), em notificações com o direito de preferência, autenticação de documentos e certidões do registo predial;
h) quando do referido em 3) e 5), tivesse ficado acordado que a autora iria mediar a venda de todas as fracções dos edifícios, sem excepção;
i) em Maio de 2019 II tivesse visitado o apartamento do rés-do-chão direito, do bloco 1 (fracção A), mostrado pela autora, em resultado do que e por mediação desta, tivesse assinado uma promessa de compra e venda do mesmo, pelo preço de 210.000,00 €;
j) a proposta referida em i) não tivesse sido concretizada em compra e venda efectiva porque, por informação da autora, a ré achava que o preço era baixo e já havia outros interessados que entregavam sinal de valor mais elevado que o de II;
k) em Novembro de 2020 GG tivesse visitado o apartamento do primeiro andar direito, do bloco 2 (fracção C), mostrado pela autora, em consequência do que e por mediação da qual assinou uma proposta de compra do mesmo, pelo preço de 220.000,00 €, com entrega de sinal do valor de 100.000,00 €;
l) a proposta referida em k) não tivesse sido concretizada em compra e venda porque, por informação da autora, a ré não quis assinar qualquer contrato;
m) GG tivesse esperado algum tempo e acabado por investir o seu dinheiro na compra de outro imóvel, com a mediação da autora;
n) a digitalização efectuada do documento n.º 4, junto pela ré, tivesse sido feita de forma propositadamente errada, para fazer crer que a planta/mapa de preço foi anexa ao contrato inicial;
· do incidente de contradita
o) nas declarações de parte que prestou no dia 30-06-2023, a testemunha AA tivesse declarado que foi a agente imobiliária, aqui autora, que lhe disse que a fracção A do lote 1 e a fracção C do lote 2 iam ser transmitidas aos sócios da aqui ré.”.
Muito embora esta questão tenha sido a última alegada pela Apelante em sede de recurso, a mesma tem prioridade lógica na apreciação do seu objeto, pois a omissão de pronúncia sobre um dos pedidos formulados na ação conduz à nulidade da sentença, à luz do artigo 615.º, número 1 d) do Código de Processo Civil, invalidade que deve considerar-se estar arguida, embora não de forma expressa.
A Apelante entende que formulou um pedido subsidiário à luz do artigo 334.º do Código Civil que não foi apreciado.
Compulsada a petição inicial é manifesto que o não fez. O pedido ali formulado é apenas um e tem a seguinte redação: “Nestes termos e nos melhores de direito, deve a presente acção ser julgada procedente e provada e, por consequência, declarado que a ré é devedora à autora da quantia de 16.199,10€ e juros legais, a contar da data da citação, e condenado a ré a pagar-lhe tal quantia e juros.”.
Quereria a Apelante afirmar, na conclusão XXII, que deduziu o mesmo pedido com base em causa de pedir subsidiária, ao alegar o “abuso de direito” da Ré. É certo que alegou tal abuso de direito no artigo 25º da petição inicial da seguinte forma: “Caso, inesperadamente, se viesse a entender como causa de não obrigação do pagamento das comissões por falta de assinatura dela, ré, nos dois contratos-promessas, sempre esse comportamento enfermaria de abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, cujo exercício é impedido pelo artº 334º do C. Civil, uma vez que, assim, estaria a ser violado o princípio da boa fé, dado que, por omissão da ré, aliás com propósito dirigido nos termos expostos, e ocultado à autora, estaria injustamente a ser defraudado o legítimo direito desta, de obter a compensação contratada pelo seu aturado trabalho”.
Para sustentar tal conclusão a Autora alegou que a Ré, deliberadamente impediu a concretização das duas vendas por si angariadas que são objeto da ação e com base nas quais peticiona as respetivas comissões.
O Tribunal julgou não provados os factos em que se desdobra tal alegação (nas alíneas a) a f)) e sobre o reflexo da sua não prova pronunciou-se em sede de fundamentação de direito quando, a fls. 45 da sentença, concluiu que não tendo sido provado que a Autora “conseguiu interessado que concretizasse o negócio visado, de compra e venda das aludidas fracções, que foram celebrados os correspondentes contratos-promessa e que a ré se recusou a outorgar os contratos definitivos, não tem direito às correspondentes comissões, cujo pagamento peticiona.”.
Tendo-se entendido, na sentença recorrida, que Autora e Ré acordaram desde a celebração dos dois contratos de mediação imobiliária, que aquela não teria de angariar clientes para duas das frações a construir, porque as mesmas se destinavam a ser transmitidas aos seus sócios, e tendo-se julgado não provado que a Autora tenha angariado clientes para tais frações e que tenha transmitido à Ré que outorgara com eles contratos promessa de compra e venda, estava prejudicado o conhecimento do alegado abuso de direito.
É, pois, manifesto que não foi omitido o conhecimento de qualquer pedido (pois apenas um foi formulado e foi decidido) nem o Tribunal a quo deixou de se pronunciar sobre qualquer questão que devesse apreciar, sendo a sentença minuciosa e exaustiva no conhecimento de todas as questões de facto e de direito suscitadas pelas partes e de outras que o Tribunal entendeu oficiosamente de conhecer.
A Apelante defende a revogação da sentença na parte em que entendeu ser de admitir produção de prova pessoal sobre acordo das partes não vertido no contrato de mediação imobiliária entendendo, ainda, que tal acordo sempre seria nulo por falta de forma.
Para tanto alinhou vários argumentos que infra serão apreciados:
a) Entende a Recorrente que estando os contratos de mediação imobiliária sujeitos à forma escrita não poderia ter sido admitida qualquer alteração aos mesmos que não tivesse revestido a mesma forma.
Está em causa o alegado acordo das partes, que a Ré afimrou ter sido contemporâneo da celebração dos contratos de mediação, de que duas das frações dos imóveis a construir seriam destinados aos seus sócios.
A questão ora enunciada não contende diretamente com o decidido quanto à admissibilidade de prova testemunhal, mas a proceder a arguição da Recorrente tornar-se-ia inútil conhecer da possibilidade de prova de acordo não reduzido a escrito quanto à restrição das frações a alienar pois se esse acordo, ainda que provado, fosse de julgar nulo, não teria interesse para a decisão a sua eventual prova[1].
Ou seja, quando colocado perante a alegação de celebração de acordos anteriores, contemporâneos ou posteriores ao teor de documento legalmente exigido para uma declaração negocial a primeira questão que deve ser decidida pelo julgador -se for de conhecimento oficioso ou tiver sido suscitada por quem tenha legitimidade -, é a de saber se tais estipulações (verbais ou escritas em documento não sujeito à forma legalmente exigida) podem ser consideradas válidas. Só se assim for é que fará sentido apreciar se pode ser admitida a sua prova apesar de tais estipulações não revestirem a forma prevista para a declaração que complementam ou contrariam.
Prescreve o artigo 221.º do Código Civil, que a Apelante convoca, que: “1. As estipulações verbais acessórias anteriores ao documento legalmente exigido para a declaração negocial, ou contemporâneas dele, são nulas, salvo quando a razão determinante da forma lhes não seja aplicável e se prove que correspondem à vontade do autor da declaração. 2. As estipulações posteriores ao documento só estão sujeitas à forma legal prescrita para a declaração se as razões da exigência especial da lei lhes forem aplicáveis.”.
A falta de cumprimento da forma legal acarreta a nulidade do negócio, salvo se outra for a sanção prevista na lei, como decorre do artigo 220.º do Código Civil[2]. E, nos termos do artigo 286.º do Código Civil a nulidade é, por regra invocável por qualquer interessado e é de conhecimento oficioso.
Sucede que a Lei 15/2013 de 8 de fevereiro, que estabelece o regime a que fica sujeita a atividade de mediação imobiliária, fixa um regime especial quanto à forma exigida para o contrato e às consequências do seu não cumprimento.
O seu artigo 16.º da estipula que:
“1 - O contrato de mediação imobiliária é obrigatoriamente reduzido a escrito.
2 - Do contrato constam, obrigatoriamente, os seguintes elementos:
a) A identificação das características do bem imóvel que constitui objeto material do contrato, com especificação de todos os ónus e encargos que sobre ele recaiam;
b) A identificação do negócio visado pelo exercício de mediação;
c) As condições de remuneração da empresa, em termos fixos ou percentuais, bem como a forma de pagamento, com indicação da taxa de IVA aplicável;
d) A identificação do seguro de responsabilidade civil ou da garantia financeira ou instrumento equivalente previsto no artigo 7.º, com indicação da apólice e entidade seguradora ou, quando aplicável, do capital garantido;
e) A identificação do angariador imobiliário que, eventualmente, tenha colaborado na preparação do contrato;
f) A identificação discriminada de eventuais serviços acessórios a prestar pela empresa;
g) A referência ao regime de exclusividade, quando acordado, com especificação dos efeitos que do mesmo decorrem, quer para a empresa quer para o cliente.
3 - Quando o contrato for omisso quanto ao respetivo prazo de duração, considera-se celebrado por um período de seis meses.
4 - Os modelos de contratos com cláusulas contratuais gerais só podem ser utilizados pela empresa após validação dos respetivos projetos pela Direção-Geral do Consumidor.
5 - O incumprimento do disposto nos n.os 1, 2 e 4 do presente artigo determina a nulidade do contrato, não podendo esta, contudo, ser invocada pela empresa de mediação. (…)” (sublinhado nosso).
Ou seja, no contrato em causa, em que se exige a formalização por documento particular não são todas as estipulações contratuais que estão sujeitas à forma escrita, e em face do disposto no número 5 do preceito transcrito, verifica-se que a nulidade decorrente da omissão de forma não pode ser invocada pela mediadora, aqui Autora.
A mesma aliás, não a arguiu na ação, apenas suscitando tal questão em recurso.
Acresce que quando as estipulações acordadas por forma diversa da estipulada por lei não ponham em causa o cerne da declaração negocial em si mesma, contrariando-a ou sujeitando-a a condições que a modificam na sua essência ou no equilíbrio das prestações ali fixadas, às mesmas não se aplica, por regra, a exigência de forma estipulada para o contrato[3].
Ora, segundo a Ré, o acordo que não ficou vertido no contrato limitava-se a excluir a obrigação de angariação da Autora em duas das frações a construir, tendo a Ré informado a mesma que pretendia transmiti-las aos seus sócios. Pelo que quanto a elas a Autora ficava desobrigada de angariar clientes.
De todo o modo, ainda que fosse de considerar a invalidade do referido acordo por se entender que se lhe aplicavam as razões de exigência de forma aplicáveis ao contrato e que a Autora tivesse - e não tem -, legitimidade para arguir a ora alegada falta de forma legal e a nulidade daí decorrente, esta já teria precludido o seu direito a fazê-lo, pois não o fez atempadamente na ação[4] e nem o recurso se destina ao conhecimento de questões novas não oportunamente invocadas, mas à reapreciação de uma decisão[5].
Pelo que não há que conhecer da alegada nulidade da estipulação verbal entre as partes, não cabendo a apreciar se se tratava de estipulação necessária ou acessória, se lhe aplicava a razão de ser da exigência de forma e se deve considerar-se que a mesma não foi cumprida.
Qualquer que fosse a resposta a dar a tais questões, e ainda que viesse a concluir-se que se verificava nulidade por falta de forma de uma estipulação contratual, a mesma não poderia ter sido arguida na ação pela Autora, enquanto mediadora, e nem foi atempadamente arguida, não podendo o recurso ser usado como forma de obter a apreciação de questões novas, nunca suscitadas perante o tribunal recorrido, antes se destinando à reapreciação de uma decisão.
Pelo que improcede tal via argumentativa.
Notificada desse documento a Ré respondeu, nos termos do seu requerimento de 07-07-2023, nos seguintes termos: “A..., Lda., autora da presente acção, notificada dos documentos apresentados com a contestação, vem dizer, quanto ao nº 2, que não tem memória de ter nele aposto quaisquer dizeres manuscritos e tratando-se de mera cópia nem sequer sabe se é documento verdadeiro; o mesmo refere quanto aos demais documentos, aliás, mesmo que fossem verdadeiros, sempre seriam inócuos em termos de prova para a solução do vertente litígio.”.
Em face disso entendeu o Tribunal a quo de considerar admitida a autoria dos dizeres manuscritos nesse documento.
Fê-lo com a seguinte fundamentação[6]: “Na identificação do negócio ficou estabelecido que a autora se obrigava a conseguir interessados para a compra dos apartamentos/fracções do edifício, não tendo sido excluída nenhuma fracção, nomeadamente, duas, sendo uma para cada um dos sócios da ré, conforme o alegado nos artigos 11.º e 12.º da contestação.
Tal acordo consubstancia uma estipulação contemporânea ou posterior aos contratos de mediação imobiliária dos autos, que não foi incluída nos mesmos, nem reduzida a escrito, sendo certo que, nos termos do disposto no artigo 394.º do Código Civil:
«1. É inadmissível a prova por testemunhas, se tiver por objecto quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documento autêntico ou dos documentos particulares mencionados nos artigos 373.º a 379.º, quer as convenções sejam anteriores à formação do documento ou contemporâneas dele, quer sejam posteriores.». (sublinhado nosso)
É o que se verifica no caso em apreço, em que o teor dos contratos celebrados entre as partes se encontra plenamente provado pelos documentos em que os mesmos foram exarados, pelo que a ré não podia provar factos adicionais às estipulações neles contidas com recurso, apenas, à prova testemunhal e por declarações de parte.
Todavia, a jurisprudência tem considerado que quando existe um princípio de prova por escrito, proveniente da parte a quem o facto alegado é oposto e que o torne verosímil, o Tribunal já pode valorar prova testemunhal ou por declarações, em conjugação com aquele.
Isto porque, em tal circunstancialismo o risco da falibilidade da prova testemunhal (e por declarações de parte), por contraposição com a segurança e objectividade da prova documental, fica em grande parte esbatido, por não ser o único meio de prova existente sobre os factos adicionais ao teor de contratos reduzidos a escritos, que surgem indiciados, também, pela existência de um documento – cf. artigos 374.º, n.º 1, 376.º e 394.º do Código Civil.
No caso em apreço, tal princípio de prova por escrito existe, tratando-se das plantas dos arrumos dos edifícios a que pertencem as fracções em discussão nos autos, com anotações manuscritas (documento 2 junto com a contestação).
Em tais documentos estão identificadas manuscritamente as fracções de cada lote, com nomes próprios de pessoas, que correspondem aos nomes dos respectivos compradores, com excepção da fracção B, sita no rés-do-chão esquerdo, do Lote 2 (em que decorre dos autos que houve alteração do comprador: na mapa de preços junto com a petição inicial tal fracção surge como tendo sido alvo de contrato-promessa em Maio de 2019, sendo que o contrato-promessa referente à mesma, junto aos autos, outorgado por SS, está datado de 16-04-2021).
Ora, na contestação, a ré alegou que «era a própria gerente da Autora que ia fazendo a correspondência entre os arrumos no sótão e as fracções autónomas (…), anotando, pelo seu punho, nas plantas, a atribuição que ia fazendo e a correspondência entre os espaços. - cf. documento n.º 2 que ora se junta e cujo integral teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais» -artigo 14.º da contestação;
«E onde apôs, ela própria, DD, os nomes dos então sócios e gerentes da Ré – CC e MM, ali insertos como “Sr. CC” e “Sr. MM” -» - artigo 15.º do referido articulado.
A ré atribuiu, assim, a autoria de tais anotações ao punho da gerente da autora, de forma expressa.
No requerimento de 08-06-2022, a ré pronunciou-se sobre o documento n.º 2 junto com a contestação, afirmando «que não tem memória de nele ter aposto quaisquer dizeres manuscritos e tratando-se de mera cópia nem sequer sabe se é documento verdadeiro.
Ora, a afirmação da autora de que não tem memória de ter aposto os dizeres manuscritos no documento em causa, conforme alegado pela ré, apenas pode ser entendida como querendo significar que não sabe se aqueles foram, ou não, apostos pelo seu punho, no aludido documento.
Tanto significa que a autora não confessou ter efectuado os escritos em causa, mas também não negou tê-lo feito, limitando-se a afirmar que não tem memória disso, ou seja, assumindo uma posição de não saber se a autoria dos mesmos lhe pertence, ou não.
E, assim sendo, cabe chamar à colação o artigo 374.º do Código Civil, que estatui:
«1. A letra e a assinatura, ou só a assinatura, de um documento particular consideram-se verdadeiras, quando reconhecidas ou não impugnadas pela parte contra quem o documento é apresentado, ou quando esta declare não saber se lhe pertencem, apesar de lhe serem atribuídas, ou quando sejam havidas legal ou judicialmente como verdadeiras.
2. Se a parte contra quem o documento é apresentado impugnar a veracidade da letra ou da assinatura, ou declarar que não sabe se são verdadeiras, não lhe sendo elas imputadas, incumbe à parte que apresentar o documento a prova da sua veracidade.» (sublinhado nosso)
Nesta medida, tendo sido atribuída à gerente da autora a autoria da letra manuscrita que se visualiza no documento n.º 2 junto com a contestação, que é particular, e tendo aquela declarado não saber se a mesma lhe pertence, ou não, impõe-se considerar que a letra em causa foi aposta, no dito documento, pelo punho daquela, nos exactos termos previstos no citado artigo 374.º do Código Civil.
Por outro lado, pese embora com a contestação tenha sido apresentada uma cópia digitalizada do aludido documento (nos termos exigidos pelo artigo 144.º, n.ºs 2, 4 e 5, do Código de Processo Civil), na audiência de julgamento foram exibidos os respectivos originais, conforme o determinado no despacho de 18-09-2023 (ponto VII, al. a)), os quais se mostram juntos aos autos (cf. acta de 26-10-2023).
Nesta medida, foi devidamente demonstrada a exactidão/genuinidade do documento n.º 2 junto com a contestação, nos termos previstos no artigo 368.º do Código Civil e artigo 144.º, n.ºs 2, 4 e 5, do Código de Processo Civil. (…)
A letra manuscrita que consta de tal documento, como vimos, considera-se aposta pelo punho de DD, gerente da autora, constituindo, nessa medida, um princípio de prova por escrito, proveniente desta última, que torna verosímil a factualidade alegada pela ré na contestação (e não reduzida a escrito, em aditamento aos contratos de mediação imobiliária dos autos), quanto a ter ficado definido, desde o início, para todos os intervenientes no projecto da construção e venda dos apartamentos, que cada um dos sócios da construtora iria reservar para si uma fracção – cf. artigos 11.º e 12.º daquele articulado e 10) dos factos provados.
Como tal, passa a ser admissível o recurso à prova testemunhal e por declarações de parte nesse âmbito, nos termos acima explanados.”.
Tal decisão é correta, não procedendo a censura que lhe dirige a Recorrente.
Não colhe, salvo o devido respeito, a tese elaborada pela Autora na interpretação do disposto no artigo 374.º, número 1 do Código Civil quando pretende defender que a forma como impugnou o documento corresponde à declaração de que põe em causa a existência e veracidade do mesmo pelo que se deve considerar impugnada, também, a autoria dos seus dizeres manuscritos.
É claríssima a redação do preceito em apreço quando ali se estatui, no que aqui releva, que a letra de um documento particular se considera verdadeira quando reconhecida ou não impugnada pela parte contra quem ele é oferecido ou “quando este declare não saber se lhe pertencem, apesar de lhe serem atribuídas”. Na impugnação oferecida a tal documento a Autora limitou-se a afirmar que não tinha memória de ter aposto naquele documento quaisquer dizeres manuscritos o que equivale a não impugnar a sua autoria. É uma afirmação em tudo idêntica à de não saber se aquela letra lhe pertence.
Também a declaração da Autora de que o documento junto se tratava de mera cópia, não sabendo se era verdadeiro, não equivale à impugnação da autoria dos seus dizeres manuscritos e nem à arguição da falsidade do documento. O que a Autora fez foi tão-só impugnar o valor da “mera cópia” por não saber se correspondia a “documento verdadeiro”. A impugnação da exatidão da reprodução mecânica de um documento particular, regulada no artigo 444.º do Código de Processo Civil (onde também se regula o prazo e forma de impugnação da letra ou assinatura desses documentos) não se confunde com a negação de autoria que, quando seja imputada à parte contra quem é oferecido o documento tem de ser alegada nos termos do artigo 374.º do Código Civil.
A mera afirmação de que se desconhece se a cópia apresentada corresponde a documento verdadeiro, desacompanhada de pedido de junção do original para confronto, no prazo e nos termos previstos no artigo 444.º, número 3 do Código de Processo Civil sequer daria, aliás, lugar à junção do documento original que, contudo, o Tribunal a quo oficiosamente ordenou aquando da admissão dos meios de prova em despacho saneador, por ter tido atenção ao alegado pela Autora ao impugnar tal documento.
Não se confunde a declaração de que se desconhece se a cópia do documento corresponde ao seu original com a impugnação da autoria da sua letra, sendo a primeira afirmação tendente a pôr em causa apenas a exatidão da cópia junta.
Pelo que bem andou o Tribunal a quo ao considerar que estava provada a autoria do documento número 2 junto com a contestação [7].
Sucede que a mesma não confessou a autoria do documento, apenas não a impugnou de forma operante.
Assim, e desde logo, a autoria do documento em causa não resultou de confissão, o que a mesma, aliás, afirma claramente nas conclusões do recurso em que defende que a declaração de não ter memória de ter aposto os dizeres manuscritos “não equivale nem significa que, esteja a admitir ser sua a letra constante do documento, nem sequer equivale à afirmação de não saber se tal letra lhe pertence”.
Acresce que a norma convocada pela Recorrente para sustentar a relevância das suas declarações em audiência de julgamento não é aqui aplicável.
Como já referido, o artigo 444.º do Código de Processo Civil regula os termos adjetivos e os prazos em que deve ser feita a impugnação da autoria do documento, regulando o Código Civil (artigo 374.º) em que medida a mesma deve ser julgada provada em face da sua admissão/forma de impugnação.
Assim, nos termos do número 1 do artigo 444.º do Código de Processo Civil, a impugnação da letra de documento deve ser feita em 10 dias, contados da notificação da apresentação desse documento. Notificada dessa impugnação (que acima já se viu que não foi feita de forma operante, nos termos do artigo 374.º do Código Civil), a parte contrária pode requerer a produção de prova para convencer da sua genuinidade em 10 dias – cfr. artigo 445.º, número 1 do Código de Processo Civil.
Ora a Ré, em face da forma como a impugnação foi feita, não tinha qualquer razão para pedir a produção de prova com vista a convencer da genuinidade da autoria dos dizeres manuscritos que imputou à Autora.
Os artigos 444.º e 445.º do Código de Processo Civil, relativos à prova por documentos, regulam, assim, a forma e prazos para a impugnação de documentos juntos pela contraparte e para a produção de prova sobre a genuinidade dos mesmos quando tal impugnação tenha sido feita de forma tempestiva e operante.
O artigo 465.º do Código de Processo Civil que a Apelante convoca, por sua vez, respeita à prova por confissão judicial, expressa, em sede de articulados (ou seja a prova por confissão espontânea que está prevista no artigo 356.º número 1 do Código Civil) e estabelece uma exceção à regra da irretratabilidade da confissão, quando não se trate de prova decorrente de declarações do confitente perante o juiz (como sucede com a confissão judicial provocada), mas antes decorre de articulado que pode ser apresentado por mandatário.
Prevê o artigo 465.º do Código de Processo Civil que “as confissões expressas de factos, feitas nos articulados, podem ser retiradas, enquanto a parte contrária as não tiver aceitado especificadamente”
A possibilidade de ser retirada enquanto não for aceite pela contraparte é restrita, assim, à confissão de factos expressa em articulados. Tal meio de prova em nada se confunde com o valor atribuído a prova documental e à impugnação da sua autoria quando a mesma é atribuída ao impugnante.
Ao impugnar de forma inoperante a autoria da letra aposta em documento que a contraparte lhe atribuiu a Autora não confessou expressamente qualquer facto. Limitou-se a não impugnar devidamente prova documental. Tal não equivale assim, à prova de qualquer facto por via de um outro meio de prova: a confissão expressa em articulado. Pelo que não pode ser valorada a declaração, posterior, em audiência de julgamento, de negação da autoria da letra aposta no documento.
Não pode retratar-se o que não foi confessado e nem a falta de impugnação atempada ou operante de um documento pode deixar de produzir efeitos se posteriormente, fora do prazo para tanto previsto, a parte vier afinal pôr em causa o valor probatório de um documento que antes não impugnou devidamente.
A mera existência de um prazo perentório para tal impugnação e de regras específicas sobre qual o teor que a mesma deve revestir para poder operar seria, aliás, bastante para que não se pudesse permitir que, mais tarde, a parte viesse impugnar o que antes não pôs validamente em causa.
Acresce que a previsão de um prazo, também ele perentório, para que a outra parte, em face da impugnação, produza prova tendente a convencer da autoria do documento, sempre impediria que a mesma pudesse mais tarde vir a ser confrontada com a consideração de que, afinal, tal documento se considerava impugnado.
Finalmente cumpre salientar que a Autora podia ter declarado, mesmo em face da mera cópia que consta digitalizada a cores e com muita qualidade na contestação que a letra ali constante não era a sua, como depois pretendeu fazer em audiência de julgamento, pois é de esperar que cada pessoa consiga sem grande dificuldade distinguir a sua caligrafia de qualquer outra, alheia, ainda que parecida.
Pelo que também tal via argumentativa não procede.
Sobre tal questão a sentença recorrida contém a fundamentação que acima se transcreveu e que, como adiantado, não merece censura.
A análise feita pelo Tribunal a quo a propósito da interpretação dada pela doutrina e jurisprudência ao disposto no artigo 394.º número 1 do Código Civil é de acompanhar, nos seus exatos termos.
De facto, muito embora a letra da lei no citado artigo exclua a prova por testemunhas se tiver por objeto convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de um documento particular como os previstos nos artigo 373.º a 379.º do Código Civil, quer estas convenções sejam anteriores, contemporâneas ou posteriores à formação do contrato, a maioria da doutrina e da jurisprudência[8], apelando a uma interpretação teleológica dessa proibição tem vindo a admitir tal prova em situações excecionais e sob determinados pressupostos.
Lançando mão desse elemento teleológico de interpretação previsto no artigo 9.º, número 1 do Código Civil, é manifesto que o legislador pretendeu afastar da incerteza que a prova testemunhal comporta os factos para cuja atestação o legislador exija que constassem de documento autêntico ou particular.
Por força da remissão dos artigos 351.º e 358º, números 3 e 4 e 361.º do Código Civil e do disposto no artigo 466.º, número 3 do Código de Processo Civil, essa proibição de prova estende-se também à prova por presunção e por declarações de parte e mesmo por confissão, quando a mesma seja de apreciar livremente.
Vaz Serra[9] defendeu que não sendo as limitações legais à admissibilidade da prova testemunhal de ordem pública, deviam considerar-se derrogáveis por acordo das partes e não oficiosamente apreciadas, a não ser no caso de prova de factos relativos a negócio jurídico em que a formalidade exigida por lei fosse considerada ad substantiam. Apenas nestes casos, em que estivesse em causa, portanto, não a mera prova, mas a própria validade intrínseca do negócio, seria de afastar a possibilidade de prova testemunhal de estipulações adicionais ou contrárias a documento exigido por lei.
Não tendo tal entendimento tido expressão na letra da lei, como pretendia Vaz Serra, a verdade é que parte significativa da doutrina e da jurisprudência têm vindo a admitir tal interpretação possível do preceito em análise, embora com exigência redobrada quanto aos pressupostos da admissibilidade de outros meios de prova, nomeadamente a testemunhal, de acordos anteriores, contemporâneos ou posteriores a negócios para que o legislador exija a forma escrita.
Sendo clara a intenção do legislador de pretender afastar a possibilidade de se pôr em dúvida o que resultar de um documento escrito exigido por lei com base numa prova manifestamente mais falível e volúvel e concordando-se que não pode, por via de admissão de meios de prova com essas características, derrogar-se a intenção do legislador de impedir a possibilidade de pôr em causa o que consta documentos autênticos ou particulares com autoria reconhecida, não se vê razão para nos afastarmos do entendimento maioritário da doutrina e da jurisprudência quando à admissão excecional desses meios de prova, reunidos que estejam certos requisitos.
Assim, deve desde logo ter-se presente que, por regra, o teor de um documento autêntico ou particular com autoria reconhecida não pode ser posto em causa por via de outro meio de prova sob pena de se estar a derrogar, na prática, a norma que impôs que determinado negócio revestisse essa forma.
Deve ainda ter-se em conta, na já acima referida distinção entre documentos ad substantiam e ad probationem que quando se esteja perante os primeiros (como se deve presumir nos termos do artigo 364.º, número 1 do Código Civil), tal cuidado deve ser redobrado, pois se no caso da exigência de forma se destinar apenas à prova o legislador ainda admite expressamente a confissão como meio de prova dos mesmos factos (número 2 do artigo 364.º), no primeiro caso nem tal admite.
Assim, como acima se afirmou, se a razão de ser da exigência de uma determinada forma para que uma declaração negocial seja válida se estender à estipulação adicional ou complementar daquela deve considerar-se que a mesma, não tendo assumido a mesma forma, é nula.
Apelando ao acima decidido sob o ponto a), se a razão de ser a exigência de forma se aplicar à estipulação contrária ou adicional ao que ficou documentado, nem sequer se deve colocar a questão da admissão da produção de prova dessa estipulação, pois a mesma será nula por violação de formalidade ad substantiam (cfr. nota 1).
Deve, ainda, estar presente no espírito do julgador que não pode admitir a produção de prova pessoal ou por presunções sobre estipulações contrárias ou adicionais a negócio que deva ser reduzido a escrito sem que haja um motivo ponderoso para que se abra tal possibilidade.
Tem sido quase unanimemente entendido que tal motivo só poderá ser a existência de um documento, ou seja, um princípio de prova por escrito, da autoria da pessoa contra quem se pretende provar o facto em causa, de que resulte indício da veracidade do alegado.
Assim, se a parte que quer produzir prova de que foram celebrados verbalmente acordos contrários ou complementares ao negócio para que se exigiu forma escrita apresentar outra prova, também escrita, da autoria da contraparte, de que resulte um indício forte de que tal acordo foi feito, abre-se, a partir dela, a possibilidade de produção de outros meios de prova que, em conjunto com a prova documental adminicular podem levar a formar a convicção do Tribunal sobre a veracidade do alegado.
Tal princípio de prova, portanto, além de ter de provir da pessoa contra quem é apresentado e de ter a forma escrita tem que ser, pelo seu conteúdo, bastante a que se admita a possibilidade de ser verdadeira a alegação de que tais acordos foram celebrados. Ou seja, do teor desse princípio de prova escrito deve resultar inequivocamente o reconhecimento de qualquer facto que indicie a existência desse acordo adicional ou contrário ao que está documentado.
Doutro modo, ou seja, se essa declaração escrita for dúbia ou puder ser interpretada, nomeadamente à luz da explicação oferecida pelo seu autor, como tendo outro sentido que não a estipulação de acordo contrário ou adicional, não pode a mesma servir como prova adminicular.
No caso dos autos, como bem analisado pelo Tribunal a quo, o documento cuja autoria se considerou estar provada proveio da legal representante da Autora, tendo sido por ela manuscrito e dele decorre que a mesma sabia, no momento em que o produziu, que duas das frações construídas pela Ré se destinavam aos seus sócios.
Foi afastada, nos termos supra expostos, a invalidade por falta de forma dessa estipulação entre as partes, em que excluíram do objeto do negócio duas das frações a construir pelo que nada impede que possa ser de ponderar a admissibilidade de prova em contrário.
Finalmente, a Autora não avançou com qualquer explicação para a produção desse documento, por seu punho, tendo apenas alegado não se recordar se era sua a letra nele constante, pelo que não há como afastar a relevância desse documento, da autoria da Autora, e cuja emissão a mesma não ensaiou explicar. Para o seu teor não foi, assim, apresentada qualquer explicação que não a arguida pela Ré: a de que a Autora sabia que duas das frações a construir seriam para alienar a sócios da mesma.
Como tal, acompanhando integralmente a decisão recorrida, deve admitir-se a produção de prova testemunhal do alegado acordo a partir da valoração do documento número 2 junto à contestação como prova adminicular bastante.
Foram cumpridos pela Autora os ónus de impugnação da matéria de facto a que alude o artigo 640.º do Código Civil.
A apelante pretende a alteração das alíneas “10 (segmento final), 11, 12 (quanto ao segmento a partir de “anotando peno seu punho…... até final) e 21 (segmento final), tendo em conta todos os documentos juntos aos autos, o facto provado nº 8, o que consta quanto ao âmbito referidos nos factos provados dos contratos de mediação provados nos nºs. 3.4., 5, 6, 7 e 8º e as passagens dos depoimentos e declarações gravadas em audiência de julgamento, respeitantes às gravações e sessões identificadas nas alegações supra, nomeadamente.
De BB – passagens de minutos 00,10 a 01,16;05;05,45-13,10; 13,10 – 16,12; 24,00 – 26,09:
CC – 00,00-08,45; 08,45-13,10; 13,10-16,12; e 24,00-26,09;
DD – 02-00 – 03,18 ; e 03,30-29,39;
EE – 03.00 – 06,00;
FF – 00,00 – 18,00;
GG – 00,00 -10,25;
HH – 01,30-11,20;11,50-21,20; 26,00,00 -34,00;
AA – 05,30 – 27,00;
II - 01,40 -03,40;
JJ – 02,10 – 11,23;
KK – 01,28 -22,52. E
LL – 00,00-10,00; 11,00-13,36; 15,01 16,58.”
É o seguinte o teor das alíneas que a Apelante entende estarem em contradição com a alínea 8) dos factos provados:
10) Desde o início que ficou definido que cada um dos sócios da ré, MM e CC, ficaria com uma fração autónoma, após a conclusão da construção dos edifícios referidos em 3) e 5), o que a autora sabia.
11) CC chegou a aceder ao pedido da autora, de troca do apartamento que havia reservado para si, por haver um interessado na compra do mesmo.
12) Era a gerente da autora DD que ia fazendo a correspondência entre os arrumos no sótão e as frações autónomas, anotando pelo seu punho, nas plantas, a atribuição que ia fazendo, nas quais apôs os nomes dos então sócios e gerentes da ré, CC e MM, ali insertos como ‘Sr. CC’ e ‘Sr. MM’.
21) Os documentos referidos em 15) e 17) não se encontram assinados pela ré, nem esta teve conhecimento dos mesmos.
A alínea 8 dos factos provados tem este teor:
Os aditamentos referidos em 4) e 6) possuem um mapa anexo, com o desenho das frações e os correspondentes preços de venda, onde estão assinaladas as frações que já tinham sido objeto de contrato-promessa de compra e venda, concretamente, as frações F e B, do Lote 2, e a fração E, do Lote 1.
Nem o teor desta alínea nem o dos documentos para que remete contrariam o que foi julgado provado nas alíneas sob censura.
Os documentos em causa são anexos a aditamentos feitos aos contratos de mediação mobiliária, celebrados em 10-07-2019, deles resultando a sinalização das frações já prometidas vender e a identificação das demais num desenho simples representativo dos dois prédios, divididos em 6 quadrículas representativas das respetivas frações e constando de cada uma a letra pela qual era identificada. Tal esquema ou planta permite apenas verificar, por exemplo, que a fração A corresponde ao rés-do-chão direito e a F ao segundo andar esquerdo. Esse fim, a que se destinava, foi aliás admitido pela legal representante da Autora no seu depoimento. Não faria qualquer sentido que dessa planta se eliminasse qualquer fração apenas porque a mesma seria para transmitir aos sócios da Ré, pois a planta não visava identificar compradores mas as frações e a sua posição relativa nos prédios.
O facto de nessa planta se indicar o preço de venda de cada fração tampouco indicia que as partes tinham acordado que todas seriam para vender pela Autora. O facto de duas das frações serem reservadas para os sócios da Ré sem que, contudo, tenha sido logo definido quais seriam (desde logo porque ainda sequer havia licença de construção e, portanto, título constitutivo da propriedade horizontal) não determinava que não ficasse a constar da planta anexa aos aditamentos o valor de cada uma das frações.
Quanto aos depoimentos convocados pela Apelante, e à apreciação dos mesmos em concatenação com toda a demais prova produzida deve ter-se presente que, como acima decidido, foi devidamente admitida, a partir de documento considerado adminicular, a produção de outros meios de prova sobre o alegado acordo das partes de excluir dos contratos de mediação duas das frações que iriam ser cottruídas porque se destinavam aos sócios das Rés.
Depois dessa prova adminicular e na apreciação quer da mesma quer da prova produzida a partir dela deve o juiz ter ainda presentes as razões de ser da exigência de forma que não foi cumprida quanto às estipulações contrárias ou complementares que se querem provar, bem como a incerteza que decorre da admissibilidade de meios de prova que o legislador expressamente arredou.
Assim, deve ser particularmente exigente a apreciação da prova destinada a contrariar/alterar o que ficou a constar de documento exigido por lei para a validade do negócio.
Foi o que fez o Tribunal a quo com uma motivação exaustiva e minuciosa, em que descreveu o teor de cada documento e sumariou cada depoimento, analisou criticamente as provas de forma lógica e sustentada, tendo explicado as razões que conduziram à convicção que formou.
A circunstância de um acordo de exclusão de duas frações da mediação da Autora não ter sido reduzido a escrito foi suficientemente explicada pelo facto de não terem as mesmas sido ainda escolhidas, desde logo por inexistir licença de construção aquando da celebração dos contratos de mediação.
A exigência de uma explicação para a não redução a escrito de um determinado acordo contrário ou complementar a negócio que revestiu tal forma é um dos obstáculos que deve ser superado na análise da prova adminicular e da que a partir dela se produza. Pois, por regra, a lógica impõe que as partes sujeitem à mesma forma todas as estipulações contratuais.
Outro cuidado necessário na apreciação da prova dessas estipulações é a de aferir se as mesmas não estão expressamente contrariadas no próprio documento.
Ora o teor dos contratos dos autos também não contraria a versão da Ré, por ali não constar expressamente que a Autora venderia “todas” as frações a construir e nem que a Ré não poderia, ela mesma proceder à sua venda (questão que adiante melhor se abordará na apreciação da questão a resolver enunciada sob o ponto 4).
Ficou já assente que não tinha o Tribunal que produzir qualquer prova sobre a autoria da letra aposta no documento número 2 junto à contestação, uma vez que a impugnação da mesma não foi operante. Pelo que não releva o que as várias testemunhas indicadas pela apelante disseram quanto ao reconhecimento da caligrafia manuscrita como sendo, ou não, da legal representante da Autora.
Tal documento constitui uma declaração, feita pelo punho da legal representante da Autora, de quais as frações que se destinavam aos sócios da Ré, com aposição do seu nome numa planta colorida, em que também constavam os nomes de outros interessados/promitentes compradores. Assente a sua autoria, a Autora não ofereceu nos autos qualquer explicação plausível para ter aposto os nomes dos dois sócios da Ré em duas frações quando afirmou, também, que nunca lhe foi comunicada a intenção da Ré de os reservar para aqueles, facto que só veio a conhecer depois de formalizadas as vendas, o que a levou a diligenciar por compradores e a celebrar com eles contratos promessa de compra e venda dessas frações.
Vem a Autora agora alegar que tal documento não contém data e não encerra a manifestação de qualquer vontade. Quanto ao facto de que não revela uma manifestação de vontade, é certo que assim é, mas manifesta (e tanto basta), que legal representante da Autora sabia, quando os manuscreveu, que duas frações que assinalou e identificou pelo seu punho se destinavam aos sócios da Ré.
Se a estipulação complementar ou contrária estivesse expressa por escrito nem se colocaria, aliás, a questão que ora se analisa. Está assente que tal acordo, a ter ocorrido, foi verbal. O documento número 2 da contestação é apenas um meio de prova escrito de que pode decorrer que o acordo verbal foi de facto celebrado.
Poderia a Autora, ao impugnar tal documento, ter avançado com uma explicação plausível para a emissão desse documento, nomeadamente alegando a data em que foi manuscrito, de que decorresse que a interpretação avançada pela Ré não era a correta, isto é que, apesar de por si manuscrito, tal documento não revelava que a legal representante da Autora tinha conhecimento, desde a celebração dos contratos de mediação, de que duas das frações a construir seriam para sócios da Ré. Não o fez.
Em audiência de julgamento, a legal representante da Autora afirmou que coloriu a planta em causa em 2021, ou seja, já depois de alegadamente ter dado a assinar a duas interessadas na compra dessas frações os respetivos contratos promessa (em 22-05-2019 e 21-09-2020 segundo as alíneas 15 e 17 dos factos provados).
Ora, assente que está a autoria dos dizeres manuscritos e estando admitida pela legal representante da Autora que a coloração do documento ocorreu em 2021 das duas uma: ou os mesmos já continham os dizeres em causa, por ela mesma os ter manuscrito antes, caso em que a Autora poderá ter angariado clientes para duas frações que de antemão ela mesma identificara como destinados aos sócios da Ré, ou foram tais identificações por ela apostas na mesma data em que coloriu a planta das frações. Nesse caso, que sentido faria que a legal representante da Autora, que até já tinha angariado clientes para essas frações e apenas aguardava que a Ré subscrevesse os contratos promessa de compra e venda, colorisse e manuscrevesse tal planta com os nomes de dois adquirentes diversos dos que tinha angariado?
Esta versão dos factos, que a Autora defende, é aliás contrariada pela forma de pagamento das comissões devidas, que resulta da prova dos factos das alíneas 26 e 27, cujo teor não foi impugnado no recurso e de que resulta com clareza que ambas as partes apenas entendiam ser devido o valor de comissão pela venda de dez das doze frações dos imóveis da Ré.
O Tribunal a quo entendeu mesmo estar indiciada a prática de crime pelo facto de a legal representante da Autora ter, nestes autos, vindo alegar que nunca soube dessa intenção da Ré quando antes, em depoimento prestado no processo 2113/22.9T8AVR, em 30-06-2022 afirmara que os sócios gerentes da Ré lhe transmitiram: “não vendes esses apartamentos porque vão ficar para nós”. O registo audio do julgamento desse procedimento cautelar foi junto aos autos em 20-12-2023, no âmbito de incidente de contradita, e dele resultou a fundada suspeita de que a Autora prestou falsas declarações no seu depoimento de parte no âmbito destes autos.
Pelo que, ao contrário do que alega a Apelante, está mais do que justificada a falta de credibilidade que o seu depoimento mereceu.
Quanto aos depoimentos que a Apelante convoca verifica-se que o depoimento de parte da legal representante da Ré não contraria, como pretende aquela, a autoria do documento número 2 junto com a contestação e reiterou que desde o início o seu pai (entretanto falecido) transmitiu que dois apartamentos não seriam para vender pela Autora, mas destinados aos sócios.
Também CC, sócio da Ré, não contrariou, antes corroborou o teor dos factos provados, negando que lhe tenham sido dados a assinar quaisquer contratos promessa das frações objeto dos autos.
Já a legal representante da Autora teve um depoimento que foi contrariado por outros meios de prova, como foram os de LL, comprador que sabia que duas das frações eram destinadas aos sócios da Ré. Ora, no âmbito da relação profissional – anterior à celebração dos contratos de mediação em causa -, com a Ré e estando afirmado por vários depoentes que esta pretendia reservar duas frações para os seus sócios, não faria sentido que tal não tivesse sido transmitido à Autora quando o transmitiu a terceiros, como foi o caso desse comprador.
A depoente DD admitiu que os alegados contratos promessa que celebrou com duas compradoras e cuja não outorga imputa à Ré (que, dolosamente, teria adiado a sua subscrição), eram afinal meras minutas que se destinavam a ser alteradas e subscritas também pelos maridos das promitentes compradoras. Se assim era, que sentido faria que as ali identificadas promitentes compradoras tivessem assinado minutas em que apenas contavam os seus nomes e não os dos seus maridos que também iriam ser outorgantes?
O Tribunal a quo assinalou ainda, com oportunidade, que os alegados contratos de promessa de compra e venda referem que as assinaturas deles constantes eram reconhecidas presencialmente e não o foram.
Como bem se analisou na sentença recorrida, é ainda “totalmente inverosímil que a gerente da autora tivesse comunicado aos gerentes da ré que tinha interessados na compra das fracções em discussão nos autos, nomeadamente, no rés-do-chão direito do lote 1, em Maio de 2019, e que estes últimos lhe tivessem dito para aguardar mais algum tempo, porque as coisas podiam aumentar de valor e podiam ter que mexer nos preços. Desde logo, porque nessa ocasião foram celebrados outros contratos-promessa, nomeadamente, os três assinalados no desenho/mapa de preços junto com a petição inicial, a que se reportam os aditamentos de 10-09-2019”.
De facto, o comprador LL (conjuntamente TT) celebrou um contrato promessa de compra em 21 setembro de 2019 e nunca ninguém lhe transmitiu qualquer dúvida ou impasse da Ré quanto à venda, tendo-lhe antes sido transmitido que a procura era grande e que devia decidir o quanto antes. O mesmo pagou de imediato o sinal, no montante de 5 000 €, devido aquando da celebração do contrato promessa e este foi muito inferior ao que a testemunha FF veio a afirmar que a Ré lhe exigia (70 000 €, já que a mesma afirmou que depois de assinar o contrato promessa de compra e venda em que consta o pagamento de um sinal de 60 000 € a Ré queria que a mesma pagasse mais 10 000 €) – cfr. documento número 8 junto com o requerimento de 21-06-2023 com a referência 14735304.
Ora, a legal representante da Autora disse que teve várias propostas para as duas frações em causa, o que transmitiu à Ré, tendo esta comunicado que deveria aguardar, pois ainda iriam decidir se vendiam. Tal não faz qualquer sentido, pois nessa mesma altura e mesmo depois disso a Ré aceitou vender outras frações. Em sede de acareação com as testemunhas FF e com o gerente da Ré a mesma afirmou que este lhe ordenou que não avançasse com a venda daquelas duas frações (apenas essas) por causa do preço dos materiais, o que antes não alegara.
A alegada aceitação pela legal representante da Autora da resposta vaga e da indefinição da Ré quanto a duas frações durante mais de dois anos “ficando à espera que eles lhe dessem ordem” de venda, é absolutamente inverosímil e contrariada pelo depoimento de LL. A legal representante da Autora admitiu expressamente que quando aceitou as duas propostas de compra das frações em causa apenas tinha vendido duas frações, tendo todas as demais, pelas quais foi remunerada, sido vendidas posteriormente.
Também os factos de as alegadas promitentes compradoras não terem pago qualquer sinal para assegurar o direito a adquirir as referidas frações, nem terem estipulado qualquer prazo para que o fizessem e de terem ficado desde 22-05-2019 e 21-09-2020 (segundo as alíneas 15 e 17 dos factos provados), a aguardar a celebração dos contratos prometidos, sem fazer qualquer pagamento e sem reclamar da não celebração das vendas é implausível.
O depoimento de parte da legal representante da Autora foi particularmente desmerecedor de qualquer crédito quando a mesma afirmou que apenas soube da transmissão das duas frações aos sócios da Ré através da notária que lhe sugeriu que as levantasse e levasse com ela. Tratavam-se de dois documentos em que a mesma não tinha tido intervenção pelo que nenhuma razão haveria para que um notário deles desse conhecimento à legal representante da Autora e, menos ainda, para que lhos entregasse. A mesma disse que só soube, por essa via, das vendas em causa, em outubro de 2022, quando foi buscar outra escritura, em que tinha tido intervenção.
Ora as escrituras pelas quais a Ré vendeu duas frações às suas sócias foram celebradas em 22-09-2022 e 28-10-2022, sendo que a Autora alegou que tinha compradoras para tais frações desde maio de 2019 e setembro de 2020, respetivamente.
Tendo em conta que entre maio de 2019 e outubro de 2022 a Autora angariou outros clientes que adquiriram outras frações e que a Ré não mostrou vontade de adiar a decisão de venda, nem protelou a assinatura dos respetivos contratos promessa e sempre lhe pagou a comissão devida - nomeadamente a respeitante a uma fração adquirida por um sócio (além das duas inicialmente reservadas) -, não faz qualquer sentido que a Ré, num quadro de boas relações negociais, estivesse mais de dois anos a adiar dolosamente e com argumentos implausíveis a venda de duas frações apenas porque não pretendia pagar a respetiva comissão e que a Autora disso apenas soubesse por terceira pessoa sem nunca questionar os motivos de adiamento de decisão sobre a venda de duas concretas frações.
EE revelou nunca ter conhecido os sócios da Ré e não explicou a que título assinou um documento em que prometia comprar uma fração sem pagar qualquer sinal e sem saber o estado da obra, que só mais tarde veio a saber que “estava atrasada”, segundo lhe terá dito a legal representante da Autora para explicar o atraso na celebração do contrato definitivo. Pelo que, um ano volvido, desistiu do negócio, ou seja, em setembro de 2021
FF, advogada, disse ter conhecido um dos sócios da Ré, CC, em duas ocasiões (a primeira em obra e outra em reunião no escritório da Autora já depois assinar o contrato promessa), o que o mesmo negou tendo a legal representante da Autora referido que apenas o apresentou àquela testemunha uma vez, no seu escritório. A referida testemunha referiu ter negociado o pagamento de um sinal superior com o legal representante da Ré, quando o contrato promessa por si assinado estipulava outro (de 60 000€) e até declarava que o mesmo já estava pago. Disse que desistiu do negócio um ano e meio depois, ou seja, em finais de 2021, mas ter entendido que estava vinculada pelo contrato promessa feito, apesar de não te pago qualquer sinal. Tal depoimento foi incoerente e contrário ao da legal representante da Autora. Sendo a depoente advogada ficou, ainda, por explicar a subscrição de um documento em que declarou ter pago um sinal que afinal ainda iria negociar depois e em que se fazia constar que quer a sua assinatura quer a da promitente vendedora ali eram reconhecidas presencialmente, apesar de assim não ter sucedido. Cumpre ainda assinalar que dos demais contratos promessa juntos aos autos e que efetivamente foram subscritos pela Ré resulta o pagamento de sinais muito inferiores a 60 000 € no momento da subscrição dos contratos promessa[10].
GG descreveu o seu interesse na compra de uma dessas frações em novembro de 2020 e disse que a legal representante da Autora preencheu proposta nesse sentido e a informou as condições do negócio. Ora, nessa altura as promitentes compradoras já alegadamente tinham assinado os contratos promessa juntos à petição inicial e ainda não teriam, segundo as próprias, desistido de as adquirir. Acresce que a depoente fez uma afirmação que faz duvidar da verdade do seu depoimento: a de que fez uma proposta de aquisição a que a legal representante da Autora respondeu que “a Ré não assinava o contrato”. Ora, segundo esta testemunha, a mesma nunca chegou a assinar qualquer contrato promessa, pelo que não se entende a que título a recusa da Ré seria de “assinar” o contrato promessa e não apenas de vender. Não foi referido por quem quer que fosse que a Ré tenha sequer tido conhecimento de qualquer proposta de aquisição por banda desta testemunha.
HH, trabalhadora da Autora, confirmou o teor da petição inicial e seguiu, no essencial, o depoimento de parte daquela, pelo que à mesma se aplicam as considerações supra expressas sobre a incoerência das afirmações que fez.
AA, construtor, disse que o legal representante da Ré, que andava sempre pela obra, lhe disse que o 1º andar esquerdo do edifício 2 seria para si. Ora, tendo tal testemunha revelado que a legal representante da Autora ia à obra mostrar apartamentos a interessados, caso fosse intenção dos sócios da Ré ocultar à Autora a pretensão de ficarem com dois apartamentos seria de esperar que o não revelassem a alguém com quem a mesma se encontraria amiúde. Afirmou que que não disse à sua advogada no processo de arresto que tinha sido a legal representante da Autora que o informou de que os sócios da Ré iriam ficar com os dois apartamentos alegando que quem lho disse foram os seus empregados, contrariando o que afirmou naqueles autos. Em incidente de contradita, manifestou clara “atrapalhação” na tentativa de explicar a discrepância que lhe foi apontada, apresentando explicações sucessivas, que o Tribunal a quo bem sumariou e apreciou. Pelo que não logrou convencer da verdade do que afirmou em audiência de julgamento – de que não disse à sua advogada que soubera pela legal representante da Autora que os sócios da Ré iriam ficar com dois apartamentos -, desde logo porque tal foi referido expressamente pela sua advogada no requerimento inicial do referido arresto.
Assim, apesar da improcedência do incidente de contradita, foi bem valorado o depoimento da referida testemunha.
II disse ter adquirido uma fração para uma filha e ter manifestado, logo na altura em que fez tal negócio, maio de 2019, interesse em adquirir outra, no rés-do-chão, tendo a legal representante da Autora então comunicado que a mesma já não estava disponível. Ora, nessa data a única promitente compradora - FF - que pretendia um apartamento de rés-do-chão ainda não teria alegadamente assinado o seu contrato promessa de compra e venda. E a aquisição de uma das frações de rés-do-chão por sócias da Ré só ocorreu em 22-09-2022. Pelo que em maio de 2019 haveria, na versão da Autora, pelo menos uma fração de rés-do-chão disponível para venda.
JJ, advogado e genro de um falecido sócio da Ré foi seguro em afirmar que o seu sogro ficava sempre, por regra, com um ou dois apartamentos nos imóveis que construía e revelou isenção ao afirmar que não sabia se tal era ou não do conhecimento da Autora.
KK, filho de um dos sócios da Ré descreveu as reuniões com a Autora que acompanhou e afirmou que apenas começou a haver desentendimentos com a legal representante da Autora quando a mesma pediu o pagamento de quantia alegadamente em dívida.
Deste conjunto de meios de prova indicados pela Apelante não resulta, assim qualquer razão para nos afastarmos da análise feita pelo Tribunal a quo quer quanto a estes quer quanto aos demais meios de prova que analisou criteriosamente de forma que não merece qualquer reparo.
A credibilidade dada aos depoimentos contrários ao que pretende a Autora e a falta de credibilidade encontrada nos que a mesma quer valorar foi devidamente explicada pela coerência/incoerência dos mesmos segundo a lógica e pelo seu cotejo com a prova documental, bastante menos sujeita à volubilidade e incerteza da prova testemunhal.
Os mesmos meios de prova que a Apelante quer ver valorados de modo diverso do constante da sentença foram por ela indicados para a pretensão de ver julgada provada a matéria de facto constante das alíneas a) a f) e i) a m) dos factos não provados.
Ora, pelas razões supra expostas (e pelas melhor constantes da motivação da decisão de facto constante da sentença que acima se concluiu ser fundada e exaustiva), é manifesto que não foi feita prova tendente a convencer que a Autora tenha procurado clientes para as duas frações em discussão por não estar ciente de que seriam destinadas aos sócios da Ré, que o tenha feito em nome desta ou que lhe tenha alguma vez dado conhecimento de potenciais interessados ou da celebração de contratos promessa. Nenhum meio de prova corroborou o envio à Ré dos referidos contratos promessa e a solicitação da sua subscrição – ao contrário do que aconteceu com outros, todos devidamente e atempadamente celebrados pela Ré com imediato ou até adiantado pagamento das comissões devidas.
Pelo que se mantém, na integra, a decisão da matéria de facto.
A Apelante discorda da interpretação feita pelo Tribunal a quo do disposto no artigo 19.º da referida Lei 15/2023 alegando:
“Em face da prova documental referida (facto nº 8) parece não haver dúvidas que não existiu qualquer estipulação entre as partes, quanto à exclusão das duas fracções em causa dos contratos de mediação, pelo menos desde o início. Ainda que, por mera hipótese e sem conceder, durante a execução dos contratos de mediação, a legal representante tivesse tomado conhecimento de que os sócios da ré tinham determinado adquirir uma apartamento cada e de tal representar a exclusão dos mesmos do objecto dos contratos de mediação, sempre importaria saber o momento em que tal aconteceu, por tal ser relevante para se conhecer se a autora já tinha ou não feito as diligências que motivam o seu direito a receber a comissão.
Esse facto não está apurado e a sua alegação e prova competem à ré, por virem em seu benefício – Artº 342º do C. Civil.
Não existem contratos promessa assinados por ambas as partes, apenas porque a ré, através dos seus sócios os não quis assinar, e as vendas não as vendas não se efectuaram apenas por culta da Ré.
Ora, de acordo com a disposto no artº 19º, nº 1, da Lei nº 15/2013, de 8 de Fevereiro, a clausula 5ª de cada um dos contratos de mediação em causa, como consta dos factos provados nºs. 7. 3 e 7.4 prevê expressamente que esse pagamento é devido”.
Salvo o devido respeito, destas afirmações não resulta sequer claro em que medida a interpretação feita pelo Tribunal a quo do preceito em causa foi incorreta e nem em que medida deve ser alterada, antes amalgamando a Recorrente argumentos de facto com a afirmação, conclusiva, de que a cláusula 5ª de cada um dos contratos resulta que lhe era devido o pagamento de comissões pela venda das frações que os sócios da Ré adquiriram por ter angariado compradores para a mesma.
Quanto ao argumento – de facto -, de que cabia à Ré alegar e provar o momento em a Autora teve conhecimento da pretensão dos sócios da Ré de adquirir tais frações, por ser essencial saber-se se, nesse momento, a mesma já tinha feito diligências para angariar compradores paras as mesmas, o mesmo não colhe. Ficou provado, sob a alínea 10) da matéria de facto que ficou acordado entre as partes “desde o início que cada um dos sócios (…) ficaria com uma fração autónoma”.
Daí decorre que a Autora sempre soube dessa pretensão e de que, portanto, não devia diligenciar pela venda de duas das frações a construir, que, contudo, à data da celebração dos contratos de mediação não estavam definidas, como decorre da prova da alínea 8.
Apenas aquando dos aditamentos aos contratos de mediação a que se referem as alíneas 4 e 6 (em 10-07-2019) foram identificadas as frações com representação em planta de ada um dos prédios em que se integravam.
Ou seja, ficou cabalmente provado que aquando da celebração dos contratos de mediação já as partes tinham acordado que duas das doze frações a alinear seriam para sócios da Ré não havendo, assim, qualquer dúvida de que, a terem existido diligências da mesma com vista à sua venda, teriam necessariamente que ter sido feitas após conhecimento pela Autora dessa pretensão da Ré.
Quanto à alegada decorrência da obrigação de pagamento das comissões peticionadas por força do previsto na alínea 5ª de cada um dos contratos de mediação celebrados a 12-01-2018, a mesma em nada se relaciona com a interpretação feita pelo Tribunal a quo do artigo 19º da Lei 15/2013.
Antes dependeria essa conclusão, pretendida pela Apelante, da prova de que a mesma procurou e logrou angariar interessados na compra das frações A do Lote 1 e C do Lote 2 e de que celebrou os contratos promessa com os respetivos compradores, para o que deles teria de ter dado conhecimento à Ré enquanto promitente vendedora. Ora, ficou mesmo provado, sob a alínea 28) que a publicitação das frações foi feita pela Autora para o conjunto das frações construídas, de forma genérica, sem identificação de cada uma em particular.
Como decorre do teor das alíneas 10), 15) e 17) dos factos provados e a) a d) dos não provados apurou-se apenas que as duas outorgantes que figuram como promitentes compradoras dessas frações assinaram dois contratos promessa onde declararam ter pago um sinal que efetivamente não entregaram e que as suas assinaturas e as dos legais representantes da Ré eram naquele ato reconhecidas presencialmente, o que não sucedeu, nem sequer estando os últimos presentes.
A prova de que a Autora sabia que tais frações seriam transmitidas aos sócios da Ré, aliás, não permitiria concluir que tivesse diligenciado pela sua venda a terceiros. Não se provou, além disso e sequer, que a Autora tenha dado conhecimento à Ré de que tinha compradoras para essas frações e de que com elas até já celebrara contrato promessa escrito a que apenas faltava apor a assinatura da promitente vendedora.
Como tal, quanto a essas alegadas promessas de venda, não resulta dos factos provados a verificação da estatuição da cláusula 5ª de cada um dos contratos de mediação, segundo a qual a Autora teria direito a ser remunerada se conseguisse algum interessado através de contrato promessa reduzido a escrito.
A argumentação ensaiada pela Apelante, além de em nada se relacionar com a interpretação feita pelo Tribunal a quo do artigo 19º da Lei 15/2013, não pode proceder em função da não alteração do elenco dos factos provados e não provados.
E em face deles é, ainda, absolutamente indiferente aferir se a Ré contratou a Autora em regime de exclusividade reforçada – como se afirmou na sentença recorrida -, ou não, já que nãos e verificou qualquer dos pressupostos para o surgimento do crédito da Autora: não foram celebrados nem os contratos de compra e venda nem as respetivas promessas e não é de imputar à Autora a não celebração dos mesmos já que a mesma não se opôs à sua celebração, que nem conhecia, e visto que as partes acordaram inicialmente e desde logo que duas das frações autónomas seriam para os sócios da Ré.
Sem embargo, não deixará de se afirmar que é corretíssima a interpretação feita pelo Tribunal a quo do disposto no artigo 19º da Lei 15/2013 de 8 de fevereiro.
Acompanha-se, in totum, a fundamentação da sentença quanto a tal questão de direito, que foi cabalmente tratada de forma lógica e que está sustentada em jurisprudência oportunamente convocada.
É acertada a conclusão a que chegou o Tribunal a quo de que o clausulado dos contratos em apreço permite concluir que as ali outorgantes não pretenderam estipular um regime de exclusividade reforçado[11] pelo qual a própria Ré, enquanto dona das frações, ficaria impedida de as alienar sem a intermediação da Autora.
Menezes Cordeiro[12] defende a propósito, que “A cláusula de exclusividade poderá ainda ser reforçada quando, além de não recorrer a outros intermediários, o comitente se obrigue também a não descobrir, ele próprio, um terceiro interessado. Nada disso se presume: deverá ser clausulado e, havendo dúvidas, provado por quem tenha interesse na situação considerada”.
Higina Orvalho Castelo[13] defende mesmo que, sem prejuízo de as partes poderem manifestar o seu acordo expresso noutro sentido, uma cláusula com teor idêntico ao da redação do artigo 19º, n º4 no já revogado DL 211/2004 - em que se estipule, portanto, que só a empresa de mediação tem o direito de promover o negócio objeto do contrato de mediação -, deve ser interpretada como destinando-se ao afastamento da concorrência, nesta não se podendo ter por abrangida a iniciativa do próprio cliente.
Ora, é o seguinte o teor da referida cláusula de exclusividade constante dos contratos celebrados entre as partes “1 – A segunda outorgante contrata a mediadora, primeira outorgante, em regime de exclusividade durante o período de vigência deste contrato; 2- Nos termos da legislação aplicável, o regime de exclusividade previsto neste contrato não impede no entanto, a partilha dos negócios respeitantes aos imóveis supra identificados na 1ª cláusula com qualquer mediadora (…) desde que tal partilha seja coma concordância da primeira outorgante”. Da redação do número 1 é manifesto que o que pretenderam as partes - e é o que decorre do disposto no número 1 do citado artigo 19º da Lei 15/2013 -, foi afastar a possibilidade de a Ré vender alguma fração por vida de mediação levada a cabo por terceira empresa de mediação (salvo havendo acordo da Autora).
A obrigação de pagamento de comissão por venda angariada pela própria cliente (segundo a definição prevista no número 6 o artigo 2º da mesma lei) não estando legalmente prevista pode ser acordada à luz da liberdade contratual, nos termos do artigo 405.º do Código Civil. Mas nenhuma cláusula do contrato exprime essa vontade. Pelo contrário, do teor da sua cláusula 5ª resulta que a remuneração só é devida à mediadora se a mesma “conseguir interessado que concretize o negócio visado no presente contrato, através de contrato promessa reduzido a escrito”. Pelo que não há qualquer razão para que se interprete o contrato de forma diversa da seguida pelo Tribunal a quo que fez o correto enquadramento legal da questão em apreço não obstante a falta de prova dos factos integradores do crédito reclamado pela Autora.
A Apelante também se insurge quanto a esta decisão por via da impugnação dos factos que a sustentam que, como se viu, não foram alterados.
O Tribunal a quo deu por provado que a Autora sabia que as frações em discussão nos autos se destinavam a dois dos seus sócios não lhe sendo devida qualquer comissão pelas mesmas.
Tal ficou provado sob as alíneas 10 dos factos provados. Desse facto decorre que a Autora sabia, ao propor a ação, que exercia pretensão a que não tinha direito. Não se trata da mera não prova do que a Autora alegou. O Tribunal concluiu que se provaram factos contrários ao por si alegados e que demonstram que a mesma alegou factos falsos ao afirmar que só depois da venda aos sócios gerentes da Ré ficou a saber da mesma e ao negar que nunca tal foi acordado entre a sua legal representante e os legais representantes da Ré.
Assim não está a Autora a ser cominada com sanção apenas porque não procedeu a sua versão dos factos, como alega no recurso, mas porque a mesma tinha consciência de pleitear com base em alegações que sabia serem falsas.
Acompanha-se, in totum, a fundamentação da sentença recorrida, que bem distinguiu as duas situações e que decidiu o incidente em causa com expressa menção dos factos relevantes.
Salientam-se, entre eles, o facto de a Autora ter alegado na petição inicial que acordou com a Ré que esta mediasse a venda de todas as frações a construir, “sem exceção” (artigo 24º) e que só soube da pretensão da Ré em transmitir duas das frações a construir aos seus sócios quando viu as escrituras de venda a tais sócios, ou seja depois de formalizada essa venda.
Provou-se o oposto, ou seja, que a Autora sempre soube dessa pretensão da Ré.
O Tribunal a quo entendeu mesmo estar indiciada a prática de crime pelo facto de a legal representante da Autora ter, nestes autos, vindo alegar que nunca soube dessa intenção da Ré quando antes, em depoimento prestado no processo 2113/22.9T8AVR, em 30-06-2022 afirmara que os sócios gerentes da Ré lhe transmitiram: “não vendes esses apartamentos porque vão ficar para nós”.
Estando a censura dirigida à decisão de condenação como litigante de má-fé assente na pretendida alteração da matéria de facto que a suporta e mantendo-se esta inalterada não há qualquer fundamento para alterar o decidido, sendo infundada a citação de jurisprudência relativa às consequências da mera dedução de pretensão sem fundamento ou da não prova de factos alegados, jurisprudência essa que, aliás, a própria sentença evoca para concluir que não é essa a situação dos autos.
Explicitando: a Autora não foi condenada como litigante de má-fé por não ter provado o teor das alíneas a) a f) ou h) a m). Não relevou a não prova de que tinha acordado expressamente com a Ré a venda das doze frações ou de que conseguiu e apresentou à Ré propostas de compra para tais frações. A decisão pela qual foi condenada é bem clara em afirmar que a censura que mereceu o seu comportamento processual decorre da prova de factos contrários aos que alegou, e que os infirmam, como seja a prova de que sempre soube que a Ré pretendia transmitir a propriedade de duas das frações a construir a dois sócios seus tendo um deles até acedido em trocar essa fração por uma outra já que a Autora lho solicitou por ter comprador interessado para a primeira.
Pelo que em face da manutenção dos factos provados, se deve confirmar também a condenação da Autora como litigante de má-fé.
V – Decisão:
Nestes termos, julga-se improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.
Porto, 10-02-2025.
Ana Olívia Loureiro
Eugénia Cunha
Anabela Mendes Morais
_____________________________
[1] Neste sentido, Luís Filipe Pires de Sousa, em “Prova por presunção no direito civil”, Almedina, 2ª edição, página 187, afirma que: “A validade e eficácia dos pactos contrários ou adicionais ao documento, legalmente ou convencionalmente exigido para a declaração negocial, está regulada nos artigos 221º e 222º do Código Civil. Só após a fixação da validade dos mesmos é que se coloca o problema da respetiva prova poder, ou não, ser feita por testemunhas. Sendo nulo o pacto contrário ou adicional, obviamente que não se coloca a questão da admissibilidade da prova testemunhal para provar aquele.”.
Também Fernando Pereira Rodrigues, em “Os meios de prova em processo civil”, Almedina, 4ª edição, página 171, defende que “se as convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documentos forem nulas, não há sequer que colocar o problema da admissibilidade da prova testemunhal, por nada haver que provar através do seu depoimento”.
[2] Note-se, contudo, que a interpretação deste artigo 220º do Código Civil deve ser conciliada com o disposto no artigo 364.º, número 2 do mesmo Diploma de que decorre que a regra da invalidade por falta de forma legalmente prescrita não se aplica quando “resultar claramente da lei que o documento é exigido apenas para prova da declaração”.
[3] Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-12-2020, disponível em STJ 3815/16.4T8AVR.P1.S1.
[4] O que teria de ter ocorrido no início da audiência de julgamento, nos termos do artigo 3º, número 4 do Código de Processo Civil, visto que não ocorreu audiência prévia e que estava em causa a arguição na contestação, pela Ré, de uma exceção perentória: ao alegar o acordo entre as partes pelo qual a Autora não tinha de mediar a venda das duas frações por que pede o pagamento de comissão a Ré invocou facto impeditivo do direito daquela.
[5] Neste sentido, na doutrina Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Almedina, 7ª edição, página 139 a 141 e Armindo Ribeiro Mendes, “Recursos em Processo Civil”, 1992, págs.140 e 175 e na jurisprudência, entre muitos outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 11-06-2024 no processo STJ 7778/21.6T8ALM.L1.S1 e de 08-10-2020 no processo STJ 4261/12.4T8BRG- A.G1.S1.
[6] Que se transcreve quase integralmente por com ela se concordar in totum e ser clara e exaustiva na apreciação das questões relativas à admissibilidade de prova testemunhal a partir de prova adminicular documental e das consequências da impugnação da autoria de documento particular com base na alegação pelo seu alegado autor de que se desconhece se é sua a letra nele aposta.
[7] Cfr. Maria dos Prazeres Beleza, em anotação ao artigo 374º do Código Civil, Comentário ao Código Civil, UCP Editora, Volume I, 2ª edição, página 1046.
[8] Cfr. “Comentário ao Código Civil”, Volume I, Parte Geral, 2ªe dição UCP, páginas 1084 e 1085.
Em sentido oposto, não admitindo qualquer flexibilização desta regra legal, encontram-se, todavia Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, Volume I, 4ª Edição Revista e Atualizada, Reimpressão, Coimbra Editora, Fevereiro 2011, página 344, anotações 4, 5 e 6.
Também Fernando Pereira Rodrigues, em “Os meios de prova em processo Civil”, Almedina, 4ª edição, páginas 171 a 173, em não refere qualquer exceção à regra que enuncia de que não é permitido provar através de testemunhas qualquer cláusula contrária ou adicional às que o documento autêntico contem.
Na jurisprudência, vejam-se entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 17-12-2020, no processo STJ 3815/16.4T8AVR.P1.S1, de 29-06-2017 disponível em STJ 2977/13.7TBCSC.L1.S1, e desta secção de 20-09-2021, no processo TRP 661/18.4T8PVZ.P1.
Em sentido contrário, veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2-11-2010, no processo STJ 196/06.0TCFUN.L1.S1 em cujo sumário se afirma que “Face ao art. 394.º, n.º 1, do CC, não é possível prova testemunhal em relação a quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documento autêntico ou a documento particular mencionado nos arts. 373.º a 379.º desse Código. A finalidade daquele dispositivo é evitar que a eficácia do contido num documento escrito possa ser posto em causa através de um meio de prova mais aleatório e inseguro, como é a prova testemunhal”.
[9] Em estudo intitulado Provas (Direito Probatório Material), publicado no Boletim do Ministério da Justiça, n º 143, de 1962, a páginas 572 e 573.
[10] Como resulta dos documentos juntos pela Ré a 23 de junho de 2023, foram celebrados entre a Ré e os promitentes compradores dez contratos promessa de compra e venda que, quando aos sinais estipularam os seguintes valores, todos inferiores a 60 000 €: 50 000 € em contrato promessa de 11 de novembro de 2020; 45 000 € no contrato celebrado em 22 de maio de 2019; 30 000 € num contrato promessa de 16 de abril de 2021 e o mesmo valor noutro datado de 26 de setembro de 2020; 18 000 € em promessa de 23-05-2020; 15 000 € em contrato assinado em 10-10-2020; 10 000 € noutro de 10-02-2021; 7 500 € em promessa subscrita em 04-10-2019 €; e 5 000 € no celebrado com a testemunha LL e noutro outorgado em 29-05-2019.
[11] Acompanha-se a distinção proposta por Maria de Fátima Ribeiro, em “O contrato de mediação e o direito do mediador à remuneração”, disponível em https://www.revistadedireitocomercial.com, páginas 249 a 250. Segundo tal autora, por via da exclusividade simples, “o comitente não poderá celebrar com outro mediador um contrato que tenha por objeto o mesmo negócio”. Já se for estipulada a exclusividade reforçada, prevê-se que também que o comitente também não poderá procurar um terceiro interessado no negócio. Salienta esta Autora, seguindo o entendimento de Menezes Cordeiro que “o ónus de provar que foi convencionada a exclusividade e/ou que a exclusividade convencionada é reforçada impende sobre o mediador, que será aquele que nisso tem interesse.
[12] Revista “O Direito”, número 139, Almedina 2007, página 549.
[13] “O Contrato de mediação”, Almedina, página 428