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RESOLUÇÃO EM BENEFÍCIO DA MASSA INSOLVENTE
IMPUGNAÇÃO
ACÇÃO DE SIMPLES APRECIAÇÃO
ÓNUS DE PROVA
CESSÃO DE QUOTAS
QUESTÃO PREJUDICIAL
Sumário
(cf. nº 7, do art.º 663º, do CPC) I - O mecanismo judicial destinado ao exercício do direito a que se refere o artigo 125.º do CIRE tem a matriz de ação de simples apreciação negativa. II - Neste tipo de ações e no que concerne ao ónus da prova, competirá ao réu a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga - os factos constantes da declaração resolutiva (artigo 343º, nº 1, do Código Civil). III - Situando-se a alçada da declaração de resolução do ato fora dos casos taxativamente enumerados no art.º 121º, n.º 1 do CIRE é necessária a demonstração da sua prejudicialidade. IV - O ato de cessão de quota, porque ocorrido dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência, é um ato resolúvel em benefício da massa insolvente desde que se demonstre a sua prejudicialidade. V- De acordo com o n.º 2 do art.º 120º do CIRE, são atos prejudiciais à massa aqueles que diminuem, frustram, dificultam, põem em perigo ou retardam a satisfação dos credores da insolvência. VI - A quota exprime um direito de conteúdo complexo, que tanto abrange direitos de natureza patrimonial, como direitos, poderes ou faculdades de ordem pessoal. VII - Procede a resolução “condicional” a favor da massa insolvente da cessão de quota social, por tal cessão, ainda que a título oneroso, constituir, em princípio, um ato prejudicial à massa, posto que realizada por valor inferior ao seu valor real.
Texto Integral
I. Relatório
“A”, contribuinte fiscal n.º (…), residente (…), intentou a presente ação de impugnação da resolução em benefício da massa insolvente, sob a forma de processo comum, contra a Massa Insolvente da “BB”, S.A., administrada pelo Administrador Judicial, (…), pedindo seja declarada inválida a resolução por este operada por carta datada de 16/01/2024 do contrato de cessão de quota celebrado em 09/05/2023, mediante o qual a Insolvente transmitiu ao ora Autor a quota que detinha na sociedade “CC”, Lda., no valor nominal de € 1.050,00.
Para tanto, alegou, em síntese, que não atuou de má-fé e que o escopo estratégico prosseguido com a titularidade dessa quota pela Insolvente deixara de existir, pelo que, ao transmitir ao ora Autor a quota que detinha na sociedade ”CC”, Lda., a Insolvente redimensionou a sua estrutura, deixou de ter de suportar os custos associados à referida empresa e obteve uma contrapartida patrimonial que, de outra forma, não seria possível alcançar, pois que o valor venal do bem cedido era, no mercado, inexistente, acrescentando que a referida quota societária não representava, nem representa, uma garantia patrimonial para os credores e, consequentemente, a sua alienação não consubstanciou uma diminuição, frustração, obstáculo, risco ou agravamento da possibilidade de ressarcimento daqueles, inexistindo prejudicialidade.
Citada na pessoa do Sr. Administrador da Insolvência, a Massa Insolvente da “BB”, S.A., apresentou contestação alegando, em síntese, que: a referida cessão de quota não foi feita no âmbito das hipóteses permitidas por lei, sendo por isso suscetível de resolução em benefício da massa insolvente nos termos dos n.ºs 1, 2, 3 e 4 do art.º 120.º, bem como da alínea h) do n.º 1 do art.º 121.º do CIRE, uma vez que constituiu um ato prejudicial à massa insolvente que se viu privada de um bem pertencente ao seu acervo patrimonial com claro prejuízo para todos os seus credores, presumindo-se a má-fé do Autor, para além de se ter traduzido numa assunção por parte da Insolvente de uma obrigação que excedeu manifestamente a sua obrigação de o pagamento do preço da cessão, uma vez que o valor intrínseco da quota de € 1.050,00, na “CC”, Lda., era manifestamente superior; à data da referida cessão de quota, a “CC”, Lda.” era detentora de vasto e valioso património imobiliário: as identificadas frações autónomas B e C tinham um valor comercial de pelo menos 2.420.000,00 € e o identificado terreno para construção tinha e tem um valor comercial nunca inferior a 1.000.000,00€; à data da referida cessão de quota, a “BB”, S.A.” e as empresas do grupo que a compunham, tinha dívidas para com trabalhadores, fornecedores, banca, Segurança Social e Finanças na ordem dos 4.800.000,00 €; a referida quota da “BB”, S.A.” na “CC”, Lda.”, representava uma garantia patrimonial dos credores da insolvência, cujos créditos já existiam na generalidade no momento em que foi realizada a transmissão de quota a favor do A; a “BB”, S.A.” não era detentora de qualquer outro património financeiro, mobiliário ou imobiliário; os ativos imobiliários estavam todos concentrados na “CC”, Lda.”, de que a “BB” deixou de ser sócia por efeito da referida cessão de quota; a transmissão ao A da referida quota, visou furtar a mesma ao património da insolvente, concretamente em a retirar da titularidade da insolvente para que a mesma não viesse a integrar a massa insolvente; ao celebrar a cessão de quota, presume-se que o A não ignorava que da mesma resultava para os credores a impossibilidade de obterem a satisfação dos seus créditos ou o agravamento dessa impossibilidade e um claro prejuízo para os mesmos; o valor da cessão da quota, de apenas 1.050,00 €, é irrisório face ao valor real da referida quota, atendendo a que o valor dos imóveis que pertenciam à “CC”, Lda.” era de, pelo menos, 3.420.000,00 €, independentemente dos ónus que sobre os mesmos pudessem existir, o que demonstra que com a mencionada cessão de quota o A tinha a perfeita noção e quis causar prejuízo grave à massa de “BB”, S.A.” e aos seus credores, atuando em seu exclusivo e próprio benefício; com exceção da hipoteca registada pela Ap. (…) de (…), todos os demais ónus registados sobre o imóvel (penhoras e arrestos, alguns dos quais elencados em 64º da PI), são posteriores à transmissão da quota na “CC” a favor do A, alguns dos quais, ou mesmo todos, poderão ser cancelados, dado que os processos judiciais associados encontram-se ainda todos em curso; nenhuma obra a “CC” executou nas frações B e C, encontrando-se as mesmas no estado em que se encontravam aquando da sua aquisição pela “CC” em 30/12/2021; com a compra e posterior venda das frações B e C, contrariamente ao que o A quer fazer crer, não teve a “CC” qualquer prejuízo, mas sim uma margem de lucro considerável, porquanto adquiriu as mesmas pelo valor de 1.664.075,16 € e vendeu as mesmas a “DD”, SA pelo valor de 2.420.000,00 €, o que se traduziu (ou pelo menos devia ter traduzido) numa margem de lucro para a “CC” de 755.924,84 €; com a cessão da quota de que a “BB” era titular na ”CC”, Lda. para o A, traduziu-se num claro prejuízo para a “BB”, porquanto o valor da sua participação na “CC” (quota no valor nominal de 1050 €, mas correspondente a 70% do capital desta ultima) era bastante superior ao valor da transmissão da quota para o Autor que foi de apenas 1050 €, igual ao valor nominal da quota; tal transmissão da quota para o Autor, privou consequentemente a “BB” de participar nos lucros da “CC”, Lda. o que causou elevadíssimo prejuízo aos credores da “BB”, S.A.”, o que o Autor não ignorava e não ignora; o A agiu com manifesta má-fé, que se presume, atendendo a que a cessão da quota foi efetuada no período de 2 anos que antecedeu a declaração de insolvência da “BB”, S.A.”, bem como ao facto de o A ser pessoa especialmente relacionada com a insolvente, nos termos previstos no nº 4 do artigo 120º do CIRE; a cessão de quota a favor do A pelo valor nominal da quota de apenas 1.050,00 €, embora efetuada a título oneroso, traduziu-se numa assunção por parte da insolvente de uma obrigação que excedeu manifestamente a sua obrigação de o pagamento do preço da cessão, quando o valor intrínseco da quota de 1.050 € na “CC”, Lda.” era manifestamente superior.
Conclui pela improcedência da ação.
Em 8/10/2024 (ref. citius n.º 153317565) foi proferido pelo Tribunal a quo o seguinte despacho: «Nos termos do disposto art.º 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, e com vista a evitar decisões surpresa, notifique as partes para, querendo, em dez dias se pronunciarem sobre a possibilidade de ser: (i) dispensada a realização de audiência prévia, ao abrigo dos poderes/deveres – do juiz – de gestão processual, conforme art.º 6.º, n.º 1, do Código de Processo Civil; e de ser (ii) proferido despacho saneador destinado a conhecer de imediato do mérito da causa, por se nos afigurar que os autos já possuem todos os elementos para proferir decisão final, por escrito, conforme art.º 595.º, n.º 1, b), do Código de Processo Civil. Caso não se oponham, poderão as partes, no mesmo prazo, pronunciar-se, querendo, sobre a decisão de mérito a proferir.»
Respondeu o autor conforme requerimento sob a Ref. n.º 26601859 declarando opor-se a que seja de imediato proferido despacho saneador em que se decida de imediato sobre o termo do processo, devendo, ao invés, ser este concluso para fixação do objeto e temas da prova, com admissão da prova requerida e a produzir.
Respondeu a ré conforme requerimento sob a Ref. n.º 26601630 declarando nada ter a opor à dispensa da Audiência Prévia e a que seja proferido despacho saneador destinado a conhecer de imediato do mérito da causa.
Em 22/11/2024 foi proferido saneador-sentença, que julgou a presente ação totalmente improcedente, por não provada, e, em consequência, reconheceu o direito de o Sr. Administrador da Insolvência resolver o negócio de cedência de quota celebrado em 09/05/2023, mediante o qual a Insolvente ”BB”, S.A., transmitiu ao autor, “A” a quota que detinha na sociedade “CC”, Lda., no valor nominal de € 1.050,00.
Inconformado, o autor “A” interpôs o presente recurso, que finalizou com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:
a) O Saneador-Sentença de que se recorre violou o disposto no artigo 343.º, n.º 1, do CC;
b) Isto porque, no âmbito da presente ação de impugnação de resolução em benefício da massa insolvente impendia sobre o Administrador de Insolvência, enquanto representante da massa insolvente, fazer prova da existência dos pressupostos da resolução condicional;
c) O que não sucede;
d) Não operando qualquer presunção legal que dispensasse a Ré – e o seu representante legal – nos termos do disposto no artigo 344.º do CC do ónus da prova que sobre si impendia;
e) A cessão de quota é um acto, legal e socialmente típico, massificado no tráfego jurídico cuja mera existência num contexto pré-insolvência é insusceptível de preencher qualquer das presunções previstas no artigo 121.º do CIRE;
f) Não estando alegada, nem provada e muito menos assente a prejudicialidade do acto cujo ónus da prova pertencia à Ré e ao seu legal representante o Tribunal “a quo” não podia decidir no sentido de considerar tal acto prejudicial à massa insolvente com base numa presunção de prejudicialidade;
g) Ao fazê-lo, o Tribunal “a quo” violou, igualmente, o disposto no artigo 120.º, n.º 2, do CIRE.
h) Não estando o acto em causa a coberto da presunção de prejudicialidade prevista no artigo 121.º do CIRE, aplicável à resolução condicional ex vi artigo 120.º, n.º 3, do CIRE;
i) “Exige-se para que o mesmo possa ser resolvido que o mesmo cause um prejuízo para a massa, sendo que a demonstração e prova de tal prejuízo caberá ao administrador como facto constitutivo do seu direito potestativo de resolução”. (obra e autor devidamente identificados supra);
j) In casu, e não obstante o convite formulado pelo Tribunal “a quo” ao aperfeiçoamento do articulado apresentado, é inegável que a Ré – e o seu representante legal – foram incapazes de demonstrar que a cessão de quotas tinha sido prejudicial à massa insolvente da “BB”;
k) Prejudicialidade essa que, na ausência de presunção legal, se traduz num juízo hipotético entre a situação real a situação hipotética, o que não é alegado pela Ré, nem efectuado pelo Tribunal “a quo”;
l) Pelo que, ao decidir que a prejudicialidade se presume sem que a Ré tenha de fazer prova de tal prejudicialidade, o Saneador-Sentença violou o disposto no artigo 120.º, n.º 2, do CIRE;
m) Sendo de notar que a argumentação expendida pelo Tribunal “a quo” para justificar a invocada prejudicialidade é manifestamente incoerente;
n) Por um lado, carece de sentido a afirmação de que: “Não obstante, sempre se dirá também que, estando demonstrado que a sociedade “CC”, Lda., detinha e detém património imobiliário, é no mínimo inverosímil que a quota cedida não tivesse mais do que o seu valor nominal.”.
o) Quando está factualmente assente que tal património imobiliário foi adquirido por € 790.000,00, no decorrer do ano de 2022 – cf. ponto 12 da matéria assente;
p) E o mesmo se encontrava onerado em valores superiores a € 1.500.000,00, como está factualmente assente – cf. ponto 13 da matéria assente.
q) E, por outro lado, carece, igualmente, de sentido a afirmação: “No entanto, a escritura de compra e venda corresponde foi celebrada em 05/06/2023 – dez dias antes do início do processo de insolvência - e nessa data foi paga pela compradora a última tranche do valor do preço acordado - € 46,716,68 – quantia essa que por força da cessão de quota ocorrida em 09/05/2023, deixou de poder beneficiar a insolvente e, consequentemente, os seus credores”
r) Quando está factualmente assente a existência de dívidas da “CC” superiores a € 1.500.000,00 e, portanto, nunca aquele montante seria susceptivel de integrar, ou de qualquer forma beneficiar, o património da sociedade insolvente e, por essa forma, permitir o ressarcimento dos credores.
s) Tal argumentação utilizada para contornar a falta de alegação e prova que impendia sobre a Ré não tem a virtualidade de sustentar a decisão que o Tribunal “a quo” veio a tomar.
Termina concluindo pela revogação do Saneador-Sentença e pela sua substituição por acórdão que considere procedente a impugnação apresentada pelo Autor.
Apresentou a Ré Massa Insolvente de “BB”, S.A. resposta a pugnar por que seja negado provimento ao recurso, mantendo-se a decisão proferida pelo Tribunal a quo, concluindo nos seguintes termos que igualmente se reproduzem:
1) O douto saneador sentença não violou o disposto no artigo 343.º, n.º 1, do Código Civil;
2) O douto saneador sentença não violou o disposto no artigo120.º, n.º 2, do CIRE;
3) O douto saneador/sentença proferido pela meritíssima juiz do tribunal a quo não merece qualquer reparo ou censura, pelo que deverá manter-se na íntegra.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II. Do Objeto do recurso:
Estando o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente —artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, a questão que se coloca à apreciação deste Tribunal consiste em saber:
- Se se verificam os pressupostos para ser declarada válida a resolução do negócio em causa;
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III – Fundamentação de Facto
1. Factos Provados
Na decisão da 1ª instância foram considerados os seguintes factos:
1. Os autos de insolvência de que estes autos constituem apenso iniciaram-se em 15/06/2023 a requerimento dos credores (…).
2. Por sentença proferida em 17/10/2023, transitada em julgado e cujo teor se dá por reproduzido, foi declarada a insolvência da “BB”, S.A., pessoa coletiva n.º (…) com o capital social de € 50.000,00 e com sede (..).
3. É administrador único da Insolvente o Autor, “A”.
4. A “CC”, sociedade por quotas, pessoa coletiva n.º (…) e com o capital social de € 1.500,00, foi constituída a 28/11/2018, tendo como sócios o Autor, “A”, com uma quota no valor nominal de €1.050,00, e (…), com uma quota no valor nominal de € 450,00.
5. Em assembleia geral extraordinária da sociedade “CC”, Lda., realizada em 28/03/2022, foi deliberada a cedência, pelo Autor à Insolvente, da quota que aquele detinha na referida sociedade pelo preço de € 1.050,00, correspondente ao valor nominal da quota cedida.
6. Mediante contrato denominado “Cessão de Quota”, celebrado em 09/05/2023, a Insolvente declarou ceder ao Autor, que aceitou, a quota que detinha na sociedade “CC”, Lda., no valor nominal de € 1.050,00, mediante o pagamento do preço correspondente ao valor nominal da quota cedida.
7. Atualmente, a “CC”, Lda., é detida, pelos seus beneficiários efetivos, o Autor, titular de uma quota societária no valor nominal de € 1.050,00 e (…), titular de uma quota no valor nominal de € 450,00, ou seja, retomando a mesma realidade societária que a existente à data da sua constituição.
8. Em 09/05/2023, a “CC”, Lda., era proprietária dos seguintes imóveis:
a. Frações autónomas designadas pelas letras “B” e “C”, do prédio urbano sito na freguesia (…), concelho (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de (…) sob o n.º (…) e inscrito na respetiva matriz sob o artigo (…), cada fração correspondente a 353m2;
b. Prédio urbano sito na união de freguesias (…), concelho (…), descrito na Conservatória do Registo Predial (…) sob o n.º (…) e inscrito na respetiva matriz sob o artigo (…).
9. As frações identificadas sob a alínea a) do ponto 8 foram objeto de um contrato de promessa de alienação celebrado pela “CC”, Lda., com a sociedade “DD”, S.A., em 30 de dezembro de 2021, mediante o qual aquela prometeu vender e a esta, que prometeu comprar, as referidas frações pelo preço global de € 2.880.000,00.
10. Em 05/06/2023, foi celebrada a escritura da compra e venda prometida referida no ponto anterior, pelo preço de € 2.420.000,00, valor que, de acordo com o que consta da referida escritura, foi pago pela seguinte forma:
a. € 1.880.000,00 foram entregues à “CC”, Lda., em 20 de dezembro de 2021;
b. € 200.000,00 foram entregues à “CC”, Lda., a 25 de fevereiro de 2021;
c. € 51.291,95 foram entregues à “CC”, Lda., a 26 de maio de 2022;
d. € 241.991,95 foram entregues à “CC”, Lda., a 26 de outubro de 2022;
e. € 46.716,68 foram entregues à “CC”, Lda., a 5 de junho de 2023.
11. O imóvel sito (…) identificado sob a alínea b) do ponto 8 tem um valor patrimonial tributário de € 174.493,55.
12. Esse imóvel foi adquirido a 04/04/2022, pela “CC”, Lda., ao Banco (...), S.A., pelo preço de € 790.000,00.
13. Atualmente, sobre este bem imóvel impendem os seguintes ónus:
a. Hipoteca voluntária a favor da LCPT, no valor de € 218.442,00;
b. Penhora a favor da LCPT, no valor de € 223.615,78;
c. Arresto a favor da LCPT, no valor de € 819.157,90;
d. Arresto a favor do Lidl & Companhia, S.A., no valor de € 289.256,00, e
e. Penhora a favor da Fazenda Nacional, no valor de € 17.106,11.
14. Por carta registada com aviso de receção datada de 16/01/2024, cujo teor damos por reproduzido, enviada ao Autor, o Sr. Administrador da Insolvência declarou resolver, ao abrigo dos art.ºs 120.º, n.ºs 1 a 4 e 121.º, n.º 1, alínea h), ambos do CIRE, o contrato de cedência de quota celebrado entre a Insolvente e o Autor em 09 de maio de 2023.
Mais se consignou que com relevo para a decisão a proferir, e excluindo as alegações de pendor genérico, especulativo, conclusivo e normativo, não resultaram provados quaisquer outros factos.
Ao abrigo do disposto nos arts. 662º, n.º 1, 663º, n.º 2 e 607º, n.º 3, do CPC aditam-se ainda os seguintes factos, resultantes dos documentos juntos aos autos sob o documento n.º 2 junto com a contestação e n.º 3 junto com o requerimento sob a Ref. n.º 26201803:
15. Os ónus que impedem sob o imóvel e descritos em 13), pontos b), c) d) e) foram constituídos, respetivamente, em 12/09/2023, pela Ap. (…), em 28/11/2023, pela Ap. (…), em 15/12/2023, pela Ap. (…) e em 08/01/2024, pela Ap. (…).
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IV. Fundamentação de Direito
Nos presentes autos está em discussão a resolução em benefício da massa insolvente de “BB”, S.A. de um ato levado a efeito pela sociedade Insolvente em alegado prejuízo do respetivo património: a cessão ao autor da quota que a Insolvente detinha na sociedade “CC”, Lda.
Na sentença recorrida considerou-se que atento o circunstancialismo dado como provado nos autos, mostram-se verificados os pressupostos da resolução condicional ao abrigo do art.º 120.º, n.ºs 1, 2 e 4 do CIRE, o que torna desnecessário o recurso à alínea h) do n.º 1 do art.º 121.º do CIRE, também invocada pelo AI na carta de resolução, razão pela qual se entendeu que o estado do processo permitia conhecer de imediato do mérito causa, por ser inútil a produção probatória ulterior.
A resolução em benefício da massa insolvente está regulada nos artigos 120º a 126º do CIRE, constituindo, a par da impugnação pauliana, um dos mecanismos destinados a prevenir os atos que prejudiquem a integridade da massa insolvente.
Nas palavras de Catarina Serra, in Lições de Direito da Insolvência, pág. 238 “é considerada a expressão mais emblemática do princípio par conditio creditorum”, (…) desempenhando um papel importante na repressão e reversão de certos actos praticados pelo devedor antes do início do processo de insolvência – atos dirigidos a depreciar ou a extrair valor, antecipadamente, da (futura) massa insolvente.”
A resolução em benefício da massa insolvente tem efeitos retroativos, e conduz à reconstituição da situação que existiria se o ato não tivesse sido praticado ou omitido (art.º 126º, n.º 1), designadamente impondo ao terceiro a obrigação de restituir à massa insolvente os bens ou valores prestados pelo devedor (art.º 126º, n.ºs 4 e 5) e impondo à massa, em certos termos, a obrigação de restituir ao terceiro o objeto por ele prestado (art.º 126º, n.ºs 4 e 5) – produz efeitos coletivos ou em favor de todos os credores (Cf. Catarina Serra, Ob. Cit, pág. 239). É um direito potestativo de natureza extintiva, que implica que as partes regressem à situação em que se encontrariam se não tivessem celebrado o negócio, assim se operando a extinção do vínculo contratual (cf. o Acórdão desta secção de 2/05/2023, processo n.º 2882/17.8T8VFX-D.L1-1 e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14/07/2020, processo n.º 8986/17.0T8VNG-D.P1, todos disponíveis para consulta in www.dgsi.pt).
O quadro legal que estabelece os requisitos para a resolução em benefício da massa insolvente encontra-se, essencialmente, definido pelos artigos 120º e 121º do CIRE, que apresentam o seguinte teor:
«Artigo 120.º (Princípios gerais)
1- Podem ser resolvidos em benefício da massa insolvente os atos prejudiciais à massa praticados dentro dos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência.
2 - Consideram-se prejudiciais à massa os actos que diminuam, frustrem, dificultem, ponham em perigo ou retardem a satisfação dos credores da insolvência.
3 - Presumem-se prejudiciais à massa, sem admissão de prova em contrário, os actos de qualquer dos tipos referidos no artigo seguinte, ainda que praticados ou omitidos fora dos prazos aí contemplados.
4 - Salvo nos casos a que respeita o artigo seguinte, a resolução pressupõe a má fé do terceiro, a qual se presume quanto a actos cuja prática ou omissão tenha ocorrido dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência e em que tenha participado ou de que tenha aproveitado pessoa especialmente relacionada com o insolvente, ainda que a relação especial não existisse a essa data.
5 - Entende-se por má fé o conhecimento, à data do acto, de qualquer das seguintes circunstâncias:
a) De que o devedor se encontrava em situação de insolvência;
b) Do carácter prejudicial do acto e de que o devedor se encontrava à data em situação de insolvência iminente;
c) Do início do processo de insolvência.
6 - São insuscetíveis de resolução por aplicação das regras previstas no presente capítulo os negócios jurídicos celebrados no âmbito de processo especial de revitalização ou de processo especial para acordo de pagamento regulados no presente diploma, de providência de recuperação ou saneamento, ou de adoção de medidas de resolução previstas no título VIII do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro, bem como os realizados no âmbito do Regime Extrajudicial de Recuperação de Empresas ou de outro procedimento equivalente previsto em legislação especial, cuja finalidade seja prover o devedor com meios de financiamento suficientes para viabilizar a sua recuperação.
Artigo 121.º (Resolução incondicional)
1- São resolúveis em benefício da massa insolvente os actos seguidamente indicados, sem dependência de quaisquer outros requisitos:
a) Partilha celebrada menos de um ano antes da data do início do processo de insolvência em que o quinhão do insolvente haja sido essencialmente preenchido com bens de fácil sonegação, cabendo aos co-interessados a generalidade dos imóveis e dos valores nominativos;
b) Actos celebrados pelo devedor a título gratuito dentro dos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência, incluindo o repúdio de herança ou legado, com excepção dos donativos conformes aos usos sociais;
c) Constituição pelo devedor de garantias reais relativas a obrigações preexistentes ou de outras que as substituam, nos seis meses anteriores à data de início do processo de insolvência;
d) Fiança, subfiança, aval e mandatos de crédito, em que o insolvente haja outorgado no período referido na alínea anterior e que não respeitem a operações negociais com real interesse para ele;
e) Constituição pelo devedor de garantias reais em simultâneo com a criação das obrigações garantidas, dentro dos 60 dias anteriores à data do início do processo de insolvência;
f) Pagamento ou outros actos de extinção de obrigações cujo vencimento fosse posterior à data do início do processo de insolvência, ocorridos nos seis meses anteriores à data do início do processo de insolvência ou depois desta, mas anteriormente ao vencimento;
g) Pagamento ou outra forma de extinção de obrigações efectuados dentro dos seis meses anteriores à data do início do processo de insolvência em termos não usuais no comércio jurídico e que o credor não pudesse exigir;
h) Actos a título oneroso realizados pelo insolvente dentro do ano anterior à data do início do processo de insolvência em que as obrigações por ele assumidas excedam manifestamente as da contraparte;
i) Reembolso de suprimentos, quando tenha lugar dentro do mesmo período referido na alínea anterior.
2 - O disposto no número anterior cede perante normas legais que excepcionalmente exijam sempre a má fé ou a verificação de outros requisitos.»
Do disposto no artigo 120º, n.º 1 e n.º 4 decorrem os requisitos gerais, de verificação cumulativa, que justificam a resolução em benefício da massa insolvente: a temporalidade do ato (2 anos antes do início do processo de insolvência), a natureza prejudicial desse ato e a existência de má-fé do terceiro (concretizada nos termos do n.º 5 ou da segunda parte do n.º 4 dessa norma).
No artigo 121º são elencadas hipóteses específicas que conduzem a uma mais fácil resolução dos atos, por não pressuporem a verificação de condicionantes adicionais para além dos requisitos que especialmente lhes respeitam.
Em conformidade, a resolução depende, em geral, de dois requisitos: a prejudicialidade à massa (cf. art.º 120º, n.º 1) e a má fé do terceiro (art.º 120º, n.º 4). Consideram-se prejudiciais à massa os atos que diminuam, frustrem, dificultem, ponham em perigo ou retardem a satisfação dos credores da insolvência (art.º 120º, n.º 2). Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código da insolvência e da Recuperação de Empresa Anotado, 3.ª Edição, Quid Juris, 2015, a pág. 501, dizem que por actos prejudiciais devem entender-se os que, por algum dos modos aí referidos, afectam o interesse dos credores na satisfação dos seus créditos, ali se incluindo todos os que implicam a diminuição do valor da massa insolvente, bem como todos os demais que tornem a satisfação do interesse dos credores mais difícil ou mais demorada, isto sem prejuízo da presunção a que se alude no n.º 3 do mesmo preceito. Por má fé, considera-se o conhecimento, à data do ato, de qualquer das seguintes circunstâncias: a) de que o devedor se encontrava em situação de insolvência, b) do caráter prejudicial do ato e de que o devedor se encontrava à data de insolvência iminente, c) do inicio do processo de insolvência – art.º 120º, n.º5 (cf. Catarina Serra, Ob. Cit, pág. 240).
Nos casos a que se refere o artigo 121.º do CIRE, os requisitos gerais da resolução são dispensados. Os atos aí referidos são resolúveis, independentemente de quaisquer outros requisitos, para além dos previstos nesta mesma disposição legal.
Desta forma, ao estabelecer dois tipos de presunções, o regime prevê mecanismos que facilitam, em certos casos, a resolução, remetendo para a distinção das figuras da resolução condicional e da resolução incondicional (cfr. por todos Maria do Rosário Epifânio, in Manual de Direito da Insolvência, 7ª edição, págs. 248 e segs.):
- uma relativamente aos atos taxativamente enumerados nas diversas alíneas do n.º 1 do art.º 121º, que são resolúveis em benefício da massa, sem dependência de quaisquer outros requisitos, o que significa que se presumem prejudiciais à massa sem admissão de prova em contrário e que não é necessária a má fé do terceiro - cfr. os n.ºs 3 e 4 do art.º 120º e o corpo do n.º 1 do art.º 121º; é a figura da “resolução incondicional”, em que se dispensa o requisito da má fé e se consagra uma presunção inilidível da prejudicialidade para a massa insolvente dos atos enumerados nas alíneas do art.º 121º;
Neste (a que se refere o artigo 121.º do CIRE), os requisitos gerais da resolução são dispensados. Os atos aí referidos são resolúveis, independentemente de quaisquer outros requisitos, para além dos previstos nesta mesma disposição legal.
- outra relativamente aos atos cuja prática ou omissão tenha ocorrido dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência e em que tenha participado ou de que tenha aproveitado pessoa especialmente relacionada com o insolvente, ainda que a relação especial não existisse a essa data (art.º 120º, n.º 4); é a figura da “resolução condicional”, incidindo a presunção sobre a má fé do terceiro: trata-se de uma presunção juris tantum, ilidível, pois, por prova em contrário; o ónus de ilisão de tal presunção recai sobre o impugnante da resolução operada pelo Administrador de Insolvência.” (cf. os Acórdão da Relação de Guimarães de 30/11/2017, processo n.º 90/14.9T8VLN-D.G2, de 4/04/2024, processo n.º 6113/21.8T8GMR-J.G1, Acórdão da Relação do Porto de 14/07/2020, supra referido, o Acórdão do STJ de 06/03/2024, processo n.º 31662/16.6T8LSB-D.L1.S1, todos disponíveis in www.dsgsi.pt).
Em conclusão, na denominada “resolução incondicional” dispensa-se o requisito da má fé e consagra-se uma presunção inilidível de prejudicialidade para a massa insolvente dos atos indicados nas várias alíneas do artigo 121.º, que a disciplina. Na denominada “resolução condicional” relativamente aos atos cuja prática ou omissão tenha ocorrido dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência e em que tenha participado ou de que tenha aproveitado pessoa especialmente relacionada com o insolvente, ainda que a relação especial não existisse a essa data, a presunção incide sobre o requisito da má fé, tratando-se de presunção “juris tantum”, logo ilidível por prova em contrário (120.º, n.º 4 do CIRE), ou seja, que pode ser afastada pelo insolvente e pelo terceiro.
Na hipótese dos autos, o ato cuja resolução foi declarada pelo Sr. Administrador da Insolvência foi praticado a 9 de maio de 2023, ou seja, dentro dos dois anos anteriores ao processo de insolvência que teve o seu início em 15/06/2023. O ato é assim abstratamente resolúvel.
Situando-se a alçada da declaração de resolução do ato fora dos casos taxativamente enumerados no art.º 121º, n.º 1 do CIRE é necessária a demonstração da sua prejudicialidade. O ato de cessão de quota, porque ocorrido dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência, é um ato resolúvel em benefício da massa insolvente desde que se demonstre a sua prejudicialidade, que, no caso, a sentença recorrida julgou verificado, contra o que se insurge o apelante e a má fé do cessionário, que no caso se presume por nele ter participado pessoa especialmente relacionada com o insolvente.
De acordo com o nº 1 do artigo 123º do CIRE, “a resolução pode ser efetuada por carta registada com aviso de receção nos seis meses seguintes ao conhecimento do ato, mas nunca depois de decorridos dois anos sobre a data da declaração de insolvência”, dispondo o artigo 125º do mesmo diploma que “o direito de impugnar a resolução caduca no prazo de seis meses, correndo a ação correspondente, proposta contra a massa insolvente, como dependência do processo de insolvência”.
Assim, como vem sendo entendido pela jurisprudência e pela doutrina, o mecanismo judicial destinado ao exercício do direito a que se refere o artigo 125.º do CIRE tem a matriz de ação de simples apreciação negativa (cf. Acórdãos da Relação do Porto de 7/11/2016, proc. n.º 581/12.6T2AVR-G.P1 e de 23/01/2017, proc. n.º4058/12.1TBGDM-B.P1, disponíveis para consulta in www.dgsi.pt.), destinando-se à demonstração da inexistência ou inverificação dos pressupostos legais da resolução extrajudicialmente declarada pelo administrador da insolvência, cabendo por isso à massa insolvente o ónus da prova da verificação de tais pressupostos e não ao impugnante a prova de que tais pressupostos não se verificam, por força do que dispõe o art.º 343º do C.C. (cfr., por todos, Acs. da Relação do Porto de 12/5/2015, 27/4/2017 e de 23/1/2017, da Rel. de Coimbra de 21/05/13, Acs. da Rel. de Guimarães de 10/4/14, de 11/7/2017, de 27/4/2017 e de 13/2/2020, e Ac. do STJ de 25/2/14, e Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda na obra “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas anotado, 3ª ed., pág. 514).
A alegação de inexistência de prejuízo para a massa insolvente ou a inexistência de má fé da contraparte no negócio objeto de resolução não constituem factos extintivos do direito de resolução, mas antes a impugnação dos factos invocados para fundamentar o exercício do direito de resolução pelo administrador da massa insolvente Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 24/05/2011, proferido no processo n.º 1791/08.6TBLRA-K.C1, relator Carlos Gil).
Neste tipo de ações e no que concerne ao ónus da prova, competirá ao réu a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga - os factos constantes da declaração resolutiva (artigo 343º, nº 1, do Código Civil), preceito que o apelante alega ter sido violado na sentença recorrida, por entender que não foi alegado, nem demonstrado o requisito da prejudicialidade (conclusões f) a m) e que a este propósito o raciocínio expendido pelo Tribunal a quo para justificar a invocada prejudicialidade é manifestamente incoerente (conclusão m).
De acordo com o n.º 2 do art.º 120º do CIRE, são atos prejudiciais à massa aqueles que diminuem, frustram, dificultam, põem em perigo ou retardam a satisfação dos credores da insolvência. Neste caso, esta consideração não depende da prova apenas da prática de determinados atos típicos (como alienação, oneração, etc.), mas depende da alegação e da prova de factos que permitam concluir que a prática desses atos diminui, frustra, dificulta, atrasa ou coloca em perigo a satisfação dos credores da insolvência.
No caso dos autos, o ato impugnado trata-se de um contrato de cessão de quotas - instrumento particular que visa regular a transferência das quotas de uma empresa de propriedade de um sócio para um terceiro, que foi celebrado a título oneroso porquanto está assente (facto 6) que foi pago o preço correspondente ao valor nominal da quota cedida, a quantia de 1.050,00€, pelo que pode ser aferida a existência de prejuízo, quando for alegada e provada a inferioridade do preço da venda face ao valor real e de mercado do bem vendido (vide, Acórdão da Relação de Guimarães 06.11.2014, proferido no processo nº39/09.0TBMGD-M.G1).
Foi precisamente esta a alegação do AI constante da carta resolutiva e que alegou na contestação: que o valor da cessão da quota, de apenas 1.050,00 €, é irrisório face ao valor real da referida quota, atendendo ao valor dos imóveis que pertenciam à “CC”, Lda.” ser de pelo menos 3.420.000,00 €, independentemente dos ónus que sobre os mesmos pudessem existir. (artigos 28); já após a notificação do A para a resolução em beneficio da massa insolvente objeto dos presentes autos, o A, em 07/06/2023, em representação da “CC” prometeu vender a (…), Lda. o prédio urbano sito (…), que havia sido comprado ao (…) pela quantia de 750.000,00€ e sobre o qual incidia uma hipoteca voluntária a favor da (…), Lda. até ao montante de 218.442,00 €, aquando da cessão da quota da “BB” ao A (09/05/2023), (artigos 30 a 36); com exceção da hipoteca registada pela Ap. (…) de 2023/02/03, todos os demais ónus registados sobre o imóvel (penhoras e arrestos, alguns dos quais elencados em 64º da PI), são posteriores à transmissão da quota na “CC” a favor do A. (artigo 41); logo após a cessão da quota ao A em 09/05/2023, este, em 05/06/2023 e já na qualidade de gerente da “CC”, Lda.”, procedeu à alienação definitiva das referidas frações B e C a “DD”, S.A.” pelo valor de 2.420.000,00 € (artigo 47) e no dia da escritura, a compradora, “DD”, SA terá pago, por conta do preço renegociado da compra, o remanescente de 46.716,68 € (artigo 49);
Em face dos factos assim alegados carece de fundamento a invocada falta de alegação por parte da ré, sobre quem impendia o respetivo ónus de alegação.
Na sentença recorrida a propósito do requisito da prejudicialidade considerou-se, essencialmente, que: i) a cedência de quota é um ato prejudicial à massa insolvente (art.º 120.º, n.ºs 1 e 2, do CIRE), uma vez que afetou a sua integridade e fez com que a massa insolvente perdesse um dos bens da Insolvente como meio de satisfação dos seus credores, que dessa forma sofreram um empobrecimento patrimonial, tendo como única contrapartida o valor nominal da quota cedida; ii) da esfera jurídico-patrimonial da sociedade Insolvente foi retirado um ativo, um bem que era sua propriedade: a quota que a mesma detinha sobre a sociedade “CC”, Lda., o que não pode deixar de representar, por si só, um prejuízo para a massa insolvente independentemente do real e concreto valor que a quota alienada pudesse ter porquanto:
- o Autor não alega quaisquer vantagens patrimoniais, reais e concretas, para a Insolvente pelo facto de ter cedido a sua quota, tendo-se considerado insuficiente alegação de que “a manutenção como sócia da “CC” apenas representava gastos, sem um potencial de ganho efetivo” e que “O negócio foi celebrado no estrito interesse da Insolvente, redimensionando a sua estrutura e dela excluindo participações sociais, que deixaram de prosseguir os fitos estratégicos para os quais foram constituídas, sem com isso diminuir a garantia patrimonial dos seus credores, uma vez que foi assegurada a única contrapartida patrimonial que era daí possível extrair: a cessão por um preço equivalente ao valor nominal da respetiva quota.” - é irrelevante a rutura da relação comercial com a (...) que, segundo o Autor “representava um pilar essencial da atividade comercial desenvolvida pela Insolvente” e que a levou “com urgência, reestruturar e redimensionar a sua estrutura”, cedendo a quota que “detinha sobre uma empresa que sem previsão de produtividade tangível e que fora adquirida há pouco mais de onze meses, para prosseguir um objetivo que deixara de existir.” (…) independentemente do valor da quota cedida, certo é que se tratou de um ato que implicou uma diminuição do valor da massa insolvente e que enfraqueceu a garantia patrimonial dos credores, pelo que se tem o mesmo por prejudicial, sendo que a venda da quota pelo seu valor nominal não significa, por si só, que não tenha havido prejuízo para a massa insolvente.”
Em face da alegação da prejudicialidade do ato resolvido pela ré, nos termos expostos, não pode deixar de se considerar que esta factualidade alegada pelo autor é, de facto, irrelevante bastando, para tanto, ter presente que a resolução em benefício da massa insolvente está regulada nos artigos 120º a 126º do CIRE, constituindo, a par da impugnação pauliana, um dos mecanismos destinados a prevenir os atos que prejudiquem a integridade da massa insolvente. Nas palavras de Catarina Serra, in Lições de Direito da Insolvência, pág. 238 “é considerada a expressão mais emblemática do princípio “par conditio creditorum”, (…) desempenhando um papel importante na repressão e reversão de certos actos praticados pelo devedor antes do início do processo de insolvência – atos dirigidos a depreciar ou a extrair valor, antecipadamente, da (futura) massa insolvente.” Se à data do negócio a situação de insolvência da “BB”, S.A. era iminente, tanto mais que veio a ser declarada insolvente decorrido um lapso de tempo de apenas cinco meses e, por isso, com nenhumas hipóteses de reestruturação, como se veio a verificar - com o negócio de cessão de quota a insolvente viu efetivamente o seu património diminuído e os credores, por seu turno, a sua garantia patrimonial diminuída.
O negócio translativo da propriedade da quota é, sem dúvida, um ato que subtrai da esfera patrimonial um ativo desta.
Porém, tratando-se de um ato oneroso tem como contrapartida, a entrada do correspetivo preço. Por isso é que, não é ele, por si só suscetível de causar prejuízo patrimonial aos credores. No caso do entendimento seguido no acórdão citado na decisão recorrida - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07/07/2021, proferido no processo n.º 3512/17.3T8STR-C.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt, e onde se afirmou que «(…) existe fundamento legal para a resolução do ato de cessão da quota, isto independentemente de se desconhecer o concreto valor que a quota alienada acaso possa representar efetivamente para a massa insolvente.», tal conclusão foi retirada porquanto, naquele caso, se demonstrou que o montante estabelecido para a cessão da quota não entrou na sociedade insolvente, situação que não ocorre no caso dos autos, já que não vem posto em causa que o preço devido pela cessão tenha sido pago. Ou seja, e como refere o apelante nas suas alegações, o enquadramento fáctico do caso decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça no âmbito daquele processo n.º 3512/17.3T8STR.E1.S1 é distinto do dos autos.
Porém, a troca de um objeto por uma soma pecuniária equivalente não significa que não tenha havido prejuízo para a massa insolvente. Aliás, como se escreveu a propósito da impugnação pauliana no Ac. do STJ de 12/7/07, processo n.º 07A1851, “o que releva é a impossibilidade ou dificuldade prática em executar os demais bens do devedor, como é tipicamente o caso da venda pelo preço justo e real mas com ocultação da importância recebida. O dinheiro é, na verdade, um bem que, pela sua natural fungibilidade é facilmente “mobilizável e sonegável à acção dos credores” (…). Não fora assim e, certamente, desapareceriam os casos de impugnação relativos a actos onerosos, com excepção dos feridos de simulação de preço, os únicos em que a insolvência ou o seu agravamento, tal como a consciência do prejuízo, são inerentes à inferioridade do valor efectivo da contraprestação relativamente ao valor real da coisa vendida.”
Mas, o Tribunal a quo vai mais além, com a argumentação que o apelante julga incoerente, mas que não é, adianta-se.
Desde logo, há a considerar, como resulta da factualidade provada que:
- à data da cessão de quota – 09/05/2023 -, a “CC”, Lda., era proprietária dos seguintes imóveis:
a. Frações autónomas designadas pelas letras “B” e “C”, do prédio urbano sito na freguesia (…), concelho (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de (…) sob o n.º (…) e inscrito na respetiva matriz sob o artigo (…), cada fração correspondente a 353m2;
b. Prédio urbano sito na união de freguesias (…), concelho (…), descrito na Conservatória do Registo Predial (…) sob o n.º (…) e inscrito na respetiva matriz sob o artigo (…).
As frações autónomas designadas pelas letras “B” e “C”, do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial (…) sob o n.º (…) foram objeto de um contrato de promessa de compra e venda celebrado pela “CC”, Lda., com a sociedade “DD”, S.A., em 30/12/2021, ou seja, em data anterior à da cessão da quota da insolvente ao autor. Mas, a escritura de compra e venda correspondente foi celebrada em 05/06/2023, ou seja, dez dias antes do início do processo de insolvência.
Nesta data foi paga pela compradora a última tranche do valor do preço acordado - € 46.716,68, que ingressou no património da “CC”, Lda.
No que diz respeito ao imóvel sito (…), descrito na Conservatória do Registo Predial (...) sob o n.º (…), pese embora o valor patrimonial de € 174.493,55, foi adquirido a 04/04/2022, pela “CC”, Lda., ao Banco (…), pelo preço de € 790.000,00, valor que o autor aceita corresponder ao seu valor mercado (cf. artigo 63º da PI).
É certo, que sobre este bem impendem ónus, mais concretamente, Hipoteca voluntária a favor da (…), no valor de € 218.442,00, penhora a favor da (…), no valor de € 223.615,78, Arresto a favor da (…) , no valor de € 819.157,90, arresto a favor do (…), no valor de € 289.256,00, e penhora a favor da Fazenda Nacional, no valor de € 17.106,11, ascendendo à quantia de mais de 1.5000.000,00€.
No entanto, destes ónus e encargos apenas a Hipoteca voluntária constituída a favor a favor da (…), no valor de € 218.442,00 tem data anterior à da cessão de quotas. Todos os restantes constituídos, respetivamente, em 12/09/2023, pela Ap. (…), em 28/11/2023, pela Ap. (…), em 15/12/2023, pela Ap. (…) e em 08/01/2024, pela Ap. (…), foram-no, em data posterior à da cessão da quota ao autor.
Considerando que a resolução em benefício da massa insolvente visa a reconstituição do património do devedor, permitindo a destruição de atos prejudiciais a este património, os atos de oneração posteriores ao negócio resolvido, tem efeitos retroativos (art.º 126º do CIRE), devendo reconstituir-se a situação que existiria se o ato não tivesse sido praticado ou omitido, sem prejuízo do disposto no art.º 124º, n. º 2, evidentemente.
Não obstante, é manifestamente falacioso o argumento avançado pelo apelante de que o referido imóvel, se encontrava onerado em valores superiores a € 1.500.000,00, estando factualmente assente a existência de dívidas da “CC” superiores a € 1.500.000,00, porquanto à data da celebração do negócio, o imóvel, adquirido por € 790.000,00 no decorrer do ano de 2022, no ano seguinte, à data da cessão – 9 de maio de 2023 - mostrava-se apenas onerado com uma hipoteca para garantia do pagamento de quantia inferior a metade do seu valor de aquisição.
Ora, a "quota social" não representa uma simples "coisa" ou um simples "direito de crédito", sendo, acima de tudo, um direito de participação numa sociedade. Abarca, por isso, um conjunto de direitos, poderes e deveres sociais - Raul Ventura, "Cessão de Quotas", 1967, pág. 10. Assim, a "quota" exprime um direito de conteúdo complexo, que tanto abrange direitos de natureza patrimonial, como direitos, poderes ou faculdades de ordem pessoal.
No que diz respeito aos direitos de natureza patrimonial, no caso, a quota cedida, abrangia, à data da cessão, o valor do património societário decorrente, pelo menos, do valor do imóvel sito (…) descrito sob o n.º (…) e a última tranche do preço devido pela venda das frações B” e “C”, do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial (…) sob o n.º (…).
Em face dos factos documentalmente provados nos autos, é possível concluirmos, como fez o Tribunal a quo, que, ao contrário do alegado pelo apelante, o valor da quota cedida não era inexistente, sendo certamente superior ao seu valor nominal, atento o montante aportado para a “CC”, Lda. em virtude do pagamento da última tranche do preço da venda das frações B” e “C e, além deste, atento o valor património imobiliário que, à data, detinha na sua esfera patrimonial o qual se mostrava onerado em menos de metade do seu valor.
Ao assim concluir o Tribunal a quo retirou uma ilação (por presunção judicial) de factos conhecidos que foram alegados e demonstrados documentalmente pela apelada, julgando demonstrada a prejudicidialidade do negócio para a massa insolvente, sem que tenha violado as regras de repartição do ónus da prova, máxime, a prevista no art.º 343º do Código Civil por força do disposto no art.º 120º, n.º 2 do CIRE.
Por outro lado, mostra-se verificado o requisito da má fé enunciado no n.º 4 do art.º 120º do CIRE como concluiu a sentença recorrida, sem que tal conclusão venha posta em causa pelo apelante no presente recurso, tendo sido efetuada a subsunção dos factos ao direito de forma bem fundamentada e correta e que, por isso, aqui se mantém.
Assim, logrando a Ré demonstrar os factos constitutivos do direito de resolução que exerceu extrajudicialmente por carta data de 16/01/2024, impõe-se manter a sentença recorrida, improcedendo o recurso.
*
V. Decisão:
Pelos fundamentos expostos, as Juízas desta secção Tribunal da Relação de Lisboa acordam em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmam, integralmente, a decisão recorrida.
Custas pelo apelante – art.º 527º, nºs 1 e 2, do CPC.
Lisboa, 11-02-2025
Susana Santos Silva
Renata Linhares de Castro
Isabel Maria Brás Fonseca