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SEGUNDA PERÍCIA
Sumário
Tendo em atenção a demora processual e os custos acarretados por uma segunda perícia, a consagração da possibilidade da sua realização destina-se à dissipação de dúvidas concretas e sérias emergentes da primeira perícia relativamente a matéria relevante para o conhecimento do mérito da causa, visando alcançar um resultado distinto.
Texto Integral
Proc. 1256/07.3TBMCN-D.P1
Sumário
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Relatora: Teresa Maria Fonseca
1.ª adjunta: Maria Fernanda Almeida
2.º adjunto: António Mendes Coelho
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I - Relatório
AA e “A..., Lda.” instauraram ação com processo ordinário contra “B..., Lda.”, BB e CC.
Pediram a condenação solidária dos RR. na realização e entrega de trabalhos, na eliminação de defeitos de construção civil e no pagamento de indemnização a liquidar, referente a juros moratórios legais sobre € 745.917,34, desde 31-12-2001 até ao cumprimento do peticionado e no pagamento à 2.ª A. de indemnização a liquidar calculada com base na rentabilidade esperada da exploração turística do A..., desde 30-5-1998 até à realização e entrega dos trabalhos e eliminação dos defeitos.
Em ampliação de pedido, pediram que os RR. fossem condenados a indemnizá-los na importância mínima de € 73 303,76, acrescida de juros moratórios, à taxa legal, contados desde 1-8-2002, pagamento referente a IVA.
Na parte de que ora interessa cuidar, a R. “B..., Lda.” foi condenada por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça a pagar aos AA. indemnização a liquidar, calculada na base da rentabilidade esperada da exploração turística do A... desde 2003 até ao integral cumprimento da condenação na eliminação dos defeitos correspondentes aos pontos 22 e 23 dos factos provados.
Foi deduzido pedido de liquidação da indemnização, tendo tido lugar a realização de perícia colegial.
A requerida pediu esclarecimentos, conforme em seguida, para melhor esclarecimento, se reproduz: 1. De acordo com a sentença a liquidar, nesta parte confirmada pelo Acórdão da Relação do Porto, foi a Requerida condenada a “pagar aos AA. da indemnização a liquidar, calculada na base da rentabilidade esperada da exploração turística do A..., desde 2003 até ao integral cumprimento da precedente al. b)”? 2. Para proceder a esse cálculo, não será mais adequado utilizar o Ebitda (Earns Before Interest, Taxes, Depreciation and Amortization) ou, traduzindo, Resultado Antes de Depreciações, Gastos de Financiamento e Impostos, do que o EBT (Earns Before Taxes) ou, traduzindo, Resultado Antes de Impostos? 3. Se sim, se a pergunta formulada pelos Requerentes sob o nº 1, fizesse antes referência ao Resultado Antes de Depreciações, Gastos de Financiamento e Impostos, no ano de 2003, a resposta não seria antes de 42.796,00 € (de acordo com o quadro constante de p. 9 do doc. nº 1 junto ao Relatório Pericial)? 4. E, se a pergunta formulada pelos Requerentes sob o nº 2, fizesse antes referência ao Resultado Antes de Depreciações, Gastos de Financiamento e Impostos, no ano de 2004, a resposta não seria antes de 41.975,29 € (de acordo com o quadro constante de p. 9 do doc. nº 1 junto ao Relatório Pericial)? 5. E, se a pergunta formulada pelos Requerentes sob o nº 3, fizesse antes referência ao Resultado Antes de Depreciações, Gastos de Financiamento e Impostos, no ano de 2005, a resposta não seria antes de 42.387,41 € (de acordo com o quadro constante de p. 8 do doc. nº 1 junto ao Relatório Pericial)? 6. E, se a pergunta formulada pelos Requerentes sob o nº 4, fizesse antes referência ao Resultado Antes de Depreciações, Gastos de Financiamento e Impostos, no ano de 2006, a resposta não seria antes de 40.315,37 € (de acordo com o quadro constante de p. 8 do doc. nº 1 junto ao Relatório Pericial)? 7. E, se a pergunta formulada pelos Requerentes sob o nº 5, fizesse antes referência ao Resultado Antes de Depreciações, Gastos de Financiamento e Impostos, no ano de 2007, a resposta não seria antes de 43.669,22 € (de acordo com o quadro constante de p. 7 do doc. nº 1 junto ao Relatório Pericial)? 8. E, se a pergunta formulada pelos Requerentes sob o nº 6, fizesse antes referência ao Resultado Antes de Depreciações, Gastos de Financiamento e Impostos, no ano de 2008, a resposta não seria antes de 39.375,03 € (de acordo com o quadro constante de p. 7 do doc. nº 1 junto ao Relatório Pericial)? 9. E, se a pergunta formulada pelos Requerentes sob o nº 7, fizesse antes referência ao Resultado Antes de Depreciações, Gastos de Financiamento e Impostos, no ano de 2009, a resposta não seria antes de 31.610,43 € (de acordo com o quadro constante de p. 6 do doc. nº 1 junto ao Relatório Pericial)? 10. E, se a pergunta formulada pelos Requerentes sob o nº 8, fizesse antes referência ao Resultado Antes de Depreciações, Gastos de Financiamento e Impostos, no ano de 2010, a resposta não seria antes de 37.810,86 € (de acordo com o quadro constante de p. 6 do doc. nº 1 junto ao Relatório Pericial)? 11. E, se a pergunta formulada pelos Requerentes sob o nº 9, fizesse antes referência ao Resultado Antes de Depreciações, Gastos de Financiamento e Impostos, no ano de 2011, a resposta não seria antes de 46.121,11 € (de acordo com o quadro constante de p. 5 do doc. nº 1 junto ao Relatório Pericial)? 12. E, se a pergunta formulada pelos Requerentes sob o nº 10, fizesse antes referência ao Resultado Antes de Depreciações, Gastos de Financiamento e Impostos, no ano de 2012, a resposta não seria antes de 43.586,41 € (de acordo com o quadro constante de p. 5 do doc. nº 1 junto ao Relatório Pericial)? 13. E, se a pergunta formulada pelos Requerentes sob o nº 11, fizesse antes referência ao Resultado Antes de Depreciações, Gastos de Financiamento e Impostos, no ano de 2013, a resposta não seria antes de 989,33 € (de acordo com o quadro constante de p. 4 do doc. nº 1 junto ao Relatório Pericial)? 14. E, se a pergunta formulada pelos Requerentes sob o nº 12, fizesse antes referência ao Resultado Antes de Depreciações, Gastos de Financiamento e Impostos, no ano de 2014, a resposta não seria antes de 989,33 € (de acordo com o quadro constante de p. 4 do doc. nº 1 junto ao Relatório Pericial)? 15. E, se a pergunta formulada pelos Requerentes sob o nº 13, fizesse antes referência ao Resultado Antes de Depreciações, Gastos de Financiamento e Impostos, no ano de 2015, a resposta não seria antes de 56.047,27 € (de acordo com o quadro constante de p. 3 do doc. nº 1 junto ao Relatório Pericial)? 16. E, se a pergunta formulada pelos Requerentes sob o nº 14, fizesse antes referência ao Resultado Antes de Depreciações, Gastos de Financiamento e Impostos, no ano de 2016, a resposta não seria antes de 57.433,48 € (de acordo com o quadro constante de p. 3 do doc. nº 1 junto Relatório Pericial)? 17. E, se a pergunta formulada pelos Requerentes sob o nº 15, fizesse antes referência ao Resultado Antes de Depreciações, Gastos de Financiamento e Impostos, no ano de 2017, a resposta não seria antes de 68.339,80 € (de acordo com o quadro constante de p. 2 do doc. nº 1 junto ao Relatório Pericial)? 18. E, se a pergunta formulada pelos Requerentes sob o nº 16, fizesse antes referência ao Resultado Antes de Depreciações, Gastos de Financiamento e Impostos, no ano de 2018, a resposta não seria antes de 58.205,23 € (de acordo com o quadro constante de p. 2 do doc. nº 1 junto ao Relatório Pericial)? 19. E, se a pergunta formulada pelos Requerentes sob o nº 17, fizesse antes referência ao Resultado Antes de Depreciações, Gastos de Financiamento e Impostos, no ano de 2019, a resposta não seria antes de 69.764,50 € (de acordo com o quadro constante de p. 1 do doc. nº 1 junto ao Relatório Pericial)? 20. E, se a pergunta formulada pelos Requerentes sob o nº 18, fizesse antes referência ao Resultado Antes de Depreciações, Gastos de Financiamento e Impostos, no ano de 2020, a resposta não seria antes de 26.452,09 € (de acordo com o quadro constante de p. 1 do doc. nº 1 junto ao Relatório Pericial)? 21. E, finalmente e em consequência, se as perguntas formuladas pelos Requerentes sob os nºs 1 a 19, fizessem antes referência ao Resultado Antes de Depreciações, Gastos de Financiamento e Impostos, a resposta não seria antes de 747.853,69 € (de acordo com o quadro constante de p. 10 do doc. nº 1 junto ao Relatório Pericial)?
Prestados esclarecimentos pelos senhores peritos, os requerentes vieram peticionar como segue: Notificada dos esclarecimentos prestados ao Relatório Pericial apresentado, vem requerer a realização de segunda perícia, nos termos do art.º 487º do CPC e uma vez que não pode concordar com os resultados da perícia efetuada, mormente quanto aos esclarecimentos agora prestados, pelos seguintes fundamentos: 1. Os Senhores Peritos não têm que - nem devem - interpretar a sentença. Isso é matéria do julgador. Aos Senhores Peritos cabe responder aos quesitos que lhes foram formulados e, em sede de esclarecimentos, prestar aqueles que lhes forem solicitados, no âmbito da matéria da perícia. 2. Não devem os Senhores Peritos, designadamente, proceder à subsunção dos factos já apurados no processo ou que que eles próprios apurem à sentença ou às questões jurídicas que por ela tenham sido decididas ou que nela ou na causa estejam envolvidas. 3. Assim, a resposta ao quesito 1º do pedido de esclarecimentos formulado pela Ré, não poderia ser outra do que não cabe aos Senhores Peritos a interpretação da sentença. 4. Como, manifestamente, a resposta ao quesito 2º do pedido de esclarecimentos formulado pela Ré não poderia ser outra do que não cabe aos Senhores Peritos ajuizar o que foi ou não provado nos autos. 5. Como, manifestamente, a resposta ao quesito 3º do pedido de esclarecimentos formulado pela Ré não poderia ser outra do que não cabe aos Senhores Peritos ajuizar o que foi ou não provado nos autos e, muito menos, subsumi-lo à sentença proferida. 6. Como, manifestamente, a resposta ao quesito 4º do pedido de esclarecimentos formulado pela Ré não poderia ser outra do que não cabe aos Senhores Peritos ajuizar o que foi ou não considerado na fundamentação da sentença e, muito menos, substituir-se ao julgador, deturpando, completando ou explicitando o expressamente julgado. 7. Como, manifestamente, a resposta ao quesito 5º do pedido de esclarecimentos formulado pela Ré não poderia ser outra do que não cabe aos Senhores Peritos considerar o que não foi considerado provado na sentença nem, muito menos, substituir-se ao julgador, deturpando, completando ou explicitando o expressamente julgado. 8. Por outro lado, foram os Senhores Peritos que, no seu Relatório Pericial, apresentaram como alternativas técnicas para o cumprimento do julgado o Ebitda ou o EBT, conceitos eminentemente de índole económica e contabilística. 9. Sendo certo que o juízo sobre se, para se alcançar o que foi expressamente julgado, deve utilizar-se um ou o outro desses conceitos é um juízo eminentemente técnico, naturalmente, sujeito à livre valoração do julgador. 10. E sendo certo que, não obstante terem os Requerentes na petição inicial desenvolvido os seus cálculos na base do EBT, nos termos do art.º 5.º do CPC, na sentença, para além dos factos articulados pelas partes, devem ser considerados os factos instrumentais que resultem da discussão da causa e os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar. 11. O que é, manifestamente, o caso de ser considerado, técnica e pericialmente, mais adequado aos cálculos a efetuar para liquidação do julgado o EBITDA, em lugar do EBT. 12. A verdade é que, como escreveu a Senhora Perita indicada pelos Autores, o EBITDA é o conceito mais adequado a proceder a esse cálculo. 13. Pelo que está errada a resposta ao pedido de esclarecimentos dos Senhores Peritos indicados pelo Tribunal e pela Ré ao quesito 2º do pedido de esclarecimentos dos Requerentes. 14. Pois, se o que se pretende apurar é uma indemnização calculada na base da rentabilidade esperada da exploração turística do A..., essa rentabilidade depende apenas das receitas previsíveis, deduzida dos custos variáveis e previsíveis diretamente afetos a essa exploração, ou seja o EBITDA. 15. Nada dependendo essa rentabilidade – que é uma componente da contabilidade global da Requerente empresa - da amortização ou depreciação de equipamentos e nem com os juros de financiamentos eventualmente obtidos – que são outros componentes, daquela absolutamente autónomos, da contabilidade global da empresa. 16. A segunda perícia deve ser colegial, como o foi, a primeira, e ter como objeto o desta, acrescido dos pedidos de esclarecimentos no seu âmbito efetuados e prestados, nos termos dos arts. 487º, nº 3 e 488º do CPC. (…)
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Sobre este requerimento, recaiu o seguinte despacho: Nos termos do n.º 1 do artigo 487.º do Código de Processo Civil, “qualquer das partes pode requerer que se proceda a segunda perícia, no prazo de 10 dias a contar do conhecimento do resultado da primeira, alegando fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado”. Referindo o nº 2 que: “O tribunal pode ordenar oficiosamente e a todo o tempo a realização de segunda perícia, desde que a julgue necessária ao apuramento da verdade”. Esclarece o nº 3 que “A segunda perícia tem por objeto a averiguação dos mesmos factos sobre que incidiu a primeira e destina-se a corrigir a eventual inexatidão dos resultados desta”. Caso se peça a segunda perícia, mas o vício apontado é solucionável através da «reclamação contra o relatório pericial», prevista no artigo 587° do Código de processo Civil, nos casos de deficiência, obscuridade ou contradição no relatório pericial, então entendemos que não há lugar a ela. Tal fundamentação não é adequada a justificar a segunda perícia, devendo ser indeferida, pois, neste caso, o meio processual próprio para obter o resultado pretendido é a reclamação. Dada a natureza da matéria, o juiz só deverá considerar a fundamentação insuficiente quando mostrar, sem margem para dúvidas, que o pedido não se justifica. No caso em apreço, os Requerentes não alegam razões fundadas da sua discordância relativamente ao relatório pericial, que não é sequer objeto de qualquer discordância, mas apenas quanto aos esclarecimentos apresentados pelos peritos, sendo que, quanto a estes, verifica-se, pela sua leitura, que os mesmos não interpretaram a sentença, nem procederam à subsunção dos factos apurados no processo, tendo-se limitado a responder aos esclarecimentos que lhe foram colocados pela Requerida, tendo em conta os cenários que esta apresentou, limitando-se a reformular os seus cálculos “de acordo com o cenário apresentado pela Ré”. No que se refere à escolha da técnica de cálculo utilizada pelos Senhores Peritos, o EBITDA ou EBT, a sua escolha está perfeitamente justificada pelos senhores peritos, assim, como as razões da discordância quanto à técnica utilizada no relatório, expressada pela perita indicada pelos Requerentes, estando os cálculos efetuados com base em cada um dos referidos critérios e justificada por cada um dos três peritos a razão da escolha de cada um deles, pelo que, caso os Requerentes tenham alguma dúvida sobre tal matéria, que não invocam no requerimento que antecede, sempre poderão requerer que os peritos prestem esclarecimentos em Tribunal. Atento supra exposto, indefere-se a requerida realização da segunda perícia.
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Inconformados, os requerentes da liquidação interpuseram o presente recurso, que concluíram da forma que em seguida se reproduz.
1. Não sofre dúvidas que a perícia é um meio de prova.
2. O que vale para a primeira perícia vale para a segunda, tanto que esta, nos termos do artigo 487.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, “tem por objeto a averiguação dos mesmos factos sobre que incidiu a primeira e destina-se a corrigir a eventual inexatidão dos resultados desta”, e, nos termos do art.º 489.º, n.º 1, do CPC, “a segunda perícia não invalida a primeira, sendo uma e outra livremente apreciadas pelo tribunal”
3. A decisão recorrida, assim, indeferiu um meio de prova requerido, pelo que é suscetível de apelação autónoma, nos termos do art.º 644º, nº 2, al. d), do CPC.
4. A Senhora Juiz a quo indeferiu o requerimento de realização de segunda perícia por entender que o relatório pericial não é objeto de discordância, apenas o sendo os esclarecimentos apresentados pelos peritos, sendo que, quantos a estes, verifica-se, pela sua leitura, que os mesmos não interpretaram a sentença, nem procederam à subsunção dos factos apurados no processo, tendo-se limitado a responder aos esclarecimentos que lhe foram colocados pela Requerida, tendo em conta os cenários que esta apresentou, limitando-se a reformular os seus cálculos “de acordo com o cenário apresentado pela Ré”.
5. Referindo ainda que no que diz respeito à escolha da técnica de cálculo utilizada pelos Senhores Peritos, o EBITDA ou EBT, a sua escolha está perfeitamente justificada pelos senhores peritos, assim, como as razões da discordância quanto à técnica utilizada no relatório, expressada pela perita indicada pelos aqui Apelantes, estando os cálculos efetuados com base em cada um dos referidos critérios e justificada por cada um dos três peritos a razão da escolha de cada um deles, pelo que, caso os Apelantes tenham alguma dúvida sobre tal matéria, que não invocam no requerimento que antecede, sempre poderão requerer que os peritos prestem esclarecimentos em Tribunal.
6. Nos termos do art.º 485º, nº 2, do CPC, “se as partes entenderem que há qualquer deficiência, obscuridade ou contradição no relatório pericial, ou que as conclusões não se mostram devidamente fundamentadas, podem formular as suas reclamações”, e, nos termos do art.º 485º, nº 3, do CPC, “se as reclamações forem atendidas, o juiz ordena que o perito complete, esclareça ou fundamente, por escrito o relatório apresentado”.
7. Daqui decorre necessariamente que o relatório pericial é só um, dele fazendo parte o original e os esclarecimentos prestados que dele ficam a fazer parte integrante, pelo que é irrelevante – ao contrário do que parece entender a Meritíssima Juíza a quo - que a discordância dos aqui Apelantes se refira ao relatório original ou aos “esclarecimentos apresentados pelo peritos”.
8. Rege sobre a matéria da segunda perícia o art.º 487º, nº 1, do CPC.
9. Segundo doutrina e jurisprudência uniforme: a exigência de fundamentação das razões de discordância tem por objetivo evitar segundas perícias dilatórias, exigindo-se à parte que concretize os pontos de facto que não foram suficientemente esclarecidos na primeira perícia, enunciando as razões por que entende que o resultado da perícia deveria ser diferente; a expressão “fundadamente” significa que as razões da discordância têm de ser claramente explicitadas, não bastando a apresentação de um simples requerimento de segunda perícia; a parte tem de indicar os pontos de discordância (as inexatidões a corrigir) e justificar a possibilidade de uma distinta apreciação técnica; não cabe ao tribunal aprofundar o bem ou mal fundado da argumentação apresentada, sendo que só a total ausência de fundamentação constitui razão para indeferimento do requerimento para a realização da segunda perícia.
10. No caso, os aqui Apelantes não apresentaram um simples requerimento de segunda perícia.
11. No caso, a Senhora Juiz em nenhum momento da decisão indica entender que o requerimento de segunda perícia apresentado seja impertinente ou dilatório.
12. Os aqui Apelantes, cumprindo os requisitos ditados pela Jurisprudência e Doutrina enunciada nas alegações, enunciaram e fundamentaram os pontos de discordância com o Relatório Pericial realizado pelos Senhores Peritos.
13. O primeiro ponto de discordância enunciado pelos Apelante refere-se ao facto de os Senhores Peritos não terem, nem deverem, interpretar a sentença, assim como, não deverem proceder à subsunção dos factos já apurados no processo ou que eles próprios apurem à sentença ou às questões jurídicas que por ela tenham sido decididas.
14. O que manifestamente fizeram quanto às respostas aos quesitos 1º, 2º, 3º, 4º e 5º da reclamação dos Apelados.
15. Acresce outro ponto de discordância fundamentado e enunciado no Requerimento de pedido de segunda perícia relacionou-se com o facto de os Senhores Peritos, no seu Relatório Pericial, apresentaram como alternativas técnicas para o cumprimento do julgado o EBITDA ou o EBT, conceitos eminentemente de índole económica e contabilística.
16. O que foi uma razão de discordância técnica absolutamente explicitada, não cabendo à Senhora Juiz ajuizar do bem ou mal fundado dessa razão.
17. Por fim, enunciam os Apelantes que a segunda perícia deve ser colegial, como o foi, a primeira, e ter como objeto o desta, acrescido dos pedidos de esclarecimentos no seu âmbito efetuados e prestados, nos termos dos arts. 487º, nº 3 e 488º do CPC.
18. Ou seja, cumpriram-se escrupulosamente, todos e cada um dos requisitos legais para o requerimento de uma segunda perícia, tal como entendidos pela generalidade da doutrina e da jurisprudência.
19. Pelo que não assistiu razão à Meritíssima Juiz a quo para decidir como decidiu.
20. Tendo violado o art.º 487º, nº 1, do CPC.
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II - Questão a dirimir:
- se o Tribunal a quo incorreu em erro de direito ao indeferir a segunda perícia.
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III - Fundamentação de facto
Os factos a tomar em consideração são os enunciados no relatório.
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IV - Fundamentação jurídica
A discordância veiculada pelos requerentes da liquidação relativamente ao relatório pericial reporta-se às respostas dadas aos esclarecimentos solicitados pelos requeridos àquele relatório. É neste contexto que pedem a realização de segunda perícia, no que não foram atendidos pelo tribunal de 1.ª instância.
Vejamos se em face do enquadramento legal da produção de prova, em especial da prova pericial, deveria ter sido dado acolhimento à pretensão dos ora apelantes.
O direito à prova encontra-se consagrado constitucionalmente no art.º 20.º da Constituição da República Portuguesa como componente do direito geral à proteção jurídica e de acesso aos tribunais.
A prova é a atividade destinada à formação da convicção do tribunal sobre a realidade dos factos controvertidos (art.º 341.º do C.C., que atribui às provas a função de demonstração de realidade dos factos).
Prevê o art.º 388.º do C.C. que a prova pericial tem por fim a perceção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objeto de inspeção judicial.
O resultado da perícia é expresso em relatório, no qual o perito se pronuncia fundamentadamente sobre o respetivo objeto (art.º 484.º do C.P.C.).
Se as partes entenderem que há qualquer deficiência, obscuridade ou contradição no relatório pericial, ou que as conclusões não se mostram devidamente fundamentadas, podem formular as suas reclamações (art.º 485.º/2 do C.P.C.).
Se as reclamações forem atendidas, o juiz ordena que o perito complete, esclareça ou fundamente, por escrito, o relatório apresentado (art.º 485.º/3 do C.P.C.).
O juiz pode, mesmo na falta de reclamações, determinar oficiosamente a prestação dos esclarecimentos ou aditamentos previstos nos números anteriores (art.º 485.º/4 do C.P.C.).
Qualquer das partes pode, também, requerer que se proceda a segunda perícia, no prazo de 10 dias, a contar do conhecimento do resultado da primeira, alegando fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado (art.º 487.º/1 do CPC).
A segunda perícia tem por objeto a averiguação dos mesmos factos sobre que incidiu a primeira e destina-se a corrigir a eventual inexatidão dos resultados desta (art.º 487.º/3 do C.P.C.).
A consagração da possibilidade de realização de segunda perícia pressupõe a necessidade de dissipação de dúvidas concretas e sérias porventura emergentes da primeira perícia relativamente a matéria relevante para o conhecimento do mérito da causa. Com a segunda perícia visa-se possibilitar o alcançar de um resultado distinto do logrado com a primeira (cf. ac. da Relação do Porto de 17-4-2023, proc. 12333/20.5T8PRT-B.P1, Eugénia Cunha).
O princípio da proibição da prática de atos inúteis (art.º 130.º do C.P.C.) inviabiliza, porém, que a segunda perícia ocorra por motivo despiciendo, insignificante ou pouco relevante. Não basta que o requerente da segunda perícia qualifique a sua postura como de importante discordância. É preciso que, analisado o objeto do litígio, os quesitos formulados e as respetivas respostas, se crie a convicção de que a realização de uma segunda perícia - com a demora processual e os custos que esta sempre acarreta - assumirão relevo para a decisão. A discordância poderá gerar-se, seja por via do relatório tal como este se apresentou inicialmente, seja após os esclarecimentos dos peritos que tenham sido pedidos e concedidos, conforme ocorre na situação vertente.
Revertendo ao caso concreto, entende-se que o pedido de realização de segunda perícia pelos requerentes da liquidação não se subordina aos sobreditos desideratos.
A primeira questão suscitada prende-se com os esclarecimentos pedidos aos peritos no pressuposto de que deveriam ponderar matéria de facto constante do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que definitivamente decidiu a causa, remetendo para liquidação a fixação de indemnização, liquidação essa ora em apreço.
Foi, assinaladamente, pedido que os peritos esclarecessem qual o volume de negócios na altura de festas de casamento e nas passagens de ano. O perito do tribunal e o perito da R. juntaram mapa previsional.
O perito dos requerentes da liquidação declarou discordar do cenário apresentado, dizendo que o cenário para o apuramento do volume de negócio é o indicado no relatório.
Quanto ao segundo pedido de esclarecimentos, reporta-se aos cálculos apresentados no relatório considerando o volume de negócios do salão de festas.
Aduzem os requeridos que, tomando em consideração o ponto 21 dos factos provados, os peritos deveriam reformular os seus cálculos, considerando apenas o volume de negócios referente aos quartos do solar.
O perito do tribunal e o perito da R. afirmaram que sem prejuízo do apuramento efetuado no relatório pericial que antecedeu, de acordo com o cenário indicado pelos requeridos, juntam mapa previsional. Mais juntaram mapa previsional para um cenário de ocupação de oito quartos.
O perito dos requerentes pronunciou-se nos mesmos moldes em que o havia feito quanto ao pedido de esclarecimento anterior.
Os requeridos pediram esclarecimento sobre se os valores apurados têm como pressuposto a total inviabilidade na exploração turística ou apenas a sua afetação. Os peritos responderam unanimemente que os valores tiveram como pressuposto a total inviabilidade da exploração.
Seguiram-se, ainda, vários pedidos de esclarecimento colocando a questão de saber se as respostas corresponderiam a outros valores - que foram indicados - caso fosse usado o método de cálculo denominado Resultado Antes da Depreciação, Gastos de Financiamento e Imposto. As respostas dos peritos foram unânimes.
Tudo visto, surpreende-se que dos pontos 1.º a 7.º do requerimento de realização de uma segunda perícia mais não se extrai do que uma crítica aos peritos no sentido de que estes interpretam a decisão da qual emerge o direito dos requerentes à liquidação. Segundo os apelantes, tal interpretação estar-lhes-ia vedada.
Não se pode anuir a tal ponto de vista.
À semelhança do que acontece com a norma jurídica e com as declarações negociais, toda a comunicação, não constituindo obviamente exceção os textos escritos, carece de interpretação.
A hermenêutica negocial (a atividade destinada a fixar o sentido e alcance decisivo dos negócios jurídicos, segundo as respetivas declarações negociais integradoras) é presidida pelo teoria da impressão do destinatário, estabelecida no art.º 236.º/1 do C.C., segundo a qual a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.
A interpretação dos negócios jurídicos deve ser assumida como uma tarefa científica, tendente a determinar o regime aplicável aos problemas que se ponham no seu âmbito (in António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, II, Parte Geral, 4.ª ed., Almedina, p. 685).
Os peritos, naturalmente, inclusivamente para compreenderem a matéria em causa e aquilo que lhes é pedido, hão de interpretar a sentença, tal como interpretam o objeto da prova pericial e os pedidos de esclarecimento porventura formulado. Tal imprescindível atividade de compreensão não se confunde com extrair indevidas conclusões ou tomar partido.
Verifica-se, em todo o caso, que nada há de inapropriado no teor dos esclarecimentos prestados. Os peritos cingem-se a tomar em consideração a factualidade invocada, levando em linha de conta os vários cenários prefigurados.
Mas mesmo que os requerentes entendam diversamente, a censura por si dirigida ao estilo adotado no relatório pericial em nada concita a realização de uma segunda perícia. É que o suposto sentido interpretativo em nada condiciona a decisão acerca da matéria de facto a tomar na sentença de liquidação que venha a ser proferida. Trata-se, por isso, de reparo irrelevante para o desenlace da ação. Consentir na realização de uma segunda perícia com este fundamento consistiria na aceitação da prática de um ato inútil, o que, como sabemos e já referimos, é vedado por lei (art.º 130.º do C.P.C.).
Quanto à segunda linha argumentativa dos recorrentes (cf. os pontos 8.º a 15.º do requerimento de realização de segunda perícia), consiste esta em pugnar pela maior valia de um método de cálculo da indemnização relativamente a outro. Atente-se em que no relatório foi dada prevalência a um método e que, na sequência do pedido de esclarecimentos sobre se o método usado fosse outro os resultados seriam diversos, se respondeu da forma assinalada. Os peritos responderam aos esclarecimentos, sem que, porém, tenham deixado de consignar qual o método que têm como mais adequado e o porquê dessa opção.
O tribunal dispõe, assim, dos resultados em função de dois métodos diferentes, o EBITDA, sigla de “Earnings Before Interest, Taxes, Depreciation and Amortization”, traduzido para português por “resultados antes de juros, impostos, depreciações e amortizações” e o EBT, sigla de “Earnings Before Taxes”, traduzido por “resultados antes de impostos” e segundo vários cenários. Incumbe-lhe, naturalmente, de acordo com os pressupostos jurídicos que vier a ter como relevantes, a tomada em consideração dos métodos e elementos que reputar servirem solução jurídica da causa.
Uma outra vez, a realização de segunda perícia em nada iria concorrer para que o resultado da ação pudesse ser diferente, pois, ao menos em face dos elementos carreados para os autos, já se mostram reunidas as respostas possíveis em função dos assinalados métodos.
Os apelantes não densificaram, pois, com fundamentos sérios, as razões da sua crítica, que, como se viu, não chega a assumir o relevo de discordância.
O recurso está, por conseguinte, votado ao insucesso.
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V - Dispositivo
Nos termos sobreditos, acorda-se em julgar o recurso totalmente improcedente, mantendo-se a decisão que rejeitou a realização de segunda perícia.
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Custas pelos apelantes por terem decaído na sua pretensão (art.º 527.º/1/2 do C.P.C.).