RECONVENÇÃO
COMPENSAÇÃO
Sumário

I – A dedução de pedido reconvencional com vista a obter a compensação deve ser expresso na contestação, não podendo inferir-se da mera formulação de um pedido de condenação do autor no pagamento de uma determinada quantia que com esse pedido se visa compensar total ou parcialmente o crédito invocado na ação;
II - O exercício da compensação por via da reconvenção pode exercer-se a título subsidiário, mas se não for declarada a subsidiariedade desse pedido reconvencional o mesmo não pode ser admitido sem que o reconvinte admita a existência do crédito que quer ver compensado.
III – Sustentando-se o pedido do autor em responsabilidade contratual decorrente de defeito na coisa adquirida ao réu e a defesa na impugnação desses defeitos e na exceção de exercício abusivo do direito pelo autor, o eventual direito de indemnização do reconvinte por ofensa ao seu crédito ou bom nome, alegadamente decorrente da divulgação pelos autores do que alegaram como causa de pedir na petição inicial, não emerge do mesmo facto jurídico que serve de fundamento à ação nem à defesa.
IV – Também o direito de indemnização por danos alegadamente decorrentes da propositura da ação não tem conexão com tal causa de pedir e tal defesa, podendo tais danos ser ressarcidos por via do disposto no artigo 543º, número 1 do Código de Processo Civil quando o réu/reconvinte tenha requerido a condenação do autor por litigância de má-fé.

Texto Integral

Processo número 8933/23.0T8VNG, Juízo Central Cível de Vila Nova de Gaia, Juiz 2.

Recorrente: A..., Lda.

Recorridos: AA e BB.

Relatora: Ana Olívia Loureiro

Primeira adjunta: Ana Paula Amorim

Segundo adjunto: Jorge Martins Ribeiro

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I – Relatório:

1. Em 17-11-2023 AA e BB propuseram no juízo local cível de Vila Nova de Gaia ação a seguir a forma de processo comum contra A..., Lda, pedindo a sua condenação no pagamento de: 7.599,28 € decorrentes da redução de preço pago a esta pela aquisição de imóvel que dizem padecer de vários defeitos, 1.586,70 € para ressarcimento de danos patrimoniais que alegam ter sofrido em consequência desses defeitos e 5.000 € para indemnização de danos não patrimoniais com a mesma causa.

Para fundar essa pretensão alegaram ter adquirido à Ré, em 14 de fevereiro de 2023, uma fração autónoma a construir em imóvel destinado à habitação que lhes foi entregue com vários defeitos que reduzem a sua qualidade e impedem o seu uso, o que os deixa desgostosos e frustrados e para cuja averiguação e orçamentação os Autores já tiveram de despender 1.586,70 €. Alegaram que comunicaram à Ré tais defeitos, que só se tornaram visíveis depois terem passado a residir no imóvel, e que aquela nada fez. Sustentam ainda que tais defeitos desvalorizam o imóvel em 7.599,28 € pedindo, em consequência, a redução do preço da compra e venda.

2. A Ré contestou em 05-01-2024 excecionando a ineptidão da petição inicial e o abuso de direito dos Autores na modalidade de “venire contra factum proprium” por terem admitido, em assembleia de condóminos em que esteve presente o Autor marido, a fixação de um prazo de 90 dias para a correção de defeitos pela construtora, prazo esse que ainda estava em curso aquando da instauração da ação. Impugnou parte dos factos alegados como causa de pedir, nomeadamente imputando a eventual ocorrência de defeitos aos próprios Autores e pediu a intervenção provocada de terceira sociedade, que foi quem levou a cabo a construção do edifício e que estará já efetuar os trabalhos de reparação acordados em assembleia de condóminos.

Deduziu, ainda, reconvenção com a formulação de pedido de condenação dos Autores no pagamento de 35.000 € para ressarcimento dos danos que diz ter sofrido na sua reputação comercial por via do conhecimento por “fornecedores, clientes e colaboradores seus, familiares amigos e público em geral” das queixas dos Autores, a quem imputa a intenção de “denegrir a imagem da Ré” que sempre foi irrepreensível, sem qualquer ação judicial contra si proposta. Tal dano “reputacional”, que a Ré diz relevar especialmente porque o seu legal representante é advogado, tem, segundo a mesma, que ser reparado pelo pagamento da peticionada indemnização que decorre da conduta deliberada e, portanto, dolosa dos Autores que difundiram as afirmações falsas que fazem não só na ação, mas “noutros meios”.

3. Por decisão de 04-03-3024 foi admitida a intervenção acessória provocada que fora pedida pela Ré e a 11-06-2024 foi fixado à ação o valor de 205 000 €, declarada a incompetência do juízo local cível em razão do valor e ordenada a remessa dos autos ao juízo central cível.

4. Facultado contraditório aos Autores sobre as exceções invocadas na contestação por despacho de 24-09-2024 os mesmos responderam a 01-10-2024 pugnando pela sua improcedência.

5. A 25-10-2024 foi proferido despacho em que se dispensou a realização da audiência prévia, se conheceu, pela sua improcedência, das exceções de ineptidão da petição inicial e não se admitiu o pedido reconvencional por extravasar “o âmbito contratual de que emerge a ação e a defesa”, ali se considerando que “tal pedido não tem qualquer ligação aos fundamentos da ação ou da defesa, razão pela qual não poderá ser admitido”. Em consequência, foram os Autores/reconvindos absolvidos da instância reconvencional.

Foi, ainda, identificado o objeto do litígio e foram enunciados os temas da prova e fixado prazo para eventual alteração dos requerimentos probatórios.

6. Tal despacho foi notificado às partes a 25-10-2024 e a 27-11-2024 a Ré interpôs recurso de apelação, para subir de imediato e em separado, do despacho que não admitiu a reconvenção.

7. Por despacho de 06-01-2025 foi admitido tal recurso e ordenada a sua subida imediata e em separado à luz do previsto no artigo 644.º, número 1 b) do Código de Processo Civil.

II - O recurso:

A Ré/reconvinte pretende a revogação da decisão que não admitiu a reconvenção e absolveu os Reconvindos da instância

Para tanto, alega o que sumaria da seguinte forma em sede de conclusões de recurso:

“A. Discorda a ora Apelante do douto Despacho ora recorrido com a Ref.ª 464910741 proferido a fls… dos presentes autos, que decidiu não admitir o pedido reconvencional formulado em sede de contestação à pretensão dos aqui Autores.

B. Na realidade, entendeu o Digníssimo Tribunal “a quo” que, o pedido formulado pela Ré «não tem qualquer ligação aos fundamentos da ação ou da defesa»; isto porque, «tendo a causa de pedir por fundamento o cumprimento defeituoso do contrato de compra e venda, é de concluir que danos decorrentes da propositura da ação extravasa o âmbito contratual de que emerge a ação e da defesa».

C. Entendendo, pois, o Dign.º Tribunal a quo - depois de «afastar liminarmente as alíneas b) a d) do art. 266º n.º 2 do CPP» - que os pressupostos da alínea a) do mesmo preceito legal, não se mostravam preenchidos. O que, não se aceita.

Senão vejamos,

D. Desde logo, não se vislumbra qualquer razão – tão pouco decorre da decisão recorrida qualquer fundamentação para tanto – para ser afastada, liminarmente, a alínea c) do mencionado n.º 2 do art.º 266.º do CPC, pois, na verdade, a Ré procurou obter o reconhecimento do seu crédito na ação em que está a ser demandada, formulando o competente pedido reconvencional, com todas as consequências daí advenientes.

E. Ou seja, perante a factualidade alegada em sede de contestação/reconvenção, configura-se o pedido reconvencional assente na pretensão da Ré em que lhe seja reconhecido um direito de crédito sobre os Autores/Reconvindos, decorrente da sua própria causa de pedir, o que, claro está, pressupõe uma conexão objectiva entre as duas ações, um nexo entre os objectos da causa inicial e da causa reconvencional.

F. É que, se é certo que a causa de pedir destes autos, tal qual configurada pelos Autores/Reconvindos, assenta no cumprimento defeituoso do contrato de compra e venda celebrado com a Ré, tendo por objeto a fração autónoma que destinaram à sua habitação, deduzindo os Autores o pedido de redução de preço, fundado na recusa por parte da Ré na eliminação dos defeitos de contrução que apontam ao longo da sua petição inicial.

G. Igualmente certo que, também quanto ao pedido reconvencional, o mesmo decorre do mesmo contrato de compra e venda, que a Ré diz ter cumprido na sua íntegra; sendo que, se, porventura, defeitos existem nunca recusou a sua colmatação; havendo abuso do direito dos Autores e dessa sua actuação nasce o seu direito de crédito.

H. Se o demandado alega que é titular de um direito de crédito que preenche uma das situações previstas nas referidas alíneas do artigo 266.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, não havendo outro motivo que impeça a dedução daquele pedido no processo em causa, isso é suficiente para que o pedido reconvencional seja admissível.

I. Se o demandado é ou não titular desse direito de crédito, isso já é uma questão de mérito do pedido reconvencional que não é objeto de apreciação quando apenas se está a decidir da sua admissibilidade.

J. Por estas razões, deve o recurso ser julgado procedente, revogando-se a decisão recorrida e admitindo-se, nos termos da alínea c) do n.º 2 do art.º 266.º do CPC, o pedido reconvencional de condenação dos Autores no pagamento da quantia de quantia de €: 35.000,00, cujo mérito deve ser conhecido oportunamente.

Sem prescindir,

K. Ainda que não proceda nos termos supra, e se considere, tal como o Tribunal aqui recorrido, que a aqui Apelante baseou a admissibilidade do pedido reconvencional no estatuído na alínea a), do nº 2, do artº 274º, do CPC, sempre se entende que, mesmo aqui, estão preenchidos os pressupostos para a sua admissibilidade.

L. Com efeito, naquele preceito, estabelece-se que a reconvenção é possível "quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa".

M. Do preceituado na segunda parte da referida alínea decorre ser necessário que o réu invoque, como meio de defesa (directa ou indirecta), qualquer acto ou facto jurídico (causa de pedir) que se representa no pedido do autor.

N. No entender de J. Rodrigues Bastos (Notas ao CPC, II, p. 27), é necessário que o facto invocado, a verificar-se, produza efeito útil defensivo, ou seja, tenha a virtualidade para reduzir, modificar ou extinguir o pedido do autor.

O. Reportando-nos, agora, ao caso em apreço, entende-se que os pedidos formulados na acção e na reconvenção têm como fundamento factos conexos, seja, o pedido da Ré, de indemnização por danos não patrimoniais, emerge do facto jurídico que serve de fundamento à defesa, no sentido de que resulta de factos com os quais indirectamente impugna os alegados na petição inicial (J. Lebre de Freitas, J. Redinha e R. Pinto, CPC Anotado, I, p. 488).

P. Isto para dizer que, em sede de defesa sustenta a Ré, entre outros, o abuso de direito por parte dos Autores, porquanto, não obstante terem concedido estes à Ré um prazo de 90 dias para que esta resolvesse os “problemas” do prédio/fração em causa, volvidos 15 dias intentaram a presente lide, de forma a obterem da Ré um enriquecimento ilegítimo, em detrimento da faculdade da mesma cumprir com as reparações necessárias, em devido tempo. O que, terá como consequência, a improcedência da presente lide.

Q. Quer isto dizer que os factos alegados em sede de defesa – em súmula, o abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium –, se transpõe para o pedido reconvencional, pois que, de igual modo assenta este no despropósito da presente lide, com consequências reputacionais para a aqui Ré/Reconvinte.

R. Assim, em consequência do alegado na contestação/reconvenção, a Reconvinte formula um pedido que transcende a simples improcedência da pretensão dos Autores, na medida em que, pede a condenação destes em quantia indemnizatória, decorrente da sua actuação leviana com a presente lide.

S. Isto é, pese embora em conexão com o facto jurídico que serve de fundamento à acção - não fosse o contrato de compra e venda dos autos (fundamento da pi), não poderia a Reconvinte alegar/demandar os Autores nos termos em que o faz – o pedido reconvencional é autónomo, em termos de factualidade;

T. Logo, a nosso ver, existe suficiente conexão entre os factos invocados na acção e na reconvenção (impugnação indirecta), de tal sorte que temos como verificada aquela ligação (requisito substantivo) exigida na lei processual (al.a), do nº 2, do artº 266º, do CPC).

U. Destarte, a reconvenção devia ter sido admitida, com base no disposto no aludido segmento normativo, por se entender que os danos não patrimoniais invocados pela aqui Recorrente resultam da actuação dos Recorridos no âmbito dos factos que servem de fundamento à acção e que culminaram na demanda judicial.

V. Ora, a causa de pedir da reconvenção – danos reputacionais – decorre precisamente da factualidade alegada em sede de defesa - quanto ao abuso do direito –, factualidade essa que terá a virtualidade de extinguir a pretensão dos Autores.

Em suma,

W. O pedido reconvencional rejeitado pela decisão recorrida, emergia de facto jurídico que integrava a causa de pedir da ação, pelo que era admissível a sua dedução, nos termos do artigo 266.º, n.º 2, a), do Código de Processo Civil, além de que também seria admissível, na qualidade de pedido subsidiário, para a hipótese da ação proceder, por preencher a alínea c), do mesmo preceito legal.

X. Termos em que, deverá ser revogada a decisão que não admitiu o pedido reconvencional formulado pela Ré/Reconvinte e, consequentemente, ser o mesmo admitido.

Neste termos, nos melhores de direito e com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser dado provimento ao presente recurso e, por via disso, revogar-se o Despacho ora recorrido, substituindo-o por uma outra decisão que admita o pedido reconvencional formulado pela Ré/Reconvinte, com o que modestamente se entende, V. Exas., farão, como sempre, inteira e sã JUSTIÇA!”.


*

Os Recorridos contra-alegaram sustentando a confirmação da decisão recorrida para o que formularam as seguintes conclusões:

“A. Por douto despacho saneador (ref.ª 464910741), julgou, o Tribunal a quo, inadmissível a dedução do pedido reconvencional pela Recorrente e, concomitantemente, absolveu os Autores da instância reconvencional.

B. Nos termos do CPC-266-2 al. a) a reconvenção é admissível quando o pedido do Réu emerge do mesmo facto jurídico que serve de fundamento à ação ou à defesa.

C. Na presente ação, os Autores, invocam o cumprimento defeituoso do contrato de compra e venda celebrado com a Recorrente, referente à fração autónoma destinada à sua habitação, requerendo, em consequência, a redução do preço, com fundamento na recusa de correção dos defeitos existentes no imóvel.

D. Por seu turno, na contestação, a Recorrente sustenta ter cumprido integralmente o contrato celebrado com os Autores e afirma que, caso existam defeitos, nunca se recusou a proceder à sua reparação.

E. No pedido reconvencional, a Recorrente requer a condenação dos Autores no pagamento de uma indemnização por danos reputacionais, alegando que a invocação de

defeitos não corrigidos teve como objetivo prejudicar a sua imagem perante terceiros, transmitindo a perceção de que a empresa é negligente, irresponsável e incompetente.

F. Considerando o enquadramento jurídico da reconvenção e a relação jurídica em discussão, pugnamos que o pedido reconvencional não tem origem no mesmo facto jurídico que fundamenta a ação ou a defesa, não se verificando, assim, os pressupostos exigidos para a sua admissibilidade ao abrigo do CPC-266-2 al. a).

G. O pedido reconvencional formulado pelos Recorrentes assente numa situação jurídica diversa da em discussão nos presentes autos.

H. O objeto do presente litígio é o incumprimento contratual da Recorrente.

I. Enquanto que o pedido formulado pela Recorrente apenas terá surgido com a entrada em juízo da presente ação, pelo que não tem qualquer relação com a mesma.

J. Sem conceder, tal situação também não se enquadra no estatuído no CPC-266-2 al. c).

K. Eventualmente, poderiam estar em causa factos suscetíveis de configurar responsabilidade civil extracontratual, desde que fossem geradores de danos na esfera jurídico-patrimonial da Recorrente, no entanto, tal direito não reveste natureza creditícia.

L. Assim, a decisão proferida pelo Tribunal a quo deverá ser confirmada e mantida, o que se requer”.

III – Questão a resolver:
Em face das conclusões da Recorrente nas suas alegações – que fixam o objeto do recurso nos termos do previsto nos artigos 635.º, números 4 e 5 e 639.º, números 1 e 2, do Código de Processo Civil -, é apenas uma a questão a resolver: se o pedido reconvencional é de admitir à luz do disposto no artigo 266.º, número 2 do Código de Processo Civil.
IV – Fundamentação.
Os factos relevantes para a decisão são os que constam do histórico processual, acima sumariado no relatório, com especial relevância para o teor da contestação/reconvenção.

*
É a seguinte a redação do artigo 266.º, números 1 e 2:

“1 – O réu pode, em reconvenção, deduzir pedidos contra o autor.

2 - A reconvenção é admissível nos seguintes casos:

a) Quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação ou à defesa;

b) Quando o réu se propõe tornar efetivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida;

c) Quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor;

d) Quando o pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter”.

Na contestação a Ré não indicou em qual das alíneas do número 2 do preceito transcrito fundava a admissibilidade de dedução de reconvenção e em sede de alegações de recurso vem defender que a sua pretensão se insere na estatuição da alínea c) do Código de Processo Civil, muito embora também defenda que a mesma também é de admitir à luz da alínea a) do mesmo artigo.
Como bem se exarou na decisão recorrida, é manifesto que não está em causa a aplicabilidade das alíneas b) e d) do número 2[1], cujas estatuições em nada se relacionam com a pretensão da Recorrente, o que a mesma aceita e não visa discutir.
Resta aferir se a Recorrente tem razão na defesa da aplicabilidade da alínea c) ou, não procedendo essa pretensão, da alínea a) do mesmo artigo.

Para melhor interpretar essas duas alíneas deve ter-se em conta, apelando à teleologia da norma em que se integram, que a “reconvenção constitui um instrumento jurídico que reflecte, além do mais, a consagração do princípio da economia processual, permitindo que, mediante determinado circunstancialismo, possam reunir-se num mesmo processo pretensões materiais contrapostas. (...) Simultaneamente, a dedução de reconvenção é capaz de proporcionar melhores condições para um julgamento unitário de todo o litígio estabelecido entre as partes e atenuar os efeitos negativos que podem emergir de divergentes decisões sobre realidades muito próximas ou interdependentes”[2].

Por via da dedução do pedido reconvencional deixa de haver uma só ação passando a existir duas ações cruzadas a julgar conjuntamente.

É dentro desta teleologia que se impõe que a reconvenção não seja de admitir se por via dela se discutam pretensões sem qualquer conexão com o pedido inicial.
É manifesto, da leitura do preceito em análise, que há um traço comum entre as várias causas de admissibilidade da reconvenção, pois todas exigem uma conexão entre a pretensão do reconvinte e o objeto da ação.
O artigo 266º corresponde artigo 274.º do Código de Processo Civil anterior à reforma introduzida pela Lei 41/2013 de 26 de junho a que se aditou a alínea c) ora em análise, com vista a impor[3] que a compensação se exerça sempre por via de reconvenção (e não como mera exceção perentória consistente na invocação da extinção da obrigação, total ou parcialmente, por essa via).
A previsão da alínea c), onde a Recorrente agora quer ver integrada a sua pretensão, visa albergar a possibilidade de o réu pretender invocar um contracrédito, com vista à sua compensação e, sendo este superior, à condenação do reconvindo na diferença entre os dois valores.
Ora a Recorrente não formulou na contestação/reconvenção um pedido de compensação do seu alegado crédito com o que os Autores querem ver reconhecido na ação, nem alegou, por qualquer forma, pretender exercer tal compensação. Daí que, bem, o Tribunal a quo tenha entendido “liminarmente” de afastar a aplicação da alínea c) do número 2 do artigo 266.º, como fez relativamente às suas alíneas b) e d), por não estar invocada nenhuma das situações previstas naquelas alíneas.
Se dúvidas houvesse de que a forma como alegou a causa de pedir da reconvenção e a dedução do pedido não permitem que se conclua que visava o exercício ao direito à compensação, as mesmas dissipar-se-iam pela redação dada ao pedido em apreço, em que a Reconvinte não exprime a intenção de o deduzir subsidiariamente.
De facto, a Reconvinte não admitiu o crédito dos Autores, nem parcialmente, e não deduziu o pedido reconvencional a título subsidiário, para a hipótese de se vir a julgar procedente, no todo ou em parte, a ação.
Não tendo invocado a subsidiariedade da sua pretensão para o caso da procedência total ou parcial da ação, não pode considerar-se ter sido essa a sua intenção. Ora, assim não sendo, nunca a dedução do pedido reconvencional poderia ser interpretada como sendo uma manifestação de vontade de exercício da compensação, já que a Reconvinte não admite qualquer contracrédito aos Reconvindos.
Como se decidiu nos acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 15-02-2022, e desta secção de 21-10-2024[4], é admissível a compensação deduzida a título subsidiário[5], “para operar apenas no caso de o crédito acionado vir a ser reconhecido”.
Todavia, a Recorrente não deduziu o pedido reconvencional a título subsidiário e nem admitiu o crédito que agora afirma querer ver compensado. A Reconvinte limitou-se a pedir a condenação dos Reconvindos no pagamento de 35 000 €. Pelo que é de concluir que tal enquadramento legal não foi feito pela Reconvinte na contestação, ainda que imperfeitamente expresso, e que apenas tardiamente está a ser alegada a pretensão de exercício do direito à compensação como forma de sustentar a revogação da decisão recorrida que, bem, afastou a aplicabilidade da alínea c) do número 2 do artigo 266º por ser manifesta a sua inaplicabilidade.
Em conclusão, a alegada pretensão de exercer a compensação de um crédito indemnizatório com o crédito que os Autores liquidam no seu pedido apenas foi invocada nesta sede, recursória, não decorrendo da contestação qualquer declaração da Reconvinte de que pretendia extinguir parte do seu débito por compensação e de ver os Reconvindos condenados no valor remanescente (sendo que em face da impugnação do crédito peticionado tal pretensão apenas podia ser deduzida subsidiariamente, o que também resulta afastado pela redação dada ao pedido reconvencional).
Assim, por não ter sido invocada qualquer pretensão de compensação do crédito dos Autores com o alegado direito a indemnização que se arroga a Ré, não é de admitir o pedido reconvencional à luz do artigo 266.º, número 2 c) do Código de Processo Civil, justificando-se o afastamento da aplicação dessa alínea pelo Tribunal a quo.

*
Afastada essa via de integração do pedido reconvencional também quanto à inaplicabilidade da alínea a) do número 2 do artigo 266º é de acompanhar a decisão recorrida.

Por via de tal alínea a reconvenção é admissível quando o pedido se fundar (total ou parcialmente) na mesma causa de pedir em que o autor sustenta as suas pretensões e quando réu invoque como meio de defesa qualquer factos jurídicos que possam reduzir, modificar ou extinguir o pedido da contraparte sendo nesses factos que se baseia o pedido reconvencional [6].
Ora, não existe qualquer conexão entre o crédito indemnizatório invocado pela Reconvinte e a causa de pedir da ação nem aquele pedido decorre de factos alegados na defesa.
A ação visa a condenação da Ré na redução do preço da compra e venda e no pagamento de indemnização decorrente de alegado incumprimento de obrigações contratuais.
A defesa baseia-se na impugnação dos factos em que se suporta tal pedido, sejam eles a existência de defeitos no imóvel vendido aos Autores e os consequentes danos, seja a alegada redução do valor de tal imóvel.
É ainda excecionado o abuso de direito, na modalidade de “venire contra factum proprium” para o que a Ré alegou que o exercício do direito pelos Autores extravasa de forma manifesta os limites impostos pela boa fé, uma vez que aqueles aceitaram facultar um prazo para eliminação de defeitos, em acordo alcançado com a construtora do imóvel antes da propositura da ação, prazo esse ainda em curso quando a petição inicial deu entrada em juízo.
O pedido de condenação dos Reconvindos no pagamento de 35 000 €, por sua vez, baseou-se na alegação de que a difusão, pelos mesmos, dos factos que alegaram na petição inicial – a existência de defeitos e a sua não reparação pela Ré -, lesou a sua imagem comercial (que a Reconvinte, indevidamente, correlaciona nos artigos 100, 101 e 107 da contestação com o prestígio profissional do seu legal representante enquanto advogado) e que a propositura da ação lhe causou prejuízo decorrente da referenciação de pendência de processo judicial contra si.
Quanto à lesão da sua imagem comercial, portanto, a causa de pedir da reconvenção é a alegada difusão pelos Reconvindos de factos falsos com o intuito de “denegrir a imagem da Ré”. É manifesto que esta pretensão tem por base a responsabilidade civil extracontratual por violação dolosa do crédito ou bom nome nos termos do artigo 484.º do Código Civil e em nada se relaciona com os fundamentos da ação ou defesa, mesmo na modalidade de defesa por exceção, não havendo qualquer correlação entre o invocado abuso de direito dos Autores e a divulgação por estes dos factos que servem de fundamento à ação.
Quanto ao prejuízo decorrente da propositura da ação o mesmo, a existir, tem proteção legal por via da condenação dos Autores como litigantes de má-fé, que também está pedida cumulativamente pela Reconvinte, tendo a mesma deduzido pedido de condenação daqueles no pagamento de 10.000 € à luz do artigo 542.º do Código de Processo Civil (além dos 35.000 € pedidos na reconvenção).
É, além disso, também indiscutível que o eventual dano decorrente da propositura da ação não tem qualquer conexão com a causa de pedir da mesma – a responsabilidade contratual da Ré -, ou com a defesa exercida por via de impugnação ou de exceção perentória.

Neste sentido, e em idênticas situações se decidiu, nomeadamente nos Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 02-06-2016[7] (“Não estamos, também, no âmbito da previsão da alínea a) do nº 2 do art. 274 do CPC: o pedido reconvencional deduzido pelo R. alicerça-se nas perturbações que descreve decorrentes de se ter visto confrontado com a presente acção que lhe recordou episódios e sofrimentos passados, considerando que ao propor a acção o A. a usou para ilicitamente atingir o R. na sua honra, consideração, bom nome e direito a uma vida tranquila, não se alicerçando nos factos concretos em que o A. se baseou nem mesmo nos factos constantes da defesa apresentada pelo R. na sua contestação”); do Tribunal da Relação de Guimarães de 15-06-2022[8] (“Formulando o autor o pedido de declaração de ineficácia de um contrato, não é admissível reconvenção na qual o réu pede que o autor lhe pague uma indemnização por danos causados pela propositura da ação, uma vez que aquela não se funda (nem sequer parcialmente) na mesma causa de pedir”); de 23-03-2017[9] (“Em sede de reconvenção se a Ré, alegou que as afirmações/ acusações feitas pela Autora na petição inicial, além de falsas e infundadas, são gravemente ofensivas do seu bom nome, probidade pessoa e prestígio pessoal, tais factos alegados como fundamento do pedido reconvencional não possuem a virtualidade para reduzir, modificar ou extinguir o pedido principal formulado pela Autora na acção, ou seja, não têm o referido efeito defensivo útil”) e de 10-10-2024[10] (“Na presente ação, o pedido e a causa de pedir assentam na responsabilidade contratual, pois os AA. alegam que a Ré incumpriu o contrato de arrendamento que com eles foi celebrado, pedindo, consequentemente que a Ré os indemnize no valor dos prejuízos causados com esse incumprimento. No pedido reconvencional a Ré pede a condenação dos AA. no pagamento de uma indemnização por “danos patrimoniais (indiretos)” sofridos em virtude de conduta dos AA. que consideram ilícita e que alegadamente causou à Ré mau nome e imagem (…) a Reconvinte para fundamentar este pedido não invoca a violação do contrato por parte dos AA., mas sim atos destes que ofenderam a sua personalidade moral (v. art. 484º, do C. Civil).(…), vemos que o pedido reconvencional não emerge do mesmo facto jurídico que serve de fundamento à ação ou à defesa, não existindo, pois, conexão entre os factos invocados na petição inicial e/ou na contestação com os factos alegados na reconvenção, pelo que temos como não verificado o requisito substantivo exigido na lei processual necessário para que a reconvenção fosse admitida (al. a), do nº 2, do artº 266º, do C. Proc. Civil”.
Pelo exposto, acompanha-se a decisão recorrida, que é de manter pelos mesmos fundamentos que dela constam.


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V – Decisão:

Julga-se a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente nos termos do previsto no artigo 527º, número 1 do Código de Processo Civil.


Porto, 10-02-2025
Ana Olívia Loureiro
Ana Paula Amorim
Jorge Martins Ribeiro
________________
[1] Também ali se considerou ser manifesta a inaplicabilidade da alínea c) que a Apelante agora convoca.
[2] António Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, Almedina, Volume II, página 120.
[3] Interpretação não unânime, havendo ainda quem defenda que a alteração legal, apesar da intenção expressamente declarada pelo legislador, não tem por efeito a obrigatoriedade da dedução da pretensão de compensação por via reconvencional, antes admitindo a sua invocação enquanto exceção – cfr. Código de Processo Civil Anotado, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Almedina, 4ª edição, 1º volume, páginas 534 e 535.
[4] Processos 1058/20.1T8ACB-A.C1 e 1209/22.1T8PVZ-B.P1, disponíveis, respetivamente em TRC1058/20.1T8ACB-A.C1 e em 1209/22.1T8PVZ-B1.
[5] Não se confundido essa subsidiariedade do pedido reconvencional com a sujeição da compensação a condição ou termo, o que está vedado por via do disposto no artigo 848º do Código Civil.
[6] Segundo Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Almedina, 3ª edição, Volume 1 (Código de Processo Civil anotado, vol. I, pág. 302), “O facto jurídico que serve de fundamento à ação (al a)) constitui o ato ou relação jurídica cuja invocação sustenta o pedido formulado, como ocorre com a invocação de um direito emergente de contrato, o qual também pode ser invocado pelo réu para sustentar uma diversa pretensão dirigida contra o autor. O facto jurídico que serve de sustentação à defesa envolve essencialmente a matéria da exceção, mas poderá igualmente assentar em factos que integrem a impugnação específica dos fundamentos da ação. Nestes casos, o réu aproveita a defesa não apenas para se defender da pretensão do autor, mas ainda para sustentar nos mesmos factos uma pretensão autónoma contra o autor”.
[7] Disponível em TRL 16082/13.2T2SNT.L1-2.
[8] Disponível em TRG 182/20.5T8CBT.G1.
[9] Disponível em TRG 2936/16.8T8GMR-A.G1
[10] Disponível em TRG 57/23.6T8VVD.G1.