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EXCEÇÃO DE CASO JULGADO
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
Sumário
I - Inexiste fundamento para julgar nula a decisão que absolveu o requerido da instância por força da exceção de caso julgado, sem que previamente o juiz tivesse advertido a requerente de que era essa a sua intenção, na circunstância de a requerente ter anteriormente proposto ação em tudo idêntica. II - O princípio do contraditório sempre haverá de ser compaginado com a proibição da prática de atos inúteis, sendo que a advertência à requerente para os efeitos assinalados seria insuscetível de alterar o sentido da decisão.
Texto Integral
Proc. 5984/24.0T8MAI.P1
Sumário
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Relatora: Teresa Maria Fonseca
1.ª adjunta: Maria de Fátima Andrade
2.º adjunto: Miguel Baldaia de Morais
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I - Relatório
AA requereu a alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais da menor BB, sendo requerido CC.
Foi proferida decisão que julgou verificada a exceção dilatória do caso julgado e, em consequência, absolveu o requerido da instância. Tal ocorreu com fundamento em se considerar ter corrido termos no Juiz 1, do Juízo de Família e Menores da Maia, o processo n.º 3718/24.9T8MAI, com os mesmos sujeitos, o mesmo pedido e a mesma causa de pedir, em que foi proferida sentença transitada em julgado.
Inconformada, a requerente interpôs o presente recurso, rematando com as conclusões que se seguem.
1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida nos autos, na firme convicção de que a mesma enferma de nulidade, ao abrigo do disposto no art.º 195.º, do C.P.C., atento o incumprimento de várias formalidades legalmente prescritas e que, em boa verdade, influenciam o exame e a decisão da causa, bem como, de uma errada e insuficiente qualificação jurídica que serviu de base à decisão, a qual vai em sentido bem diferente daquele que, Vossas Excelências, elegerão, certamente, como mais acertada, depois da necessária reponderação dos pertinentes pontos da matéria de facto e de direito, e à luz dos meios probatórios disponíveis.
2. O objeto do presente recurso consubstancia-se na impugnação da decisão proferida pelo Tribunal a quo nos seguintes termos: - exceção do caso julgado.
3. Desde logo, salvo o devido respeito, jamais a ora Recorrente poderá concordar com o entendimento do Tribunal recorrido. - a) O caso julgado, apenas, ocorre quando a causa que se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir. Na presente ação os sujeitos são os mesmos, mas os factos, o pedido e causa de pedir não são os mesmos.
4. Desta forma, violou o Meritíssimo Juiz a quo uma das formalidades do artigo 3.º n.º 3 do C.P.C..
Nestes termos, cumpre concluir que, atento o supra exposto, a decisão aqui em apreço é nula, atenta a preterição de formalidades essenciais legalmente consignadas.
I - Erro de julgamento
II - Da violação do princípio do contraditório
6. No seguimento daquilo que já supra melhor se mencionou, os fins do Processo Civil, resumidamente, são os de, em contraditório, determinar a adequação formal, a simplificação ou a agilização processual, proferir o despacho destinado a identificar o objeto do litígio.
7. Acontece que, não obstante a existência de matéria controvertida, o Meritíssimo Juiz a quo, entendeu que os autos já possuíam todos os elementos necessários à decisão sobre o mérito da causa e, como tal, proferiu o respetivo despacho, proferindo decisão no âmbito dos presentes autos.
8. Porém, ao arrepio da lei, designadamente, ao abrigo do disposto no art.º 3.º n.º 3 do C.P.C., o Tribunal recorrido decidiu sobre o mérito da causa sem facultar às partes a discussão da matéria de facto e de direito.
9. Ora a audição das partes quanto à matéria de facto e de direito constitui uma formalidade legalmente imposta pelo artigo 3.º n.º 3 do C.P.C., cuja violação acarreta a nulidade da decisão, o que desde já se invoca, com todas as consequências legais daí decorrentes.
10. Deste modo, violou o Meritíssimo Juiz a quo um dos mais elementares princípios processuais, nomeadamente, o princípio do contraditório consagrado no artigo 3.º n.º 3 do C.P.C..
11. Face ao exposto, não restam dúvidas de que a prolação da decisão é proferida com preterição de uma formalidade essencial e que se encontra prescrita na lei, ou seja, foi a mesma efetuada sem que as partes tivessem oportunidade de se pronunciar em relação às questões de facto e de direito.
12. Em face disso, e uma vez que a omissão de tal formalidade influi no exame ou na decisão da causa, tal decisão é nula, atenta a violação do art.º 3.º n.º 3 do CPC.
13. Assim sendo e, sempre com o devido respeito, a verdade é que muito mal andou o Tribunal de que se recorre.
14. Em suma, não se conforma, de modo algum, a ora apelante com a douta decisão em crise, por entender que a decisão judicial proferida é nula, atenta a violação de formalidades legais, conforme supra melhor se explanou, com todas as consequências legais daí decorrentes.
15. Diremos apenas que não se verifica a exceção do caso julgado; contém, de forma perfeitamente inteligível, os factos que consubstanciam a causa de pedir, o direito aos mesmos aplicável e em que se funda o pedido, que também é absolutamente claro e consonante com a causa de pedir.
16. Pelo que deve julgar-se a mesma improcedente.
Termos em que se concedendo provimento ao recurso, deve revogar-se o despacho recorrido, em conformidade com as conclusões formuladas, com as legais consequências, fazendo-se a sã e habitual Justiça.
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O Digno Magistrado do Ministério Público contra-alegou, terminando com as conclusões que em seguida se reproduzem.
1. Na douta sentença, que julgou verificada a exceção dilatória do caso julgado e, em consequência, absolveu o requerido da instância - artigo 278.º, n.º 1, al. e) do C.P.C., o Mm.º Juiz fundamentou a sua decisão no facto de ter corrido termos no Juiz 1, do Juízo de Família e Menores da Maia, o processo n.º 3718/24.9T8MAI - alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais, com os mesmos sujeitos, o mesmo pedido e a mesma causa de pedir, no qual foi proferida sentença transitada em julgado.
2. Compulsados ambos os processos, resulta que, após a prolação da sentença referida, em 15.11.2024, a requerente deu entrada da petição que deu origem ao presente processo.
3. Do confronto das duas petições iniciais, alcança-se que, em ambas, a requerente é AA e o requerido CC; a menor em causa, BB, filha de ambos.
4. A causa de pedir baseia-se na circunstância de, desde início de 2021, o requerido se ter ausentado para o estrangeiro, nomeadamente Canadá, encontrando-se contactável somente via telefone e email, desconhecendo a requerente a sua morada. Esta ausência impede a requerida de exercer as suas responsabilidades parentais de forma adequada e regular e de acordo com as necessidades da menor.
5. O pedido é que seja conferida à mãe a atribuição exclusiva do poder paternal, nos termos do artigo 1906.º, n.º 1, do Código Civil, ficando ao seu encargo todas as decisões sobre a menor, tanto as de maior como de menor importância, sem a necessidade de consultar ou obter a aprovação do requerido, que se encontra ausente no estrangeiro, fixando-se de imediato um regime provisório de regulação das responsabilidades parentais.
6. É manifesto que, além dos sujeitos, a causa de pedir e o pedido, são exatamente os mesmos! Aliás, a petição inicial é a mesma, com uma alteração irrelevante no artigo 5.º! O que se pretende em ambas as ações é a alteração do regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais, quanto às decisões de questões de particular importância. Não foi na petição inicial que deu origem aos presentes autos invocado qualquer outro facto novo ou posterior.
7. Da consulta dos presentes autos e daqueles que correram sob o n.º 3718/24.8T8MAI, no JFM da Maia - Juiz 1, constata-se que depois de ter dado entrado da petição inicial que deu origem aquele, nos quais foi proferida sentença, em que o Mm.º Juiz julgou a ação improcedente, com o fundamento de que dos factos alegados na petição inicial não resulta qualquer necessidade de alteração do regime vigente, julgou a ação manifestamente improcedente, a recorrente deu entrada da mesma petição inicial, com os mesmos factos e pedido. E nenhuma referência fez na petição inicial à existência do anterior processo.
8. A sentença proferida havia apreciado o pedido, pelo que este não pode ser repetido.
9. Nestes termos, concluímos que a sentença sob recurso não merece censura e que, por isso mesmo, deve ser negado provimento ao recurso apresentado, pelo que, mantendo-se a mesma, se fará Justiça.
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II - Questões a dirimir:
a - se a decisão proferida é nula por violação do princípio do contraditório;
b - se não se verificam os pressupostos da exceção de caso julgado.
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III - Fundamentação de facto
1 - Correu termos no Juízo de Família e Menores - J1 - processo de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais, sob o n.º 3718/24.9T8MAI, relativo à menor BB, com um requerimento inicial que deu entrada em 03/07/2024, de teor idêntico ao destes autos, com sentença proferida, já transitada em julgado.
2 - A alegação da requerente é a seguinte.
1.º - A requerente e o requerido são pais da menor BB, nascida a ../../2014.
2.º - Por acordo homologado do exercício das responsabilidades parentais, nos termos da decisão de 8 de novembro de 2019, proferida pela Conservatória do Registo Civil da Maia, foi regulado o exercício do poder paternal referente à menor, nos termos do qual a menor foi confiada à guarda e cuidados da mãe, que sobre ela exerceria o poder paternal, exercendo ambos progenitores as responsabilidades parentais (Processo n.º 1873/2019 da Conservatória do Registo Civil da Maia. Vide doc. 2).
3.º - Ficou regulado que as responsabilidades parentais relativas a atos da vida corrente da criança são exercidas pela mãe, sem prejuízo da intervenção do progenitor.
4.º - As responsabilidades parentais referentes às questões de particular importância para a vida da criança seriam exercidas conjuntamente por ambos os progenitores.
5.º - Ademais, ficou regulado que os progenitores deveriam comunicar reciprocamente quando do bem estar da criança se tratasse.
6.º - Porém, desde início de 2021 que o requerido se ausentou para o estrangeiro, nomeadamente Canadá, encontrando-se incontatável, somente via telefone ou Whatsapp diretamente com a menor, não com a progenitora, desconhecendo a requerente a sua morada, tendo bloqueado a mãe e não contacta com esta.
7.º - Esta ausência e contatos impedem a requerida de exercer as suas responsabilidades parentais de forma adequada e regular e de acordo com as necessidades da menor.
8.º - É do interesse da menor BB que a atribuição exclusiva do poder paternal seja conferida à mãe, de forma que ela possa tomar todas as decisões referentes à filha, tanto as de maior como de menor importância, sem a necessidade de consultar ou obter a aprovação do requerido, que se encontra ausente no estrangeiro.
9.º - Tal medida visa garantir a estabilidade emocional e segurança para a menor BB, bem como evitar possíveis desentendimentos ou conflitos na tomada de decisões referentes à criança, nomeadamente ainda este ano a progenitora precisava de autorização para a menor ir de férias para o estrangeiro e, não conseguiu. Assim como, a menor precisa de um aparelho dentário e terá de ser a progenitora a suportar todos os custos com o mesmo.
10.º - A requerente de forma reiterada e sucessiva tentou resolver o presente litígio extrajudicialmente, mas tal não foi possível até à presente data, motivo pelo qual se vê obrigada a recorrer ao Tribunal, pois neste momento não há qualquer tipo de diálogo com o progenitor.
11.º - Dessa forma, requer-se que seja conferida à mãe a atribuição exclusiva do poder paternal, nos termos do artigo 1906.º, n.º 1, do Código Civil, ficando ao seu encargo todas as decisões sobre a menor, tanto as de maior como de menor importância, sem a necessidade de consultar ou obter a aprovação do requerido, que se encontra ausente no estrangeiro.
12.º - Face às circunstâncias atuais da requerente e supra expostas, impõe-se alterar a regulação do exercício das responsabilidades, adaptado à realidade do requerido, fixando-se de imediato um regime provisório de regulação das responsabilidades parentais, nos termos dos artigos 38.º e ss. do RGPTC, atento o superior interesse da menor.
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IV - Subsunção jurídica
a - Da nulidade da decisão por violação do contraditório
A apelante argui a nulidade da decisão proferida por esta não ter sido precedida de advertência acerca do sentido da mesma.
O 3.º/3 do C.P.C. preceitua que o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
A não observância do contraditório, no sentido de não se conceder às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre a questão a conhecer, na medida em que é seja suscetível de influir no exame ou decisão da causa, constitui uma nulidade processual, nos termos do art.º 195.º do C.P.C..
Dúvidas não há de que o princípio do contraditório é um dos princípios estruturantes do processo civil.
O direito ao exercício do contraditório, entendido como a garantia de que discussão entre as partes se desenvolve de modo dialético, foi alargado pela disposição contida no n.º 3 do art.º 3.º no sentido de prevenir decisões surpresa. Neste segmento normativo estão em causa as questões oficiosamente suscitadas pelo tribunal. Quer se trate de questões de índole processual, quer do mérito da causa, antes de tomar posição, o juiz deve convidar as partes a pronunciarem-se, facultando-lhes a discussão da solução a adotar.
Trata-se de evitar, não propriamente que as partes possam ser apanhadas desprevenidas por uma solução antes não abordada ou perspetivada no processo, mas sim que, mediante a ponderação das razões das partes em contrário, o juiz possa repensar a solução a dar ao caso. Cada uma das partes é chamada a deduzir as suas razões (de facto e de direito) (…)(Andrade, Manuel, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, 379).
No âmbito de uma conceção ampla do princípio do contraditório, entende-se que existe o direito a uma fiscalização recíproca ao longo de todo o processo, por forma a garantir a participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio (cf. Freitas, José Lebre de; Redinha, João; Pinto, Rui, Código de Processo Civil (anotado), vol. I, Coimbra Editora, p. 8).
Lê-se no ac. do Tribunal Constitucional n.º 259/2000 (DR, II série, de 7 de novembro de 2000): a norma contida no artigo 3.º n.º 3 do CPC resulta, assim, de uma imposição constitucional, conferindo às partes num processo o direito de se pronunciarem previamente sobre as questões - suscitadas pela parte contrária ou de conhecimento oficioso - que o tribunal vier a decidir. O escopo principal do princípio do contraditório deixou de ser a defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à atuação alheia, para passar a ser a influência, no sentido positivo de direito de influir ativamente no desenvolvimento e no êxito do processo (Freitas, José Lebre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 1.º, 1999, p. 8). O princípio do contraditório, ínsito no direito fundamental de acesso aos tribunais, proíbe a prolação de decisões-surpresa, mesmo que de conhecimento oficioso, e garante a participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, em termos de, em plena igualdade, poderem influenciar todos os elementos que se encontrem em ligação, direta ou indireta, com o objeto da causa e que, em qualquer fase do processo, apareçam como potencialmente relevantes para a decisão (in ac. do Tribunal da Relação do Porto de 30-05-2017, proc. 28354/16.0YIPRT.P1, Fernando Samões, consultável inhttp://www.dgsi.pt/, tal como os demais acórdãos que vierem a ser nomeados, salvo indicação diversa).
Tal entendimento amplo da regra do contraditório, afirmado pelo n.º 3, do art.º 3.º, não limita obviamente a liberdade subsuntiva ou de qualificação jurídica dos factos pelo juiz - tarefa em que continua a não estar sujeito às alegações das partes relativas à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art.º 664.º); trata-se apenas e tão somente, de, previamente ao exercício de tal “liberdade subsuntiva” do julgador, dever este facultar às partes a dedução das razões que considerem pertinentes, perante um possível enquadramento ou qualificação jurídica do pleito, ou uma eventual ocorrência de exceções dilatórias, com que elas não tinham razoavelmente podido contar (Rego, Carlos Lopes do, Comentários ao Código de Processo Civil, 2.ª ed., vol. I, Almedina, p. 32).
Constituem exceção a esta regra, nos termos do citado n.º 3 do art.º 3.º, os casos de manifesta desnecessidade.
Dispensou-se a observância do contraditório nas situações de manifesta desnecessidade” isto é “quando - nomeadamente por se tratar de questões simples e incontroversas - tal audição se configure como verdadeiro ‘ato inútil’(…) só deverá ter lugar quando se trate de apreciar questões jurídicas suscetíveis de se repercutirem, de forma relevante e inovatória, no conteúdo da decisão e quando não fosse exigível que a parte interessada a houvesse perspetivado durante o processo, tomando oportunamente posição sobre ela (Freitas, José Lebre de, Rendinha, João e Pinto, Rui, Código de Processo Civil Anotado, vol. 1.º, p. 33).
Lê-se no ac. da Relação de Guimarães de 19/4/2018 (proc. 75/08.4TBFAF.G1, José Alberto Dias): (…) impõe-se afinar o conceito de “manifesta desnecessidade” tendo presente que casos existem em que, não obstante se tratar de questões processuais ou de mérito, de facto ou de direito, não suscitadas pelas partes, estas tinham obrigação de prever que o tribunal podia decidir tais questões em determinado sentido, como veio a decidir, pelo que se não as suscitaram e não cuidaram em as discutir no processo, sibi imputet, não podendo razoavelmente considerar-se que, nesses casos, a decisão proferida pelo tribunal configure uma decisão-surpresa. Tal solução legal confere ao juiz possibilidade de uma maior ponderação e contribui para uma maior eficácia e satisfação das partes ao verem, com o seu contributo, mais rapidamente resolvidos os seus interesses em litígio (in ac. Relação de Guimarães de 19-4-2018, proc. 533/04.0TMBRG-K.G1, Eugénia Cunha).
Cabe compaginar o princípio do contraditório com o princípio da proibição da prática de atos inúteis previsto no art.º 130.º do C.P.C.. Assim, só deve haver lugar ao exercício do contraditório se este for suscetível de influenciar a decisão do tribunal. De outro modo, será inútil.
Vejamos, então, a aplicação do princípio aos presentes autos, na fase processual em causa.
O juiz de 1.ª instância absolveu o requerido da instância com fundamento na verificação da exceção de caso julgado imediatamente após a entrada da ação em juízo, sem que antes tivesse advertido a requerente de que o iria fazer.
Este procedimento consubstanciará uma violação do princípio do contraditório?
Afigura-se-nos que a resposta a esta questão não poderá deixar de ser negativa.
A requerente sabia ter proposto ação com conteúdo em tudo idêntico aos dos presentes autos, pelo que tinha obrigação de prever que o tribunal poderia vir a decidir no sentido em que o fez.
Afigura-se desajustado e até desenquadrado das exigências legais atinentes ao princípio do contraditório que o juiz tivesse tido que sobrestar na prolação de decisão a fim de advertir a requerente de que, por esta ter anteriormente proposto ação em tudo idêntica à presente, era sua intenção julgar verificada a exceção de caso julgado.
Tampouco obedece a qualquer desígnio processual que houvesse agora que revogar a decisão proferida para que a requerente se pronunciasse a propósito da exceção de caso julgado.
Atente-se em que, mesmo em sede de alegações de recurso, a apelante se pronunciou a respeito da exceção de caso julgado dizendo: não se verifica a exceção do caso julgado; contém, de forma perfeitamente inteligível, os factos que consubstanciam a causa de pedir, o direito aos mesmos aplicável e em que se funda o pedido, que também é absolutamente claro e consonante com a causa de pedir (conclusão 15).
A recorrente nada disse, pois, no que concerne aos requisitos do caso julgado.
Em suma, a apelante não extraiu consequências jurídicas da sua invocação da violação do princípio do contraditório, no sentido de que, se este tivesse sido observado, a decisão teria sido outra. É, pois, forçoso concluir que a irregularidade não influiu no exame ou decisão da causa, requisito imprescindível para que a omissão pudesse produzir nulidade (art.º 195.º/1 do C.P.C.).
Pelo exposto, desatende-se a pretensão da apelante de que a decisão seja declarada nula.
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b - Da verificação dos requisitos do caso julgado
A exceção do caso julgado pressupõe uma tríplice identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir (artigos 580.º e 581.º do C.P.C.).
Nos termos dos artigos 577.º/i) e 578.º do C.P.C. o caso julgado é uma exceção dilatória de conhecimento oficioso.
O caso julgado tem como limites os que decorrem dos próprios termos da decisão, já que nos termos do art.º 621.º do C.P.C. a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga.
Definindo o âmbito de aplicação do caso julgado e da autoridade do caso julgado, ensina Miguel Teixeira de Sousa (in O objeto da sentença e o caso julgado material, B.M.J. 325, pp. 171 e ss.): (…) a exceção do caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões sobre idêntico objeto processual, contraria na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior: a exceção do caso julgado garante não apenas a impossibilidade de o Tribunal decidir sobre o mesmo objeto duas vezes de maneira diferente (...), mas também a inviabilidade do Tribunal decidir sobre o mesmo objeto duas vezes de maneira idêntica (...).
Os efeitos do caso julgado material projetam-se em processo subsequente necessariamente como autoridade de caso julgado material, em que o conteúdo da decisão anterior constitui uma vinculação à decisão do distinto objeto posterior, ou como exceção de caso julgado, em que a existência da decisão anterior constitui um impedimento à decisão de idêntico objeto posterior” (ibidem, p. 168).
Sumaria-se no ac. da Relação de Coimbra de 28-09-2010 (proc. 392/09.6 TBCVL.S1, Jorge Arcanjo): I - A exceção do caso julgado destina-se a evitar uma nova decisão inútil (razões de economia processual), o que implica uma não decisão sobre a nova ação, pressupondo a tríplice identidade de sujeitos, objeto e pedido. II - A autoridade do caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em ação anterior, que se insere, quanto ao seu objeto, no objeto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença, não sendo exigível a coexistência da tríplice identidade prevista no art.º 498.º do Código de Processo Civil (581.º NCPC).
No caso em apreço é evidente que existe identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir. Inexistia, por isso, fundamento para a prossecução dos autos. Tal violaria, inclusivamente, o princípio da economia processual, vertido no art.º 130.º do C.P.C., segundo o qual não é lícito realizar no processo atos inúteis.
Outro não poderia, por conseguinte, ter sido o sentido da decisão proferida, estando a presente apelação votada ao insucesso.
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V - Dispositivo
Nos termos sobreditos, acorda-se em julgar o recurso improcedente, mantendo-se na íntegra a decisão recorrida.
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Custas pela apelante por ter decaído na sua pretensão (art.º 527.º/1/2 do C.P.C.).
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Porto, 10-2-2025
Teresa Fonseca
Fátima Andrade
Miguel Baldaia de Morais