DOCUMENTO PARTICULAR
VALOR PROBATÓRIO
DECLARAÇÃO CONFESSÓRIA
LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ
Sumário

I - Não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objeto da impugnação não for suscetível de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual.
II - O tribunal de 1ª instância é livre de dar credibilidade a determinados depoimentos em detrimento de outros, desde que na explicitação do iter formativo da sua convicção evidencie de forma coerente e convincente a adoção de uma das teses em confronto, mormente estribando-se na coerência e consistência dos elementos probatórios que a sustentam.
III - Estando em causa um documento particular simples que se mostra assinado pela declarante, e cuja letra e assinatura foram por esta reconhecidas, são as mesmas tidas como verdadeiras, nos termos do n.º 1 do artigo 374.º do Código Civil.
IV - Assim, estabelecida a autoria do documento, o seu valor probatório é o que resulta do disposto no artigo 376.º do Código Civil, isto é, nos termos do seu nº 1, “faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor”, encontrando-se deste modo plenamente provado que a autora declarou quanto dele consta.
V - No que respeita à realidade dos factos nele afirmados ou, na expressão legal, dos “factos compreendidos na declaração”, vale a regra do n.º 2 do mesmo normativo, considerando-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante.
VI - Para que essa regra opere torna-se mister que os factos declarados sejam desfavoráveis ao declarante já no momento em que o escrito é produzido, sendo que essa desfavorabilidade tem de resultar, per se, da própria declaração.
VII - Essa declaração para assumir natureza confessória deve ser inequívoca, isto é, claramente desfavorável ao declarante.
VIII - Apenas na presença de má-fé (subjetiva), isto é, da consciência de que lhe não assiste razão, ou quando – face às dificuldades em apurar a verdadeira intenção do litigante – tal consciência apenas se ausente por inobservância das mais elementares regras de prudência, o comportamento processual da parte será reconduzido ao ilícito típico do artigo 542º, nº 2 do Código de Processo Civil, sendo sancionado como litigância de má-fé.

Texto Integral

Processo nº 4586/21.8T8VNG.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Vila Nova de Gaia – Juízo Local Cível, Juiz 5

Relator: Miguel Baldaia Morais

1ª Adjunta Desª. Teresa Sena Fonseca

2º Adjunto Des. Carlos Pereira Gil


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Sumário

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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I- RELATÓRIO

AA e BB, casados no regime de comunhão de adquiridos, ambos residentes na Travessa ..., ..., freguesia ..., Vila Nova de Gaia, e CC, residente na Travessa ..., ..., freguesia ..., Vila Nova de Gaia, intentaram a presente ação declarativa sob a forma comum contra A... Construções Ldª., pedindo:

«a) que seja a Ré considerada a única responsável pelos defeitos existentes nos prédios em causa e supra referidos;

b) que seja a Ré condenada a efetuar as obras necessárias à cabal e definitiva eliminação dos descritos defeitos enunciados na petição inicial artigos 14. e 25.;

c) que seja a Ré condenada a tapar todas as fissuras referidas nos prédios e pintar as paredes e tetos das divisões onde se instalaram as infiltrações e que se encontram deterioradas;

d) que seja a Ré condenada a reparar todos os estragos que as referidas infiltrações de humidade lhes causaram –e que acima foram descritos- e os que possam vir a causar; devendo os termos de tais reparações; atento o alegado e a natureza continuada do dano até à reparação do defeito, ser fixados em momento posterior;

e) e se assim não proceder seja condenada a Ré a pagar à A. AA a quantia de 24.913,50€, (vinte e quarto mil novecentos e treze euros e cinquenta cêntimos), valor este calculado com iva à taxa legal de 23%, sem prejuízo da atualização legal taxa do iva correspondente à necessária reparação completa total e eficiente dos defeitos nos prédios enunciados na p.i.;

f) que seja a Ré condenada a reconhecer que causou à A. CC os graves prejuízos supra referidos e consequentemente a indemnizar a A. CC em quantia a liquidar em execução de sentença.»

Para substanciarem tais pretensões alegam, em síntese, que a ré, no exercício da sua atividade comercial, procedeu à construção e subsequente venda aos autores de duas moradias unifamiliares, constituídas em regime de propriedade horizontal.

Posteriormente a essas vendas os autores vieram a constatar que os imóveis que adquiriram padeciam de diversos defeitos, tendo reclamado junto da ré no sentido de proceder à sua reparação.

Acrescentam que, apesar de a ré ter levado a cabo alguns trabalhos tendentes à reparação dos defeitos, os mesmos continuaram a persistir, o que motivou novas reclamações, que, no entanto, não foram atendidas.

Citada a ré apresentou contestação na qual advoga, no que ora releva, que se mostra caduco o direito dos autores intentaram a presente ação; defendeu-se ainda por impugnação.

Responderam os autores pugnando pela improcedência da invocada exceção perentória.

Foi proferido despacho saneador, definindo-se o objeto do litígio e fixando-se os temas da prova.

Realizou-se a audiência final, vindo a ser proferida sentença na qual se decidiu:

«a) julgar não procedente a exceção perentória de caducidade invocada pela R. A... Construções Lda.;

b) por a considerar responsável pela eliminação dos defeitos existentes na fração descrita na 1ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o número ...64/20130715 - C, predialmente registada a favor de AA e BB

condenar a R. A... Construções Lda. a, no prazo de 90 (noventa dias) após o trânsito em julgado, eliminar as anomalias descritas supra no número 15. dos factos provados e, bem assim,

- a tapar todas as fissuras na fração C (na parte interior) e exterior (na parte do prédio que confronta com o interior da fração C), e pintar as paredes e tetos das divisões onde se instalaram as infiltrações e que se encontrem deterioradas;

- e reparar todos os estragos nas paredes, chãos, tetos e demais locais da fração, que as referidas infiltrações de humidade provocaram;

c) por a considerar responsável pela eliminação dos defeitos existentes na fração descrita na 1ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o número ...64/20130715 - E, predialmente registada a favor de CC

condenar a R. A... Construções Lda. a, no prazo de 90 (noventa dias) após o trânsito em julgado, eliminar as anomalias descritas supra no número 19. dos factos provados e, bem assim,

- a tapar todas as fissuras na fração E (na parte interior) e exterior (na parte do prédio que confronta com o interior da fração E, e pintar as paredes e tetos das divisões onde se instalaram as infiltrações e que se encontrem deterioradas;

- e reparar todos os estragos nas paredes, chãos, tetos e demais locais da fração, que as referidas infiltrações de humidade provocaram;

d) considerar prejudicado o conhecimento do pedido subsidiário de pagamento, à A. AA e marido, do valor de €24.913,50 e juros moratórios;

e) absolver a R. A... Construções Lda. do reconhecimento de outros prejuízos à A. CC e ao pagamento de um montante indemnizatório a liquidar em execução de sentença à A. CC;

f) indeferir a condenação de qualquer das partes como litigantes de má fé».

Não se conformando com o assim decidido, a ré interpôs o presente recurso, admitido como apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Com o requerimento de interposição do recurso apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes


CONCLUSÕES:

1-Normas Jurídico-Civis que a Recorrente considera incorretamente aplicadas: - n.º 1, do art.º 5.º-A, do DL n.º 67/2003, de 8 de Abril; - art.º 355.º, art.º 357.º, art.º 358.º e art.º 1225.º, todos, do C.C.; - art.º 615.º, n.º 1, als. b), c) e d), do C.P.C.;

2- II – Pontos concretos da matéria de facto provada, que a Recorrente considera incorretamente julgados: 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21 e 22 dos factos provados, que devem ser dados como não provados e 7 dos não provados, que deve ser dado como assente e provado, ex vi art.º 640 n.º 1 al. b) do CPC;

3- O Tribunal “a quo” incorre em manifesto erro de julgamento ao sustentar maioritariamente os factos provados, no depoimento da Recorrida AA, contraditório com os diversos elementos probatórios constantes dos Autos e contrário às regras da experiência comum, como é bem patente quando os defeitos supostamente persistem, como emerge do depoimento iniciado aos minutos 05:15 “M. Juiz: Olhe, na sequência dessa carta, o que é que aconteceu? A senhora recorda-se? Autora: Sim, Sr. Dr. Juiz. Depois de mandar essa carta, o Sr. DD prontificou-se, foi lá a casa e disse que ia arranjar os problemas que a casa tinha só que os problemas não ficaram resolvidos. M. Juiz: O senhor quê? Quem é que foi lá, desculpe? Autora: Foi o senhor DD M. Juiz: Portanto…O representante da Ré do processo? Autora: Sim, sim M. Juiz: Foi lá a casa e disse que ia resolver os problemas. Aqueles problemas… Que problemas? Autora: Olhe. Da minha base de duche. Mandou lá um picheleiro, disse que era falta de massa ou silicone. Puseram, sim senhora, vedaram-me aquilo. Tive ‘praí’ uns dias sem utilizar, até secar. Só que os problemas foram-se agravando. Depois a parede ficou cheia de humidade novamente… M. Juiz: Vamos por partes. Quando a senhora diz que eles foram lá… A senhora enviou uma carta. Autora: sim M. Juiz: entretanto, com base nessa carta, diz a senhora que foi lá o Sr. DD Autora: Foi M. Juiz: Que problemas é que ele lá viu nesse momento? Não é o que aparece depois. Autora: Ah! Tinha a parede cheia de humidade…M. Juiz: É os mesmos problemas que a senhora denunciava na carta ou era outros? Autora: Eu tinha pingas de água, que foi uma vizinha que me alertou, na garagem M. Juiz: A senhora tem presente que defeitos é que denunciou na carta, a tal carta que enviou? Autora: Foi em 2018, os problemas começaram a partir daí, como são tantos eu não… M. Juiz: A senhora está-me a ouvir bem? Autora: Estou, sim M. Juiz: Pronto. A pergunta que lhe estou a fazer é, a senhora tem presente que defeitos é que foram denunciados, na tal carta de 19.09.2018 ou já não se recorda? Autora: Já não me recordo assim muito bem…”;

4-P ara os factos dados como não provados, o Tribunal “a quo” ancora a sua decisão, na falta de outra prova, o que, s.d.r., torna a decisão ininteligível, o que expressamente se invoca, inquinando-a com vício de nulidade previsto no art.º 615. n.º 1 al. c) do CPC;

5- A Sentença proferida pelo Tribunal “a quo”, incorre em manifesto erro de julgamento e na apreciação da prova, ao dar como provados os factos constantes dos pontos 10., 11. e 12., que deverão ser dados como não provados, e como tal:

-Impondo, assim, decisão diversa a prova documental de fls., em particular a carta datada de fls. datada de 19.09.2018, conjugada com o alegado no art.º 16.º da P.I., absolutamente contraditórios entre si, na medida em que na missiva são descritas supostas patologias, alegadamente já conhecidas da Recorrente e invocado que esta supostamente já teria feito algumas intervenções, quando é dito no art.º 16.º da PI, que os trabalhos teriam sido realizados posteriormente ao envio dessa carta;

-Igualmente a prova testemunhal produzida, uma vez que nenhuma das testemunhas arroladas pelas Recorridas referiu ter assistido, sequer verificado, que foram feitas quaisquer reparações,

-E a valoração do depoimento da Recorrida AA, porque contraditório, incoerente e contrário às regras da experiência comum.

- Ex vi art.º 640.º. n.º1 al. b) do CPC, atenta a missiva de fls., datada de 19.09.2018; a confissão que emerge da mesma ex vi art.º 352, art.º 355.º, art.º 357.º e art.º 358., todos do CC resulta ainda a inexistência de qualquer alegação de patologia exterior, pelo que não podia o Tribunal “a quo” dar como provada a sua existência, incorrendo em manifesto erro de julgamento;

6- O ponto 14 dos factos provados também tem que ser necessariamente dado como não provado, persistindo a douta sentença de fls. em erro de julgamento e na apreciação da prova. Impõe decisão diversa a prova testemunhal e documental, desde logo:

- O requerimento de aperfeiçoamento de fls. no qual os Recorrentes referem ter tomado conhecimento da persistência das alegadas patologias, depois de Agosto de 2019;

- A missiva enviada pela Ilustre Mandatária data de 29.06.20, ou seja, 10 meses depois do suposto conhecimento, não faz qualquer menção à reparação deficiente de vícios, como seria expectável, e apresenta a seguinte sequência: 1-que em 19 de Setembro de 2018 foram denunciados defeitos; 2- que sequente a denúncia foi pedida uma peritagem (orçamento da B...); 3-apesar de diversas interpelações para reparação dos defeitos, até aquela data não os colmataram.

- O orçamento da B..., junto pelos Recorridos, AA e marido, mostra-se datado de 5 de Abril de 2019, ou seja, 4 meses antes de detectarem que os pseudo vícios e defeitos persistiam, facto contraditório com a tese dos Recorridos, vertida nas peças processuais e em sede de audiência de discussão e julgamento e bem assim com as regras da experiência comum, uma vez que nenhum sentido faz pedir um orçamento ou peritagem, meses antes de ser detectado que as supostas desconformidades se mantinham.

- As declarações de parte, aos minutos 24:07, AA referiu “…M. Juiz: E a pergunta que lhe faço é, foi só depois disso que pediu o orçamento? Ou se o orçamento foi pedido ainda antes das reparações serem efetuadas? Autora: foi depois disso. M. Juiz: depois das reparações? Dra. LL: mas a senhora diz que foi depois das reparações mas foi depois de ter verificado que afinal não tinham ficado bem…? M. Juiz: exato, a senhora já aqui afirmou…?? que tinha feito várias reuniões… disse 4 até.. Autora: 3, 4 M. Juiz: 3, 4, pronto, com o senhor DD e que este lhe garantiu que lhe ia por aquilo em condições. Autora: sim, para eu esperar, que as paredes que iam puxar, que até… foi isso. E eu sempre na esperança que me fosse arranjar a casa. M. Juiz: Qual é o momento em que a senhora decide pedir um orçamento? Já foi depois disso? Autora: Sim, porque foi através do Dr. EE, o economista da minha tia, que foi o senhor lá ver os defeitos todos da casa… “;

- O Tribunal “a quo” deu-o como assente, atento o depoimento da Recorrida AA, depois de o descredibilizar em detrimento do declarado pelo legal representante da R., incorrendo em manifesto erro de julgamento, e violação do dever de análise crítica das provas e de fundamentação (artigo 607º, nº 4 do CPC. e 615.º, n.º 1 al. b) do CPC, Ac. TRP, de 21/06/21, P. 2479/18.5T8VLG.P1, Relator: Pedro Damião e Cunha, in www.dgsi.pt): Assim aos minutos 11:00 “Autora: …M. Juiz: Posso? Deixe-me terminar pf. Nunca houve uma nova reunião? Autora: Não, o Sr. DD disse que sim Sr, que ia arranjar… M. Juiz: Houve uma reunião com o Sr. DD, ou nunca houve outra reunião com o Sr DD? Autora: Não, não.”, aos minutos 15:09, “M. Juiz: A sua advogada escreveu aqui, a sua mandatária, escreveu aqui que houve uma primeira intervenção, as coisas não ficaram bem feitas e que depois novamente o senhor, houve uma nova reunião, diversas até, entre a autora e o marido, o seu marido e que o sr DD garantiu, oiça ‘‘realmente mesmo depois das intervenções continua a haver aqui defeitos, mas agora nós vamos repará-los’’ . Autora: Não, isso não..”, (sublinhado nosso), e aos minutos 20:00, “M. Juiz:... Como é que eu posso dar credibilidade a uma pessoa que agora me disse uma coisa e que 10 minutos depois me disse uma coisa radicalmente diferente. ‘‘Fez uma nova reunião?’’ ‘‘Não’’ …M. Juiz: Minha senhora, isto é assim, eu só posso credibilizar alguém que me diz 2 vezes a mesma coisa. Pessoa que me diz 5 minutos uma coisa e 5 minutos, outra coisa, como é que eu sei que tudo o que a senhora esteve a dizer, é a realidade? …M. Juiz: Sra. Dra., não pode meter as palavras na boca… senão ela diz o que a senhora quiser. ‘‘Foi assim ou não foi?’’ e assim ela diz ‘‘Foi’’”. (sublinhado nosso);

7- O Tribunal “a quo” incorreu em manifesto erro na apreciação da prova e a Sentença proferida padece de ininteligibilidade, inquinando-a com o vício plasmado no art.º 615.º n.º 1 al. c) do CPC, sendo que e sempre teria que ter sido dado como provado que as AA. tiveram conhecimento dos mesmos em data não concretamente apurada, anterior a 5 de abril de 2019, data que resulta do orçamento de fls.;

8- O ponto 15, dos factos dados como assentes e provados, não merece aquiescência do R., uma vez que assentou, mal, no depoimento da Recorrida AA, a tal que de 5 em 5 minutos alterava o que dizia ou induziam a dizer; orçamento de reparação, fotos e testemunhos de FF e EE:

-As fotos não se mostram datadas, sequer foram tiradas de forma a que se possa alcançar que respeitam ao imóvel objecto dos presentes e a que concretos cómodos, de tal sorte que a testemunha GG, confrontada com as fotografias, não conseguiu confirmar se eram respeitantes ao imóvel em questão. Assim aos minutos 14:14, “..não reconhecia a casa naquelas fotografias. Primeiro, não sei se eram ou não da casa, da maneira que as fotos estavam tiradas e quando eu vi as fotografias do Sr. DD, não tinham nada a ver com as fotografias que estavam nessa carta.”, prosseguindo, aos minutos “M. Juiz: foram estas as fotos que lhe exibiram? GG: sim, eu vi estas fotos.. mas eu nem sequer consigo perceber se são ou não naquela casa, não tenho contexto para conseguir perceber isso. E as outras fotos que eu vi do Sr. DD, não tinham nada a ver com isto. M. Juiz: mas estas fotografias não estavam com a carta? GG: sim, sim, estavam, mas as que vi do Sr. DD não eram nada disto… “.

-No que concerne ao orçamento, também se verifica um notório erro de julgamento, atentando a testemunha HH, aos minutos 01:24, “M. Juiz: Pergunto-lhe se conhece as partes neste processo? HH: Não conheço ninguém, nem sei a razão pela qual estou cá. Mandatária A: O senhor recorda-se de ter feito um orçamento, da sua empresa ter feito um orçamento em abril de 2019, na Travessa ..., na ...? HH: Não me recordo… damos dezenas, centenas de orçamentos. Mandatária A: Olhe, mas diga-me uma coisa, não se recorda do orçamento, mas lembra-se de alguma vez, dentro desse período ter ido a uma moradia unifamiliar na Travessa ..., na ..., em Vila Nova de Gaia? HH: Não, nada.” E, o outro legal representante, aos minutos 01:20 disse, “M. Juiz: pergunto-lhe se o senhor conhece aqui as partes do processo? II: Não ninguém, pelo menos daqui, não consigo ver bem na camara… M. Juiz: olhe, eles não estão cá, aqui só estou eu, a senhora funcionária e as mandatárias. II: mesmo pelo nome, não conheço. …A.: sr II, então diga-me uma coisa, o senhor recorda-se do que está ai a ver no orçamento? II: não,. Não me recordo sinceramente.”. Acrescendo que tal documento não possui qualquer assinatura ou identificação de quem o elaborou, sequer menciona a morada da habitação em questão;

9-A Sentença de fls. padece de falta de fundamentação, nos termos previstos no artigo 615.º, n.º 1, al. b), do C.P.C., que a inquina com vício de nulidade, uma vez que mal, dá por assente alegadas desconformidades, constantes do ponto 15, de forma genérica, sem as concretizar, comprometendo a certeza e a segurança jurídica, cfr. Ac. TRG, 02/11/2017, P. 42/14.9TBMDB.G1, Relator: www.dgsi.pt;

10-A que acresce o facto de o Tribunal “a quo”, ter feito uma errónea classificação da alegada desconformidade, pois só as rachas teriam a virtualidade de permitir a passagem de água, pelo que face à ausência de prova quanto à existência de rachas que permitissem a passagem de águas, pela fachada ou cobertura (carência de prova documental e testemunhal), também não se podia assentar na existência de infiltrações;

11- O mesmo se aplica às alegadas humidades, tanto que a testemunha GG, referiu aos minutos 09:45, “GG: … parecem humidades, mas no fundo é a condensação do calor que está dentro da casa que não foi… e da humidade que está dentro da casa que não foi renovado o ar.” e aos minutos 09:55, “GG: Havia qualquer coisa também… havia umas fotografias em que se via o silicone junto a uma base de duche, que parecia que estava corroído, que era uma indicação de que tinha sido usado na lavagem da casa de banho, normalmente, indica que foi usado detergentes muito abrasivos e que fizeram a corrosão do silicone de vedação e que seria preciso fazer essa manutenção. Isso tem tudo a ver com…tudo o que me foi mostrado nas fotografias tinha a ver ou com falta de manutenção ou com mau uso da moradia, não eram situações que podiam ser imputadas à empresa.”;

12- O Tribunal “a quo”, não credibilizou o depoimento da testemunha GG, preferindo guiar-se pelo normal acontecer e depoimento interessado das Recorridas, e assim, para além de não fundamentar tal opção, incorrendo em manifesto erro de julgamento;

13- Atentos os depoimentos transcritos supra 8, (dados por reproduzidos por razões de economia processual), e o papel encimado de orçamento sem qualquer de menção de morada a que se destinava, atento o total desconhecimento das referidas testemunhas, possível, confrontá-las e questioná-las sobre o teor do orçamento e assim esclarecer onde foi efectuado, a pedido de quem, para que efeito, por quem foi elaborado, quais os conhecimentos técnicos de quem o elaborou, o que foi observado quanto a evocadas patologias, origem das mesmas, se os trabalhos solicitados se restringiam a reparação ou também remodelação atenta a extensão do mesmo e ainda o descredibilizado depoimento da R, AA, mas depois – sem que se saiba a razão – credibilizado na Sentença, não se provou que aquele orçamento se destinasse a reparação da fracção C, devendo o ponto 16 passar a constar dos factos não provados;

14- Os pontos 17 e 18 devem passar a constar dos factos não provados:

-O legal Representante da Recorrente não confirmou quaisquer anomalias, considerando que estas existiam apenas num soalho. Assim aos minutos 08:23 disse “…M. Juiz: Queixou-se de umas patologias, e o que é que combinaram então? Ela repará-las e nós pagarmos, foi o que aconteceu. M. Juiz: Não foram os Srs. que as repararam? LR: Não Sr.”. Aos minutos 09:50 “M.Juiz: Da fracção E, dos defeitos de construção, tem conhecimento? LR: Não tenho conhecimento.”. Aos minutos 12:22 “M.Juiz: Da fracção E, quando lá foi viu alguma patologia? LR: O que ela se queixou, foi das tonalidades do soalho, e foi resolvido, na altura, ela resolveu, a posteriori, não fomos nós. A CC não tinha patologia absolutamente nenhuma. M.Juiz: Que coisas que os Srs. lá viram que disseram, por isto realmente nós pagamos? LR: É isso que eu estava a dizer Sr. Dr., o soalho.”.

-A testemunha GG que aos minutos 24:16 disse “GG: As juntas do soalho estavam muito, havia uma zona do soalho em que as juntas do soalho estavam bastante afastadas, umas das outras, a madeira tinha secado, entretanto, talvez por as casas terem estado muito tempo desabitadas, mas a madeira foi secando e as juntas foram aumentando, aumentaram de espaço mais do que deveriam ter aumentado e, na altura, eu achei que era uma situação que a empresa devia, devia reparar. Era discutível se aquilo foi por mau uso ou não, demasiado aquecimento naquele local ou não, mas achei que não valia a pena estar a entrar, a empresa também gosta de deixar os clientes satisfeitos e era uma reparação que se achou que devia ser feita. Adv: A empresa fez essa reparação? GG: A empresa, do que me recordo, disse à Sra. CC para proceder à reparação e pagaria os custos. Adv: E pagou? GG: Sim. E aos minutos 25:45: Adv: Posteriormente a essa situação, tem conhecimento se a Sra. CC voltou a contactar a empresa, se tinha mais alguns problemas? GG: Não.”.

- A A. CC confessou, expressamente, que o cheque se destinou a reparações, importando aplicar o que resulta dos art.º 355.º, 357.º e 358., todos, do CC;

15-O Tribunal “a quo” incorreu em erro de julgamento quando conclui o que concluiu na Sentença de fls., com referência a propriedade da A. CC, quando é o próprio Tribunal que reconhece na Sentença de fls., “não têm um peso autónomo que as possa credibilizar por si só.”, acrescendo que não cuidou de fundamentar, porque valorou as declarações da Recorrente CC, em detrimento das do Legal Representante da Recorrente, o que se impunha, atenta a negação do mesmo quanto a reclamações verbais, após supostas fissuras e humidades, entre setembro ou outubro de 2020 e não faz qualquer apreciação critica da declaração de quitação de fls., datada de 26.02.2019, da qual resulta a A. CC ter recebido uma determinada quantia para reparações e não para jardinagens, cujas regras de experiência só por si sempre afastariam, atento o respectivo valor;

16-Ocorre omissão de pronúncia, (art.º 615 n.º 1 al. d) do CPC), por parte do Tribunal “a quo”, pois não se pronunciou sobre a alegação da R., resultado da conjugação da aludida de declaração de fls. de 26.02.2019 e do cheque de fls. destinado a pagar reparações na monta de €1.8000.00 (mil e oitocentos euros);

17- Os pontos 19, 21e 22 deverão ser dados como não provados, uma vez que nenhuma prova foi feita no sentido da existência de quaisquer anomalias na habitação da A. CC, incorrendo o Tribunal “a quo”, em erro de julgamento, dando-se por integralmente reproduzido o que se referiu supra, quanto aos Co-Autores, aqui Recorridos AA e marido, quanto ao ponto 15, dos factos provados, designadamente quanto às fotografias, correspondência das mesmas à fracção E, e a ausência de prova quanto às invocadas desconformidades, designadamente do Auto de vistoria de fls., datado de 15.01.2019, estranhamente elaborado em 26.11.2019;

18- A douta sentença proferida de obscuridade ou ambiguidade, existindo contradição entre os factos provados e não provados, nomeadamente no que respeita ao ponto 19 dos factos provados e o ponto 8. dos factos não provados;

19- O ponto 20, dos factos provados, deve ser dado como não provado, pois o depoimento da testemunha JJ não permite retirar as ilações que foram retiradas, sem suporte documental que as corroborasse, designadamente qualquer factura, tão pouco declarou o exarado na sentença;

20- Deveria, por conseguinte, constar dos factos provados, o ponto 7, dos não provados “7.A R. entregou à A. CC o cheque indicado no número 20. dos factos provados com a finalidade de pagamento de reparações na habitação (Fração E).”;

21- Deve proceder a excepção de caducidade, ainda que se aplique o DL n.º 67/2003, de 8 de Abril, o que se hipotisa por dever de patrocínio, pois, mesmo que se considerassem como provadas as desconformidades e a sua reparação defeituosa, o que não se aceita, ainda assim, os Recorridos estavam obrigados a denunciar os defeitos no prazo previsto no n.º 2 do art.º 5º-A, do referido diploma, ou seja um ano, pelo que, entre a data do conhecimento dos supostos vícios e defeitos, em 05.04.2019, data do solicitado orçamento de fls., cujo pedido foi confessado pelas AA, e a carta remetida à Recorrente, pela Ilustre Mandatária dos Recorridos, data de 29.06.2020, mediou mais de um ano;

22- A conduta processual da Recorrida é dolosa, porque alterou com a inerente consciência do fim pretendido de ludibriar, a verdade dos factos, alteração grave porque pretendeu induzir o Tribunal em erro, sendo a posição processual relativa a cheque de fls. e declaração de fls, disso cristalina, litigando com manifesta má-fé, art.º 542.º, do C.P.C..


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Não foram apresentadas contra-alegações.


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Após os vistos legais, cumpre decidir.


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II- DO MÉRITO DO RECURSO


1. Definição do objeto do recurso

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil[1].

Porque assim, atendendo às conclusões das alegações apresentadas pela apelante, são as seguintes as questões solvendas:

. das nulidades da sentença por ininteligibilidade e falta de fundamentação;

. determinar se o tribunal a quo incorreu num error in iudicando, por deficiente avaliação ou apreciação das provas e assim na decisão da matéria de facto;
. da caducidade do direito de os autores AA e BB exigirem da ré a reparação/eliminação de defeitos detetados no imóvel que a esta adquiriram;
. do direito de os autores exigirem a reparação/eliminação das desconformidades existentes nos ajuizados imóveis;
. da litigância de má-fé da autora CC.


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2. Das nulidades da sentença

Nas suas alegações recursórias a apelante advoga, desde logo, que o ato decisório sob censura enferma de nulidade por ininteligibilidade, falta de fundamentação e omissão de pronúncia.

No que tange ao primeiro vício afirma que “a decisão é ininteligível porque para os factos dados como não provados, o Tribunal a quo ancora a sua decisão, na falta de outra prova”.

Como a este propósito se vem entendendo[2], apenas ocorre a ininteligibilidade “quando o pensamento do juiz que se retira da análise da decisão se afigura incompreensível ou impercetível ou quando o sentido da decisão não seja unívoco, por ser suscetível de diversas interpretações ou comportar vários significados”.

A essa luz não se antolha em que medida a sentença recorrida enferme do apontado vício formal, sendo que a circunstância de o juiz de 1ª instância firmar o juízo probatório negativo na ausência de prova não torna esse segmento decisório incompreensível ou impercetível no sentido tido em vista pela al. c) do nº 1 do art. 615º para operância da consequência nele cominada.

No que tange ao segundo dos apontados vícios alega a recorrente que “a sentença padece de falta de fundamentação, uma vez que mal, dá por assente alegadas desconformidades, de forma genérica, sem as concretizar, comprometendo a certeza e segurança jurídicas”.

Também neste ponto não lhe assiste razão, já que o dever de fundamentação da matéria de facto, previsto no nº 4 do artigo 607º, não se confunde com o dever de fundamentação da decisão final nos termos do artigo 615.º, nº 1 al. b), razão pela qual nem a falta de fundamentação da decisão de facto nem a omissão de análise crítica da prova constituem fundamento para nulidade da sentença.

Por último advoga a recorrente que a sentença é nula porque “o Tribunal a quo não se pronunciou sobre a alegação da ré, resultado da conjugação da aludida declaração de fls. 26.02.2019 e do cheque de fls. destinado a pagar reparações na monta de €1.800,00”.

Com os referidos elementos documentais pretendia a ré recorrente demonstrar o alegado pagamento que invocou como exceção perentória destinada a neutralizar a pretensão de tutela jurisdicional aduzida pela autora CC.

Ora, ao invés do que argumenta, o decisor de 1ª instância tomou posição relativamente a essa questão, pronunciando-se no sentido da improcedência dessa exceção, por ter considerado que a ré não logrou demonstrar que a importância que pagou à referida autora se tenha destinado a reembolsá-la do montante que despendeu com a reparação dos defeitos cuja eliminação ora reclama na presente demanda. Poderá, é certo, não concordar com esse entendimento. No entanto, isso não consubstancia nulidade da sentença, mas antes, e quando muito, erro de julgamento.


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3. Recurso da matéria de facto

3.1. Factualidade considerada provada na sentença

O tribunal de 1ª instância considerou provada a seguinte matéria de facto:

1. A R. é uma Sociedade de Construção e Imobiliária que se dedica à construção e venda de imóveis.

2. No âmbito do seu objeto social, a R. procedeu à construção das moradias unifamiliares infra identificadas nos números 4. e 5. dos factos provados, tendo-as depois vendido aos AA. deste processo.

3. O prédio descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o número ...64/20130715 encontra-se constituído em propriedade horizontal, e é sito na Travessa ... na freguesia ..., Vila Nova de Gaia e ao qual foi dotado dos n.ºs de policia ...83 e ...99, e inscrito na matriz sob o nº. ...45.

4. A fração descrita na 1ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o número ...64/20130715 - E encontra-se predialmente registada a favor de CC e encontra-se inscrita sob o artigo matricial ...45 – E, com a seguinte composição “travessa ..., .... Habitação triplex - cave, rés-do-chão, andar e recuado. Garagem na cave com acesso pelo nº ...57 da referida Travessa”.

5. A fração descrita na 1ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o número ...64/20130715 - C encontra-se predialmente registada a favor de AA e BB e encontra-se inscrita sob o artigo matricial ...45 – C, com a seguinte “composição: Travessa ..., .... Habitação triplex - cave, rés-do-chão, andar e recuado. Garagem na cave com acesso pelo nº ...57 da referida Travessa”.

6. Por escritura pública datada de 16/06/2016, a R. declarou vender ao A. CC, que declarou comprar, o imóvel indicado no número 5. dos factos provados (Fração C).

7. Por escritura pública datada de 03/08/2016, a R. declarou vender à A. “AA (…) casada sob o regime de comunhão de adquiridos com BB”, que declarou comprar, o imóvel indicado no número 4. dos factos provados (Fração E).

8. Por escritura datada de 03/08/2016, com a epígrafe de “permuta”, em que eram outorgantes

Primeira: CC

Segundos: AA e marido BB

declarou a primeira que era dona da fração indicada supra no número 5. dos factos provados (Fração C) e os segundos que eram donos da fração indicada no número 4. dos factos provados (Fração E), tendo a primeira dado aos segundos a fração indicada no número 5. dos factos provados (Fração C) e os segundos, por sua vez, dado à primeira a fração indicada no número 4. dos factos provados (Fração E).

9. Por carta datada de 19/09/2018 e recebida pela R., pelo menos, em 04/10/2018, os AA. AA e marido comunicaram à R.

“Os nossos melhores cumprimentos.

É do vosso conhecimento pessoal a existência de diversas patologias, com origem em deficiências de construção, que afetam a nossa habitação.

Reconhecendo que Vas Exas já fizeram algumas intervenções pontuais, não é menos verdade que nenhuma teve conclusão por ausência de acabamento.

No entanto, para além dessas, há outras não intervencionadas e não menos importantes para as quais, umas e outras, urge encontrar solução. Com efeito, embora se trate nomeadamente de focos interiores, não é aconselhável, e também não é nossa vontade, deixá-las passar mais um inverno.

A título de exemplo, não exaustivo, lembramos as seguintes patologias:

- As relacionadas com fugas e entradas água;

- Solução para evitar pingas de água que caem da mini-platibanda sobre a porta principal de acesso, incluindo a resolução da medida provisoria das

- anilhas nas dobradiças e adaptação do chão às medidas a tomar;

- Fissuras nas paredes, horizontais e verticais, em todas as divisões incluindo nos acessos pelas escadarias interiores;

- lsolamento/impermeabilização do chão/parede do poliban;

- o rematar os trabalhos sob a banca da cozinha;

- Fissuras nos chãos com particular relevância na garagem;

- Madeiras dos soalhos com fissuras e/ou com indícios de processo de fissuramento;

- Descoloração da madeira dos soalhos fazendo aparecer tábuas de vários lotes incluindo escadas em madeira entre pisos.

A fim de, em conjunto, agendarmos um calendário paru a realização destes trabalhos, sugerimos uma reunião, tão breve quanto possível que permita o levantamento de toda a situação factual”.

10. Posteriormente ao recebimento da carta referida no número 9. dos factos provados, enviou a R. técnicos ao local.

11. Na sequência, houve uma reunião entre a A. e marido e o representante legal da R. - Sr. DD -, que lhes garantiu que nessa nova intervenção a efetuar as anomalias (indicadas na carta indicada no número 9. dos factos provados) iriam ficar definitivamente removidas.

12. Tendo, na época, a R., em momento entre setembro de 2018 e dezembro de 2018, efetuado algumas reparações no interior e exterior, com vista a solucionar as patologias que tinham sido comunicadas.

13. Reparações que, contudo, viriam a revelar-se insuficientes, uma vez que as existentes permaneceram (com exceção da parte da infiltração na garagem), agravando-se com o tempo.

14. O que motivou novas reclamações verbais e insistência dos AA. AA e marido junto da R., tendo sido enviada nova carta registada datada de 29/06/2020, para a reparação de anomalias, missiva enviada pela mandatária dos AA. e que foi recebida pela R., e que tinha o seguinte teor:

“Em representação dos M/Constituintes AA e BB venho expor para requerer o seguinte:

Em Agosto de 2016, os M/ C, celebraram com V. Exa., um contrato compra e venda de uma moradia como certamente é do V/ conhecimento, correspondente à fração "C ..." sito na Travessa ..., ..., ... Vila Nova de Gaia.

Em 19 de Setembro de 2018 os M/C denunciaram a existência de diversas patologias com origem em deficiências de construção, que afectam gravemente a sua habitabilidade, como infiltrações e humidades visíveis (fugas e entradas de água, fissuras nas paredes em todas as divisões da habitação, falta de isolamento/impermeabilização do chão/ parede do poliban, falta rematar trabalhos sob a banca da cozinha, fissuras no chãos com particular relevância na garagem madeiras dos soalhos com fissuras, descoloração das paredes dos soalhos.

Para os devidos e legais efeitos foi pedida uma peritagem relativamente à fracção supra referida em que a conclusão da mesma e peremptória referindo que os danos existentes se devem a vício de construção

Apesar das varias interpelações a V/ Exas para reparação dos defeitos existentes e devidamente denunciados, até à presente não colmataram a deficiência existente na habitação.

Face ao exposto, deverão V. Exas proceder à reparação de todas as patologias no prazo de 15 dias úteis, caso não o façam darei entrada da competente acção judicial de defeito de construção, com todas as consequências dai inerentes, sem qualquer outra possibilidade de resolver o assunto extrajudicialmente”.

15. A fração indicada no número 5. dos factos provados apresenta ainda as seguintes desconformidades:

- Infiltrações de água e humidades visíveis,

-fugas e entradas de água do exterior e interior (wc),

-fissuras nas paredes das divisões da habitação,

-falta de isolamento/impermeabilização do chão/parede do polibanm (dos wc),

-falta rematar trabalhos sob a banca da cozinha,

-fissuras no chãos com particular relevância na garagem;

-madeiras dos soalhos com fissuras, no que ao interior da habitação diz respeito,

-descoloração das paredes dos soalhos.

16. Foi efetuado, por uma empresa, um orçamento para reparação da fração C no valor de €24.913,50.

17. A A. CC, em Setembro de 2020, teve conhecimento de anomalias na Fração E, tendo-os comunicado à R., que terá feito reparações pelo menos no soalho.

18. Apesar da comunicação verbal da A. à R. para reparação das anomalias resultantes da construção do edifício, acontece, porém, que não o fez de forma definitiva e voltaram os mesmos aparecer e nesta data estão muito piores do que quando a A. CC os comunicou ao representante legal da R..

19. A fração “E”, pertencente à A. CC, apresenta ainda várias anomalias de construção, a saber:

- Várias fissuras nas paredes, da sala e humidade junto à janela /caixilharias,

-fissuras na parede do teto da cozinha,

-Fissuras da parede junto às escadas no piso intermédio da habitação,

-fissuras nos três quartos da casa

-fissuras no chão e escadaria,

-Apresentando habitação já vários locais da casa com humidade.

20. A R. emitiu e entregou ao A. CC um cheque, datado de 03/03/2020, no valor de €1800,00 (cfr. cheque junto em 17/10/2022), com a finalidade de pagamento de serviços de jardinagem, que a R. se comprometeu a custear.

21. As anomalias e infiltrações de humidade acima descritas-que ainda hoje se mantêm sem que a R. tenha resolvido tais questões – são devidas a uma deficiente construção e deficiente isolamento/impermeabilização da base de duche, das caixilharias que deixam entrar água do exterior para o interior da habitação provocando todos os danos descritos.

22. A A. AA e marido participaram a uma seguradora as infiltrações, tendo esta declinado a responsabilidade.


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3.2. Factualidade considerada não provada na sentença

O Tribunal de 1ª instância considerou não provados os seguintes factos:

1. Foi em Agosto de 2018 que os AA. AA e Marido tiveram conhecimento das situações indicadas na carta, descrita no número 9. dos factos provados.

2. Na sequência da carta indicada no número 9. dos factos provados e antes das reparações a que alude o número 12. dos factos provados, ocorreram várias reuniões.

3. As reparações indicadas no momento indicado no número 12. dos factos provados, se limitaram-se, no que ao interior da habitação diz respeito, à colocação de um produto com vista a tapar as fissuras existentes nas paredes afetadas e reparar a banca da cozinha e no exterior simples trabalhos de pintura.

4. Foi após Agosto de 2019 que os AA. AA e marido tomaram conhecimento de que as anomalias persistiam.

5. Ainda permanecem infiltrações na garagem.

6. Na sequência das reclamações verbais indicadas no número 14. dos factos provados, o representante legal da é. Sr. DD, garantiu aos AA. AA e marido que numa nova intervenção a efetuar as desconformidades invocadas iriam ficar definitivamente resolvidas.

7. A R. entregou à A. CC o cheque indicado no número 20. dos factos provados com a finalidade de pagamento de reparações na habitação (Fração E).

8. As anomalias na fração E, mencionadas no número 19. dos factos provados, provocam humidade e fissuras existentes em todos os pisos da habitação e provocam problemas respiratórios nos habitantes da mesma.

9. A R. reconheceu, sempre, a existência dos defeitos apontados pelas AA..


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3.3. Apreciação da impugnação da matéria de facto

Nas conclusões recursivas veio a apelante requerer a reapreciação da decisão de facto em relação a um conjunto de factos julgados provados e não provados, com fundamento em erro na apreciação da prova, advogando que: (i) devem ser dadas como não provadas as afirmações de facto vertidas nos pontos nºs 10 a 22 dos factos provados; (ii) deve ser dada como provada a proposição constante do ponto nº 7 dos factos não provados.

Para efeito de análise iremos agrupar a materialidade objeto de impugnação em três segmentos, sendo um atinente às afirmações de facto vertidas nos pontos nºs 10, 11, 12, 13, 14, 17, 18 e 22 dos factos provados, outro referente aos enunciados fácticos plasmados nos pontos nºs 15, 16, 19 e 21 dos factos provados e um outro relativo à factualidade constante do ponto nº 20 dos factos provados e do ponto nº 7 dos factos não provados.

Começando pelo primeiro dos mencionados segmentos, nos referidos pontos deu-se como provado que:

. “Posteriormente ao recebimento da carta referida no número 9. dos factos provados, enviou a R. técnicos ao local” (ponto nº 10);

. “Na sequência, houve uma reunião entre a A. e marido e o representante legal da R. - Sr. DD -, que lhes garantiu que nessa nova intervenção a efetuar as anomalias (indicadas na carta indicada no número 9. dos factos provados) iriam ficar definitivamente removidas” (ponto nº 11);

. “Tendo, na época, a R., em momento entre setembro de 2018 e dezembro de 2018, efetuado algumas reparações no interior e exterior, com vista a solucionar as patologias que tinham sido comunicadas” (ponto nº 12);

. “Reparações que, contudo, viriam a revelar-se insuficientes, uma vez que as existentes permaneceram (com exceção da parte da infiltração na garagem), agravando-se com o tempo” (ponto nº 13);

. “O que motivou novas reclamações verbais e insistência dos AA. AA e marido junto da R., tendo sido enviada nova carta registada datada de 29/06/2020, para a reparação de anomalias, missiva enviada pela mandatária dos AA. e que foi recebida pela R., e que tinha o seguinte teor:

“Em representação dos M/Constituintes AA e BB venho expor para requerer o seguinte:

Em Agosto de 2016, os M/ C, celebraram com V. Exa., um contrato compra e venda de uma moradia como certamente é do V/ conhecimento, correspondente à fração "C ..." sito na Travessa ..., ..., ... Vila Nova de Gaia.

Em 19 de Setembro de 2018 os M/C denunciaram a existência de diversas patologias com origem em deficiências de construção, que afectam gravemente a sua habitabilidade, como infiltrações e humidades visíveis (fugas e entradas de água, fissuras nas paredes em todas as divisões da habitação, falta de isolamento/impermeabilização do chão/ parede do poliban, falta rematar trabalhos sob a banca da cozinha, fissuras no chãos com particular relevância na garagem madeiras dos soalhos com fissuras, descoloração das paredes dos soalhos.

Para os devidos e legais efeitos foi pedida uma peritagem relativamente à fracção supra referida em que a conclusão da mesma e peremptória referindo que os danos existentes se devem a vício de construção.

Apesar das varias interpelações a V/ Exas para reparação dos defeitos existentes e devidamente denunciados, até à presente não colmataram a deficiência existente na habitação.

Face ao exposto, deverão V. Exas proceder à reparação de todas as patologias no prazo de 15 dias úteis, caso não o façam darei entrada da competente acção judicial de defeito de construção, com todas as consequências dai inerentes, sem qualquer outra possibilidade de resolver o assunto extrajudicialmente” (ponto nº 14);

. “A A. CC, em Setembro de 2020, teve conhecimento de anomalias na Fração E, tendo-os comunicado à R., que terá feito reparações pelo menos no soalho” (ponto nº 17);

. “Apesar da comunicação verbal da A. à R. para reparação das anomalias resultantes da construção do edifício, acontece, porém, que não o fez de forma definitiva e voltaram os mesmos aparecer e nesta data estão muito piores do que quando a A. CC os comunicou ao representante legal da R.” (ponto nº 18);

. “A A. AA e marido participaram a uma seguradora as infiltrações, tendo esta declinado a responsabilidade” (ponto nº 22).

Questão que imediatamente se coloca é a de saber qual o efetivo relevo da impugnação das transcritas proposições factuais para a decisão do presente pleito.

Como é consabido, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto visa, em primeira linha, alterar o sentido decisório sobre determinada materialidade que se considera incorretamente julgada. Mas este instrumento processual tem por fim último possibilitar alterar a matéria de facto que o tribunal recorrido considerou provada ou não provada, para, face à nova realidade a que por esse caminho se chegou, se possa concluir que, afinal, existe o direito que foi invocado, ou que não se verifica um outro cuja existência se reconheceu. O seu efetivo objetivo é, portanto, conceder à parte uma ferramenta processual que lhe permita modificar a matéria de facto considerada provada ou não provada, de modo a que, por essa via, obtenha um efeito juridicamente útil ou relevante.

Se, por qualquer motivo, o facto a que se dirige aquela impugnação for irrelevante para a decisão a proferir, então torna-se inútil a atividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois, nesse caso, mesmo que, em conformidade com a pretensão do recorrente, se modifique o juízo anteriormente formulado, sempre o facto que agora se considerou provado ou não provado continua a ser juridicamente inócuo ou insuficiente.

Quer isto dizer - conforme vem sendo entendido[3] -, que não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objeto da impugnação não for suscetível de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente.

Alinhando por igual visão das coisas, entendemos que a preconizada alteração do sentido decisório referente às aludidas proposições factuais é concretamente inócua, posto que da mesma não se extrai qualquer consequência jurídica com reflexo na decisão das questões que delimitam objetivamente o âmbito do presente recurso, que se prendem em dilucidar se, in casu, se mostram, ou não, verificados os pressupostos normativos que justifiquem a condenação da ré na reparação/eliminação dos defeitos que atualmente se registam nos imóveis que vendeu aos autores.

Portanto, na economia da ação não está propriamente em causa saber se em reuniões havidas entre as partes o legal representante da ré garantiu que iria “remover” defeitos então existentes nos ajuizados imóveis e se houve ou não lugar a alguns trabalhos de reparação dos mesmos (factos que a ré nega perentoriamente), mas fundamentalmente saber se presentemente se registam nesses imóveis os defeitos identificados nos pontos nºs 15 e 17 dos factos provados cuja reparação/eliminação os demandantes reclamam.

De igual modo, não se antolha, para o aludido efeito, qual o relevo da afirmação de facto vertida no ponto nº 22 dos factos provados.

Consequentemente, não há, pois, que apreciar o referido segmento impugnatório.


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Passando ao segundo segmento da impugnação da matéria de facto, nos pontos nºs 15, 16, 19 e 21 deu-se como provado que:

. “A fração indicada no número 5. dos factos provados apresenta ainda as seguintes desconformidades:

- Infiltrações de água e humidades visíveis,

-fugas e entradas de água do exterior e interior (wc),

-fissuras nas paredes das divisões da habitação,

-falta de isolamento/impermeabilização do chão/parede do poliban (dos wc),

-falta rematar trabalhos sob a banca da cozinha,

-fissuras no chão com particular relevância na garagem;

-madeiras dos soalhos com fissuras, no que ao interior da habitação diz respeito,

-descoloração das paredes dos soalhos” (ponto nº 15);

. “Foi efetuado, por uma empresa, um orçamento para reparação da fração C no valor de €24.913,50” (ponto nº 16);

. “A fração “E”, pertencente à A. CC, apresenta ainda várias anomalias de construção, a saber:

- Várias fissuras nas paredes, da sala e humidade junto à janela /caixilharias,

-fissuras na parede do teto da cozinha,

-Fissuras da parede junto às escadas no piso intermédio da habitação,

-fissuras nos três quartos da casa

-fissuras no chão e escadaria,

-apresentando a habitação vários locais da casa com humidade” (ponto nº 19);

. “As anomalias e infiltrações de humidade acima descritas - que ainda hoje se mantêm sem que a R. tenha resolvido tais questões – são devidas a uma deficiente construção e deficiente isolamento/impermeabilização da base de duche, das caixilharias que deixam entrar água do exterior para o interior da habitação provocando todos os danos descritos” (ponto nº 21).

As transcritas proposições consubstanciam as essenciais questões de facto que se discutem no âmbito do presente processo e que se prendem em apurar se os ajuizados imóveis padecem dos defeitos invocados pelos demandantes.

Vejamos, antes de mais, em que termos o juiz a quo fundamentou o sentido decisório referente à descrita materialidade, sendo que na respetiva motivação escreveu que «[o] ponto central são os factos presentes no número 15. dos factos provados, a respeito das anomalias.

E, neste aspeto, verifica-se das declarações da A. AA, que explicou com detalhe muitos destes factos.

Por outro lado, consta num processo, junto com a p.i., um orçamento de reparação que suporta a existência dessas mesmas anomalias.

Igualmente foram juntas à p.i. um conjunto de fotografias da fração C.

Também a testemunha FF, amiga dos AA. AA e marido, expôs que visita a casa destes e como esta casa se encontra (“uma vez foi lá jantar e escorria água por um vidro existente na sala, isto no ano de 2019; Tem humidade na casa de banho de cima, no piso superior, nas paredes e à beira das janelas. Viu fissuras no chão da garagem e outras fissuras grandes, e viu problemas nas banheiras de um wc”).

Igualmente a testemunha EE, expôs como se encontrava esta habitação, em conformidade com o mencionado pela testemunha FF.

Estas testemunhas foram totalmente credíveis pela forma segura e firme como prestaram os depoimentos, que, aliás, estão em conformidade com as fotografias juntas ao processo.

Todos estes elementos de prova formam um conjunto coerente probatório, que nos leva a credibilizar a existência destas anomalias e a considerar estes factos como provados.

E por isso foram estes factos considerados como provados.

Em contraponto, foi mencionado pela A. AA que as infiltrações na garagem tinham desaparecido com as reparações efetuadas.

E por isso se consideraram como não provados os factos presentes no número 5. dos factos não provados.

Relativamente ao orçamento que foi apresentado (cfr. número 16. dos factos provados), decorre do documento da B..., que foi junto à p.i., e que não foi negado pelas testemunhas II, que é sócio da empresa que apresentou aquele orçamento e HH (gerente da B...).

Relativamente aos factos respeitantes à fração E, cumpre desde já dizer, com honestidade, que as declarações de CC devem ser analisadas com outro tipo de cuidados.

A A. CC começou por não reconhecer a assinatura do documento que foi junto à contestação (uma declaração). E só quando confrontada com a possibilidade de se vir a descobrir que aquela assinatura lhe pertencia (através de uma perícia), lá acabou por reconhecer que a assinatura era dela.

Temos assim, por certo, que as declarações de CC, contrariamente às declarações da A. AA, não têm um peso autónomo que as possa credibilizar por si só.

Em todo o caso, foi o próprio representante da R. DD a afirmar que esta A. tinha informado de anomalias, considerando que estas existiam num soalho (que, alegadamente, a R. teria pago a reparação).

Desta forma, com esta posição, o Tribunal já se sente confortável a credibilizar as declarações da A. CC a este propósito. Esta explicou que, em finais de 2020, (setembro ou outubro) deparou-se com fissuras e humidade.

Falou então com o “Sr. DD” (o representante legal da R.) que lhe disse que “vamos deixar puxar bem, e na Primavera vamos tratar disso tudo”.

E depois nada fez e deixou de atender os telefonemas.

As declarações da A. CC, com um princípio de suporte, do próprio representante legal da R., emergem, neste ponto, pelo detalhe e firmeza, como credíveis.

Por esse motivo foram considerados como provados os factos presentes nos números 17. e 18. dos factos provados.

No que respeita às anomalias existentes na fração E, o Tribunal baseou-se nas declarações de CC, que as explicou, e que têm suporte nas fotografias juntas ao processo logo na p.i..

Também a testemunha KK, pai do companheiro que vive em união de facto com a R. CC, expôs o estado em que se encontrava a habitação desta, principalmente em termos de humidade.

A testemunha foi credível pela forma segura como depôs.

E por isso se consideraram como provados os factos presentes nos números 19. dos factos provados (…).

A outra grande questão relaciona-se com a origem daquelas anomalias.

Todas as AA. declararam, com credibilidade, que as infiltrações se mantinham e que as situações se agravaram. O que faz sentido, perante as fotografias que foram juntas com a p.i..

E para nós é evidente que tais desconformidades se devem a defeitos de construção. Não é normal em poucos anos uma casa apresentar aquele nível de rachas nas paredes, infiltrações e humidades.

Não estamos a falar de uma habitação com quarenta ou cinquenta anos e que nunca foi intervencionada. São habitações relativamente novas.

Neste aspeto, o depoimento da testemunha LL, que vendeu uma das habitações, para além de indicar que os materiais eram de boa qualidade, não pôs em crise que aquelas anomalias sucediam, pois que o mesmo não era visita nas habitações.

A testemunha GG, arquiteto, não mereceu nenhuma credibilidade, pois tentou explicar ao Tribunal que seria a falta de arejamento e manutenção que provocavam aquelas anomalias.

Quem olha para os estragos e empolamentos nas fotografias, e fissuras na parede, imediatamente tem de concluir que jamais uma habitação, com poucos anos, poderia ter aquelas consequências por falta de manutenção.

Tratou-se claramente de um depoimento não isento e que não nos mereceu nenhuma credibilidade.

E por isso se consideraram como provados os factos presentes no número 21. dos factos provados».

Colocada perante a transcrita motivação da decisão de facto, a apelante, na essência, sustenta que os depoimentos prestados pelas testemunhas FF e EE “não permitem concluir pela existência e causa das invocadas desconformidades, uma vez que não foram assertivos quanto à existência e amplitude das mesmas”, contrariamente ao depoimento adrede prestado pela testemunha GG que afirmou que as humidades existentes nos imóveis são resultado da falta de arejamento dos mesmos e uso de produtos de limpeza inadequados.

Procedeu-se à audição do registo fonográfico dos depoimentos prestados na audiência final a propósito da materialidade objeto de impugnação, sendo que os defeitos atualmente existentes no imóvel identificado no ponto nº 5 dos factos provados foram relatados de forma circunstanciada pela autora AA, a qual referiu que após ter denunciado os defeitos na sequência da missiva a que se alude no ponto nº 9 dos factos provados, apesar de a ré ter adiantado que iria proceder à sua eliminação, facto é que tais defeitos - sobretudo fissuras, infiltrações e a existência de humidades em compartimentos da sua fração - foram-se agravando desde então, convocando para confirmação dessa realidade os diversos registos fotográficos que juntou aos autos que retratam o estado atual da mesma.

Sobre esta matéria depuseram ainda as testemunhas FF e EE (que frequentam com regularidade a habitação da autora AA, por serem seus amigos e colegas de trabalho), as quais referiram que nas deslocações que efetuaram ao imóvel constataram que no mesmo existiam infiltrações e humidades em diversos dos seus compartimentos.

Já no concernente ao imóvel identificado no ponto nº 4 dos factos provados, a existência de fissuras, infiltrações e humidades, foi confirmada pela autora CC que em abono das suas declarações apelou às fotografias que juntou aos autos com o desiderato de evidenciar as desconformidades existentes na sua fração. As declarações que prestou foram corroboradas pelo depoimento prestado pela testemunha KK que, dada a sua relação de parentesco com o companheiro da demandante, frequenta habitualmente esse imóvel relatando o estado que o mesmo apresenta.

Em sentido divergente depôs a testemunha GG (trabalhador subordinado da ré) que adiantou que, na sua perspetiva, as infiltrações e sobretudo as humidades que se registam no interior dos imóveis são resultado de falta de arejamento dos mesmos e uso de produtos de limpeza inadequados.

É certo que as fotografias a que acima se fez alusão foram alvo de expressa impugnação por banda da ré. No entanto, essa impugnação não tem como consequência – contrariamente ao que parece ser entendimento da recorrente – a inaproveitabilidade dessa prova documental que, nos termos gerais, deverá ser livremente valorada pelo tribunal, designadamente conjugando-a com outras provas adrede produzidas nos autos, mormente a indicada prova pessoal e bem assim o orçamento elaborado, em abril de 2019, pela sociedade “B...” (documentos nºs 16, 17 e 18 junto com a petição inicial) onde se dá nota de problemas de infiltrações e falta de impermeabilização em várias zonas do imóvel identificado no ponto nº 5 dos factos provados.

A questão que naturalmente se coloca é a de saber se na presença dos mencionados subsídios probatórios se justifica a impetrada alteração do decisório referente à materialidade objeto de impugnação.

Como é consabido, com o controlo efetuado pelo Tribunal da Relação sobre o julgamento da matéria de facto realizado pelo tribunal de 1ª instância não se visa o julgamento ex novo dessa matéria, mas antes reponderar ou reapreciar o julgamento que dela foi feito na 1ª instância e, portanto, aferir se aquela instância não cometeu, nessa decisão, um error in judicando. O recurso ordinário de apelação em caso algum perde a sua feição de recurso de reponderação para passar a ser um recurso de reexame.

Como se viu, em relação às proposições factuais alvo de impugnação foram produzidos declarações e depoimentos de sinal contrário, sendo que na respetiva apreciação o decisor de 1ª instância desconsiderou, precisamente, o depoimento prestado pela testemunha GG, não deixando de ressaltar as inconsistências do mesmo.

Portanto, o que ressuma do cotejo entre a motivação da decisão sub iudicio e a motivação do recurso sub specie, é uma divergente valoração da prova produzida: tribunal recorrido e recorrente não divergem na leitura das provas, divergem na respetiva valoração.

Porém, como deflui do art. 662º, os poderes para alteração da matéria de facto conferidos ao tribunal de recurso constituem apenas um remédio a utilizar nos casos em que os elementos constantes dos autos apontam inequivocamente (em termos de convicção autónoma) para uma resposta diferente da que foi dada pela 1ª instância e já não naqueles (como é o caso) em que, existindo versões contraditórias, o tribunal recorrido, beneficiando da oralidade e da imediação, firmou a sua convicção numa delas (ou na parte de cada uma delas que se apresentou como coerente e plausível) sem que se evidencie no juízo alcançado algum atropelo das regras da lógica, da ciência e da experiência comum, assumindo uma opção que justificou de forma que reputamos consonante com a prova produzida no âmbito do presente processo.

Como assim, devem os pontos factuais nºs 15, 16, 19 e 21 continuar a constar do elenco dos factos provados.

*

Por último, advoga a apelante que o ponto nº 20 dos factos provados deve ser dado como não provado, enquanto o enunciado fáctico vertido no ponto nº 7 dos factos não provados deve transitar para o elenco dos factos provados.

No referido ponto nº 20 deu-se como provado que “A R. emitiu e entregou à A. CC um cheque, datado de 03/03/2020, no valor de €1.800,00 (cfr. cheque junto em 17/10/2022), com a finalidade de pagamento de serviços de jardinagem, que a R. se comprometeu a custear”, enquanto no mencionado ponto nº 7 deu-se como não provado que “A R. entregou à A. CC o cheque indicado no número 20. dos factos provados com a finalidade de pagamento de reparações na habitação (Fração E)”.

A tónica dos referidos enunciados fácticos reside, pois, em saber se o cheque aí mencionado foi emitido e entregue pela ré à autora CC para pagamento de serviços de jardinagem ou então para pagamento de reparações realizadas na habitação desta, não estando posto em crise que a autora recebeu a quantia mencionada nesse título cambiário.

Para fundamentar o juízo probatório emitido quanto a essas afirmações de facto, na respetiva motivação da decisão recorrida, escreveu-se que «[o]s factos presentes no número 20. dos factos provados decorre do cheque junto ao processo, e que a A. CC, nas declarações, aceitou ter recebido.

Explicou, no entanto, que o recebimento teve a ver com motivos bem diferentes do que constam da declaração que assinou, como era do conhecimento da R..

Ora, a este propósito, explicou a testemunha JJ, que conhecia a R. CC e o representante da R., que teve um compromisso com o Sr. DD [legal representante da ré] para fazer um serviço de jardinagem, mas depois combinou fazer um jardim e sebe com a A. CC. Esta acabou por lhe pagar tudo e depois ficou combinado que o Sr. DD faria contas com a A. CC.

Nada teve a ver com reparações, mas antes com a construção de um jardim, que a R. CC quis tratar com o arquiteto.

A R. CC pagou-lhe pela totalidade do serviço.

Ora, a R. CC explicou essa mesma situação.

A testemunha JJ foi totalmente credível pela forma firme e segura como prestou depoimento, merecendo total credibilidade.

Ora, as declarações da R. CC, conjuntamente com o depoimento de JJ, levam a que o Tribunal considere estes factos como provados (cfr. número 20. dos factos provados).

Em contraponto, dando-se estes factos como provados e com esta fundamentação, teriam de se considerar como não provados os factos presentes no número 7. dos factos não provados».

Sustenta a apelante que os meios de prova a que o juiz a quo alude na transcrita motivação não são de molde a justificar o juízo probatório emitido quanto aos mencionados enunciados fácticos, desde logo porque consta dos autos declaração subscrita pela autora CC que tem valor confessório, posto que na mesma reconhece que recebeu da ré a quantia de €1.800,00 para custear reparações na sua habitação. Argumenta ainda que a testemunha JJ não confirmou que o valor do serviço de jardinagem tenha ascendido ao referido montante de €1.800,00, nada sabendo se o valor pago (através do cheque junto aos autos em 17.10.2022) pela ré à referida autora tinha, ou não, a ver com o reembolso do valor por esta adiantado.

Começando pela indicada prova documental, verifica-se que a aludida declaração (datada de 26 de fevereiro de 2019) tem o seguinte teor: «Eu, CC, moradora na Trav...., declaro que recebi €1.800.00 (mil e oitocentos euros) referente a reparações efetuadas na minha moradia, sita na Trav...., ..., cujo essas obras foram realizadas por mim com o consentimento do Sr. DD [o legal representante da ré]».

A autora CC não impugnou a letra e assinatura constantes desse suporte documental (cuja autoria lhe é atribuída), embora refira que as únicas obras que foram por si custeadas respeitam a serviços de jardinagem e não ao pagamento de quaisquer obras de reparação do seu imóvel.

Advoga a apelante que, nessas circunstâncias, tal declaração adquire força probatória contra a declarante na medida em que aí reconhece factos que lhe são desfavoráveis.

Que dizer?

Estando em causa um documento particular simples que se mostra assinado pela declarante, e cuja letra e assinatura foram por esta reconhecidas, são as mesmas tidas como verdadeiras, nos termos do n.º 1 do art. 374.º do Cód. Civil.

Assim estabelecida a autoria do documento, o seu valor probatório é o que resulta do disposto no art. 376.º do Cód. Civil, isto é, nos termos do seu nº 1, “faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor”, encontrando-se deste modo plenamente provado que a autora declarou quanto dele consta. No entanto, essa prova plena opera apenas quanto ao conteúdo extrínseco (proveniência e existência das declarações, isto é, respeita ao facto histórico de declarar) e não quanto ao conteúdo intrínseco das declarações (sua veracidade intrínseca e validade).

No que respeita ao conteúdo intrínseco dessas declarações, ou seja, à determinação do seu valor probatório material, vale a regra do n.º 2 do mesmo normativo, considerando-se provados os “factos compreendidos na declaração” na medida em que forem contrários aos interesses do declarante, mas a declaração é indivisível nos termos prescritos para a prova por confissão.

Questão que, então, se coloca é a de saber se os factos vertidos na aludida declaração são contrários aos interesses da declarante, isto é, se assumem valor confessório.

Como emerge da concatenação da regra enunciada nesse nº 2 com aqueloutra que se mostra vertida no art. 352º do mesmo Corpo de Leis – onde se plasma a noção legal de confissão como sendo “o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária” – ambas têm em comum a especial eficácia probatória da declaração, verbal ou escrita, que reconhece a veracidade de um facto que é contrário aos interesses de quem a profere.

Sendo ela o reconhecimento de um facto desfavorável ao confitente e favorável à parte contrária (ou seu representante[4]), e porque a sua eficácia pressupõe, nos termos do nº 1 do art. 353º do Cód. Civil, que o confitente possa dispor do direito a que o facto confessado se refere, podemos concluir – na esteira da doutrina[5] que se vêm pronunciando sobre esta temática - que esse desfavor tem de ser contemporâneo da emissão da correspondente declaração confessória, posto que a confissão só pode valer como tal se a contrariedade entre o facto confessado e o interesse do confitente já existir aquando da declaração confessória. É que, como sublinha LEBRE DE FREITAS, da confissão “resultará ter-se ou poder-se ter por assente, acertado ou provado um facto que, sendo favorável à parte contrária e desfavorável ao confitente, tem por efeito o sacrifício do interesse deste ao interesse de que aquele é titular (…) e esta desfavorabilidade do facto ao confitente é o fator de atribuição da legitimidade para confessar”.

Em suma: não se confessa aquilo que não é, ainda, desfavorável.

E o mesmo tem de valer para a prova plena proveniente de uma declaração (de ciência) constante de um documento particular de autoria reconhecida, dada a sua natureza confessória. Consequentemente para que a regra do nº 2 do citado art. 376º opere torna-se, pois, mister que os factos declarados sejam desfavoráveis ao declarante já no momento em que o escrito é produzido, sem o que a declaração dele constante não é contrária aos interesses do declarante, sendo certo igualmente que essa desfavorabilidade tem de resultar, per se, da própria declaração.

Como nos diz LEBRE DE FREITAS[6], o reconhecimento do declarante é o reconhecimento dum facto passado (ou presente duradouro) que seja “constitutivo dum seu dever de sujeição, extintivo ou impeditivo dum seu direito ou modificativo duma situação jurídica em sentido contrário ao seu interesse, ou, ao invés, a negação da realidade dum facto favorável ao declarante, ou seja, dum facto constitutivo dum seu direito, extintivo ou impeditivo dum seu dever ou sujeição ou modificativo duma situação jurídica no sentido do seu interesse”.

No caso em apreço, o documento em questão foi apresentado pela ré no sentido de lograr demonstrar que a importância que pagou à autora CC se destinou a reembolsá-la do montante que esta despendeu com a reparação dos defeitos cuja eliminação ora reclama na presente demanda.

Analisando o teor do documento em crise, dele não resulta, de forma clara e imediata, que as “reparações” a que aí se faz referência digam efetivamente respeito a obras tendentes à eliminação dos defeitos que a demandante considera existirem no seu imóvel e que justificaram a propositura desta ação. Aliás, neste conspecto, não será despiciendo ressaltar não se registar sequer coincidência entre os defeitos cuja reparação é requerida nesta demanda e os alegados “problemas no soalho” que o legal representante da ré, aquando da sua audição em julgamento, referiu terem estado na base do pagamento da importância mencionada na dita declaração.

Ora, neste domínio, a lei substantiva (art. 357º, nº 1 do Cód. Civil) expressamente estabelece que a declaração para ter natureza confessória deve ser inequívoca[7], isto é, claramente desfavorável ao declarante, o que não é o caso, já que as declarações vazadas no mencionado documento, considerando o contexto em que foram prestadas, não valiam então como reconhecimento de que o pagamento realizado pela ré se tenha destinado a reembolsar a autora/declarante de despesas que tenha suportado com a reparação dos defeitos cuja eliminação impetra nestes autos.

Do exposto resulta que à aludida declaração não pode ser atribuído efeito confessório, sem prejuízo de poder ser livremente valorada nos termos do que se dispõe no art. 361º do Cód. Civil.

Malgrado impender sobre a ré o ónus da prova de que a autora CC já havia sido reembolsada da quantia que despendeu na reparação dos defeitos que reclama (cfr. art. 342º, nº 2, do Cód. Civil), certo é que, para além do mencionado suporte documental, não apresentou qualquer prova tendente à demonstração dessa realidade, sendo que os únicos subsídio probatórios adrede produzidos foram as declarações da referida autora e bem assim o depoimento prestado pela testemunha JJ, que, de modo concordante, referiram ter existido um acordo entre aquela e DD (legal representante da ré) no sentido de que o serviço de jardinagem a realizar pela testemunha seria pago pela autora que subsequentemente “acertaria contas com o Sr. DD”, tendo sido essas as únicas “obras” que foram levadas a cabo pela demandante com o consentimento do legal representante da ré.

Daí que, ponderando os enunciados meios probatórios, não se verifique razão bastante para divergir do sentido decisório que foi acolhido na sentença recorrida, já que a argumentação expendida pela apelante não teve, quanto a nós, o condão de desconstruir a motivação adrede tecida nesse ato decisório, afigurando-se-nos que a prova produzida não impõe (como é suposto pelo nº 1 do art. 662º) decisão diversa.


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4. FUNDAMENTOS DE DIREITO

4.1. Da caducidade do direito dos autores AA e BB

Como emerge do substrato factual provado (e ora estabilizado), entre os autores (na qualidade de compradores) e a ré/apelante (na qualidade de vendedora) foram celebrados contratos de compra e venda que tiveram por objeto mediato os dois imóveis identificados nos pontos nºs 4 e 5 dos factos provados.

No ato decisório recorrido, perante a demonstração de que os imóveis foram transacionados pela ré no âmbito da sua atividade profissional e que os mesmos se destinaram a habitação dos compradores, convocou-se o regime da venda de bens de consumo plasmado no DL nº 67/2003, de 8.04, à luz do qual se considerou estar aquela obrigada a proceder à reparação/eliminação dos defeitos que tais imóveis apresentam, julgando outrossim improcedente a invocada exceção perentória da caducidade por não haver decorrido qualquer dos prazos previstos no seu art. 5º-A.

A apelante insurge-se contra esse segmento decisório, argumentando, desde logo, que efetivamente ocorreu a caducidade do direito dos autores AA e BB exigirem a reparação dos defeitos de que padecerá o seu imóvel.

Que dizer?

Não se mostra fundadamente posta em questão a aplicabilidade, in casu, do citado DL nº 67/2003[8], diploma entretanto revogado pelo DL nº 84/2021, de 18.10, continuando, no entanto, a aplicar-se aquele regime aos contratos de compra e venda celebrados antes da entrada em vigor deste último diploma[9] (como é o caso dos ajuizados contratos), por força da norma de direito transitório material vertida no seu art. 53º.

Sobre a matéria atinente à caducidade dos direitos atribuídos ao comprador no art. 4º do citado DL nº 67/2003 (na redação que lhe foi dada pelo 84/2008, de 21.05) regem os seus arts. 5º e 5º-A, dos quais deflui que o mesmo beneficia de um prazo de cinco anos para o conhecimento da desconformidade do imóvel objeto do contrato alienatório, do prazo de um ano, a contar do conhecimento dos defeitos para os denunciar ao vendedor e de um prazo de três anos, subsequente a essa denúncia, dentro do qual terá de ser instaurada a ação destinada a exercitar o direito à sua reparação ou eliminação.

Portanto, a lei consagra três prazos de caducidade, concretamente: o prazo de denúncia dos defeitos, o prazo para o exercício das garantias edilícias e o chamado limite/prazo máximo da garantia legal. Tal significa que o vendedor quando invoca a caducidade dos direitos do comprador de coisa defeituosa, tem que a reportar ao prazo que considera excedido e se só menciona um prazo como excedido só essa respetiva caducidade pode ser considerada como invocada, posto que essa exceção perentória, para poder ser conhecida, tem que ser suscitada na contestação (como o exige o princípio da eventualidade ou preclusão enunciado no art. 573º), uma vez que, não se estando perante matéria que esteja excluída da disponibilidade das partes (cfr. art. 333º do Cód. Civil), não pode ser conhecida oficiosamente.

No caso, a ré e ora apelante, no articulado de defesa que apresentou, invocou a caducidade do direito dos referidos autores por decurso dos prazos para denunciar os alegados defeitos e para instauração da ação na sequência dessa denúncia, sustentando que entre a data desta e a propositura da presente ação decorreu mais de um ano (cfr. arts. 26º e 30º).

Na sentença recorrida julgou-se improcedente a mencionada exceção perentória porquanto, ao invés do que sustenta a ré, esse prazo não é de um ano, mas sim de três anos, o qual ainda não havia decorrido integralmente no momento da instauração da ação.

No presente recurso a apelante persiste no entendimento de que o aludido direito efetivamente caducou.

Não lhe assiste razão, porquanto, em conformidade com o preceituado no nº 3 do art. 5º-A do DL nº 67/2003, de 8.04, é de três anos (e não de um ano) o prazo para ser instaurada a ação destinada a exercitar o direito à reparação/eliminação, prazo esse que tem o seu dies a quo na data da denúncia dos defeitos. Consequentemente, tendo-se provado que os autores AA e BB denunciaram os defeitos no dia 19 de setembro de 2018[10], segue-se que na data da propositura da ação (8 de junho de 2021) ainda não se havia consumado o aludido prazo trienal.

De igual modo, a materialidade provada não permite afirmar que tenha caducado o prazo para denúncia dos defeitos, posto que a ré/apelante não logrou demonstrar (como lhe é imposto em sede de ónus de prova – cfr. art. 343º, nº 2 do Cód. Civil) que entre o conhecimento dos defeitos e a sua denúncia tenha decorrido mais de um ano.


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4.2. Do direito à eliminação/reparação dos defeitos existentes nos ajuizados imóveis

Por mor do preceituado no art. 2º, n.º 1, do citado DL n.º 67/2003, estaria a ré obrigada a entregar aos autores “bens que seja conforme com o contrato de compra e venda”, sendo que, tal como tem sido assinalado pela doutrina pátria[11], essa garantia de conformidade implica uma alteração substancial no regime da compra e venda de bens de consumo, na medida em que vem “afastar a solução tradicional do caveat emptor, segundo ao qual caberia sempre ao comprador aquando da celebração do contrato, assegurar que a coisa adquirida não tem defeitos e é idónea para o fim a que se destina. Face ao novo regime da venda de bens de consumo, esta averiguação deixa de ser imposta ao consumidor para ser objeto de uma garantia específica, prestada pelo vendedor, cabendo a ele o ónus da prova, segundo as regras gerais, de ter cumprido essa obrigação de garantia”.

Tal garantia é objeto de presunções ilidíveis, de não conformidade, relativamente às situações mais correntes, estabelecidas nas várias alíneas do n.º 2, do mesmo art. 2º, valendo essas presunções como regras legais de integração do negócio jurídico, destinadas a precisar o que é devido contratualmente na ausência ou insuficiência de cláusulas que fixem as características e qualidades da coisa a entregar ao consumidor em execução do programa negocial adotado pelas partes[12].

No que ao caso releva, interessa-nos, em especial, a previsão normativa da alínea d) do referido preceito legal, na qual se dispõe que “[p]resume-se que os bens de consumo não são conformes com o contrato se se verificar não apresentarem as qualidades e o desempenho habituais nos bens do mesmo tipo e que o consumidor pode razoavelmente esperar, atendendo à natureza do bem e, eventualmente, às declarações públicas sobre as suas características concretas feitas pelo vendedor, pelo produtor ou pelo seu representante, nomeadamente na publicidade ou na rotulagem”.

Estão aqui em causa dois critérios: o primeiro a correspondência das qualidades e desempenho com o habitual em bens do mesmo tipo e o segundo as expectativas razoáveis do consumidor, face à natureza do bem e, eventualmente, às declarações públicas sobre as suas características concretas, sendo que este último critério encontra igual acolhimento na previsão da última parte do art. 4º, n.º 1, da Lei nº 24/96, de 31.07 (Lei da Defesa do Consumidor), enquanto nela se preceitua que “[o]s bens e serviços destinados ao consumo devem ser aptos a satisfazer os fins a que se destinam e produzir os efeitos que se lhes atribuem de modo adequado às legítimas expectativas do consumidor”.

Dada a ratio essendi que preside à consagração de tal presunção (concretamente a proteção do consumidor), parte significativa da doutrina e jurisprudência vêm sustentando que esses critérios se encontram numa relação de alternatividade[13].

Na espécie, na presença da materialidade que logrou demonstração (cfr. v.g. factos provados nºs 15, 19 e 21), mostra-se preenchida a fattispecie da transcrita alínea, dado que os ajuizados imóveis padecem de defeitos relevantes que comprometem a realização na sua plenitude do fim a que são destinados, concretamente como habitação dos demandantes.

Nessa decorrência, por mor do disposto no nº 1 do art. 4º do DL nº 67/2003, a referida falta de conformidade permite aos autores/compradores exigir a reparação dos imóveis, a sua substituição, a redução adequada do preço ou a resolução do contrato; e no nº 5 desse mesmo artigo, estabelece-se que “[o] consumidor pode exercer qualquer dos direitos referidos nos números anteriores, salvo se tal se manifestar impossível ou constituir abuso de direito, nos termos gerais”.

Como é consabido, no regime geral da venda de coisas defeituosas, os direitos a exercer pelo comprador não surgem como alternativos, mas subordinados, em razão do que normalmente se designa por um princípio de eticização da escolha, decorrente do princípio da boa-fé[14]. Porém, no regime especial sob análise, com evidentes objetivos de alargamento da tutela dos interesses do consumidor/comprador, é expressamente prevista a alternatividade da escolha, sem prejuízo da salvaguarda de um grau suficiente de tal “eticização” pela omnipresença do princípio da boa-fé, bem como do regime do abuso de direito. Isso mesmo tem sido maioritariamente reconhecido na doutrina e na jurisprudência[15] afirmando-se que os meios que o comprador que for consumidor tem ao seu dispor para reagir contra a venda de um objeto defeituoso, não têm qualquer hierarquização ou precedência na sua escolha, estando somente limitada pela impossibilidade do meio ou pela natureza abusiva da escolha nos termos gerais, isto é, não se registe uma desproporção acentuada entre o exercício do direito e a dimensão dos defeitos que o fundam.

Ora, no caso vertente, não se identifica uma tal desproporção no concreto pedido de eliminação/reparação aduzido pelos autores, tal a diversidade e seriedade dos defeitos existentes nos ajuizados imóveis, razão pela qual se encontra a ré constituída no dever (resultante da mencionada obrigação de garantia) de proceder à peticionada reparação dos mesmos.

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4.3. Da litigância de má-fé da autora CC

A apelante rebela-se ainda contra o segmento da sentença que decidiu julgar improcedente o pedido de condenação da autora CC como litigante de má-fé, sustentando essa pretensão no facto de esta não ter reconhecido que a importância de €1.800,00 que lhe foi paga se destinou a reembolsá-la do montante que havia despendido em reparações na sua habitação.

Quid juris?

Como é consabido, o instituto da litigância de má-fé, tal como se mostra configurado no art. 542º, visa sancionar comportamentos contrários ao princípio da boa-fé processual, embora exija que tais comportamentos sejam acompanhados por um específico animus da parte do agente.

Na verdade, se atentarmos ao teor literal das diversas alíneas do nº 2 do citado normativo – que comportam ou descrevem o elemento objetivo da litigância de má-fé – verificamos que estas se tratam de verdadeiras concretizações do princípio da boa-fé. As mesmas, procurando traduzir o sentido negativo da boa-fé processual, elencam os comportamentos que as partes se devem abster de praticar de molde a não prejudicarem o decurso da relação jurídica processual, que deve ser pautado por um espírito de cooperação intersubjetiva e consentâneo com o dever de verdade, tendo em vista a justa resolução do litígio. Contudo, a lei não se basta com o mero preenchimento do elemento objetivo tal como se mostra descrito nas referidas alíneas, impondo outrossim que na inobservância desses deveres a parte aja com dolo ou negligência grave.

Assim, como refere PAULA COSTA E SILVA[16], a ilicitude pressuposta pela litigância de má-fé distancia-se da ilicitude civil (art. 483º Cód. Civil), não apenas porque se apresenta como um ilícito típico (descrevendo analiticamente as condutas que o integram), mas também porque, ao contrário do que sucede com o ilícito civil, se encontra dependente da verificação de um elemento subjetivo, sem o qual o comportamento da parte não pode ser tido como típico e, consequentemente, como ilícito, aproximando-se nesta medida muito mais do ilícito penal.

Efetivamente, quando no proémio do nº 2 do art. 542º, o legislador refere “quem, com dolo ou negligência grave” praticar o comportamento prescrito em qualquer das suas alíneas, parece pressupor que, para que se verifique o comportamento típico descrito em cada uma delas, o sujeito atue já imbuído de dolo ou culpa grave. Tal como sucede no âmbito penal, o tipo de ilícito do art. 542º será constituído não apenas por um elemento de natureza objetiva (que serve para dar a conhecer ao sujeito processual que aquele comportamento é proibido pelo ordenamento jurídico), mas também por um elemento de natureza subjetiva (no âmbito processual: o dolo ou a negligência grave), sendo que apenas quando ambos se verifiquem a conduta poderá ser considerada típica e, por conseguinte, ilícita.

Quanto a este elemento subjetivo a lei adjetiva[17] acolhe, assim, a máxima culpa lata dolo aequiparatur, considerando litigância de má-fé não apenas a lide dolosa, mas também a lide temerária, consagrando, deste modo, uma noção ética de boa-fé subjetiva[18], considerando de má-fé não apenas aquele que conhece o erro em que incorre, mas também aquele que o desconhece por não ter cumprido com os deveres de cuidado que lhe eram impostos. Todavia, esta eticização da má-fé processual não se afigura total, na medida em que se não compadece com qualquer desrespeito por esses deveres de cuidado, independentemente do grau de culpa. Pelo contrário, apenas estaremos perante má-fé processual quando se tenham desrespeitado os mais elementares deveres de cuidado e de prudência, atuando de forma gravemente negligente, isto é, com culpa grave.

Por conseguinte, apenas na presença de má-fé (subjetiva), isto é, da consciência de que lhe não assiste razão, ou quando – face às dificuldades em apurar a verdadeira intenção do litigante – tal consciência apenas se ausente por inobservância das mais elementares regras de prudência, o comportamento processual será reconduzido ao ilícito típico do art. 542º, nº 2, sendo sancionado como litigância de má-fé.

No caso, a apelante faz ancorar a sua pretensão de condenação da autora CC como litigante de má-fé no pressuposto de ser alterado o juízo probatório referente à materialidade a que se reporta o ponto nº 20 dos factos provados e o ponto nº 7 dos factos não provados.

Certo é que, como se referiu, tais afirmações de facto não foram alvo de alteração em sede recursiva, razão pela qual inexistem nos autos elementos que, de forma consistente e inequívoca, permitam concluir que a autora CC tenha litigado com má-fé substancial ou instrumental, já que, como vem sendo salientado[19], para que se consubstancie litigância de má-fé, a conduta processual da parte terá de ser qualificável como grave em termos de censurabilidade, o que reclamará sempre uma objetivação ou tradução em factos que não uma simples convicção íntima do julgador.

Improcede, assim, a conclusão XXII.


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III. DISPOSITIVO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas do recurso a cargo da apelante (art. 527º, nºs 1 e 2).

Porto, 10/2/2025.

Miguel Baldaia de Morais

Teresa Fonseca

Carlos Gil

_____________________________
[1] Diploma a atender sempre que se citar disposição legal sem menção de origem.
[2] Cfr., por todos, HELENA CABRITA, in A Fundamentação de facto e de direito da decisão cível, Coimbra Editora, 2015, pág. 259.
[3] Cfr., inter alia, acórdãos da Relação de Coimbra de 27.05.2014 (processo nº 1024/12) e de 24.04.2012 (processo nº 219/10), acórdão da Relação de Lisboa de 14.03.2013 (processo nº 933/11.9TVLSB-A.L1-2), acórdãos da Relação de Guimarães de 15.12.2016 (processo nº 86/14.0T8AMR.G1) e de 13.02.2014 (processo nº 3949/12.4TBGMR.G1) e acórdão desta Relação de 17.03.2014 (processo nº 7037/11.2TBMTS-A.P1), todos acessíveis em www.dgsi.pt. No mesmo sentido se pronuncia ABRANTES GERALDES, Recursos, pág. 297, onde escreve que “de acordo com as diversas circunstâncias, isto é, de acordo com o objeto do recurso (alegações e, eventualmente, contra-alegações) e com a concreta decisão recorrida, são múltiplos os resultados que pela Relação podem ser declarados quando incide especificamente sobre a matéria de facto. Sintetizando as mais correntes: (…) abster-se de conhecer da impugnação da decisão da matéria de facto quando os factos impugnados não interfiram de modo algum com a solução do caso, designadamente por não se visionar qualquer solução plausível da questão de direito que esteja dependente da modificação que o recorrente pretende operar no leque de factos provados ou não provados”.
[4] A este propósito vem-se advogando (cfr., inter alia, LEBRE DE FREITAS, in A confissão no Direito Probatório, Coimbra Editora, 1991, págs. 188 e seguintes e VAZ SERRA, in Provas - Direito Probatório Material, BMJ nº 112, págs. 217 e seguintes) que o termo representante deve, neste contexto, ser entendido em termos amplos, considerando-se como tal toda a pessoa que atue no interesse da contraparte no âmbito do conflito de interesses a que se reporta o facto confessado ou que, pela sua proximidade dela, deva ser reputada como normal transmissário da declaração confessória.
[5] Cfr., por todos, LEBRE DE FREITAS, ob. citada, págs. 104 e seguintes e PIRES DE SOUSA, in Direito Probatório Material, Almedina, 2020, pág. 85, onde escreve que “a aferição do carácter desfavorável da declaração pode, em tese, situar-se em dois momentos: ou quando o juiz valora a prova ou reportado ao momento da formalização da declaração de ciência, reconhecendo o facto desfavorável. Deve prevalecer esta [última] posição porquanto o animus confitendi centra a questão na vontade do declarante, independentemente das consequências legais assinaladas para a mesma”.
[6] Ob. citada, pág. 255.
[7] Como a este propósito enfatiza VAZ SERRA (ob. citada, pág. 200), “a confissão é coisa de tal modo grave para o confitente que se justifica a exigência de que a mesma se revele de forma suficientemente inequívoca”.
[8] Cujo âmbito de aplicação se mostra definido no seu art. 1º-A, no qual se preceitua que o mesmo «[é] aplicável aos contratos de compra e venda celebrados entre profissionais e consumidores», contratos esses que podem ter por objeto mediato bens móveis ou imóveis.
[9] O qual, de acordo com o seu art. 55º, entrou em vigor no dia 1 de janeiro de 2022.
[10] Facto, aliás, expressamente reconhecido pela ré no artigo 26º da contestação que apresentou.
[11] Cfr., por todos, MENEZES LEITÃO, in Estudos do Instituto de Direito do Consumo, vol. II, Almedina, 2005, pág. 45.
[12] Neste sentido se pronunciam expressamente CALVÃO DA SILVA, in Venda de bens de consumo revista, aumentada e atualizada, 4ª edição, Almedina, págs. 83 e seguintes e MENEZES LEITÃO, op. citada, págs. 46 e seguintes.
[13] Assim, na doutrina, MENEZES LEITÃO, op. citada, págs. 47 e seguintes; na jurisprudência, acórdão da Relação de Lisboa de 12.03.2009 (processo nº 993/06-2), acessível em www.dgsi.pt.
[14] Cfr., sobre a questão, inter alia, MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, vol. III, 6ª edição, Almedina, págs. 124 e seguintes e ROMANO MARTINEZ, Cumprimento Defeituoso – Em especial na compra e venda e na empreitada, Almedina, 2001, págs. 393 e seguintes.
[15] Cfr., por todos, na doutrina, CALVÃO DA SILVA, Compra e Venda de Coisas Defeituosas, Conformidade e Segurança, 5ª edição, pág. 169 e, do mesmo autor, Venda de bens de consumo revista, aumentada e actualizada, 4ª edição, págs. 110 e seguintes; na jurisprudência, acórdão do STJ de 5.05.2015 (processo nº 1725/12.3TBRG.G1.S1), acessível em www.dgsi.pt.
[16] A litigância de má-fé, Coimbra Editora, especialmente págs. 379 e seguintes. Em análogo sentido militam ainda JÚLIO CUNHA, A propósito da responsabilidade processual, in Estudos em homenagem ao Prof. Doutor António Motta Veiga, págs. 696 e seguintes e PEDRO DE ALBUQUERQUE, Responsabilidade processual por litigância de má-fé, abuso de direito e responsabilidade civil em virtude de atos praticados no processo, pág. 92, enfatizando este último que o elemento subjetivo é pressuposto constitutivo da figura da litigância de má-fé.
[17] Que, como é sabido, sofreu uma relativa ampliação a partir do DL nº 329-A/95, de 12.12, posto que, para além do dolo, passou a ser considerado de má-fé também aquele que apenas desconhece a sua falta de razão porque grosseiramente não observou os mais elementares deveres de cuidado.
[18] Sobre o conceito de boa-fé subjetiva no sentido ético cfr., por todos, MENEZES CORDEIRO, Da boa-fé no Direito Civil, págs. 516 e seguintes, onde preconiza que para que o sujeito seja considerado de boa-fé, não basta o simples desconhecimento sendo necessário um desconhecimento desculpável, ou seja um desconhecimento que permaneça mesmo havendo sido cumpridos os deveres de diligência e cuidado.
[19] Cfr., por todos, LOPES DO REGO, in Comentário ao Código de Processo Civil, vol. I, págs. 389 e seguintes e ABRANTES GERALDES, in Temas Judiciários, pág. 320 e seguintes.