PEAP
INVIABILIDADE
REJEIÇÃO LIMINAR
NULIDADE PROCESSUAL
Sumário

1. O CIRE regula no seu Título XII as disposições específicas da insolvência de pessoas singulares, incluindo no Capítulo II a insolvência de não empresários e titulares de pequenas empresas, prevendo de forma expressa, no seu art.º 250º, a delimitação negativa do campo de aplicação das disposições referentes ao plano de insolvência, por efeito da qual aos devedores abarcados pelo âmbito de aplicação definido no art.º 249º não é permitido fazer uso das modalidades de plano de insolvência a que alude o art.º 129º.
2. A ideia de recuperação de pessoas singulares não é algo que se possa fazer corresponder a um resultado passível de concretização, não é natural ou compreensível. A insolvência não retira às pessoas singulares a aptidão para obterem rendimentos, designadamente pela via do exercício das respetivas profissões, pelo que nada existe de irrecuperável que se possa alterar pela via de um plano de atuação específico, que ultrapasse o faseamento de pagamentos ou o eventual perdão de parte dos créditos, moratórias e demais alternativas contempladas no art.º 252º, n.º2 do CIRE – tudo em vista a “melhorar a sua situação patrimonial”, o que não se confunde com “recuperação”.
3. A legitimidade substantiva afere-se pela qualidade que o sujeito tem para ser parte e exercer o direito. Ou seja, se não há dúvida que os sujeitos requerentes são devedores, a qualidade que, enquanto devedores insolventes, os autoriza a serem parte num plano de recuperação é delimitada negativamente pelo art.º 250º do CIRE, ao prever que as disposições relativas a tal plano não são aplicáveis aos processos de insolvência de não empresários e titulares de pequenas empresas. Caso se incluam neste âmbito subjetivo, como sucede com os apelantes, fica inviabilizada a apreciação do mérito da pretensão (admissão e aprovação do plano de recuperação), por se tratar de um vício insuprível.
4. Autorizar um plano de recuperação em processo de insolvência em que figuram como devedores pessoas singulares não empresárias traduziria uma violação da lei que influiria na tramitação do processo de insolvência, ou seja, consubstanciaria uma nulidade (art.º 195º, n.º1 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do art.º 17º, n.º 1 do CIRE), a que, consoante o momento processual em que seja detetada, se deve obstar pela via da rejeição liminar do plano ou pela não admissão da proposta de plano (art.º 207º, n.º 1, al. a) do CIRE) ou, no limite, pela não homologação oficiosa do plano, por se estar na presença de uma violação não negligenciável de regras aplicáveis ao conteúdo do plano, que se traduzem em normas de legitimidade substantiva a que o mesmo deve imperativamente obedecer (art.º 215º, n.º1 do CIRE).

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa
I.
1. AA e mulher BB, casados no regime da comunhão de adquiridos, residentes em (…), em 24.03,2023, apresentaram-se a Processo Especial para Acordo de Pagamento (PEAP), alegando, em síntese, serem ambos gerentes de sociedades, dedicando-se a sociedade gerida pelo requerente marido à organização de eventos, atividade que sofreu graves dificuldades por efeito da pandemia Covid 19; por seu turno, a atividade de restauração da sociedade gerida pela requerente mulher foi afetada pelas cheias em Algés; o casal tem a expectativa de que o ano de 2023 seja de retoma da atividade e de reforço dos rendimentos, não antevendo outra forma de cumprirem as obrigações vencidas que não através da reestruturação das dívidas.
Por despacho de 28.03.2023 – ref.ª citius 143479983 - foi declarado aberto o PEAP, nomeada administradora judicial provisória (AJP) a Dra. CC, ordenada a notificação dos requerentes e a citação dos credores e outros interessados, bem como o cumprimento das demais formalidades legais.
Em 24.04.2023 foi apresentada pela AJP a relação provisória de créditos, num valor total de 305 966,58 EUR, que foi objeto de impugnação pelo Ministério Público (MP) em representação da Autoridade Tributária (AT).
Em 05.07.2023 foi requerida a prorrogação do prazo de negociações.
Por decisão de 12.07.2023 foi julgada parcialmente procedente a impugnação deduzida pelo MP e, no mais, declarada a conversão da lista provisória de créditos em definitiva.
Em 02.08.2023 os requerentes apresentaram proposta de acordo de pagamento, que, num universo de 89,79% de credores cujos créditos foram reconhecidos e emitiram sentido de voto, obteve 28,59% de votos favoráveis e 61,19% de votos desfavoráveis, concluindo-se pela não aprovação do plano.
Encerrado o processo negocial nos termos do art.º 222º-G, n.º 1 do CIRE, a AJP emitiu parecer a que alude o n.º3 do art.º 222º-G, onde consigna, além do mais, no item “rendimentos dos devedores”, que estes são os provenientes do exercício da atividade profissional da devedora, enquanto gerente da sociedade “DD, Lda” – correspondente ao salário minino nacional, não auferindo o requerente quaisquer rendimentos. Conclui no sentido de que os devedores se encontram em situação de insolvência atual.
Notificados os devedores, estes apresentaram novo plano de pagamentos e pediram, a título subsidiário, para o caso de serem declarados em estado de insolvência, que seja deferido o pedido de exoneração do passivo restante.
Em 11.10.2023 foi proferido despacho que ordenou a extração de certidão e a remessa à distribuição como processo de insolvência, bem como declarou encerrado o PEAP.

2. Em 12.10.2023 foi iniciado o processo de insolvência, tendo este sido declarado suspenso por despacho de 13.10.2023, por, na mesma data, ter sido iniciado, por apenso, incidente de aprovação de plano de pagamentos.
No contexto do incidente de aprovação de plano de pagamentos, que constitui o apenso B, foi dado cumprimento ao disposto no art.º 256º do CIRE.
Em 20.01.2024, os devedores requereram a concessão de um prazo de 5 dias para apresentação de um plano de pagamentos modificado, que lhes foi deferido.
Em 25.02.2024 foi apresentado pelos devedores o plano de pagamentos modificado.
Emitido sentido de voto pelos credores notificados, vieram os devedores, em 13.03.2024, requerer o suprimento pelo tribunal da aprovação do plano de pagamentos, com consequente homologação do mesmo.
 Em 07.04.2024 foi proferida sentença que concluiu nos termos seguintes:
 (…) Pelos motivos expostos considera-se existir um tratamento discriminatório injustificado devido quer à chocante desproporção do valor a satisfazer aos credores comuns, quer à falta de diferenciação relativamente à natureza das obrigações nestes contempladas.
Assim sendo, decide-se não se suprir a aprovação dos demais credores que votaram contra o plano de pagamentos apresentado e, em consequência, não se considera o mesmo aprovado, recusando-se a respetiva homologação, por não se mostrar preenchido o requisito previsto no art.º 258º, n.º 1, al b), do CIRE.
Notifique”.

3. Em 06.05.2024, no processo principal de insolvência, foi proferida sentença que declarou a insolvência de AA e BB, nomeou Administrador de Insolvência (AI) a AJP que exerceu funções no PEAP, decretou a apreensão de bens dos insolventes, não convocou assembleia de credores para apreciação do relatório face à previsível reduzida dimensão da massa insolvente e ordenou o cumprimento das demais formalidades legais.
A sentença transitou em julgado em 27.05.2024.
Em 14.05.2024, os devedores insolventes requereram que fosse ordenada a convocação de assembleia para apreciação de relatório, porquanto pretendem viabilizar-se através da apresentação de um plano de recuperação (art.º 36º, n.º 3 do CIRE).
Foi designada data para realização da assembleia de apreciação do relatório e do requerimento de exoneração do passivo restante.
Em 20.06.2024 a Sr.ª AI apresentou relatório a que alude o art.º 155º, n.º 1 do CIRE.
Em 02.07.2024 realizou-se assembleia de credores para apreciação de relatório a que alude o art.º 156.º do CIRE, tendo sido admitidos a votar os credores presentes, por nenhuma reclamação ter sido objeto de impugnação.
Pelos devedores/insolventes, representados pelo seu mandatário, foi requerida a concessão de um prazo de 45 dias para apresentação de plano de recuperação “que introduzirá modificações às soluções que foram propostas no plano de pagamentos anteriormente junto aos autos”, tendo os credores presentes votado favoravelmente a proposta apresentada, com subsequente prolação de despacho a conceder aos insolventes o prazo requerido.
Em 16.08.2024, em requerimento identificado como apresentado por “AA e outros, Devedores nos autos à margem identificados”, foi requerida a junção de plano de recuperação, que foi junto aos autos em anexo ao indicado requerimento, identificando o plano o devedor como sendo AA, o agregado familiar como constituído pelo requerente e a menção à sua esposa como falecida no precedente mês de maio.
 O plano apresentado refere (p.26):
 (…)
b) A indicação sobre os meios de satisfação dos credores
Os meios de satisfação dos credores serão obtidos pelos rendimentos do devedor.
Desta forma, o que se perspetiva é que os credores, conforme quadro já mencionado, deem o seu acordo à consolidação dos créditos e empréstimos particulares para prazos compatíveis com os recursos e despesas correntes, de modo a que os seus compromissos mensais perante os credores não sejam superiores aos fundos mensais libertados pelo devedor; tudo nos termos já expostos.
E assim, reorganizada e reestruturada a dívida aos credores, estarão criadas as condições para cumprir os compromissos assumidos.
Em síntese, o pagamento aos credores é feito por recurso aos rendimentos obtidos na atividade profissional do devedor (…)”.

Foi proferido despacho, em 02.09.2024, ordenando a junção do assento de óbito da insolvente mulher, tento em contra a informação relativa ao seu falecimento.

Em 06.09.2024 foi proferido o seguinte despacho:
R/31.03 (óbito da insolvente BB):
De acordo com o preceituado no art.º 10º, n.º 1, do CIRE,
“No caso de falecimento do devedor o processo:
a) passa a correr contra a herança aberta por morte do devedor, que se manterá indivisa até ao encerramento do processo;
b) fica suspenso pelo prazo, não prorrogável, de cinco dias, contados desde a data em que tenha ocorrido o óbito.”
Estando documentado nos autos o óbito da Insolvente mulher, ao abrigo do disposto no art.º 10º, n.º 1, al. a), do CIRE, determino que os presentes autos prossigam contra a herança aberta por morte desta, representada pelo cabeça-de-casal, ora insolvente também, a qual se manterá indivisa até ao encerramento do processo.
*
R/24.03:
Estes autos de insolvência tiveram início na sequência de um processo especial de acordo de pagamento que foi rejeitado pelos credores e, depois de idêntica falta de aprovação do plano de pagamentos apresentado pelos devedores AA e BB, os mesmos insistiram no mesmo caminho, propondo a apresentação e a aprovação de um plano de recuperação.
Em sede de relatório apresentado pela AI, está considerou como proposta que melhor conforma o prosseguimento dos seus ulteriores termos para é a da liquidação do ativo nos termos e para os efeitos do artigo 158.º do CIRE.
Apresentaram-se 12 credores a reclamar créditos, perfazendo os mesmos o valor total de € 337 632.47.
O património dos insolventes é composto por duas viaturas automóveis e uma fração autónoma designada pela letra B, destinada a comércio, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…) da freguesia de (…), descrita na 2.ª CRP de Oeiras sob a ficha (…).
Mais se apurou que o referido imóvel encontra-se arrendado pelo prazo de 10 anos contra o pagamento mensal de €1.300,00, contrato este celebrado em 01.04.2024 (depois do início do processo de insolvência).
Foi realizada assembleia para apreciação do relatório em 2 de julho de 2024, na qual os insolventes, representados pelo seu mandatário forense, requereram a concessão do prazo de 45 dias para apresentação de plano de recuperação, que introduziria modificações às soluções que foram propostas no plano de pagamentos anteriormente junto aos autos e reprovado.
Em 16 de agosto de 2024 os devedores, através do seu mandatário forense, requereram a junção do plano de recuperação. Contudo, o mesmo plano apenas tem como sujeito o devedor AA.
Diligenciada oficiosamente a junção de assento de óbito da devedora BB, constatou-se que a mesma faleceu em 25 de maio de 2024, data anterior à realização da própria assembleia de credores.
Os devedores eram casados entre si sob o regime de comunhão de adquiridos.
Ora, tratando-se de uma insolvência dos cônjuges, ocorrendo o falecimento de um deles na pendência do processo, o plano de recuperação não pode ser apresentado isoladamente pelo cônjuge sobrevivo, uma vez que o mesmo não é o detentor da universalidade patrimonial que responde pelos credores (com o óbito desencadeiam-se os mecanismos legais de sucessão do de cujus, com reflexo imediato nas das relações patrimoniais) – arts. 2031º e ss, do CC.
Pelo exposto, por manifesta falta de legitimidade do devedor AA, não se admite a proposta de plano de recuperação – arts. 193º, n.º 1 e 207º, n.º1, al. a), do CIRE .
Notifique”.

 Por requerimento de 10.09.2024, identificado como apresentado em nome de AA e “Herança Indivisa aberta por óbito de BB”, foi requerida “a admissão de plano de recuperação”, constando do plano anexo a identificação do devedor marido e da herança indivisa aberta por óbito da devedora mulher, anexando procuração forense desta, subscrita por AA, cabeça de casal.
 A AT, o credor hipotecário EE - STC S.A. e a credora “FF, S.A. dirigiram requerimentos aos autos expressando o seu sentido de voto, os dois primeiros indicando o seu voto favorável, a terceira o seu voto desfavorável.

 Em 30.10.2024, foi proferido o seguinte despacho:
“R/12.09, R/13.09, R/23.09:
Não tendo sido desencadeado qualquer processo de votação de plano de recuperação, que aliás foi rejeitado na sequência de despacho proferido em 06.09.2024, indefere-se a junção dos requerimentos em causa, cuja apresentação em plataforma eletrónica fica destituída de efeito.
Notifique.
*
Estes autos de insolvência tiveram início na sequência de um processo especial de acordo de pagamento que foi rejeitado pelos credores e, depois de idêntica falta de aprovação do plano de pagamentos apresentado pelos devedores AA e BB, os mesmos insistiram no mesmo caminho, propondo a apresentação e a aprovação de um plano de recuperação.
Em sede de relatório apresentado pela AI, esta considerou como proposta que melhor conforma o prosseguimento dos seus ulteriores termos seria a da liquidação do ativo nos termos e para os efeitos do artigo 158.º do CIRE.
Apresentaram-se 12 credores a reclamar créditos, perfazendo os mesmos o valor total de € 337 632.47.
O património dos insolventes é composto por duas viaturas automóveis e uma fração autónoma designada pela letra B, destinada a comércio, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…) da freguesia de (…), descrita na 2.ª CRP de (…) sob a ficha (…).
Mais se apurou que o referido imóvel se encontra arrendado pelo prazo de 10 anos contra o pagamento mensal de €1.300,00, contrato este celebrado em 01.04.2024 (depois do início do processo de insolvência).
Foi realizada assembleia para apreciação do relatório em 2 de julho de 2024, na qual os insolventes, representados pelo seu mandatário forense, requereram a concessão do prazo de 45 dias para apresentação de plano de recuperação, que introduziria modificações às soluções que foram propostas no plano de pagamentos anteriormente junto aos autos e reprovado.
Em 16 de agosto de 2024 os devedores, através do seu mandatário forense, requereram a junção do plano de recuperação. Contudo, o mesmo plano apenas tinha apenas como sujeito o devedor AA.
Em consequência, por despacho proferido em 06.09.2024, não foi admitida a proposta de plano de recuperação, por manifesta falta de legitimidade do devedor AA.
Todavia, mediante requerimento apresentado em 10.09.2024, AA e “Herança Indivisa aberta por óbito de BB” (que faleceu durante a pendência do processo) apresentaram espontaneamente um novo plano de recuperação.
Este plano de recuperação prevê o seguinte, quanto ao essencial:
- O pagamento da totalidade da dívida reclamada pela Autoridade Tributária e Aduaneira (€ 103.608,41) em regime prestacional, em 74 prestações mensais, iguais e sucessivas, não podendo nenhuma delas ser inferior a 10 unidades de conta (atualmente 1020,00 euros), nos termos e com os fundamentos previstos no artigo 196º nº 4 do CPPT;
- O pagamento da dívida reclamada pela Segurança Social (€ 26.900,56) e reconhecida (capital e juros) em 60 prestações mensais, vencendo-se a primeira até ao final do mês seguinte ao da aprovação do plano, com dispensa de prestação de garantias por ausência de bens disponíveis e manutenção da suspensão das ações executivas pendentes;
- O pagamento da divida reclamada pela “EE” (€ 149 492,72) garantida por hipoteca, mediante a alienação do bem imóvel dado de garantia pelo valor mínimo de € 135.000,00, no prazo de seis meses após o trânsito em julgado da sentença homologatória deste plano de pagamentos, ficando o aqui credor integralmente ressarcido com o recebimento deste valor mínimo. Caso não seja alcançada a venda neste prazo, o devedor procederá de imediato à dação em pagamento do imóvel ao credor garantido, livre de ónus e encargos (de terceiros), pelo valor de avaliação a atribuir à data do negócio, mas nunca inferior a € 135.000,00.
- O pagamento da divida reclamada pelos credores comuns (€ 57.630,78) numa percentagem de 10% dos créditos que detêm sobre os devedores, a pagar em 60 prestações mensais e sucessivas.
Sendo este o quadro agora apresentado, e perante o fracasso verificado e evidenciado nos autos com a rejeição dos anteriores PEAP, Plano de Pagamentos e primeiro Plano de Recuperação, resta saber se, mesmo sem cuidar agora da questão da admissibilidade da apresentação de nova proposta de plano de recuperação posterior à rejeição da anterior que foi apresentada no prazo de 45 dias concedido na sequência de deliberação aprovada nesse sentido em sede da assembleia de credores, ocorrida em 02.07.2024, as propostas agora apresentadas introduzem modificações relevantes que tornem verosímil a aprovação pelos credores ou a homologação pelo juiz, do plano agora introduzido nos autos.
A este propósito, compulsados os autos constata-se que no PEAP apenso, que mereceu voto desfavorável dos credores, as propostas apresentadas eram idênticas quanto aos aspetos essenciais, apenas com a alteração da proposta quanto ao credor hipotecário que ali previa o pagamento em 240 prestações mensais (que certamente levou ao voto contra do credor hipotecário que foi decisivo para a não verificação do quórum de aprovação).
No que concerne ao plano de pagamentos apresentado subsequentemente, o mesmo acabou igualmente por não ser aprovado/homologado, sendo que comparando as propostas ali vertidas com aquelas que agora foram apresentadas de forma espontânea verifica-se que não existem diferenças significativas. No plano de pagamentos rejeitado os então devedores fizeram constar o seguinte:
- À AT propunham o pagamento da totalidade da dívida em 70 prestações mensais;
- Ao único credor garantido por hipoteca, propunham a alienação da fração dada de garantia pelo valor de € 135.000,00 no prazo de 6 meses, sob pena de dação em pagamento pelo valor da dívida;
- Propunham ainda o pagamento de 10% dos créditos comuns em 60 prestações mensais e sucessivas.
Ora, como é bom de ver, não foram agora introduzidas alterações significativas nas propostas apresentadas. As condições relativas ao credor hipotecário e aos credores comuns mantêm-se e a AT e o ISS beneficiam da proteção do regime legal que impede a disponibilidade dos créditos para além do que consta da lei.
Importa ainda considerar que a situação pessoal do insolvente se alterou em virtude do falecimento repentino do cônjuge, passando o agregado a ser agora apenas constituído pelo próprio. E ainda que o sucesso do plano está basicamente ancorado numa expetativa de reforço de rendimentos suportados na retoma de atividade de uma empresa de eventos de que o AA é gerente (GG, Lda.) e que, segundo o mesmo, esteve temporariamente inativa em virtude das consequências da epidemia Covid-19. Das poucas informações disponibilizadas sobre essa sociedade sabe-se apenas que o devedor tem uma quota de 25%, com o valor estimado de € 0
A isto acresce que devedor apresenta ainda um quadro em que indica como rendimento médio mensal dos devedores no ano de 2023 o montante de € 450,93.
No despacho que rejeitou o plano de pagamentos, para o que ora interessa, ficaram expressos como fundamentos para afastar o suprimento da aprovação dos credores que votaram contra aqueles que constam nas als. a) e b) do art.º 258º, do CIRE.
Mais precisamente, assinalou-se nessa altura (abril de 2024) que, ainda que se admitisse, embora com dúvidas, que o cenário de liquidação poderia ser mais desfavorável para os credores, considerando que o imóvel respeita a uma loja sita em Oeiras, a verdade é que o perdão de 90% de créditos comuns e de juros, sendo que o pagamento dos 10% devidos será estendido por um período de 60 meses (5 anos), abrangendo dividas elevadas de condomínio, que possuem características especiais, quando os credores hipotecário e estatais estão contemplados com pagamentos integrais, incluindo juros, constituía tratamento discriminatório.
Sem prejuízo do que já se referiu supra acerca da intempestividade de apresentação do novo plano de recuperação, a verdade é que apreciação efetuada anteriormente mantem atualidade em face das propostas agora apresentadas, que se mantêm essencialmente as mesmas, e que permitiriam de qualquer modo considerar manifestamente inverosímil uma futura homologação do plano, nos termos do disposto nos arts. 207º, n.º 1, al. b), do CIRE.
Pelo exposto, quer pela manifesta intempestividade, quer pelo preenchimento dos fundamentos previstos no art.º 207º, n.º 1, al b), 215º e 216º, do CIRE, não se admite a proposta de plano de recuperação apresentada por AA e “Herança Indivisa aberta por óbito de BB”.
Notifique.
*
Prosseguem os autos na fase de liquidação do ativo.
Notifique-se a AI para apresentar plano de liquidação, com definição de metas temporais – art.º 158º, n.º 1, 2ª parte do CIRE”.

4. Inconformados com o despacho de 30.10.2024, AA e “Herança Indivisa aberta por óbito de BB” interpuseram o presente recurso de apelação, pedindo a revogação do mesmo e a sua substituição por outro que admita a proposta de plano de recuperação apresentada pelos Recorrentes.
 Sustentam a pretensão deduzida em fundamentos, que sintetizam nas seguintes conclusões:
A) O Douto Despacho ora recorrido entende que a apresentação da sua proposta de plano de recuperação foi intempestiva e que o seu teor é inverosímil, o que impediria a sua futura homologação, o que os Recorrentes não podem aceitar.
DA ALEGADA INTEMPESTIVIDADE DA APRESENTAÇÃO DO PLANO:
B) O Tribunal recorrido não admitiu, por Douto Despacho de 06.09.2024, referência152706193, a proposta de plano de recuperação junta a estes autos a 16.08.2024, referência 26182001, por falta de legitimidade do Devedor “AA”.
C) Com efeito, na capa do plano de recuperação em causa havia sido foi omitida a referência à “Herança Indivisa aberta por óbito de BB”.
D) Tendo rececionado tal notificação a 09.09.2024, os Recorrentes, no dia imediatamente seguinte, ou seja, a 10.09.2024, através de requerimento com a referência 26285751, juntaram o plano de recuperação devidamente atualizado.
E) Na assembleia de credores celebrada a 02 de julho de 2024, os credores deliberaram favorável e unanimemente que os Recorrentes apresentassem uma proposta de plano de recuperação o que estes fizeram, sendo certo que, por mero lapso, na capa respetiva não constava um dos Recorrentes.
F) Na sequência de tal junção, as credoras representativas de 74,97% da totalidade dos créditos já devidamente cristalizados pela Sentença de Verificação e Graduação de Créditos prolatada no apenso C destes autos, “Autoridade Tributária” e “EE-STC S.A., por requerimentos de 12.09.2024, referência 26302927 e de 23.09.2024, referência 26365732, aderiram de imediato ao plano apresentado.
G) Assim, parece evidente que o Tribunal recorrido violou o dever de gestão processual ínsito no artigo 6º do CPC.
H) Acresce ao exposto ser Jurisprudência unânime dos Tribunais Superiores a possibilidade de ser apresentada mais do que uma proposta de plano de recuperação, na esteira aliás do disposto no artigo 207º al. d) do CIRE, o qual dispõe que “O juiz não admite a proposta de plano de insolvência…quando, sendo o proponente o devedor, o administrador da insolvência se opuser à admissão, com o acordo da comissão de credores, se existir, contanto que anteriormente tenha já sido apresentada pelo devedor e admitida pelo juiz alguma proposta de plano.”
I) Na presente situação o Tribunal recorrido teve conhecimento de que, pelo menos, praticamente 75% dos créditos aderiram ao plano, que ainda não se tinha praticado (e ainda não praticou) qualquer ato de liquidação de ativos, pelo que a decisão de o não admitir, por alegada intempestividade não tem qualquer fundamento legal.
DA ALEGADA INVEROSÍMILHANÇA DE HOMOLOGAÇÃO DO PLANO:
J) Em primeiro lugar importa esclarecer que o plano de recuperação apresentado em sede de PEAP era radicalmente distinto do ora proposto e daí não ter sido aprovado pelos credores.
K) No que tange ao plano de pagamentos é verdade que o mesmo é tendencialmente similar ao presente.
L) E assim, é certo que tal plano de pagamentos, apesar de aprovado pelos credores, não foi homologado pelo facto do Tribunal recorrido não ter suprido a aprovação de alguns credores dele discordantes, o que levou à sua não homologação.
M) A justificação para o não suprimento residiu no facto, conforme resulta do Douto Despacho ora recorrido que “o perdão de 90% de créditos comuns e de juros, sendo que o pagamento dos 10% devidos será estendido por um período de 60 meses (5 anos), abrangendo dividas elevadas de condomínio, que possuem características especiais, quando os credores hipotecários e estatais estão contemplados com pagamentos integrais, incluindo juros, constituía tratamento discriminatório.”, apesar de conceder que o “cenário de liquidação poderia ser mais desfavorável para os credores”.
N) Sucede que, do artigo 258º nº 4 do CIRE decorre que a decisão de não suprimento da vontade dos credores não está sujeita a recurso, pelo que os Recorrentes tiveram forçosamente de acatar e de se conformar com tal sentença, apesar de com ela não concordarem.
O) Desta forma, importa salientar que o juízo de prognose de não homologação “in casu” não pode colher, em primeiro lugar porque a proposta de plano de recuperação apresentada poderá sofrer alterações até à sua votação, conforme dispõe o artigo 210º do CIRE.
P) Em segundo lugar, porque a decisão tomada na presente lide poderia ser escrutinada pelos Tribunais Superiores.
Q) Ao invocar a inverosimilhança na homologação do plano, o Tribunal ora recorrido impede que a sua opinião, que o seu entendimento, seja colocado em causa em sede recursiva, o que também não se pode aceitar.
R) Em terceiro lugar, sendo certo que a proposta de plano de recuperação em causa traz inelutavelmente mais benefícios para todos os credores do que a situação que interviria na sua ausência, parece evidente inexistirem motivos para que a mesma não fosse homologada.
S) Importa salientar que, de acordo com a proposta de plano de recuperação ora proposta, o credor hipotecário aceita o integral ressarcimento do seu crédito pelo recebimento da quantia de €: 135.000,00 (cento e trinta e cinco mil euros), quando é certo que se encontra reconhecida nestes autos o montante de €: 149.492,72 (cento e quarenta e nove mil quatrocentos e noventa e dois euros e setenta e dois cêntimos) pelo que, não sendo homologado o plano e entrando-se em liquidação de ativos, é evidente que acrescerão ainda mais os créditos a serem pagos/rateados pela massa insolvente.
T) Não se entende que o facto de estar contemplado o pagamento total do crédito à Autoridade Tributária, à Segurança Social e ao credor hipotecário e de 10% aos credores comuns seja discriminatório pois é a própria lei que impõe que os créditos tributários sejam integralmente pagos e que o crédito garantido seja liquidado anteriormente a qualquer outro.
U) Para evitar discriminações a lei prevê o disposto no artigo 216º nº 1 do CIRE, que o próprio Tribunal recorrido confessa não ter aplicabilidade, dado que o conteúdo do plano é mais favorável a todos os credores do que uma situação de liquidação, para além de que, em momento algum é referido que o plano proporciona a algum credor um valor económico superior ao montante nominal dos seus créditos sobre a insolvência, acrescido do valor das eventuais contribuições que ele deva prestar.
V) Entendermos que o teor do plano de recuperação é discriminatório equivaleria a entendermos que a estrutura jurídica inerente ao pagamento aos credores prevista no CIRE é ainda mais discriminatória uma vez que o teor da sentença de verificação e graduação de créditos já prolatada nestes autos, bem como o ulterior procedimento de rateio entre credores a ela inerente, levaria, seguramente, a que os credores comuns neste processo nada recebessem.
W) O Tribunal recorrido violou, no Douto Despacho ora recorrido, o disposto nos artigos 6º do CPC e 207º nº 1 al. b) e d) 215º e 216º do CIRE.

Não foram apresentadas contra-alegações.
O recurso foi admitido como apelação, com subida imediata, em separado, com efeito devolutivo.

Foi ordenada a notificação dos apelantes para se pronunciarem quando a questão de conhecimento oficioso não incluída no objeto do recurso.
Notificados, vieram os apelantes dizer que:
- o apelante é empresário em nome individual, conforme documento que junta e do qual resulta uma atividade declarada com início em 2024.01.25, na Cat. B, rendimentos empresarias, com o CAE 36101, restaurantes tipo tradicional;
- o disposto no art.º 250 do CIRE não tem aplicação, por “não nos encontramos no âmbito do incidente de plano de pagamentos previsto nos artigos 249º e seguintes do CIRE”

Foram colhidos os vistos legais.

II.
Dado que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação dos recorrentes, sem prejuízo das questões passíveis de conhecimento oficioso (artigos 608º, n.º 2, parte final, ex vi do art.º 663º, n.º 2, ambos do Código de Processo Civil), tendo presente o contraditório já assegurado no que respeita à matéria de conhecimento oficioso externa às conclusões dos apelantes, constituem questões a apreciar:
- aferir se existe causa manifesta de inadmissibilidade do plano de recuperação;
- em caso negativo, verificar se o plano de recuperação apresentado pelos devedores/apelantes o foi tempestivamente e se o mesmo tem um conteúdo verosímil e do qual não resulta tratamento discriminatório dos credores.

III.
Os factos relevantes para a decisão a proferir correspondem aos já mencionados em sede de relatório - ponto I. –, a que acrescem os seguintes:
a) No âmbito do PEAP que correu termos em fase anterior ao início do processo de insolvência e que não obteve aprovação pelos credores, os devedores, mencionando que o devedor marido é gerente da sociedade “GG, Ldª”, dedicada à organização de eventos e temporariamente inativa por consequência da epidemia Covid 19 e que a devedora mulher é gerente da sociedade “DD, Ldª”, cuja atividade é exploração de restaurantes, apresentaram as seguintes propostas de conteúdo:
“1 – ESTADO – Fazenda Nacional 91.767,77 euros
Plano de Regularização:
1.1 - Propõe-se o pagamento da totalidade da dívida reclamada pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) em regime prestacional, em 70 prestações mensais, iguais e sucessivas, não podendo nenhuma delas ser inferior a 10 unidades de conta (atualmente 1020,00 euros), nos termos e com os fundamentos previstos no artigo 196º nº 4 do CPPT, por se considerar demonstrada “…dificuldade financeira excepcional e previsíveis consequências económicas gravosas (…)”, vencendo-se a primeira até ao final do mês seguinte ao terminus do prazo previsto no nº 5 do artigo 222-D do CIRE.
1.2 - A situação económica dos devedores não lhes permite solver a dívida de uma só vez, o que se dá por provado pelas razões já enumeradas na petição inicial de
apresentação ao Processo Especial para Acordo de Pagamento, que se dão aqui por transcritas;
1.3 - A única redução dos créditos fiscais só se dará, por juros de mora vencidos e vincendos, nos termos do DL 73/99 de 16/03, aplicando-se aos créditos da Administração Fiscal as taxas de redução que venham a ser praticadas para os créditos da Segurança Social, face à renúncia dos demais credores, aceitando-se no demais a princípio da indisponibilidade dos créditos tributários, previsto nos nºs 2 e 3 do artigo 30º da LGT e artigo 125º da Lei 55-A/2010, de 31/12;
1.4 - Não haverá lugar à redução de coimas e custas;
1.5 - Para os efeitos previstos do n.º 1 do artigo 222º-E do CIRE, determina-se, nos termos da sua parte final, que a extinção dos processos fiscais só se dará nos
termos do CPPT. A suspensão prevista naquele normativo cessa, conforme o que ocorrer primeiro, com o decurso das negociações ou do prazo previsto na lei para conclusão das mesmas (n.º 5 do artigo 222º-D do CIRE).
1.6 - Manutenção das garantias atualmente existentes e dispensa de prestação garantias adicionais de acordo com o disposto no artigo 199º nº 13 do CPPT.
2 – ESTADO – Segurança Social 24.533,84 euros
Plano de Regularização:
2.1 - Considerando que os devedores não possuem qualquer bem disponível para prestar em garantia, desde já se requer, a dispensa de prestação de garantias;
2.2 - Propõe-se o pagamento da dívida reclamada e reconhecida (capital e juros) em 60 prestações mensais, vencendo-se a primeira até ao final do mês seguinte ao terminus do prazo previsto no nº 5 do artigo 222-D do CIRE;
2.3 - A taxa de juro aplicável aos juros vencidos e vincendos é a taxa legal;
2.4 - Manutenção da suspensão das ações executivas pendentes para cobrança de dívida à segurança social, após aprovação e homologação do plano de recuperação, até integral cumprimento do plano de pagamentos que venha a ser aprovado.
3 – Créditos Garantidos 142 195,30 euros
Plano de Regularização: propõe-se o pagamento da totalidade do crédito reconhecido em 240 prestações, mensais e sucessivas, com taxa de juro de 1,50%.
A primeira prestação vencer-se-á no último dia útil do mês seguinte àquele em que se verifique o trânsito em julgado da sentença de homologação do plano de recuperação.
Para efeitos de meros cálculos operacionais, convenciona-se que o primeiro pagamento terá lugar a 31 de Outubro de 2023.
4 – Créditos Comuns 62.466,29 euros
Plano de Regularização: propõe-se o pagamento de 10% dos créditos em 60 prestações, mensais e sucessivas. A primeira prestação vencer-se-á no último dia útil do mês seguinte àquele em que se verifique o trânsito em julgado da sentença de homologação do plano de recuperação.
Para efeitos de meros cálculos operacionais, convenciona-se que o primeiro pagamento terá lugar a 31 de Outubro de 2023
(…) b) Indicação sobre os meios de satisfação dos credores: (…) o pagamento aos credores é feito por recurso aos rendimentos obtidos na atividade profissional dos devedores”, a média mensal de rendimentos previsionais disponíveis do casal como sendo, em 2024, 1.054,74 €, atingindo um máximo de 1.119,30 € em 2027.
No âmbito do plano de amortização previsional, a dívida à AT seria amortizada em prestações mensais constantes de 1.310,97 €, a dívida ao credor garantido em prestações mensais constantes de 666,16 €, a que acrescem as dos credores comuns, com valores mensais de 15,82 €, 32,59 €, 24,22 €, 1,09 €, 30,38 €, todas com início em outubro de 2023

b) No âmbito do incidente de aprovação de plano de pagamento que correu termos após o encerramento do PEAP e que deu causa à suspensão do processo de insolvência, o plano de pagamentos apresentado pelos devedores, que se identificam como pessoas singulares e titulares da exploração da empresa “DD, Ldª” e “GG, Ldª”, referem que o devedor marido é gerente da sociedade “GG, Ldª”, temporariamente inativa em virtude das consequências da epidemia Covid 19, e devedora mulher, gerente da sociedade DD, Ldª”, tinha as seguintes propostas de conteúdo:
“(…) 1 – ESTADO – Fazenda Nacional 91.767,77 Euros
Plano de Regularização:
1.1. Propõe-se o pagamento da totalidade da dívida reclamada pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) em regime prestacional, em 70 prestações mensais, iguais e sucessivas, não podendo nenhuma delas ser inferior a 10 unidades de conta (atualmente 1020,00 euros), nos termos e com os fundamentos previstos no artigo 196º nº 4 do CPPT, por se considerar demonstrada “…dificuldade financeira excepcional e previsíveis consequências económicas gravosas (…)”, vencendo-se a primeira até ao final do mês seguinte ao da aprovação do plano.
1.2. A situação económica dos devedores não lhes permite solver a dívida de uma só vez, o que se dá por provado pelas razões já enumeradas na petição inicial, que se dão aqui por transcritas;
1.3. A única redução dos créditos fiscais só se dará, por juros de mora vencidos e vincendos, nos termos do DL 73/99 de 16/03, aplicando-se aos créditos da Administração Fiscal as taxas de redução que venham a ser praticadas para os créditos da Segurança Social, face à renúncia dos demais credores, aceitando-se no demais a princípio da indisponibilidade dos créditos tributários, previsto nos nºs 2 e 3 do artigo 30º da LGT e artigo 125º da Lei 55-A/2010, de 31/12;
1.4. Não haverá lugar à redução de coimas e custas;
1.5. Para os efeitos previstos do n.º 1 do artigo 222º-E do CIRE, determina-se, nos termos da sua parte final, que a extinção dos processos fiscais só se dará nos termos do CPPT. A suspensão prevista naquele normativo cessa, conforme o que ocorrer primeiro, com o decurso das negociações ou do prazo previsto na lei para conclusão das mesmas (n.º 5 do artigo 222º-D do CIRE).
1.6. Manutenção das garantias atualmente existentes e dispensa de prestação garantias adicionais de acordo com o disposto no artigo 199º nº 13 do CPPT.
2 – ESTADO – Segurança Social 24.533,84 Euros
Plano de Regularização:
2.1. Considerando que os devedores não possuem qualquer bem disponível para prestar em garantia, desde já se requer, a dispensa de prestação de garantias;
2.2. Propõe-se o pagamento da dívida reclamada e reconhecida (capital e juros) em 60 prestações mensais, vencendo-se a primeira até ao final do mês seguinte ao da ao da aprovação do plano;
2.3. A taxa de juro aplicável aos juros vencidos e vincendos é a taxa legal;
2.4. Manutenção da suspensão das ações executivas pendentes para cobrança de dívida à segurança social, após aprovação e homologação do plano de recuperação, até integral cumprimento do plano de pagamentos que venha a ser aprovado
3 – Créditos Garantidos 146 003,62 Euros
Plano de Regularização: Os devedores propõem alienar o bem dado em hipoteca neste crédito, pelo valor de venda mínimo de €135.000,00 (cento e trinta e cinco mil euros) no prazo de seis meses após o trânsito em julgado da sentença homologatória deste plano de pagamentos, ficando o aqui credor integralmente ressarcido com o recebimento deste valor mínimo.
Caso não seja alcançada a venda neste prazo, os devedores procederão de imediato à dação em pagamento do imóvel ao credor garantido pelo valor integral do crédito em dívida.
4 – Créditos Comuns 63.933,83 Euros
Plano de Regularização: propõe-se o pagamento de 10% dos créditos em 60 prestações, mensais e sucessivas. O primeiro pagamento ocorrerá no último dia útil do mês seguinte àquele em que transitar em julgado a sentença que declarar a insolvência, nos termos do artigo 259º nº 1 do CIRE.
Para efeitos de meros cálculos operacionais, convenciona-se que o primeiro pagamento terá lugar a 31 de maio de 2024.
(…) b) A indicação sobre os meios de satisfação dos credores (…) o pagamento aos credores é feito por recurso aos rendimentos obtidos na atividade profissional da requerente”, identificando, em quadro, a média mensal de rendimentos previsionais disponíveis do casal como sendo, em 2024, 1.054,74 €, atingindo um máximo de 1.119,30 € em 2027.
No âmbito do plano de amortização previsional, a dívida à AT seria amortizada em prestações mensais constantes de 1.310,97 €, a que acrescem as dos credores comuns, com valores mensais de 16,12 €, 34,61 €, 24,22 €, 1,22 €, 30,38 €, todas com início em maio de 2024 e termo em 2029.

c) Nos autos de insolvência, a proposta de plano de recuperação apresentada em 16.08.2024, em nome exclusivo do devedor marido, que se identifica como gerente da sociedade “GG, Ldª”, temporariamente inactiva em virtude das consequências da Covid 19, tinha as seguintes propostas de conteúdo:
“1 – ESTADO – Fazenda Nacional 103.608,41 Euros
Plano de Regularização:
1.1. Propõe-se o pagamento da totalidade da dívida reclamada pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) em regime prestacional, em 74 prestações mensais, iguais e sucessivas, não podendo nenhuma delas ser inferior a 10 unidades de conta (atualmente 1020,00 euros), nos termos e com os fundamentos previstos no artigo 196º nº 4 do CPPT, por se considerar demonstrada “…dificuldade financeira excepcional e previsíveis consequências económicas gravosas (…)”, vencendo-se a primeira até ao final do mês seguinte ao da aprovação do plano.
1.2. A situação económica dos devedores não lhes permite solver a dívida de uma só vez, o que se dá por provado pelas razões já enumeradas na petição inicial, que se dão aqui por transcritas;
1.3. A única redução dos créditos fiscais só se dará, por juros de mora vencidos e vincendos, nos termos do DL 73/99 de 16/03, aplicando-se aos créditos da Administração Fiscal as taxas de redução que venham a ser praticadas para os créditos da Segurança Social, face à renúncia dos demais credores, aceitando-se no demais a princípio da indisponibilidade dos créditos tributários, previsto nos nºs 2 e 3 do artigo 30º da LGT e artigo 125º da Lei 55-A/2010, de 31/12;
1.4. Não haverá lugar à redução de coimas e custas;
1.5. Para os efeitos previstos do n.º 1 do artigo 222º-E do CIRE, determina-se, nos termos da sua parte final, que a extinção dos processos fiscais só se dará nos termos do CPPT. A suspensão prevista naquele normativo cessa, conforme o que ocorrer primeiro, com o decurso das negociações ou do prazo previsto na lei para conclusão das mesmas (n.º 5 do artigo 222º-D do CIRE).
1.6. Manutenção das garantias atualmente existentes e dispensa de prestação garantias adicionais de acordo com o disposto no artigo 199º nº 13 do CPPT.
2 – ESTADO – Segurança Social 26.900,56 Euros
Plano de Regularização:
2.1. Considerando que os devedores não possuem qualquer bem disponível para prestar em garantia, desde já se requer, a dispensa de prestação de garantias;
2.2. Propõe-se o pagamento da dívida reclamada e reconhecida (capital e juros) em 60 prestações mensais, vencendo-se a primeira até ao final do mês seguinte ao da ao da aprovação do plano;
2.3. A taxa de juro aplicável aos juros vencidos e vincendos é a taxa legal;
2.4. Manutenção da suspensão das ações executivas pendentes para cobrança de dívida à segurança social, após aprovação e homologação do plano de recuperação, até integral cumprimento do plano de pagamentos que venha a ser aprovado
3 – Créditos Garantidos 149 492,72 Euros
Plano de Regularização: O devedor propõe alienar o bem dado em hipoteca neste crédito, pelo valor de venda mínimo de €135.000,00 (cento e trinta e cinco mil euros) no prazo de seis meses após o trânsito em julgado da sentença homologatória deste plano de pagamentos, ficando o aqui credor integralmente ressarcido com o recebimento deste valor mínimo.
Caso não seja alcançada a venda neste prazo, o devedor procederá de imediato à dação em pagamento do imóvel ao credor garantido, livre de ónus e encargos (de terceiros), pelo valor de avaliação a atribuir à data do negócio, mas nunca inferior a € 135.000,00.
4 – Créditos Comuns 57.630,78 Euros
Plano de Regularização: propõe-se o pagamento de 10% dos créditos em 60 prestações, mensais e sucessivas. O primeiro pagamento ocorrerá no último dia útil do mês seguinte àquele em que transitar em julgado a sentença que homologar o presente plano de recuperação.
Para efeitos de meros cálculos operacionais, convenciona-se que o primeiro pagamento terá lugar a 29 de novembro de 2024.
(…) b) A indicação sobre os meios de satisfação dos credores (…) o pagamento aos credores é feito por recurso aos rendimentos obtidos na atividade profissional do devedor”, sendo os rendimentos médios previsionais mensais do devedor de € 1.000,00 em 2024, num máximo de 1.082,43 € em 2028, o total de despesas médias mensais previsionais de 850,50 € em 2024 e 11.047,30 € em 2028, apresentando apenas o plano de amortização das prestações referentes aos credores comuns, desta feita com início em novembro de 2024.

d) Em 10.09.2024, foi junta aos autos nova proposta de plano de recuperação, em nome do devedor marido e da Herança aberta por óbito da devedora mulher, referem que são pessoas singulares e titulares da exploração da empresa “DD, Ldª” e “GG, Ldª”, mantendo a identificação do requerente marido como gerente da sociedade GG, Ldª, empresa que esteve temporariamente inativa em termos comerciais, em virtude das consequências da epidemia por Covid-19.

e) No relatório apresentado em 20.06.2024, nos termos do art.º 155º do CIRE, o Sr. Administrador de Insolvência consignou, além do mais, que:
(…) Do que resulta nos autos e do declarado pelos devedores o requerente marido é gerente da sociedade “GG, Lda”, que desenvolve a atividade de organização de eventos.
A requerente mulher é gerente da sociedade “DD, Lda”, cuja atividade se prende com a exploração do restaurante com a marca comercial “HH”.
Da análise dos rendimentos declarados perante a Autoridade Tributária, verifica-se que a última declaração apresentada foi no ano de 2023, em que foram declarados rendimentos apenas auferidos pela devedora mulher no valor de 5.411,20€. (…)
Os devedores deduziram o pedido de exoneração do passivo restante, alegando em síntese que preenchem todos os requisitos previstos no Título XII, Capítulo I, isto é, os artigos 235º e seguintes do CIRE”.

f) A devedora BB faleceu em 25.05.2024 (assento de óbito junto aos autos de insolvência em 03.09.2024, ref.ª Citius 152665034)

IV.
Conforme resulta das questões enunciadas, importa apreciar se, por um lado, existe uma causa absolutamente impeditiva da admissão do plano de recuperação apresentado pelos devedores/apelantes e, caso tal não ocorra, se ao decidir não admitir a proposta de plano de recuperação apresentada pelo devedor marido e pela herança indivisa aberta por óbito da devedora mulher – com consequente determinação de prosseguimento dos autos para fase de liquidação do ativo -, o tribunal recorrido atuou em violação da lei, como alegam os apelantes.

Apreciemos, em primeiro lugar, a genérica admissibilidade de sujeição dos devedores/apelantes a plano de recuperação.
O princípio geral aplicável em matéria de plano de insolvência encontra-se previsto no art.º 192º do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE) – incluído no Título IX, “Plano de Insolvência”, Capítulo I, “Disposições Gerais” -, dispondo o seu n.º 1 que “[O] pagamento dos créditos sobre a insolvência, a liquidação da massa insolvente e a sua repartição pelos titulares daqueles créditos e pelo devedor, bem como a responsabilidade do devedor depois de findo o processo de insolvência, podem ser regulados num plano de insolvência em derrogação das normas do presente Código”, acrescentando o n.º3 que [O] plano que se destine a prover à recuperação do devedor designa-se plano de recuperação, devendo tal menção constar em todos os documentos e publicações respeitantes ao mesmo”.
No caso em apreço, os devedores requereram prazo para apresentação de um plano de recuperação, sendo essa a designação que deram ao plano apresentado, por cuja admissibilidade pugnam nesta sede.
Contudo, o CIRE regula no seu Título XII as disposições específicas da insolvência de pessoas singulares, incluindo no Capítulo II a insolvência de não empresários e de titulares de pequenas empresas, prevendo de forma expressa, no seu art.º 250º, a delimitação negativa do campo de aplicação das disposições referentes ao plano de insolvência, ao referir que aos processos de insolvência abrangidos pelo presente capítulo não são aplicáveis as disposições dos títulos IX e X, ou seja, aos devedores abarcados pelo âmbito de aplicação definido no art.º 249º não é permitido fazer uso das modalidades de plano de insolvência a que alude o art.º 129º.
Ainda que se possa discordar da sua inserção sistemática, o teor literal do art.º 250º não oferece qualquer dúvida quanto ao propósito de negar a aplicação das disposições referentes ao plano de insolvência (Título IX) e à administração pelo devedor (Título X) aos sujeitos abarcados por aquele Capítulo, i.e., aos insolventes não empresários e titulares de pequenas empresas.
A este respeito refere Catarina Serra [Lições de Direito da Insolvência, 2ª edição, Almedina, p. 48] que “estão sujeitos ao processo de insolvência as pessoas singulares, as pessoas jurídicas e os patrimónios autónomos (cfr. art.º 2º). No entanto, as pessoas singulares que não sejam titulares de uma empresa ou sejam titulares de uma pequena empresa não podem fazer uso do plano de insolvência. Para estes sujeitos, existe, em alternativa, a possibilidade de aprovação de um plano de pagamento aos credores (cfr. art.º 249º, n.º 1 e arts. 251º e s)”. Em desenvolvimento desta ideia, no contexto específico da recuperação – p. 319/320 -, refere a citada autora que “[A]ssociar-se, no Direito da Insolvência, a recuperação a pessoas singulares ou humanas qua tale não seria – não é - natural. Em matérias como esta, com relevo jurídico-económico, a função de recuperação pressupõe a existência, não de uma actividade humana qualquer, mas de uma actividade económica, em que a prática contínua e organizada de determinados actos pelos sujeitos (a empresa) se autonomiza e transcende os próprios sujeitos”, concluindo que só a empresa é suscetível de recuperação, sendo esta a via de assegurar a sua sobrevivência ou continuidade.
A ideia de recuperação de pessoas singulares não empresárias não é algo que se possa fazer corresponder a um resultado passível de concretização, não é natural ou compreensível, não se antevendo, quando em causa esteja uma situação de insolvência, qualquer alternativa à liquidação que não aquela pela qual os próprios apelantes optaram, ao recorrerem ao incidente de plano de pagamentos. Apenas quando em causa esteja um empresário e a sua empresa se poderá compreender o objetivo de, após reestruturação dos seus créditos, se perspetivar uma recuperação planeada da normalidade da atividade económica.
O próprio art.º 1º do CIRE, que estabelece a finalidade do processo de insolvência, alude ao plano de insolvência como baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, assumindo que só as empresas são passíveis de recuperação.
A insolvência não retira às pessoas singulares a aptidão para obterem rendimentos, designadamente pela via do exercício das respetivas profissões, pelo que nada existe de irrecuperável que se possa alterar pela via de um plano de atuação específico, que ultrapasse o faseamento de pagamentos ou o eventual perdão de parte dos créditos, moratórias e demais alternativas contempladas no art.º 252º, n.º2 do CIRE – tudo em vista a “melhorar a sua situação patrimonial”, o que não se confunde com “recuperação”.
Qualquer argumentação em torno da questão da “recuperabilidade” das pessoas singulares não empresárias torna-se, todavia, despicienda, quando o impedimento é erigido diretamente pela lei, que, conforme já se referiu, veda às pessoas singulares não empresárias o direito de recorrerem ao plano de recuperação.
Os devedores assumiram a sua qualidade de devedores não empresários por ocasião da sua apresentação a PEAP, processo cujo encerramento esteve na origem do processo de insolvência.
A qualidade de sócios gerentes de sociedades por quotas que ambos os devedores desde sempre assumiram (e que correspondia à realidade fiscal, sendo o único rendimento declarado pelo casal o da devedora mulher, então traduzido no salário mínimo nacional auferido “no exercício da sua atividade profissional” enquanto gerente de empresa, como se documentou no parecer do AJP mencionado no ponto I.1 do relatório) não se confunde com a qualidade de empresário necessária a excluir os devedores do campo de delimitação subjetiva negativa do art.º 250º do CIRE – o sócio gerente não se confunde com a empresa, sendo o património desta autónomo em relação ao dos seus sócios. Para efeitos de exclusão dos devedores/apelantes da qualidade de insolventes “não empresários” seria necessário que tivessem sido eles próprios, em nome individual, titulares da exploração das empresas por si geridas, como expressamente refere a al. a) do art.º 249º, n.º1 do CIRE – neste sentido, Ac. do TRC de 13.10.2015 (processo n.º 996/15.8T8LRA-E.C1, disponível nesta ligação) e Ac. do TRL de 02.05.2023 (processo n.º20066/22.1T8LSB-E.L1-1, disponível nesta ligação), este último com particular relevância para o caso concreto, ao referir «[N]o caso dos autos, verifica-se que os devedores, ora Recorrentes, que formam um casal (sendo, portanto, pessoas singulares), não são empresários, ou, como refere o artigo 249º, nº 1, alínea a) do CIRE, “titulares da exploração de qualquer empresa nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência”. Na verdade, quem detém a empresa é a sociedade comercial “CC, LIMITADA”, que se dedica à exploração de estabelecimentos de comércio de produtos. Portanto, como bem se refere no despacho recorrido, esta actividade comercial de exploração de estabelecimentos de comércio de produtos não é exercida pelos devedores pessoas singulares, mas pela sociedade, da qual são gerentes».
Ainda que o apelante, devedor marido, venha nesta fase referir que é empresário em nome individual (documentando uma atividade iniciada na pendência do processo de insolvência), não foi nessa qualidade que se apresentou a PEAP, nem a qualidade que assumiu quando deduziu incidente de plano de pagamentos, caracterizando expressamente a sua situação no plano de recuperação apresentado como abarcada pelo art.º 249º do CIRE, não podendo a sua inclusão ou exclusão na categoria de devedor não empresário ser definida pela concreta oportunidade exigida por lei para recurso a um particular processo ou incidente processual.
Quanto à devedora mulher, o seu sobrevindo óbito, com extinção da sua personalidade jurídica e judiciária e consequente prosseguimento dos autos contra a herança indivisa aberta por decorrência do seu falecimento, arreda definitivamente a subsunção à categoria de devedor empresário, passando-se a estar na presença de um património autónomo sem titular determinado, cujos bens respondem coletivamente pela satisfação das dívidas (artigos 2046º e 2097º do Código Civil).

Face à categoria de pessoas singulares não empresárias a que pertenciam os devedores, perante a requerida concessão de prazo para apresentação de um plano de recuperação, a posição do tribunal deveria ser de indeferimento liminar, por efetiva inadmissibilidade legal da referida pretensão, apoiada exclusivamente na lei - art.º 250º do CIRE.
Nesta fase, em que a concessão de prazo para apresentação do plano foi votada favoravelmente e decidida em favor dos insolventes, que vieram apresentar o “plano de recuperação” com vista a cuja admissão interpõem o presente recurso, sendo estes indiscutivelmente pessoas singulares não empresárias (no caso da requerente mulher, entretanto falecida, um património autónomo), impõe-se assegurar o respeito pela legalidade pela via da subsunção da situação a um juízo de inadmissibilidade do plano, a efetuar nos termos previstos pelo art.º 207º, n.º1, al. a) do CIRE.
Dispõe o art.º 207º, n.º 1, al. a) do CIRE que o juiz não admite a proposta de plano de insolvência/recuperação se houver violação dos preceitos sobre a legitimidade para apresentar a proposta ou sobre o conteúdo do plano e os vícios forem insupríveis ou não forem sanados no prazo razoável que fixar para o efeito.
Ao contrário do que sucede com a legitimidade processual, de averiguação puramente formal e que, quando em causa esteja a apresentação de um plano de insolvência, é genericamente definida pelo art.º 193º, n.º1 do CIRE, ali se incluindo o devedor como parte processualmente legítima para apresentar a proposta de plano, a legitimidade substantiva afere-se pela qualidade que o sujeito tem para ser parte e exercer o direito. Ou seja, se não há dúvida que os sujeitos requerentes são devedores, a qualidade que, enquanto devedores insolventes, os autoriza a serem sujeitos de um plano de insolvência ou de recuperação é delimitada negativamente pelo art.º 250º do CIRE, ao prever que as disposições relativas a tal plano não são aplicáveis aos processos de insolvência de não empresários e titulares de pequenas empresas. Caso se incluam neste âmbito subjetivo, como sucede com os apelantes, fica inviabilizada a apreciação do mérito da pretensão, por se tratar de um vício insuprível.
Autorizar o prosseguimento dos autos para votação do plano de recuperação, qualquer que seja o momento da sua apresentação (tempestividade) ou o seu concreto conteúdo, traduziria uma violação da lei, que influiria na tramitação do processo de insolvência e na limitada finalidade deste quando em causa estejam devedores não empresários – satisfação do interesse dos credores pela via da liquidação do património do devedor insolvente ou de um plano de pagamentos (art.º 251º e ss. do CIRE) -, ou seja, consubstanciaria uma nulidade (art.º 195º, n.º1 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do art.º 17º, n.º1 do CIRE), a que, consoante o momento processual em que seja detetada, se deve obstar pela via da rejeição liminar do plano ou pela não admissão da proposta de plano (art.º 207º, n.º1, al. a) do CIRE) ou, no limite, pela não homologação oficiosa do plano, por se estar na presença de uma violação não negligenciável de regras aplicáveis ao conteúdo do plano, que se traduzem em normas de legitimidade substantiva a que o mesmo deve imperativamente obedecer (art.º 215º, n.º1 do CIRE).
Ainda que sem expressa qualificação do vício, sobre a inviabilidade de apresentação de plano de insolvência/recuperação por pessoas singulares – devedores não empresários – tem vindo a pronunciar-se a nossa jurisprudência, como disso são exemplo os Acórdãos do TRP de 15/09/2015 (proc. 1439/13.7TBFLG-D.P1, acessível nesta ligação), do TRC de 07.09.2010 (proc.º n.º570/10.5TBMGR-A.C1, acessível nesta ligação), de 13.10.2015 (proc.º n.º996/15.8T8LRA-E.C1, acessível nesta ligação), de 13.09.2016 (proc.º n.º741/16.0T8LRA.C1, acessível nesta ligação) e de 10.07.2019 (proc.º n.º266/13.6TBACB.C1, acessível nesta ligação), do TRG de 12.07.2016 (proc.º n.1694/16.0T8VNF-D.G1, acessível nesta ligação), do TRL de 02.05.2023 (proc.º n.º20066/22.1T8LSB-E.L1-1, acessível nesta ligação) e do TRE de 25.06.2020 (proc.º n.º50/19.3T8LAG-F.E1, acessível nesta ligação).
Concluindo, na fase processual em que o processo se encontra, porque estamos perante a ausência da qualidade de que depende a titularidade do direito (aferida em termos substantivos), ao reconhecermos a ilegitimidade substantiva dos devedores/apelantes fica inviabilizada a possibilidade de obtenção de um conhecimento de mérito da sua pretensão, ou seja, é segura a inviabilidade da futura homologação do plano de recuperação, que se impõe antecipar pelo juízo de não admissibilidade, por aplicação da al. a) do n.º1 do art.º 207º do CIRE, concretizada numa violação dos preceitos sobre a legitimidade para apresentar a proposta, sendo os vícios, dada a sua natureza substantiva, insupríveis.
Esta conclusão, impedindo a admissão do plano de recuperação, prejudica a apreciação das demais questões colocadas pelos apelantes, sendo inútil apreciar se o plano de recuperação foi apresentado em tempo ou se ocorre erro de julgamento na apreciação desenvolvida pelo tribunal recorrido em torno da avaliação do conteúdo material do plano, quando, qualquer que seja a decisão a tomar quanto a tais questões, sempre terá este tribunal que confirmar a decisão que julgou inadmissível o plano de recuperação apresentado pelos devedores/apelantes.
Assim, tendo por prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas (art.º 608º, n.º 2, ex vi do art.º 663º, n.º 2, ambos do Código de Processo Civil), ainda que com distinta fundamentação jurídica, mantém-se a decisão que julgou inadmissível o plano de recuperação, julgando-se improcedente o recurso de apelação interposto.

V.
Nos termos e fundamentos expostos, acordam as juízas desta secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso de apelação e, em consequência, em confirmar a decisão recorrida.

Custas a cargo dos apelantes (art.º 527º, n.º 1 do Código de Processo Civil).

Lisboa, 11-02-2025
Ana Rute Costa Pereira
Isabel Maria Brás Fonseca
Fátima Reis Silva