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PATENTES
GENÉRICOS
DOCUMENTOS
CONFIDENCIALIDADE
Sumário
(elaborado pelo Relator) I. A parte que pede a notificação da parte contrária ou de terceiro para juntar aos autos documentos tem o ónus de individualizar, na medida do possível, tais documentos e indicar os factos que com eles quer provar. II. Sempre que ao abrigo do disposto nos artigos 429.º e 432.º, do Código de Processo Civil, for requerida a junção aos autos de documentos em poder da parte contrária ou de terceiro, incumbe ao juiz apreciar se os factos que a parte pretende provar com os documentos têm interesse para a decisão da causa. III. Apenas são pertinentes os documentos destinados a provar factualidade constante dos temas da prova, quando tais temas tiverem sido enunciados.
Texto Integral
Acordam na Secção da Propriedade Intelectual e da Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa:
I. RELATÓRIO:
1. Teva Pharma – Produtos Farmacêuticos Lda, ré, tendo “sido notificada do despacho datado de 13 de setembro de 2024, vem dele interpor recurso, o qual é de Apelação, com subida em separado, ao abrigo do disposto nos artigos 638º, n.º 1, 644.º, n.º 2, alínea d), e 645.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.”
2. Apresentou as seguintes conclusões:
A. Nos termos do artigo 644º n.º 2 do CPC cabe recurso de apelação da decisão que decidiu sobre a admissão de meio de prova.
B. Ao abrigo do disposto nos artigos 647.º, n.º 4 e 676.º, n.º 2 do CPC, requer-se que seja atribuído efeito suspensivo ao presente recurso de apelação, por a execução despacho datado de 13 de setembro de 2024 causar prejuízos consideráveis à Recorrente.
C. No despacho recorrido o Tribunal a quo não teve em consideração o ónus de alegação e prova que recai sobre a Recorrida, como se estas pudessem arbitrariamente ditar a prova a produzir nos autos.
D. Uma decisão permitindo uma incursão injustificada nas informações confidenciais da Recorrente, e impondo um ônus tão pesado sobre uma das partes, impunha uma apreciação, pelo menos, da pertinência dos documentos e factos em apreço nos presentes autos. O que não ocorreu nos presentes autos.
E. Não obstante a interpelação da Recorrente, até à presente data a Recorrida optou por deliberadamente recusar identificar os documentos pretendidos e os factos que pretendia provar com os documentos cuja junção foi requerida.
F. Dispõem os artigos 432.º e 429º do CPC que cabe à parte interessada – Recorrida - identificar os documentos e os factos que se pretendem provar com a junção dos
documentos.
G. Nos presentes autos, o Tribunal a quo não cumpriu com o seu dever, porquanto da sua decisão não existe qualquer apreciação da idoneidade dos documentos pretendidos pela Recorrida.
H. A Recorrida é uma empresa farmacêutica, e bem sabe quais são os módulos do eCTD são relevantes e necessários para a causa de pedir em discussão. Negar esse conhecimento constitui uma conduta abusiva que o tribunal não pode ignorar.
I. Com a Lei n.º 62/2011 o legislador pretendeu corrigir um comportamento que vinha a ser identificado em Portugal há vários anos: as empresas titulares de direitos de propriedade industrial intentavam ações em Portugal contra empresas de genéricos com o único propósito de obter documentos confidenciais, cujo acesso lhes era recusado pelos restantes Tribunais Europeus.
J. O Tribunal a quo nem procurou saber se algum/alguns dos módulos requeridos pela Recorrida se reportavam aos produtos e processos descritos naquelas patentes.
K. O Tribunal a quo fez uma incorreta interpretação do artigo 188º do Decreto-Lei n.º 176/2006, artigo 352.º do CPI e 432.º e 429º do CPC, que deveriam ter sido interpretadas no sentido de que à Recorrida incumbia o ónus de identificar os documentos que pretendiam e, também, os factos que pretendiam provar com cada
documento, pelo que não tendo cumprido com tal ónus, o requerimento da Recorrida
deveria ter sido indeferido.
L. Sendo compreensível que o Tribunal possa não compreender toda a matéria técnica em apreço nos presentes autos, em caso de dúvida caberia ao Tribunal nomear um assistente técnico para o assistir na decisão.
Termina pedindo “Termos em que deve o presente recurso de apelação ser julgado procedente, e seja revogado o despacho recorrido e substituído por outro que indefira o pedido de acesso a documentos deduzido pela Recorrida, até que sejam identificados os factos que esta pretende provar e os documentos que pretende utilizar para cada um dos factos e seja apreciado criticamente o requerimento da Recorrida”.
3. Responderam as autoras/recorridas pedindo que se deve “indeferir o requerimento da Recorrente para atribuição de efeito suspensivo ao recurso interposto e, a final, indeferir o recurso interposto, mantendo a Decisão Recorrida”.
Apresentaram as seguintes conclusões:
1. Na Decisão Recorrida, o Tribunal a quo não só admitiu o meio de prova em causa, como também determinou várias e rigorosas medidas destinadas a assegurar a respetiva confidencialidade – nos exatos termos requeridos pela própria Recorrente – de tal modo que não existe qualquer risco sério daquela decisão lhe poder causar um prejuízo considerável, não se justificando a atribuição do efeito suspensivo por ela requerida.
2. Para provar que os medicamentos genéricos de AXITINIB da Recorrente infringem os direitos de propriedade industrial em causa nos autos – e, em particular, que utilizam a mesma forma cristalina de AXITINIB protegida pela EP 702 – as Recorridas requereram ao douto Tribunal a quo que notificasse a Recorrente, o Infarmed, ou ambos, para – ao abrigo do disposto nos artigos 429.º e 432.º do CPC e 339.º do CPI – apresentar nos autos documentação relativa às respetivas (i) substância ativa e (ii) forma cristalina e métodos de preparação, que se encontra disponível no designado DMF ou ASMF que, por sua vez, faz parte do eCTD que foi submetido, pela Recorrente, ao Infarmed, aquando dos pedidos de AIM – o que veio a ser deferido através da Decisão Recorrida.
3. Para o efeito, e ao contrário do que alega a Recorrente, as Recorridas fundamentaram a necessidade da documentação em causa logo nos artigos 59.º a 69.º da petição inicial, tendo ainda densificado a essencialidade dessa documentação para prova da infração dos seus direitos pelos medicamentos genéricos da Recorrente nos artigos 65.º e seguintes da réplica.
4. Nos articulados que apresentaram as Recorridas indicaram, de forma detalhada:
(a) O que pretendiam provar com os documentos solicitados: que os medicamentos genéricos de Axitinib da Recorrente incorporam as invenções objeto de direitos de propriedade industrial das Recorridas.
(b) Como o pretendiam provar: através de documentação relativa à composição desses medicamentos, nomeadamente, o designado DMF ou ASMF, que se encontra no eCTD que foi submetido ao Infarmed para instrução dos respetivos pedidos de AIM.
(c) E porque precisavam de aceder a documentação na posse da Recorrente ou de terceiros: já que, em particular, a informação relativa à forma cristalina dos medicamentos genéricos de Axitinib da Recorrente não se encontra descrita em qualquer documento ao qual as Recorridas tenham acesso.
5. Por sua vez, o Tribunal a quo não ignorou o ónus das Recorridas de identificarem
os documentos que concretamente pretendiam obter e a sua relevância tendo, antes, apreciado as várias pronúncias emitidas por ambas as partes sobre o tema e entendido que os documentos requeridos pelas Recorridas não eram “nem impertinentes nem desnecessários”, justificando-se, contudo, salvaguardar a sua confidencialidade.
6. Assim, depois de apreciar criticamente os factos em causa, a pertinência da documentação requerida pelas Recorridas e a confidencialidade da mesma invocada pela Recorrente, o Tribunal a quo proferiu a Decisão Recorrida, pela qual admitiu o meio de prova em causa e adotou medidas de confidencialidade nos exatos termos requeridos pela Ré, restringindo o acesso não só à documentação requisitada, mas à totalidade do processo.
7. Em concreto, as medidas de confidencialidade em causa são as seguintes:
(a) Limitação do acesso aos documentos do dossier de AIM aos mandatários das Autoras, ao assessor técnico das Autoras e a 3 pessoas a nomear pelas Autoras;
(b) Limitação do acesso a audiências, registos e transcrições aos mandatários das Autoras, ao assessor técnico das Autoras e a uma pessoa a nomear pela Autoras;
(c) Todas pessoas que tiverem acesso à documentação acima indicadas deverão subscrever uma declaração nos termos qual se comprometerão:
vi. a manter estrita confidencialidade dos documentos;
vii. a manter uma única cópia física ou eletrónica dos documentos e abster-se de fazerem outras cópias;
viii. a não divulgar a terceiros (incluindo funcionários da Autora ou empresas afiliadas) a informação obtida nos autos;
ix. a não depor na qualidade de testemunhas em outros processos e/ou jurisdições sobre informações obtidas nos presentes autos ou utilizar a informação obtida de forma confidencial em qualquer outros processo (seja na qualidade de testemunha ou outra, tal como por exemplo prestando assessoria em outras jurisdições);
x. a devolver a cópia física dos documentos ou demonstrar a destruição da cópia eletrónica dos documentos à Ré.
8. Em suma, ao contrário do que alega a Recorrente, não é verdade que a Decisão Recorrida assente numa incorreta interpretação dos artigos 188.º do EM, 352.º do CPI e 429.º e 432.º do CPC, nem que o Tribunal a quo tenha de alguma forma ignorado o dever das Recorridas de fundamentar a necessidade da documentação requerida e, menos ainda, que não tenha efetivamente apreciado criticamente a respetiva pertinência.
Os factos relevantes para a apreciação do recurso são os seguintes:
1. Na sua petição inicial, as autoras formulam o seguinte pedido de prova:
“Prova documental em posse da Ré e/ou de terceiros
Nos termos dos artigos 429.º e 432.º do CPC e 339.º do CPI, e para prova dos factos alegados nos artigos 59º a 69º do presente articulado, as Autoras requerem a notificação da Ré, do Infarmed, ou de ambos, para juntar aos autos toda a documentação relativa ao composto, forma cristalina e respetivos métodos de preparação dos medicamentos genéricos de Axitinib da Ré, incluindo mas não limitando o seu ECTD (Electronic Common Technical Document) e o DMF (Drug Master File) da substância ativa na sua totalidade (Applicant Part.º e Restricted Part)”
2. Na contestação/reconvenção a ré, recorrente, pronuncia-se quanto a tais pedido de prova nos artigos 107 a 128, e que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
3. Foi proferido o despacho recorrido com o seguinte teor:
“ VII. Da admissão dos meios probatórios:
Da prova documental:
Por não se demonstrarem nem impertinentes nem desnecessários, admito a junção dos documentos pelas partes, nos termos do artigo 423.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
Mais determino a notificação da Ré e do Infarmed, para juntar aos autos toda a documentação relativa ao composto, forma cristalina e respetivos métodos de preparação dos medicamentos genéricos de Axitinib da Ré, incluindo, mas não limitando o seu ECTD (Electronic Common Technical Document) e o DMF (Drug Master File) da substância ativa na sua totalidade (Applicant Part.º e Restricted Part), assegurando-se a confidencialidade da documentação que venha a constar dos autos, nos termos requeridos pela Ré.”.
4. Nos autos, foi identificado o objeto do litígio e foram enunciados os temas da prova:
“V. Objecto do Litígio:
Se deve ser reconhecido que o fabrico, a oferta, a armazenagem, a introdução no comércio ou a utilização, a importação ou a posse, para algum dos fins anteriores dos medicamentos genéricos de AXITINIB, para os quais a Ré requereu duas autorizações de introdução no mercado indicando o INLYTA como medicamento de referência, viola o CCP 521;
Se deve ser reconhecido que o fabrico, a oferta, a armazenagem, a introdução no comércio ou a utilização, a importação ou a posse, para algum dos fins anteriores dos medicamentos genéricos de AXITINIB, para os quais a Ré requereu duas autorizações de introdução no mercado indicando o INLYTA como medicamento de referência, viola a EP 702;
Se deve ser a Ré condenada a não fabricar, oferecer, armazenar, colocar no mercado, utilizar e importar ou possuir para algum dos fins anteriores os medicamentos genéricos de AXITINIB, para os quais requereu duas autorizações de introdução no mercado indicando o INLYTA como medicamento de referência, tudo até à data de caducidade do CCP 521;
Se deve ser a Ré condenada a não fabricar, oferecer, armazenar, colocar no mercado, utilizar e importar ou possuir para algum dos fins anteriores os medicamentos genéricos de AXITINIB, para os quais requereu duas autorizações de introdução no mercado indicando o INLYTA como medicamento de referência, tudo até à data de caducidade da EP 702;
Se deve ser aplicada à Ré uma sanção pecuniária compulsória à taxa diária de 100 UC, nos termos dos artigos 829.º-A, n.º 1, do CC e 348.º, n.º 4, do CPI; e
Se deve ser julgado procedente por provado e, consequentemente a EP’702 deverá ser declarada nula e ser ordenado o respectivo cancelamento junto do INPI.
VI. Temas da Prova:
Face aos documentos juntos aos autos e a posição assumida nos respectivos articulados, constituem temas da prova a apurar:
Se ocorre violação ou não da patente EP’702, apurando o seu âmbito de protecção e reivindicações;
Se se verifica falta de actividade inventiva da EP‘702 face à patente US 2006094763 (US‘763) que determina o não preenchimento dos requisitos de patenteabilidade da CPE.”
II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO:
Como é pacífico, o Tribunal tem de resolver questões e não apreciar argumentos; e as questões são as que resultam das conclusões das alegações do recorrente.
Acresce que este Tribunal de recurso, sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso, não conhece questões novas, isto é, questões que não tenham sido apreciadas pelo Tribunal recorrido.
Pelo exposto e atento o pedido formulado, a única questão a decidir é a de saber se o despacho que ordenou a notificação da ré e do Infarmed para juntarem aos autos toda a documentação relativa ao composto, forma cristalina e respetivos métodos de preparação dos medicamentos genéricos de Axitinib da Ré, incluindo, mas não limitando o seu ECTD (Electronic Common Technical Document) e o DMF (Drug Master File) da substância ativa na sua totalidade (Applicant Part.º e Restricted Part), incorre em erro de julgamento.
Segundo a recorrente, tal erro decorre de dois argumentos essenciais.
i O Tribunal a quo não teve em consideração o ónus de alegação e prova que recai sobre a recorrida já que lhes cabe – às recorridas – identificar os documentos e os factos que se pretendem provar com a junção dos documentos. – conclusões C e F; e
ii O Tribunal a quo não procedeu à apreciação da pertinência dos documentos e factos em apreço nos presentes autos – conclusões D, G e J.
Em síntese, na petição inicial, as autoras requerem a notificação da ré e do Infarmed para juntarem aos autos toda a documentação relativa ao composto, forma cristalina e métodos de preparação dos medicamentos genéricos de Axitinib da Ré, incluindo, mas não limitando, o ECTD e o DMF da substância ativa na sua totalidade.
A Ré, na contestação, com reconvenção, argumenta que as autoras não justificam a necessidade de tal prova e além disso, que a documentação requerida contém informações altamente sensíveis e confidenciais, tendo sugerido medidas específicas para garantir a confidencialidade, caso a junção fosse ordenada.
A ré, recorrente, opõe-se expressamente ao pedido formulado pelas autoras recorridas nos artigos 107 a 128 da sua contestação/reconvenção.
O despacho recorrido omite na totalidade qualquer apreciação quanto às objeções da ré.
Embora não configure um despacho nulo, por ser possível ver nele alguma, embora escassa, fundamentação, impunha-se uma apreciação que permitisse às partes, e ao tribunal de recurso, perceber as razões do decidido.
Do despacho recorrido resulta, apenas e apenas implicitamente, que tais documentos não foram considerados impertinentes nem desnecessários e que algumas das razões invocadas pela ré foram atendidas ao prever-se que deva ser assegurada “a confidencialidade da documentação que venha a constar dos autos, nos termos requeridos pela Ré.”
Perante os factos apurados impõe-se apreciar se tal despacho deve manter-se ou ser revogado, como pretende a recorrente.
Genericamente, os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes (art.º 423.º, n. 1, do Código de Processo Civil). Nestes casos, de junção de documentos com os articulados, impõe-se ao juiz admiti-los e rejeitar, unicamente, aqueles que forem impertinentes, ao abrigo do disposto no art.º 6.º, n. 1, do Código de Processo Civil.
Já nos casos em que a parte queira apresentar um documento, mas não lhe seja possível nos termos do disposto no art.º 423.º, n. 1, do Código de Processo Civil, por, designadamente, tal documento se encontrar na posse da parte contrária, tem de proceder nos termos previstos no art.º 429.º:
1 - Quando se pretenda fazer uso de documento em poder da parte contrária, o interessado requer que ela seja notificada para apresentar o documento dentro do prazo que for designado; no requerimento, a parte identifica quanto possível o documento e especifica os factos que com ele quer provar.
Nestas situações, incumbe ao juiz apreciar se os factos que a parte pretende provar têm interesse para a decisão da causa (art.º 429.º, n. 2, do Código de Processo Civil).
O mesmo sucede nos casos em que os documentos se encontram em posse de terceiros (art.º 432.º, do Código de Processo Civil).
Há, pois, uma diferença de regime quanto aos documentos que a parte apresenta com os articulados daqueles que não apresenta, por se encontrarem em poder da parte contrária, mas pretende que sejam juntos aos autos.
No caso de apresentação de documentos pela própria parte, nos articulados, o tribunal apenas deve rejeitar aqueles que forem impertinentes.
Já no caso de documentos na posse da parte contrária, ou de terceiro, o juiz tem de efetuar uma avaliação, positiva, de pertinência[1]. E tal juízo de pertinência assenta por referência aos factos que a parte requerente quer provar com o documento.
Para além desta indicação dos factos que se pretendem provar com o documento, à parte requerente cabe, ainda, um ónus de identificação do documento, embora sem preocupações de exatidão.
No caso em concreto, as autoras, como resulta dos factos descritos em 1, pediram que a ré e um terceiro fossem notificados para apresentarem determinados documentos com o fundamento na sua necessidade para “prova dos factos alegados nos artigos 59º a 69º” da petição.
Não identificam concretamente os documentos pretendidos, mas por reporte a “toda a documentação relativa ao composto, forma cristalina e respetivos métodos de preparação dos medicamentos genéricos de Axitinib da Ré, incluindo, mas não limitando o seu ECTD (Electronic Common Technical Document) e o DMF (Drug Master File) da substância ativa na sua totalidade (Applicant Part.º e Restricted Part)” – é nosso o sublinhado.
Quanto ao primeiro requisito de admissão do pedido formulado, há que apreciar se os factos descritos nos artigos 59º a 69º da petição constituem factos essenciais, acessórios ou complementares da causa de pedir invocada, sendo que, nos termos do disposto no art.º 410.º, do Código de Processo Civil, a instrução tem por objeto os temas da prova enunciados ou, quando não tenha de haver lugar a esta enunciação, os factos necessitados de prova.
Nos autos, foi identificado o objeto do litígio, e foram enunciados os seguintes temas da prova:
“Se ocorre violação ou não da patente EP’702, apurando o seu âmbito de protecção e reivindicações;
Se se verifica falta de actividade inventiva da EP‘702 face à patente US 2006094763 (US‘763) que determina o não preenchimento dos requisitos de patenteabilidade da CPE.”
Os factos 59º a 69º da petição indicados pelas requerentes têm o seguinte teor:
59º
Quanto à EP 702, na medida em que esta patente protege a forma cristalina de AXITINIB (e respetivo método de preparação) que melhor potencia as suas características para uso comercial, existe uma forte probabilidade de a Ré utilizar a mesma forma cristalina nos seus medicamentos de AXITINIB,
60º
Preparando-se, assim, para infringir também a EP 702.
61º
Com efeito, a Forma XLI apresenta uma combinação única de dois ou mais picos de difração de raio-x em pó (PXRD peaks) que não se sabe existir em qualquer outro polimorfo de AXITINIB,
62º
E que lhe atribui propriedades físicas que permitem a sua formulação e fabrico de forma fiável, tais como a filtrabilidade, a higroscopicidade, a fluidez e a estabilidade ao calor, à humidade e à luz.
63º
Pelo que tudo indica que a Ré irá também utilizar a forma cristalina XLI na comercialização dos seus medicamentos genéricos de AXITINIB.
64º
Assim, apesar da designação de genérico, por si só, poder não ser, em geral, suficiente para que se possa concluir que um medicamento usa a mesma forma cristalina que o medicamento de referência, as circunstâncias do caso concreto indiciam ser esse o caso do medicamento genérico da Ré.
65º
Não obstante, importa referir que, de facto, as Autoras não têm acesso à discrição da forma cristalina de AXITINIB utilizada nos medicamentos genéricos da Ré.
66º
Essa é uma informação que, nesta fase, apenas a Ré e o Infarmed (este último com
base na informação constante do pedido de AIM apresentado pela Ré para o seu
medicamento genérico de AXITINIB) possuem.
67º
Pelo que, nos termos dos artigos 429.º e 432.º do CPC e 339.º do CPI, deve a Ré, o Infarmed, ou ambos, ser notificados para juntar aos autos toda a documentação relativa ao composto, forma cristalina e respetivos métodos de preparação dos medicamentos genéricos de AXITINIB da Ré, incluindo mas não limitando o seu ECTD (Electronic Common Technical Document) e o DMF (Drug Master File) da substância ativa na sua totalidade (Applicant Part.º e Restricted Part),
68º
O que desde já se requer.
69º
Pois só assim poderão as Autoras demonstrar cabalmente a composição do medicamento genérico da Ré.
Da simples leitura de tais factos, resulta que apenas os descritos em 59 a 63 podem configurar verdadeiros factos suscetíveis de esforço probatório.
De tais factos resulta que as autoras imputam à ré a possibilidade de, com a introdução do genérico, violarem a EP 702, por a ré utilizar a mesma forma cristalina XLI (e respetivo método de preparação) nos seus medicamentos de AXITINIB.
Invocam as autoras que “não têm acesso à discrição da forma cristalina de AXITINIB utilizada nos medicamentos genéricos da Ré” (artigo 65.º da petição).
Na sua contestação, as rés não admitem tal violação.
Assim, atenta a matéria constante dos temas da prova, conjugados com o objeto do litígio, torna-se necessário demonstrar se a ré utiliza a mesma forma cristalina XLI (e respetivo método de preparação) nos seus medicamentos de AXITINIB.
Ou seja, atento o objeto do processo e os temas de prova podemos concluir que as autoras apresentaram justificação suficiente para o pedido de documentação que formularam. Ou seja, mostra-se justificada a pertinência do pedido.
Vimos já, contudo, que as autoras deveriam, igualmente, identificar quanto possível o documento.
As autoras, recorridas, usam uma formulação ampla e genérica (toda a documentação) que não permite, ressalvado o devido respeito por outra opinião, apreciar desde logo a pertinência de alguma dessa “toda a documentação”, ainda que limitada àquela “relativa ao composto, forma cristalina e respetivos métodos de preparação dos medicamentos genéricos de Axitinib da Ré”, para além daquela que indica expressamente: - o seu ECTD (Electronic Common Technical Document); - e o DMF (Drug Master File) da substância ativa na sua totalidade (Applicant Part.º e Restricted Part).”
Tal como já referimos supra, os documentos foram pedidos apenas para demonstração dos factos descritos em 59 a 63 da petição. Tais factos respeitam, unicamente, à invocação da possibilidade de utilização pela ré da “forma cristalina XLI (e respetivo método de preparação) nos seus medicamentos de AXITINIB”. Nada nesses factos respeita ao “composto” nem aos “respetivos métodos de preparação dos medicamentos genéricos de Axitinib da Ré”.
Assim, qualquer documento que não respeite à forma cristalina XLI (e respetivo método de preparação) está excluída da necessidade de junção aos autos, revelando-se impertinente.
Invoca, a recorrente, razões de confidencialidade e segredo de negócio.
O despacho recorrido não deixa de referir que com a junção deverá ser assegurada “a confidencialidade da documentação que venha a constar dos autos, nos termos requeridos pela Ré”.
Quanto a este aspeto, limitamo-nos a citar, reiterando-o, o acórdão proferido no âmbito do processo 511/22.7YHLSB-B.L1-PICRS, de 27.11.2024[2], desta secção PICRS:
20. Neste contexto, o pedido de documentação em causa parece-nos perfeitamente justificado, pelo que bem andou o tribunal a quo em deferir, no despacho recorrido, a requisição documental à Infarmed, ao abrigo do disposto no artigo 436.º do Código de Processo Civil, sem olvidar as devidas cautelas na proteção de informação confidencial (e que não olvidamos tratar efetivamente de dados muito sensíveis), ao abrigo do artigo 352.º, do Código de Propriedade Industrial.
21. Nem se vislumbra como o artigo 188.º do DL. n.º 176/2006 (regime jurídico dos medicamentos de uso humano), artigo 352.º do CPI e 432.º e 429º do Código de Processo Civil, poderiam obstar a este entendimento.
Assim, determinada a junção dos documentos, a confidencialidade será assegurada, nos termos requerido pela ré, recorrente. Termos que constam, dos artigos 125.º, 126º e 128º, da contestação reconvenção.
Assim, concedendo parcial provimento ao recurso, os documentos a juntar aos autos, em poder da ré ou do Infarmed, serão limitados aos documentos relativos à forma cristalina XLI (e respetivo método de preparação) nos medicamentos genéricos de Axitinib da Ré, incluindo os Ectd e DMF quanto à referida forma cristalina XLI.
III. DECISÃO:
Pelo exposto,
I. damos parcial provimento ao recurso e, em consequência devem a ré e o Infarmed, juntar aos autos os documentos, em seu poder, relativos à forma cristalina XLI (e respetivo método de preparação) nos medicamentos genéricos de Axitinib da Ré, incluindo os Ectd e DMF quanto à referida forma cristalina XLI, assegurando-se a confidencialidade da documentação que venha a constar dos autos, nos termos requeridos pela ré nos artigos 125º, 126º e 128º, da contestação reconvenção, para o que serão notificados.
II. Custas pelas ré recorrente e autoras recorridas em partes iguais.
Lisboa, 10/02/2025
Armando Manuel da Luz Cordeiro
Eleonora Viegas
José Paulo Abrantes Registo
_______________________________________________________ [1] Cf. António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, 2ª ed., p. 525.