INSOLVÊNCIA CULPOSA
DESPACHO DE APERFEIÇOAMENTO
ENCERRAMENTO DO PROCESSO DE INSOLVÊNCIA
INSUFICIÊNCIA DO ACTIVO
PODER VINCULADO
Sumário

(Da responsabilidade da relatora (art.º 663.º, nº 7 do CPC)).

1. O incidente de qualificação da insolvência a que alude o art.º 188.º do CIRE, que corre por apenso ao processo de insolvência, implica que o interessado (i) apresente a petição inicial, em que deduz a respetiva pretensão de qualificação com indicação do(s) proposto(s) afetado(s) e (ii) indique a respetiva causa de pedir, ponderando o disposto no art.º 186.º do CIRE, sendo aplicável, com adaptações, o disposto no art.º 552.º do CPC, nomeadamente o disposto nas alíneas d), e), e f) do número 1; por último, impõe-se o pagamento da respetiva taxa de justiça inicial (arts. 529.º nºs 1 e 2 e 530.º n.º 1 do CPC e art.º 7.º, n.º 4 e tabela II do RCP).

2. A prolação de despacho convidando o demandante a aperfeiçoar o requerimento inicial (art.º 590.º, n.º 2, alínea b) e n.ºs 3, 4 e 5 do CPC), é um despacho vinculado, que só deve ser proferido com vista a suprir deficiências ou incompletudes de que padeça esse requerimento – “insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto”, na terminologia legal – não servindo para possibilitar ao demandante suprir, por essa via, a falta de indicação do conjunto de factos (factos principais ou essenciais), com relevância jurídica, que integram a causa de pedir e que constituem o suporte da sua pretensão, sendo que a asserção vale quer nas situações de falta de causa de pedir (gerando a ineptidão do requerimento), quer nas situações de manifesta insuficiência desta (geradora de improcedência do pedido).

3. Constatando-se, quer em face do requerimento inicial apresentado pelo credor peticionando a declaração de insolvência da sociedade devedora, quer perante os sucessivos requerimentos apresentados no processo de insolvência pela requerente, a absoluta ausência ou a insuficiência manifesta, de alegação dos factos pertinentes à qualificação da insolvência como culposa, por violação do dever de apresentação à insolvência, considerando os pressupostos para essa qualificação (art.º 186.º, nºs 1 e 3, alínea a) do CIRE), estava vedado ao tribunal, no âmbito dos deveres que sobre si impendem, o dever de gestão processual e de adequação formal (arts. 6.º e 547.º do CPC) proceder ao aproveitamento dos requerimentos (quer o inicial, quer os posteriores) apresentados no processo de insolvência.

4. Procedendo o credor ao depósito da quantia razoavelmente entendida como necessária para garantir o pagamento das custas do processo e restantes dívidas da massa insolvente esse facto, em abstrato, nos termos do art.º 232.º, n.º 2 do CIRE obsta ao encerramento do processo com o fundamento na insuficiência da massa insolvente para satisfazer as custas do processo e as restantes dívidas da massa insolvente (art.º 230.º, n.º1, alínea d) do CIRE).

5. No entanto, o poder assim conferido aos interessados não é um poder de, potestativamente, obterem o prosseguimento do processo (principal) de insolvência, assim obviando à verificação dos efeitos decorrentes do encerramento (art.º 233.º); ao invés, trata-se de um poder vinculado, isto é, deve ser exercido tendo em vista a prática de determinados atos que em concreto se justifiquem e sejam admissíveis, devendo o interessado que procede ao depósito e se opõe ao encerramento formular a correspondente pretensão ao juiz, fundamentando a mesma.

Texto Integral

Acordam as Juízas da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa  

I. RELATÓRIO
1. Em 30-01-2022 SYSTEMAIR, S.A. (requerente/apelante) requereu a declaração de insolvência de COTARCO - COMÉRCIO INTERNACIONAL LDA (requerida/apelada).
Invoca, para fundamentar a sua pretensão, que tem um crédito sobre a requerida no valor líquido de 235.693,57€ e ainda um crédito a liquidar posteriormente, alegando os factos respetivos, suporte do invocado crédito, nos moldes indicados nos arts. 3.º a 34.º da petição inicial; seguidamente, a requerente, sob a epígrafe “DO DIREITO”, refere:
“1) Preceitua o artigo 3.º CIRE:
1- É considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas.
2- As pessoas colectivas e os patrimónios autónomos por cujas dívidas nenhuma pessoa singular responda pessoal e ilimitadamente, por forma directa ou indirecta, são também considerados insolventes quando o seu passivo seja manifestamente superior ao activo, avaliados segundo as normas contabilísticas aplicáveis.
 
2) E nos termos do artigo 20.º do CIRE:
1 - A declaração de insolvência de um devedor pode ser requerida por quem for legalmente responsável pelas suas dívidas, por qualquer credor, ainda que condicional e qualquer que seja a natureza do seu crédito, ou ainda pelo Ministério Público, em representação das entidades cujos interesses lhe estão legalmente confiados, verificando-se algum dos seguintes factos:
a) Suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas;
b) Falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações;
h) Sendo o devedor uma das entidades referidas no n.º 2 do artigo 3.º, manifesta superioridade do passivo sobre o activo segundo o último balanço aprovado, ou atraso superior a nove meses na aprovação e depósito das contas, se a tanto estiver legalmente obrigado.
 3) No caso dos autos, é manifesto que se verificam os requisitos elencados nas alíneas b) e h), pois que desde 2017 que a R tem uma dívida certa, líquida e exigível de mais de € 235.693,57 para com a A, para além de o seu passivo ser manifestamente superior ao activo.
 4) Prevê o artigo 186.º CIRE:
1- A insolvência é culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da actuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência.
 - Presume-se unicamente a existência de culpa grave quando os administradores, de direito ou de facto, do devedor que não seja uma pessoa singular tenham incumprido:
a) O dever de requerer a declaração de insolvência.
5) Resultado do artigo 18.º CIRE que:
1 - O devedor deve requerer a declaração da sua insolvência dentro dos 30 dias seguintes à data do conhecimento da situação de insolvência, tal como descrita no n.º 1 do artigo 3.º, ou à data em que devesse conhecê-la.
 6) Especial relevo assume o artigo 189.º CIRE, segundo o qual:
1- A sentença qualifica a insolvência como culposa ou como fortuita. 2 - Na sentença que qualifique a insolvência como culposa, o juiz deve:
a) Identificar as pessoas, nomeadamente administradores, de direito ou de facto, técnicos oficiais de contas e revisores oficiais de contas, afetadas pela qualificação, fixando, sendo o caso, o respetivo grau de culpa;
c) Declarar essas pessoas inibidas para o exercício do comércio durante um período de 2 a 10 anos, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa;
d) Determinar a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos pelas pessoas afectadas pela qualificação e a sua condenação na restituição dos bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos.
e) Condenar as pessoas afetadas a indemnizarem os credores do devedor declarado insolvente até ao montante máximo dos créditos não satisfeitos, considerando as forças dos respetivos patrimónios, sendo tal responsabilidade solidária entre todos os afetados.
4 - Ao aplicar o disposto na alínea e) do n.º 2, o juiz deve fixar o valor das indemnizações devidas ou, caso tal não seja possível em virtude de o tribunal não dispor dos elementos necessários para calcular o montante dos prejuízos sofridos, os critérios a utilizar para a sua quantificação, a efetuar em liquidação de sentença.
 7)Os gerentes da R Devedora devem, em Apenso de Qualificação de Insolvência, ser condenados a indemnizarem a ora A/Credora da devedora até ao montante máximo dos créditos não satisfeitos, considerando as forças dos respetivos patrimónios, sendo tal responsabilidade solidária entre todos os afetados.
 Nestes termos, requer-se a V.ª Ex.ª se digne declarar a insolvência da R COTARCO - COMÉRCIO INTERNACIONAL, LDA.
 Valor da acção: € 30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo)”.
 Mais indica prova (documental e pessoal).

2. Foi proferida sentença, em 22-03-2022, que declarou a insolvência da requerida e, para além do mais, fez constar da parte dispositiva como segue:
“5- Não existem por ora elementos para determinar a abertura do incidente de qualificação – art.º 36/1/i) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas”;
- “Não se designa dia para realização da Assembleia de Apreciação do Relatório a que alude o art.º 156 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, dadas a previsível composição da massa insolvente e o facto de a devedora não colocar qualquer hipótese de recuperação. // Deverá o Sr. Administrador das Insolvência em 60 dias contados da presente decisão, apresentar o relatório aos autos (art.º 155 do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas”).
Fixando-se o prazo de 30 dias para reclamação de créditos.
A sentença foi publicitada por anúncios; procedeu-se ainda à notificação da mesma, nomeadamente, ao administrador da insolvência e à requerente, por intermédio do respetivo mandatário judicial, por comunicação de 23-03-2022.

3. Em 04-05-2022 o administrador da insolvência (AI) apresentou requerimento nos autos (Ref.ª 42135962), em formulário com a indicação de “RELATÓRIO DO ADMINISTRADOR -155.º CIRE”, indicando juntar, “no estrito cumprimento das suas funções”, o “relatório e anexos previstos no 155º do CIRE”.
Do relatório consta:
- Informação (“[i]nformações gerais”) sobre a sociedade devedora e “sobre o processo”;
- Informação sobre a “situação passada e actual da empresa”;
- “[A]nálise do estado da contabilidade”;
- Informação sobre bens, sob a epígrafe “apreensão”;
- Informação sobre a “reclamação de créditos”;
- Informação quanto à “qualificação de insolvência”, em que conclui como segue:
“Face ao exposto,
Tendo por base os factos atrás descritos quanto à insolvência de COTARCO - COMÉRCIO INTERNACIONAL, LDA, a abertura de incidente de qualificação deverá ficar pendente da obtenção dos esclarecimentos solicitados nos termos do disposto no artigo 83.º do CIRE”.
- As “perspetivas de manutenção da empresa – encerramento”;
Juntando vários anexos.

Em 09-05-2022 (Ref.ª 42183771) o AI junta requerimento com o seguinte teor:
“(…) administrador de insolvência nomeado no processo em epigrafe vem informar e expor a V. Exa. o seguinte:
 Conforme consta do relatório elaborado nos termos do disposto no artigo 155.º do CIRE, foi notificado o sócio-gerente, nos termos do disposto no artigo 83º do CIRE, para até 04/05/2022 informar:
 A que se deve o valor de 42.242,06 e, na rubrica "outros ativos correntes"?
Quanto aos pagamentos aos credores, no valor de 158.604,27€, quando e a quem foram feitos os pagamentos?
Informar quais os credores que a Cotarco tem e enviar extracto de credores.
A que se deve a rubrica de financiamentos obtidos.
Solicitou-se o envio de balancete atualizado.
Em 09/05/2022 veio informar o seguinte, conforme anexo 1:
Os 42.242,06 € e respeitam a saldos devedores de fornecedores, advogado (2.761,32 €), pagamentos por consta de IRC (2.387,80 €) e um saldo devedor da Soclima (24.042,87 €). (de notar que esta firma consta como cliente de cobrança duvidosa no montante de l.173.869,03 €).
Quanto ao pagamento aos credores no valor de 158.604,27 € juntou mapa com discriminação dos credores e montantes pagos; - anexo 2
Quanto aos empréstimos informou que foram contraídos no âmbito da atividade, ainda quando a empresa se encontrava a laborar em pleno e com boas perspetivas a nível do futuro.
Enviou ainda os extratos de credores (anexo 3) com saldos de abertura iniciais de 01/01/2019, exceto o dos 2 sócios com momentos de igual valor (2.136,00 €) em 30/04/2019. Ou seja, não houve qualquer atividade comercial ou outra, com estes credores, pelo menos desde janeiro de 2019.
Enviou ainda balancete atualizado. - anexo 4
Face ao exposto, foi na presente data enviada ao respetivo apenso, a Lista Definitiva de Créditos Reclamados e Reconhecidos, com a inclusão dos credores indicados pela devedora nos seus elementos de contabilidade.
Foi ainda notificado o sócio-gerente, informando-o do seguinte: indicar a data de todos os pagamentos aos credores constante do anexo 2. - anexo 5
ED”.

Em 20-12-2022 (Ref.ª 44207438) o AI junta requerimento com o seguinte teor:
“(…), administrador de insolvência nomeado no processo em epigrafe vem informar e expor a V.Exa o seguinte:
 Com base no relatório elaborado nos termos do art.º 155 do CIRE e com o complemento das informações prestadas enviadas aos autos a 09-05-2022 prestadas pela insolvente, mantenho a posição assumida naquele relatório, ou seja:
. Qualificação de insolvência de carácter fortuito, uma vez que o insolvente cumpriu o art.º 83 do CIRE
 . No tocante à manutenção da empresa, corrobora-se a posição do encerramento nos termos do art.º 232 do CIRE, já expresso no relatório do art.º 155 do CIR E.
Desde já me culpabilizo, por em devido tempo não ter respondido ao solicitado, por não interpretação do pretendido, pelo que solicita a anulação da multa.
E.D.” [ [1] ].

4. A requerente apresentou requerimentos em 15-05-2023 (Ref.ª 45567796), 30-10-2023 (Ref.ª 46962032), 04-12-2023 (Ref.ª 47318177), 14-12-2023 (Ref.ª 47410131) e em 29-01-2024 (Ref.ª 47796084) com o seguinte teor, em síntese:
(i) No requerimento de 15-05-2023, peticiona a final como segue:
“17 –Por tudo o exposto, notificada para se pronunciar sobre a forma como pretende que os autos prossigam, esclarece a A que pretende que os autos sigam a tramitação legalmente prevista, ou seja:
 d) Seja o Exmo Sr AI notificado para juntar aos autos o relatório a que alude o art.º 155º CIRE;
 e) Que, após a junção aos autos do aludido relatório, com cópia da pi destes autos, na qual a A pugnou pela qualificação da insolvência como culposa, cumprindo os requisitos a que alude o artigo 188.º, n.º 1 CIRE, do presente requerimento, e ainda com o requerimento que vier a ser formulado ainda pela A, se declare aberto o incidente de qualificação da insolvência, nos 10 dias subsequentes.
 f) Reitera-se o alegado já na pi destes autos, designadamente: (…)” (sublinhado nosso) [ [2] ] [ [3] ].

(ii) No requerimento de 30-10-2023, alega que “vem reiterar o seu requerimento de 15/5/2023: // 1. Requerendo que os autos sigam a tramitação legalmente prevista, ou seja: // Seja o Exmo. Sr. AI notificado para juntar aos autos o relatório a que alude o 1 art.º 155º CIRE; // b) Que, após a junção aos autos do aludido relatório, com cópia da pi destes autos, na qual a A pugnou pela qualificação da insolvência como culposa, cumprindo os requisitos a que alude o artigo 188.º, n.º 1 CIRE, do presente requerimento, e ainda com o requerimento que vier a ser formulado ainda pela A, se declare aberto o incidente de qualificação da insolvência, nos 10 dias subsequentes. //c) Reitera-se o alegado já na pi destes autos, designadamente: (…)”   [ [4] ]

(iii) No requerimento de 04-12-2023, indica:
“SYSTEMAIR, S.A., requerente nos autos à margem referenciados, vem expor e requerer o seguinte: //1– Foi proferido douto Acórdão pelo TRL que confirmou a sentença declaratória da insolvência, que se anexa como Doc 1. // 2       - Que se proceda à notificação do Exmo. Sr. AI notificado para juntar aos autos o 1 relatório a que alude o art.º 155º CIRE, em 10 dias, com cominação de destituição. // ED”.

(iv) No requerimento de 14-12-2023, indica:
“SYSTEMAIR, S.A., requerente nos autos à margem referenciados, notificada do requerimento do Exmo. Senhor AI, vem dizer o seguinte: // 1– O Sr. AI apresentou nos autos um requerimento a 20/12/2022, requerimento esse anómalo diga-se, referindo manter a posição assumida no relatório de 9/5/2022. // 2 – Nem o documento junto aos autos pelo Exmo. Sr. AI em 20/12/2022, nem o relatório de 9/5/2022, preenchem nenhum dos elementos a que alude o art.º 155º CIRE, designadamente: //- não tem a análise dos elementos incluídos no documento referido na alínea c) do n.º 1 do artigo 24.º CIRE, // a análise do estado da contabilidade do devedor e // - a sua opinião sobre os documentos de prestação de contas e de informação financeira juntos aos autos pelo devedor, // - a indicação das perspectivas de manutenção da empresa do devedor, no todo ou em parte, // - da conveniência de se aprovar um plano de insolvência, e //-das consequências decorrentes para os credores nos diversos cenários figuráveis, // -também não foram anexados: //-o inventário e //- a lista provisória de credores. //3 – A A já informou várias vezes os autos de insolvência desta circunstância e reitera que os autos sigam a tramitação legalmente prevista, ou seja: //a) Seja o Exmo. Sr. AI notificado para juntar aos autos o relatório a que alude o art.º 155º CIRE, sob cominação de DESTITUIÇÃO do mesmo; // b) Que, após a junção aos autos do aludido relatório, com cópia da pi destes autos, na qual a A pugnou pela qualificação da insolvência como culposa, cumprindo os requisitos a que alude o artigo 188.º, n.º 1 CIRE, do presente requerimento, e ainda com o requerimento que vier a ser formulado ainda pela A, se declare aberto o incidente de qualificação da insolvência, nos 10 dias subsequentes. // ED”.

(v) No requerimento de 29-01-2024, alega, em síntese, como segue:
“(…) requerente nos autos à margem referenciados, notificada do despacho de 15/1/2024, vem dizer o seguinte: // 1– Do douto despacho de 15/1/2024 parece resultar que foi indeferida a arguição da nulidade do documento junto aos autos pelo Sr. Administrador de Insolvência em 20/12/2022, no sentido de o mesmo não reunir os requisitos a que alude o art.º 155º CIRE. // 2– Sucede que, como a Requerente tem vindo sistematicamente a invocar nos autos o Sr. AI no requerimento a 20/12/2022, refere apenas manter a posição assumida no relatório de 9/5/2022. // 12 – O documento junto aos autos pelo Exmo. Sr. AI em 20/12/2022 não preenche nenhum dos elementos a que alude o art.º 155º CIRE, designadamente não tem a análise dos elementos incluídos no documento referido na alínea c) do n.º 1 do artigo 24.º CIRE, a análise do estado da contabilidade do devedor e a sua opinião sobre os documentos de prestação de contas e de informação financeira juntos aos autos pelo devedor, a indicação das perspectivas de manutenção da empresa do devedor, no todo ou em parte, da conveniência de se aprovar um plano de insolvência, e das consequências decorrentes para os credores nos diversos cenários figuráveis, também não foram anexados o inventário e a lista provisória de credores. // 3            – Assim, esse requerimento não pode ser considerado o relatório a que alude o art.º 155º CIRE, pelo que, ao não entender desse modo, cometeu o Tribunal nulidade nos termos desse mesmo preceito. // 4  – Por outro lado, resulta da decisão datada de 15/1/2024 que: // i) nunca foi requerida a abertura do incidente de qualificação de insolvência; ii) que tal não foi feito por apenso; iii) que a Requerente não pagou a taxa de justiça devida. // 5 – Ora, logo na petição inicial destes autos a Requerente requereu a abertura do incidente de qualificação de insolvência por apenso. // 6  – Na verdade, consignou a A na petição inicial destes autos (…)”;
Depois de repetir o que já havia dito na petição inicial [ [5] ] e no requerimento de 15-05-2023, continua como segue:
“7– Como se vê a Requerente, logo por antecipação na petição inicial destes autos principais e em vários outros requerimentos: // a. a Requerente requereu a abertura do incidente de qualificação de insolvência. // b. Requereu que o mesmo corresse termos por apenso. // c. Encontra-se junto aos autos comprovativo de pagamento de taxa de justiça bastante para impulsionar o incidente de qualificação de insolvência – pois que foi paga taxa de justiça com o requerimento de interposição de recurso de 16/1/2023, recurso esse cujo conhecimento e instância foi prejudicado com a prolação do despacho de 26/4/2023. // 8 Ainda que assim não fosse, caso não tivesse sido requerido que o incidente de qualificação de insolvência fosse tramitado por apenso, face ao requerimento da Requerente no sentido da sua abertura, e tendo presente o art.º 6º CPC, sempre teria o Tribunal de determinar que o requerimento fosse tramitado por apenso. // 9 E, caso não tivesse sido paga a taxa de justiça devida, sempre o Tribunal deveria ter dado cumprimento ao disposto no art.º 570º, n.º 3 CPC, o que não sucedeu. // 10 Assim, ao não admitir a abertura do incidente de qualificação de insolvência cujo requerimento foi muito anterior ao do prazo a que alude o art.º 188º, n.º 1 CIRE, violou o Tribunal o preceituado nesse art.º 188º CIRE, nulidade que expressamente se invoca. // ED”.

5. Em 15-01-2024 foi proferido despacho (despacho recorrido) com o seguinte teor:
“REFª: 46962032 e segs. (de 30-10) e requerimentos subsequentes do Credor e da Devedora:
Por despacho de 4-7-2023 que conheceu da nulidade arguida e determinou o prosseguimento do processo, foi o credor Requerente noticiado para o que lhe aprouver nos autos, no que tange ao respectivo prosseguimento dada a apurada insuficiência da massa.
Em resposta solicita em 4-12-2023 e de novo em 14-12, que se notifique o Administrador de Insolvência para juntar aos autos o relatório a que laude o art.º 155 do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas; e de outra banda que se declare aberto o incidente de qualificação de insolvência, com base nos indícios que alegar ter indicado.
Ora, o relatório foi junto ais autos em 4-5-20222 tendo o Sr. Administrador de Insolvência informado os autos sobre os esclarecimentos que faltava tomar, e dai ter vindo a ser declarado o fortuito o incidente.
Não se vislumbrando qualquer violação de deveres que gere fundamento para destituição do cargo.
No que tange ao incidente de qualificação foi julgada fortuita, visto o disposto no art.º 233/6 do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas sendo que por requerimento de 20-12-2022 o Sr. Administrador de Insolvência obteve resposta da Insolvente.
Sucede, que o Tribunal não declarou aberto o incidente pelas razões que constam plasmadas no processo, E por outro lado nem nunca foi requerida a abertura do incidente nos moldes legalmente previstos, a saber nos termos do art.º 188/1 do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas, o qual fixa um prazo peremptório bem como os demais termos do incidente que é instruído por apenso e sujeito ao pagamento de taxa de justiça, algo que o credor requerente nunca fez.
Termos que em se indefere o requerido por desprovido de fundamento de facto e de Direito.
Notifique.
Oportunamente, conclua” (sic).

Sobre esse despacho recaiu o recurso interposto pela requerente em 02-02-2024 (Refª: 47855998), [ [6] ], com contra-alegações apresentadas em 20-02-2024 (Refª: 48034336).
  
6. Em 18-03-2024 foi proferido despacho (despacho recorrido) com o seguinte teor:
“Por se constatar a existência de lapsos de escrita no teor do despacho de 15-1 transacto, determina-se a rectificação do mesmo devendo-se ler-se:
- No 1.º § “Devedora”;
- No 2.º § “notificado” em vez de noticiado;
- No 3.º § “alude” em vez de laude;
- No 4.º § “aos” e não ais e “4-5-2022”;
*
Por despacho de 4-7-2023 foi conhecida a nulidade arguida e na respectiva procedência, foi dado sem efeito o encerramento proferido a 9-1-2023 e determinada a notificação do credor Requerente para o que lhe aprouvesse nos autos, no que tange ao respectivo prosseguimento dada a apurada insuficiência da massa, no prazo de 10 dias.
 Por requerimento REFª: 46962032, de 30-10-2023, a Requerente requereu fosse o Administrador de Insolvência notificado para juntar aos autos o relatório a que alude o art.º 155º CIRE; e após a junção aos autos do aludido relatório, com cópia da pi destes autos, na qual a A pugnou pela qualificação da insolvência como culposa, cumprindo os requisitos a que alude o artigo 188.º, n.º 1 CIRE, com o aludido requerimento, e ainda com o requerimento que vier a ser formulado ainda pela A, se declare aberto o incidente de qualificação da insolvência, nos 10 dias subsequentes.
Após requerimentos do credor e devedora, o Tribunal conheceu, indeferindo-os, dos pedidos por despacho de 15-1-2024 que supra se rectificou devido a erros de escrita que não comprometem o sentido e alcance nem compreensão do mesmo como se infere da reacção ao mesmo após notificação.
*
REFª: 47093795: o Tribunal já apreciou o requerimento do Credor pelo que nada a acrescentar.
*
REFª: 47318177: nada a determinar visto que o relatório do art.º 155 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas já consta dos autos, desde 4-5-2022, com reiteração clara e cristalina bem como em coerência, em 20-12-2023, do seu parecer de Maio de 2022 quer quanto à qualificação que mantém parecer fortuita quer quanto ao encerramento do processo.
*
REFª: 47796084 de 29-1-2024: Pede a Requerente a nulidade.
Respondeu a Devedora pela improcedência.
Apreciando:
Como é sabido das nulidades reclama-se sendo que dos despachos se recorre. Como a própria refere é a insistência que a move (“a Requerente tem vindo sistematicamente a invocar nos autos o Sr. AI no requerimento a 20/12/2022”).
Ora  uma vez que o credor Systmair Air discorda do teor do despacho de 15- 1-2024, tanto mais que dele vem recorrer em 2-2-2024 e não se vislumbrando qualquer nulidade no mesmo, não se conhece da apontada arguição, que consiste de reclamação de nulidade ao conhecimento de nulidade que também apontou, firmando-se, porém, e desde já que nulidade alguma se vislumbra.
Com efeito, o documento cuja nulidade aponta, o relatório do SR. Administrador de Insolvência datado de 4 de Maio de 2022, contém as análise, e propostas quanto aos pontos que deve ter mormente os aludidos no art.º 155 do CIRE com referência ao art.º 232/1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e parecer atinente a qualificação.
O que vem na senda dos queridos esclarecimentos ordenados por despacho de 19-9-2022, de 28-11-2022 e 19-12-2022. Tendo por despacho de 9-1-2023 (ref. 421756263) se considerado como tendo sido prestados.
Notifique.
*
REFª: 47855998 (alegações com contra-alegações REFª: 48034336): requerimento de recurso do despacho de 15-1-2024 que “tacitamente indeferiu a arguição da nulidade do relatório junto aos autos pelo Sr. Administrador de Insolvência e indeferiu a abertura do incidente de qualificação de insolvência.
Conclui a Requerente que requereu a abertura do incidente de qualificação de insolvência. Requereu que o mesmo corresse termos por apenso. Encontra-se junto aos autos comprovativo de pagamento de taxa de justiça bastante para impulsionar o incidente de qualificação de insolvência – pois que foi paga taxa de justiça com o requerimento de interposição de recurso de 16/1/2023, recurso esse cujo conhecimento e instância foi prejudicado com a prolação do despacho de 26/4/2023.
E adiante que “sempre teria o Tribunal de determinar que o requerimento fosse tramitado por apenso.
 Se o Tribunal “a quo” entendesse que tal requerimento era deficiente, sempre deveria ter convidado a A a oferecer articulado aperfeiçoado – cfr art.º 3º CPC.
Caso não tivesse sido paga a taxa de justiça devida, sempre o Tribunal deveria ter dado cumprimento ao disposto no art.º 570º, n.º 3 CPC, o que não sucedeu. A decisão recorrida violou o disposto nos arts 155º, 186º, 188º CIRE, 3º, 6º e 570º, n.º 3 Código de Processo Civil”.
Sucede que:
- A Requerente System Air não requereu o incidente de abertura de qualificação, nem o requereu por apenso, como dita o art.º 188 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, o que impede o requerido efeito suspensivo do recurso nos termos do art.º 647/3/c) do Código de Processo Civil;
- o prazo de 15 dias previsto no art.º 188 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas encontra-se decorrido desde pelo menos desde 4-1-2023.
- assim mesmo tendo sido anulado o encerramento pois a Requerente a ele se opôs, e consequentemente tenha ficado sem efeito o despacho que julgou fortuita a qualificação, certo é que como se fez constar do despacho objecto de recurso: nunca foi requerida a abertura do incidente nos moldes legalmente previstos, a saber nos termos do art.º 188/1 do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas, o qual fixa um prazo peremptório bem como os demais termos do incidente que é instruído por apenso e sujeito ao pagamento de taxa de justiça, algo que o credor requerente nunca fez.
Obviamente não lhe bastando comprovar que pagou uma taxa, decorre à saciedade que os autos não contêm qualquer apenso de qualificação intentado pelo Requerente.
*
De todo o modo o Tribunal de recurso decidirá:
Admito o recurso do despacho de 15-1-2024. É de apelação. Sobre nos autos.
Com efeito devolutivo.
Subam os autos ao Tribunal da Relação de Lisboa.
*
Até ao momento nada mais foi adiantado em prol do processo, ou seja, nada foi acrescentado no caminho da possibilidade de liquidação, indicando bens ou valores, que possam através dos meios previstos na lei, permitir dar satisfação aos credores, debalde se tivesse concedido a possibilidade ao credor que insiste sem mais no prosseguimento dos autos, ignorando a decisão do «Tribunal que lhe indeferiu a pretensão dado que o que pretende já se encontra nos autos, a saber o relatório do Administrador de Insolvência e há quase 2 anos, sobre o mesmo já foi determinado que fossem prestados esclarecimentos (vide despacho de 19-9-2022, de 28-11-2022 e 19-12-2022 e de 9-1-2023 no qual se considerou terem sido prestados).
Nada acresce o credor que teima, pois, em prosseguir o processo quando o SR. Administrador de Insolvência carreou ao processado a insuficiência da massa e formulou parecer de qualificação fortuita.
No que tange ao aludido incidente de qualificação que o Credor também pretende o despacho de 15-1-2024 contém toda a fundamentação para a decisão tomada pelo Tribunal, porquanto se remete o credor para a respectiva leitura.
Assim, e como é bom de ver, sem que os autos possam prosseguir nem o credor adiantando como, já que a sua pretensão se mantém, não colhe fundamento a prossecução dos autos.
Pelo que, observada a devida tramitação mormente a do art.º 232/2 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e tendo-se sempre decidido com evidente demonstração de que na falta de impulso quer quanto ao depósito quer quanto ao modo como haveriam os autos de prosseguir sem bens, segue despacho:
Pondera-se o encerramento do processo nos termos do art.º 232/1 do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas com fundamento na al. d) do n.º 1 do art.º 230 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, ou seja, por falta de património da massa insolvente suficiente para a satisfação das custas do processo e restantes dividas da massa insolvente.
Foram ouvidos os credores que reclamaram créditos e a devedora, não tendo sido deduzida oposição ao encerramento do processo.
O único credor da massa insolvente conhecido é, neste momento, o Sr. Administrador da Insolvência- art.º 51 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa.
*
Embora requerido pelo credor SYSTEMAIR, S.A., o depósito referido no nº 2 do art.º 232 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas foi pago, mas apesar de notificado para o efeito não adiantou de modo algum como haveriam os autos de prosseguir em face da comunicada insuficiência de bens para a massa.
Pelo exposto:
1– Declaro encerrado, por insuficiência da massa insolvente, o presente processo no qual foi declarada a insolvência de Cotarco – Comércio Internacional, Ld.ª identificada nos autos os termos do disposto nos arts. 230/1/d) e 232/2 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa.
2– Advirta-se o Sr. Administrador do disposto no nº 4 do art.º 232.
3– Cessam todos os efeitos estritamente decorrentes da declaração de insolvência, designadamente recuperando a devedora o direito de disposição dos seus bens.
4– Cessam as atribuições do Sr. Administrador, excepto as relativas à apresentação de contas, no caso não aplicável– art.º 233/1/b) do CIRE.
5– Todos os credores da insolvência podem exercer os seus direitos contra o devedor, no caso, sem qualquer restrição – art.º 233/1/ c).
6– Os credores da massa insolvente podem reclamar da devedora os seus direitos não satisfeitos – art.º 233/1/d).
7– Transitado o presente despacho, abra conclusão nos apensos de verificação e graduação de créditos, nos termos e para os efeitos previstos no art.º 233/2/al. b) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa.
8– A liquidação da devedora prosseguirá, nos termos do regime jurídico dos procedimentos administrativos de dissolução e liquidação de entidades comerciais – art.º 234/4 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa.
9– No que tange ao pretendido incidente de qualificação considere-se o teor do despacho de 15-1-2024.
*
 Registe e notifique os credores conhecidos – art.º 230/2 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa.
Remeta certidão à Conservatória do Registo Comercial no prazo de 5 dias- art.º 38/2/b) e nº 5 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa e art.º 9º/ n) do Código de Registo Comercial e art.º 234/4 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas
*
Comunique- art.º 65/3 do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas.
Publicite -arts. 37/7 e 38/ 7 em conjugação com o disposto no art.º 230/2 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa.
*
Deverá o Sr. Administrador proceder em conformidade com o disposto no art.º 233/5 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa, atendendo á nova funcionalidade introduzida na plataforma informática de apoio aos Tribunais em 77-2021.
*
Eventual quantia realizada com a liquidação deve ser afecta integralmente ao pagamento das custas, o que deve ser considerado para efeitos do parágrafo antecedente.
Notifique.
*
Transitado:
Devolva-se a quantia paga e calculada conforme despacho de 28-6-2022 ao credor requerente.
*
REFª: 47791087- do pagamento das despesas ao Administrador de Insolvência: aquando a sentença em 23-2-2022 foi proferido despacho atinente á questão suscitada. E sobre a mesma o despacho de 28-11-2022 no qual já se recomendava a leitura do anterior ao Sr. Administrador de Insolvência. Nada mais a determinar pois neste conspecto” (sic) (sublinhado nosso).

Notificada, a requerente apresentou recurso, em 27-03-2024, (Ref.ª 48436923), com contra-alegações apresentadas em 11-04-2024 (Ref.ª 48582491), recurso que foi objeto de despacho proferido em 17-10-2024, com o seguinte teor:
“REFª: 48436923 -alegações- com resposta sob a REFª: 48582491:
Admito o recurso. O qual é de apelação, sobe nos autos, de imediato, e com efeito meramente devolutivo – art.º 14/6 do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas.
*
Exmos SRs. Juízes Desembargadores
No que tange aos vícios apontados pela Apelante, não se vislumbra a existência, porquanto nada a determinar. Contudo Vossas Exºas melhor Justiça farão.
Subam os autos ao Tribunal da Relação de Lisboa.
Juntando previamente cópia das alegações já apresentadas, do despacho de admissão e do termo respectivo aquando o envio ao Tribunal da Relação.
*
REFª: 48746423: oportunamente, e após tramitação do recurso, ao Ministério Público”.
 
7. No recurso interposto pela requerente do despacho proferido em 15-01-2024, foram apresentadas as seguintes conclusões:
“i) O presente recurso tem por objecto o douto despacho de 15/1/2024.
ii) Dessa decisão resulta que foi indeferida a arguição da nulidade do documento junto aos autos pelo Sr. Administrador de Insolvência em 20/12/2022, no sentido de o mesmo não reunir os requisitos a que alude o art.º 155º CIRE.
iii) Como a Requerente tem vindo sistematicamente a invocar nos autos o Sr. AI no requerimento de 20/12/2022, refere apenas manter a posição assumida no relatório de 9/5/2022.
iv) O documento junto aos autos pelo Exmo. Sr. AI em 20/12/2022 não preenche nenhum dos elementos a que alude o art.º 155º CIRE, designadamente não tem a análise dos elementos incluídos no documento referido na alínea c) do n.º 1 do artigo 24.º CIRE, a análise do estado da contabilidade do devedor e a sua opinião sobre os documentos de prestação de contas e de informação financeira juntos aos autos pelo devedor, a indicação das perspectivas de manutenção da empresa do devedor, no todo ou em parte, da conveniência de se aprovar um plano de insolvência, e das consequências decorrentes para os credores nos diversos cenários figuráveis, também não foram anexados o inventário e a lista provisória de credores.
v) Esse requerimento não pode ser considerado o relatório a que alude o art.º 155º CIRE, pelo que, ao não entender desse modo, cometeu o Tribunal nulidade nos termos desse mesmo preceito.
vi) Logo na petição inicial destes autos a Requerente requereu a abertura do incidente de qualificação de insolvência por apenso, o que fez por antecipação também em vários outros requerimentos:
a. A Requerente requereu a abertura do incidente de qualificação de insolvência.
b. Requereu que o mesmo corresse termos por apenso.
c. Encontra-se junto aos autos comprovativo de pagamento de taxa de justiça bastante para impulsionar o incidente de qualificação de insolvência – pois que foi paga taxa de justiça com o requerimento de interposição de recurso de 16/1/2023, recurso esse cujo conhecimento e instância foi prejudicado com a prolação do despacho de 26/4/2023.
vii) Ainda que assim não fosse, caso não tivesse sido requerido que o incidente de qualificação de insolvência fosse tramitado por apenso, face ao requerimento da Requerente no sentido da sua abertura, e tendo presente o art.º 6º CPC, sempre teria o Tribunal de determinar que o requerimento fosse tramitado por apenso.
viii) Se o Tribunal “a quo” entendesse que tal requerimento era deficiente, sempre deveria ter convidado a A a oferecer articulado aperfeiçoado – cfr art.º 3º CPC.
ix) Caso não tivesse sido paga a taxa de justiça devida, sempre o Tribunal deveria ter dado cumprimento ao disposto no art.º 570º, n.º 3 CPC, o que não sucedeu.
x) Assim, ao não admitir a abertura do incidente de qualificação de insolvência cujo requerimento foi muito anterior ao do prazo a que alude o art.º 188º, n.º 1 CIRE, violou o Tribunal “a quo” o preceituado nesse art.º 188º CIRE, nulidade que expressamente se invocou nos autos.
xi) A decisão recorrida violou o disposto nos arts 155º, 186º, 188º CIRE, 3º, 6º e 570º, n.º 3 CPC, devendo ser revogada e substituída por outra que:
a. determine ao Sr. Administrador de Insolvência que junte aos autos o relatório a que alude o art.º 155º CIRE;
b. Declare aberto o incidente de qualificação de insolvência,
Assim se fazendo a costumada,
JUSTIÇA!”

E foi apresentada, pela requerida, resposta, terminando o articulado como segue:
“E nos do mui Douto e sempre invocado suprimento de V. Exas., deverá ser fixado ao presente Recurso de Apelação efeito meramente devolutivo, e ser o mesmo julgado totalmente improcedente confirmando-se, o douto despacho recorrido, com todas as demais consequências legais, no que farão V.Exas., Venerandos Juízes Desembargadores, a vossa habitual JUSTIÇA!” [ [7] ]
           
8. No recurso interposto pela requerente do despacho proferido em 18-03-2024, foram formuladas as seguintes conclusões:
“i) O presente recurso tem por objecto o douto despacho de 18/3/2024.
ii) Dessa decisão resulta que foi indeferida a arguição da nulidade do documento junto aos autos pelo Sr. Administrador de Insolvência em 20/12/2022, no sentido de o mesmo não reunir os requisitos a que alude o art.º 155º CIRE.
iii) Como a Requerente tem vindo sistematicamente a invocar nos autos o Sr. AI no requerimento de 20/12/2022, refere apenas manter a posição assumida no relatório de 9/5/2022.
iv) O documento junto aos autos pelo Exmo. Sr. AI em 20/12/2022 não preenche nenhum dos elementos a que alude o art.º 155º CIRE, designadamente não tem a análise dos elementos incluídos no documento referido na alínea c) do n.º 1 do artigo 24.º CIRE, a análise do estado da contabilidade do devedor e a sua opinião sobre os documentos de prestação de contas e de informação financeira juntos aos autos pelo devedor, a indicação das perspectivas de manutenção da empresa do devedor, no todo ou em parte, da conveniência de se aprovar um plano de insolvência, e das consequências decorrentes para os credores nos diversos cenários figuráveis, também não foram anexados o inventário e a lista provisória de credores.
v) Esse requerimento não pode ser considerado o relatório a que alude o art.º 155º CIRE, pelo que, ao não entender desse modo, cometeu o Tribunal nulidade nos termos desse mesmo preceito.
vi) Logo na petição inicial destes autos a Requerente requereu a abertura do incidente de qualificação de insolvência por apenso, o que fez por antecipação também em vários outros requerimentos:
a. A Requerente requereu a abertura do incidente de qualificação de insolvência.
b. Requereu que o mesmo corresse termos por apenso.
c. Encontra-se junto aos autos comprovativo de pagamento de taxa de justiça bastante para impulsionar o incidente de qualificação de insolvência – pois que foi paga taxa de justiça com o requerimento de interposição de recurso de 16/1/2023, recurso esse cujo conhecimento e instância foi prejudicado com a prolação do despacho de 26/4/2023.
vii) Ainda que assim não fosse, caso não tivesse sido requerido que o incidente de qualificação de insolvência fosse tramitado por apenso, face ao requerimento da Requerente no sentido da sua abertura, e tendo presente o art.º 6º CPC, sempre teria o Tribunal de determinar que o requerimento fosse tramitado por apenso.
viii) Se o Tribunal “a quo” entendesse que tal requerimento era deficiente, sempre deveria ter convidado a A a oferecer articulado aperfeiçoado – cfr art.º 3º CPC.
ix) Caso não tivesse sido paga a taxa de justiça devida, sempre o Tribunal deveria ter dado cumprimento ao disposto no art.º 570º, n.º 3 CPC, o que não sucedeu.
x) Assim, ao não admitir a abertura do incidente de qualificação de insolvência cujo requerimento foi muito anterior ao do prazo a que alude o art.º 188º, n.º 1 CIRE, violou o Tribunal “a quo” o preceituado nesse art.º 188º CIRE, nulidade que expressamente se invocou nos autos.
xi) Nos autos a Recorrente procedeu ao depósito à ordem do tribunal do montante determinado pelo juiz segundo o que razoavelmente entendeu necessário para garantir o pagamento das custas do processo e restantes dívidas da massa insolvente.
xii) Assim, nunca os presentes autos podem ser encerrados com o referido fundamento, muito menos quando foi requerido desde o início dos autos que tivesse lugar incidente de qualificação de insolvência.
xiii) A decisão recorrida violou o disposto nos arts 155º, 186º, 188º e 232º CIRE, 3º, 6º e 570º, n.º 3 CPC, devendo ser revogada e substituída por outra que:
a. determine ao Sr. Administrador de Insolvência que junte aos autos o relatório a que alude o art.º 155º CIRE;
b. Declare aberto o incidente de qualificação de insolvência,
c. Determine o prosseguimento dos autos.
 Assim se fazendo a costumada,
 JUSTIÇA!”

E foi apresentada, pela requerida, resposta, com o seguinte teor:
“(…) Requerida, nos autos à margem identificados, notificada da interposição de mais um Recurso, apresentado pela Requerente SYSTEMAIR, S.A., no dia 27/03/2024, na sequência do douto despacho proferido no dia 18/03/2024, vem, ao abrigo do disposto no art.º 3º/3 do CPC ex vi art.º 17º do CIRE, dizer o seguinte:
1. A Recorrente Systemair, S.A. reagiu ao douto despacho proferido anteriormente pelo Tribunal " a quo", no dia 15/01/2024, quer através de requerimento que juntou aos autos no dia 29/01/2024, quer através da interposição de recurso que interpôs, no dia 02/02/2024.
2. Se atentarmos no teor do requerimento junto aos autos, no dia 29/01/2024 e ao teor do recurso interposto, no dia 02/02/2024 pela Requerente, constata-se que as nulidades alegadas no requerimento foram também invocadas no recurso, tratando-se de uma REPETIÇÃO, pelo que, bem andou o douto despacho proferido no dia 18/03/2024, quando, POR UM LADO decidiu "não se conhece da apontada arguição, que consiste de reclamação de nulidade ao conhecimento de nulidade que também apontou, firmando-se, porém, e desde já que nulidade alguma se vislumbra." e POR OUTRO após se pronunciar sobre as nulidades invocadas nas Alegações de Recurso que manifestamente não se verificam decidiu "De todo o modo o Tribunal de recurso decidirá: Admito o recurso do despacho de 15-1-2024. E de apelação. Sobe nos autos. Com efeito devolutivo. Subam os autos ao Tribunal da Relação de Lisboa. "
3. E, assim, FALSO que o Tribunal "a quo" no douto despacho proferido no dia 18/03/2024, tenha como alega a Requerente ao interpor recurso expressamente indeferiu a arguição da nulidade do relatório junto aos autos pelo Sr. Administrador de Insolvência e indeferiu a abertura do incidente de qualificação de insolvência. . . " uma vez que já existe um recurso pendente onde aquelas matérias irão ser apreciadas superiormente, devendo ser INDEFERIDO o recurso interposto do douto despacho proferido no dia 18/03/2024 e, consequentemente, toda a matéria alegada até ao ponto 12 das Alegações de Recurso que, mais não são do que uma CÓPIA das Alegações de Recurso anteriormente apresentadas, pela Requerente, no dia 02/02/2024 e que se encontram para apreciação, no Tribunal Superior.
4. Nas alegações de Recurso no ponto 13 e seguintes diz a Requerente Systemair, S.A. que: “Por outro lado, o Tribunal decidiu pelo encerramento dos autos por insuficiência da massa quando ainda estava e está pendente recurso atinente ao incidente de qualificação da insolvência.”
Ora, sempre se dirá que,
5. Não existe qualquer recurso pendente “atinente ao incidente de qualificação da insolvência. que nunca foi, sequer, requerido, tal como vem, aliás, expressamente referido no douto despacho proferido no dia 18/03/2024, como a Requerente muito bem sabe”.

Cumpre apreciar.

II. FUNDAMENTOS DE FACTO
Relevam as vicissitudes processuais supra relatadas e ainda as que a seguir se indicam:
9. Na sequência do despacho de 03-06-2022, pelo qual o tribunal determinou “a notificação da devedora e dos credores identificados nos autos por via postal, e por anúncio no Portal Citius respectivamente, para, querendo, em 10 dias, se pronunciarem quanto ao inevitável encerramento do processo por insuficiência da massa insolvente, nos termos do art.º 232 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas , advertindo que, caso o entendam, deverão no mesmo prazo requerer a fixação do montante razoavelmente necessário para garantir o pagamento das custas do processo e dívidas da massa insolvente, para os efeitos previstos na parte final do n.º 2 do art.º 232.º do CIRE”, veio a apelante indicar, por requerimento de 07-06-2022 que:
“(…) não se opõe ao encerramento dos autos por insuficiência da massa na seguinte condição:
i)Caso tal suceda antes do relatório a que alude o art.º 155.º CIRE se mostrar concluído – porquanto o Exmo. Sr. AI invocou necessitar de esclarecimentos e documentos para ultimar tal relatório, sendo que a Requerente entende que deverá ter lugar incidente de qualificação de insolvência com carácter pleno, responsabilizando os administradores da insolvente – e no caso de se entender que este já não seria junto aos autos e concluído;
ii) No caso de se entender de forma diferente, a Requerente propõe-se depositar à ordem do tribunal o montante que vier a ser determinado pelo Tribunal segundo o que razoavelmente entenda necessário para garantir o pagamento das custas do processo e restantes dívidas das massa insolvente, nos termos do art.º 232.º , n.º 2 CIRE”.

10. Proferido o despacho de 28-06-2022 (“Req de 7-6 da requerente: na senda do despacho de 3-6, proceda a Secção ao cálculo das custas prováveis incluindo as despesas da massa, e de seguida, notifique a Requerente para pagamento em 5 dias, caso pretenda que os autos prossigam como demonstra em pretensão. //Caso contrário, os autos serão encerrados conforme 1.ª parte do aludido despacho”) a secção procedeu ao “[c]álculo de custas prováveis” em 05-07-2022, fixando o valor de 3.367,00€, valor que a requerente pagou, conforme comprovativo que fez juntar ao processo em 13-07-2022 [ [8] ], sem nada requerer a esse propósito.

11. Em 19-09-2022 foi proferido despacho com o seguinte teor:
(Referência: 418657648)
 “REFª: 42863023: vi depósito de custas prováveis.
Prosseguem os autos mormente para efeitos de apuramento da qualificação –não limitada- caso venha a ser requerida nos moldes legais - nos termos do art.º 188 do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas.
*
Relativamente ao entendimento da Requerente da insolvência, Systemair, SA expresso no req. de 7-6, decorre dos autos que em 9-5 passado o Sr. Administrador de Insolvência veio prestar informação aos autos tendo por base os esclarecimentos fornecidos pelo Devedor. Mostra-se assim por completar o propósito que é assumido a final do relatório elaborado nos termos do art.º 155 do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (enviado em 4-5).
Notifique pois o Sr. Administrador de Insolvência para, em 5 dias, completar o relatório e proceder em conformidade extraindo as devidas conclusões.
Req de 8-6 e 30-8 do Sr. Administrador de Insolvência:
Uma vez que os autos não foram encerrados por insuficiência da massa o pagamento da remuneração e despesas não opera pelo IGEFEJ- art.º 30 do Estatuto do Administrador Judicial a contrario senso.
Relativamente às solicitadas despesas as mesmas carecem de justificação – vide art.º 29/8 e 9 do Estatuto do Administrador Judicial na redacção dada pela Lei 9/2022 de 11-1 entretanto vigente”.

12. Em 9-01-2023 foi proferido despacho com o seguinte teor:
(Referência: 421756263)
“REFª: 44207438. Nos autos.
Não compete ao Tribunal que determinou a aplicação da multa retirar a mesma desde logo por se ter extinto o poder jurisdicional quanto à questão nos termos do art.º 613/1 do Código de Processo Civil. Coisa distinta é a não execução da mesma o que depende da entidade que efectua a cobrança.  
Efectuados os esclarecimentos, e nada mais tendo sido requerido, profere-se despacho como segue:
 Pondera-se o encerramento do processo nos termos do art.º 232/1 do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas com fundamento na al. d) do n.º 1 do art.º 230 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, ou seja, por falta de património da massa insolvente suficiente para a satisfação das custas do processo e restantes dividas da massa insolvente.
Foram ouvidos os credores que reclamaram créditos e a devedora, não tendo sido deduzida oposição ao encerramento do processo.
O único credor da massa insolvente conhecido é, neste momento, o Sr. Administrador da Insolvência- art.º 51 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa.
*
Não foi requerido, por qualquer interessado, o depósito referido no nº2 do art.º 232.
Pelo exposto:
1 – Declaro encerrado, por insuficiência da massa insolvente, o presente processo no qual foi declarada a insolvência de Cotarco - Comércio Internacional Ldª identificada nos autos os termos do disposto nos arts.
230/1/d) e 232/2 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa.
2 – Advirta-se o Sr. Administrador do disposto no nº 4 do art.º 232.
3 – Cessam todos os efeitos estritamente decorrentes da declaração de insolvência, designadamente recuperando a devedora o direito de disposição dos seus bens.
4 – Cessam as atribuições do Sr. Administrador, excepto as relativas à apresentação de contas, no caso não aplicável– art.º 233/1/b) do CIRE.
5 – Todos os credores da insolvência podem exercer os seus direitos contra o devedor, no caso, sem qualquer restrição – art.º 233/1/ c).
6 – Os credores da massa insolvente podem reclamar da devedora os seus direitos não satisfeitos – art.º 233/1/d).
7– Transitado o presente despacho, abra conclusão nos apensos de verificação e graduação de créditos, nos termos e para os efeitos previstos no art.º 233/2/al. b) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa”.
 
13. Não se conformando com o despacho proferido em 09-01-2023, a requerente interpôs recurso de apelação, apresentando alegações, com conclusões, peticionando a revogação da decisão de encerramento do processo de insolvência, na sequência do que foi proferido, em 26-04-2023 despacho com o seguinte teor:
“Req. do Sr. Administrador de Insolvência de 11-1-2023: visto.
*
REFª: 44406260- da arguida nulidade a conhecer previamente às alegações de recurso:
- notifique a Requerente para esclarecer de que forma pretende que os autos prossigam dado o teor das informações do SR. Administrador de Insolvência, em 10 dias;
- e após, notifique Administrador de Insolvência e credores para se pronunciar, querendo em 10 dias.
Consigna-se que por requerimento de 13-7-2022 foi apenas junto um comprovativo de liquidação desacompanhado de qualquer requerimento com a pretensão concretizada de prosseguir os autos.
E que nos autos foi proferido, em momento anterior, o seguinte: “Req de 7-6 da requerente: na senda do despacho de 3-6, proceda a Secção ao cálculo das custas prováveis incluindo as despesas da massa, e de seguida, notifique a Requerente para pagamento em 5 dias, caso pretenda que os autos prossigam como demonstra em pretensão.
Caso contrário, os autos serão encerrados conforme 1.ª parte do aludido despacho”.
Despacho notificado à requerente por comunicação de 12-05-2023.

14. Em 15-05-2023 a requerente apresenta requerimento em que concluiu como segue:
“17 –Por tudo o exposto, notificada para se pronunciar sobre a forma como pretende que os autos prossigam, esclarece a A que pretende que os autos sigam a tramitação legalmente prevista, ou seja:
 a) Seja o Exmo. Sr. AI notificado para juntar aos autos o relatório a que alude o art.º 155º CIRE;
 b) Que, após a junção aos autos do aludido relatório, com cópia da pi destes autos, na qual a A pugnou pela qualificação da insolvência como culposa, cumprindo os requisitos a que alude o artigo 188.º, n.º 1 CIRE, do presente requerimento, e ainda com o requerimento que vier a ser formulado ainda pela A, se declare aberto o incidente de qualificação da insolvência, nos 10 dias subsequentes.
 c) Reitera-se o alegado já na pi destes autos, designadamente: (…)”.

15. Em 04-07-2023 foi proferido despacho com o seguinte teor:
(Referência: 427167572)
 “REFª: 44406260- foi suscitada pelo credor a nulidade a conhecer previamente às alegações de recurso. Pronunciaram-se ainda aquele, os credores e após o Sr. Administrador de Insolvência e credores para se pronunciar, querendo em 10 dias.
Resulta dos autos que:
Com o requerimento de 13-7-2022 foi apenas junto um comprovativo de liquidação desacompanhado de qualquer requerimento com a pretensão concretizada de prosseguir os autos.
Nos autos havia sido proferido, em momento anterior, o seguinte despacho: “Req de 7-6 da requerente: na senda do despacho de 3-6, proceda a Secção ao cálculo das custas prováveis incluindo as despesas da massa, e de seguida, notifique a Requerente para pagamento em 5 dias, caso pretenda que os autos prossigam como demonstra em pretensão.
Caso contrário, os autos serão encerrados conforme 1.ª parte do aludido despacho”.
A Requerente depositou o valor das custas prováveis, com requerimento de 13/7/2021, REFª: 42863023, tendo procedido ao pagamento das custas prováveis que lhe haviam sido notificadas no cálculo de custas prováveis de 5/7/2021.
A Requerente opôs-se a que fosse proferida decisão de encerramento do processo por insuficiência da massa também por requerimento de 7/6/2022 REFª: 42515227.
O que foi deferido por despacho de 28/6/2022, Referência: 416963394.
Conforme comprovado pelo SR. Administrador de Insolvência o relatório foi notificado ao aludido credor por email.
Apreciando:
Resulta do disposto no art.º 120 do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas que só podem ser resolvidos negócios ou transacções nos dois anos anteriores à data de início do processo de insolvência.
No que tange ao incidente de qualificação foi julgada fortuita, visto o disposto no art.º 233/6 do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas sendo que por requerimento de 20-12-2022 o Sr. Administrador de Insolvência obteve resposta da Insolvente.
Contudo, assiste razão ao credor Systemair, SA, no que tange ao processado dado que tendo pago o valor de custas prováveis os autos terão de prosseguir.
Pelo que procede a arguida nulidade, nos termos do art.º 195/1 do Código de Processo Civil, podendo derivar da mesma influência na decisão da causa.
Em consequência, dou sem efeito o teor da decisão de encerramento nos autos lavrada a 9-1-2023 e actos subsequentes nos termos do n.º 2 do art.º 195 do Código de Processo Civil.   
*
REFª: 44406260: prejudicado assim o requerimento para interposição de recurso.
*
Notifique, sendo o Credor requerente para o que lhe aprouver nos autos, no que tange ao respectivo prosseguimento dada a apurada insuficiência da massa.
 Em 10 dias”.

16. No apenso C (Reclamação de créditos), o AI apresentou em 10-05-2022 a “relação definitiva de créditos reconhecidos e reclamados”, indicando o valor global dos créditos pelo montante de 1.178.246,74€, não constando dessa lista a indicação de qualquer crédito da titularidade de entidades públicas; em 20-05-2022, foram apresentadas impugnações à lista, pela devedora e pelo sócio-gerente da devedora, AP, arrolando prova (documental e pessoal).

III. FUNDAMENTOS DE DIREITO
1. Sendo o objeto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela apelante e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – arts. 635.º e 639.º do CPC – salientando-se, no entanto, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito – art.º 5.º, nº3 do mesmo diploma.
No caso e ao contrário do que uma análise de primeira aparência deixaria antever, está em causa a apreciação de dois recursos interpostos pela requerente do processo de insolvência, sendo que os despachos de admissão dos recursos, proferidos em datas diferentes são, em boa parte, contraditórios entre si, não se vendo como pode a Juiz:
- Proferir, em 18-03-2024, despacho de admissão do (primeiro) recurso interposto (em 07-02-2024), incidindo o sobre o despacho de 15-01-2024, indicando que o mesmo “[é] de apelação. Sobre nos autos. Com efeito devolutivo”, chegando a determinar que “[s]ubam os autos ao Tribunal da Relação de Lisboa”, o que obviamente implicava a imediata remessa do processo principal a esta Relação;
- E, aceitando que a secção não desse imediato cumprimento ao despacho, permitir afinal a continuação da tramitação do processo principal, de sorte que foi interposto o (segundo) recurso (em 27-03-2024) admitido por despacho de 17-10-2024, indicando-se que o recurso “sobe nos autos, de imediato, e com efeito meramente devolutivo – art.º 14/6 do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas”.
Pese embora esta incorreta tramitação dos recursos pelo tribunal de 1ª instância, de que a apelante deu nota no requerimento de 13-10-2024 – (“(…) vem requerer a V. Exª se digne ordenar a subida do recurso já admitido e admitir o último recurso interposto” (destaques do texto) –, tendo em conta, nomeadamente, o disposto no art.º 14.º, n.ºs 5 e 6 do CIRE, diploma a que aludiremos quando não se fizer menção de origem, considerando que o processo principal foi remetido a esta Relação, na sequência da decisão proferida em 18-03-2024 que declarou o encerramento do processo de insolvência, devem ser apreciados os dois recursos, pela mesma ratio que preside à determinação que consta do art.º 645.º, n.º 3 do CPC, mostrando-se, pois, prejudicada a apreciação da correção do modo de subida indicado pela 1ª instância relativamente ao primeiro recurso interposto.
Refira-se que, em larga medida, a apelante repete em ambos os recursos a mesma argumentação, como resulta do mero confronto das conclusões que apresentou, o que também é propiciado pelo teor da fundamentação expressa nos despachos, justificando apreciação conjunta.
Assim sendo, impõe-se apreciar das seguintes questões:
- Se o tribunal deve proferir despacho em ordem a determinar que o administrador da insolvência “junte aos autos o relatório a que alude o art.º 155º CIRE”;
- Se o tribunal deve proferir despacho declarando “aberto o incidente de qualificação de insolvência”;
- Se deve determinar-se o prosseguimento dos autos ao invés do encerramento do processo de insolvência.

3. O relatório que o AI deve apresentar nos termos do art.º 155.º, deve conter:
- A análise dos elementos incluídos no documento referido na alínea c) do n.º 1 do artigo 24.º; donde, essa análise só se justifica quando tenha sido o próprio devedor a apresentar-se à insolvência, devendo, nesse caso, com a petição inicial, juntar “[d]ocumento em que se explicita a actividade ou actividades a que se tenha dedicado nos últimos três anos e os estabelecimentos de que seja titular, bem como o que entenda serem as causas da situação em que se encontra” – alínea a);
- A análise do estado da contabilidade do devedor e a sua opinião sobre os documentos de prestação de contas e de informação financeira juntos aos autos pelo devedor – alínea b);
- A indicação das perspetivas de manutenção da empresa do devedor, no todo ou em parte, da conveniência de se aprovar um plano de insolvência, e das consequências decorrentes para os credores nos diversos cenários figuráveis – alínea c);
- Sempre que se lhe afigure conveniente a aprovação de um plano de insolvência, a remuneração que se propõe auferir pela elaboração do mesmo – alínea d);
- Todos os elementos que no seu entender possam ser importantes para a tramitação ulterior do processo – alínea e).
Por último, nos termos do número 2 do art.º 155.º ao relatório são anexados o inventário e a lista provisória de credores.
O relatório deve ser apresentado, pelo menos, no prazo de oito dias antes da data designada para a assembleia de credores prevista no art.º 72.º, (n.º 3.º do art.º 155.º); não tendo sido designada Assembleia de Credores, como aqui aconteceu, o relatório deve ser apresentado no prazo fixado pelo juiz aquando da prolação da sentença que declarou a insolvência (cfr. o art.º 36.º, n.º 1, alínea n) e n.ºs 2 a 5).
No caso, esse prazo foi fixado pelo juiz em 60 dias, prazo que foi cumprido pelo AI, uma vez que apresentou o relatório em 04-05-2022, sendo que a requerente não podia ignorar o prazo fixado ao AI, uma vez que foi notificada, como o AI e na mesma data (23-03-2022), da sentença proferida e, no mais, incumbe-lhe o ónus de consulta do processo para se inteirar da respetiva tramitação. Em sede de insolvência e em diversas fases do processo, o legislador prevê um sistema de prazos sucessivos e concatenados, em que o início do prazo seguinte tem lugar logo após o termo do prazo que o precede, dispensando a notificação dos atos respetivos e impondo aos intervenientes processuais o ónus de consulta do processo em ordem a inteirarem-se do conteúdo dos referidos atos processuais. No entanto, como a jurisprudência tem vindo a assinalar, esse específico regime só funciona e pode ser aplicado, dispensando, pois, a notificação do ato, no pressuposto de que o início do primeiro prazo corresponde a um momento certo – por isso mesmo cognoscível pelos demais intervenientes processuais que, assim, podem razoavelmente prever o termo inicial do computo do prazo seguinte – e que o interveniente praticou o ato em tempo devido. No caso, como se referiu, tendo o AI entregue o relatório no prazo fixado pelo juiz, não carecia o mesmo de ser notificado aos demais intervenientes. Acrescente-se que, mesmo que assim se não entendesse, a irregularidade sempre se mostraria sanada, como a seguir melhor se verá.
No mais, basta atentar no conteúdo do relatório apresentado e a que supra se aludiu, em súmula   [ [9] ] para concluir que esse relatório dá satisfação ao comando do art.º 155.º, apreciando aliás dos aspetos mais relevantes para o desenrolar subsequente do processo.
É certo que o AI remeteu para momento posterior a sua pronúncia quanto à qualificação da insolvência (fortuita/culposa), mas não só esse elemento não é um elemento que obrigatoriamente tenha de constar do relatório em causa [ [10] ] como, no caso, posteriormente, em 20-12-2022, o AI veio expressar a sua posição, concluindo pelo caráter fortuito da insolvência.
Não resulta dos autos que a requerente tenha sido notificada da apresentação desse requerimento de 20-12-2022, mas, posteriormente, a requerente veio sucessivamente a intervir nos autos e foi notificada de outros atos processuais subsequentes, donde, necessariamente, se conclui que podia/devia ter tido conhecimento dessa posição se tivesse agido com a diligência devida e ponderando alguns dos requerimentos que vem apresentando no processo.
Assim, posteriormente à intervenção do AI (04-05-2022/ 09-05-2022/ 20-12-2022) a primeira intervenção da requerente foi, desde logo, em 16-01-2023, para interpor recurso do despacho proferido em 09-01-2023 (notificado a 10-01-2023). Ora, esse despacho inicia aludindo exatamente ao requerimento do AI de 20-12-2022, indicando a respetiva referência (44207438) e aludindo expressamente aos “esclarecimentos” prestados – cfr. o que se deu nota supra, sob os números 3 e 12. Donde, mesmo admitindo a prática de qualquer irregularidade proveniente da omissão de notificação, teve necessariamente a requerente conhecimento dessa omissão ou podia ter tido se usasse da diligência devida (art.º 199.º, n.º1 do CPC), aquando da notificação desse despacho. No recurso interposto (cfr. o que se referiu sob número 13) a requerente limita-se a questionar essa decisão de encerramento do processo, arguindo a nulidade da mesma, nos temos constantes das alegações de recurso. O requerimento seguinte que a requerente apresenta é o requerimento de 15-05-2022 e só nesse requerimento e nessa data (ou seja, decorrido quase um ano depois da apresentação do relatório a que alude o art.º 155.º e cerca de quatro meses depois da notificação do despacho de 09-01-2023) é que a requerente vem aludir ao requerimento do AI de 20-12-2022 e às matérias relacionadas com a apresentação do relatório (cfr. o seu teor, expresso, em parte, sob o número 4).
Concluindo, a irregularidade praticada mostrava-se sanada, juízo que igualmente se aplica à falta de notificação do relatório a que alude o art.º 155.º para o caso de se entender como necessária essa notificação, matéria a que já se aludiu.
Saliente-se que a apelante alude, nas alegações de recurso, insistentemente, “ao documento junto aos autos pelo Sr. Administrador de Insolvência em 20/12/2022, no sentido de o mesmo não reunir os requisitos a que alude o art.º 155º CIRE e que padece de “nulidade” (conclusão ii) e cfr. ainda as conclusões iii) a v) alusivas ao recurso do despacho de 15-01-2024) olvidando que, como expressamente referido na decisão recorrida, o relatório a que alude o art.º 155.º foi apresentado em 04-05-2022 e que os requerimentos subsequentes de 09-05-2022 e de 20-12-2022 são meros complementos/esclarecimentos daquele.
Não tem, pois, qualquer cabimento, proferir determinação ao AI com vista a que apresente relatório que já consta dos autos, com o argumento, avançado pela apelante, de que o AI omitiu prestar todas as informações devidas. Mesmo que assim fosse, nada obsta a que o AI complemente o relatório com esclarecimentos posteriores – como no caso até aconteceu –, mas não tem qualquer fundamento, em face do teor do relatório apresentado em 04-05-2022, entender pura e simplesmente que o AI está em falta com a apresentação do relatório a que alude o art.º 155.º. Acresce que a cominação da “nulidade” está apenas tipificada para as situações a que aludem os arts. 186.º a 202.º (“nulidades dos atos”) e 615.º (“nulidade da sentença”), não sendo aplicável a uma peça processual apresentada pelo administrador da insolvência.
Em suma, o despacho para o AI apresentar o relatório a que alude o art.º 155.º já foi proferido aquando da prolação da sentença que declarou a insolvência e foi cumprido pelo AI, no prazo fixado, pelo que não deve o tribunal repetir o mesmo despacho. O que a requerente pretende é, artificiosamente, tentar prevalecer-se de um prazo que sabe há muito mostrar-se esgotado, por facto que lhe é exclusivamente imputável, a saber, o prazo fixado no art.º 188.º, n.º 1, para os interessados deduzirem incidente com vista à qualificação da insolvência como culposa, matéria que passamos a analisar e que se prende com a segunda questão suscitada pela apelante.
Improcedem, pois, as conclusões de recurso (cfr. as conclusões i) a v) alusivas ao recurso do despacho proferido em 15-01-2024 e conclusões ii) a v) alusivas ao recurso do despacho proferido em 18-03-2024).

3. Do regime fixado no CIRE decorre que o legislador fixou expressamente quais os intervenientes processuais a quem confere o poder/dever, em alguns casos, e a faculdade, noutros, para aferir se a insolvência do devedor deve ser qualificada como fortuita ou como culposa e, concluindo-se neste último sentido, qual a tramitação do respetivo processo.
Assim:
- O juiz deve, no exercício das suas funções, declarar aberto o incidente de qualificação se considerar que se mostram indiciados factos suscetíveis de fundar a qualificação, podendo o despacho ser proferido aquando da prolação da sentença de declaração de insolvência, “caso disponha de elementos que justifiquem a abertura do incidente de qualificação” (art.º 36.º, n.º 1, alínea i) ou ainda no âmbito de incidente já deduzido por qualquer interessado, nos termos do art.º 188.º, n.º1, parte final, “cabendo ao juiz conhecer dos factos alegados e, se o considerar oportuno, declarar aberto o incidente, sendo que o despacho que declara a abertura do incidente é irrecorrível (número 5 do mesmo preceito).
- O administrador da insolvência, no exercício das suas funções (cfr. o art.º 55.º) perspetivadas, em última ratio, em função da finalidade do processo de insolvência (art.º 3.º, n.º1), tem o dever de emitir pronúncia sobre a qualificação da insolvência, seja ab inicio, impulsionando o processo e propondo a qualificação da insolvência como culposa, seja em fase posterior, neste caso pela emissão de parecer sobre o incidente apresentado por outrem, sendo essa a tramitação que resulta do disposto nos números 1 e 6 do art.º 188.º [ [11] ].
- Qualquer “interessado”, entendendo-se que assume esse estatuto, nomeadamente, aquele que se arroga a titularidade de um direito de crédito sobre a devedora, “pode alegar, fundamentadamente, por escrito, em requerimento autuado por apenso, o que tiver por conveniente para efeito da qualificação da insolvência como culposa e indicar as pessoas que devem ser afetadas por tal qualificação”.
O incidente em causa corre por apenso ao processo (principal) de insolvência conforme expressamente determinado no número 1 do art.º 188.º e o requerimento deve ser apresentado “no prazo perentório de 15 dias após a assembleia de apreciação do relatório ou, no caso de dispensa da realização desta, após a junção aos autos do relatório a que se refere o artigo 155.º”, sendo que, atualmente, com a redação dada ao referido preceito pela Lei n.º 9/2022, de 11-01, fixou-se definitivamente o entendimento que parte da jurisprudência e doutrina já vinham seguindo no sentido de que o prazo para o administrador da insolvência e/ou qualquer interessado apresentarem alegações, requerendo a qualificação da insolvência como culposa, não é meramente ordenador ou regulador, configurando, ao invés, um prazo de iniciativa processual, logo perentório; em qualquer dos casos estamos perante um prazo judicial, ao qual são aplicáveis as regras estabelecidas nos arts. 139º a 142º do CPC e não um prazo substantivo, de caducidade.
No caso, como resulta do processo, o tribunal não proferiu qualquer despacho a declarar aberto o incidente de qualificação da insolvência e o AI entendeu qualificar a insolvência como fortuita, nos moldes indicados supra, não deduzindo incidente de qualificação.
Sendo certo – e é esse o ponto –, que a requerente/apelante, que assume o estatuto de interessada, igualmente não o fez e estava na sua inteira disponibilidade a opção por essa via: “[a]o autor cabe solicitar a tutela jurisdicional, sem que o tribunal se lhe possa substituir neste impulso processual inicial” [ [12] ], ponderando o disposto no art.º 3.º, n.º 1 da lei processual civil, aplicável à insolvência nos termos do art.º 17.º, n.º 1.
Efetivamente, compulsando os presentes autos (principais) e os apensos respetivos – apenso A (recurso em separado, já decidido), apenso B (embargos à insolvência, objeto de indeferimento liminar, transitado), apenso C (reclamação de créditos) e apenso D (recurso em separado, já decidido) –, facilmente se conclui que a requerente não apresentou qualquer requerimento tendo em vista impulsionar o processo de qualificação da insolvência, a correr por apenso aos autos principais, o que implicava (i) a apresentação de petição inicial, em que deduz a respetiva pretensão de qualificação com indicação do(s) proposto(s) afetado(s) e (ii) a indicação da respetiva causa de pedir, ponderando o disposto no art.º 186.º, sendo aplicável, com adaptações, o disposto no art.º 552.º do CPC, nomeadamente o disposto nas alíneas d), e), e f) do número 1; por último, impunha-se o pagamento da respetiva taxa de justiça inicial (arts. 529.º nºs 1 e 2 e 530.º n.º 1 do CPC e art.º 7.º, n.º 4 e tabela II do RCP).
Objeta a apelante que “[l]ogo na petição inicial destes autos a Requerente requereu a abertura do incidente de qualificação de insolvência por apenso, o que fez por antecipação também em vários outros requerimentos: // a. A Requerente requereu a abertura do incidente de qualificação de insolvência. // b. Requereu que o mesmo corresse termos por apenso” (conclusão vi, alusiva ao recurso do despacho de 15-01-2024).
Trata-se afirmação que não tem correspondência com a realidade que o processo evidencia, como a leitura linear da petição inicial denuncia; a verdade é que no requerimento inicial apresentado e que deu início ao processo de insolvência é exatamente isso – que o tribunal “se digne declarar a insolvência da R Cotargo” – que a apelante requer, como expressamente consta da parte conclusiva desse requerimento.
É certo que, em momento anterior, alude a alguns artigos que regem o incidente de qualificação – cfr. o que indica nos números 1 a 7, inclusive, do requerimento, sob a epígrafe “[d]o direito”, a que supra se aludiu –, mas essa explanação, per se, é irrelevante, não configurando a formulação de qualquer pedido (alínea e) do número 1 do art.º 552.º do CPC), entendido, na sua vertente substantiva, pela indicação do efeito jurídico pretendido (art.º 581.º, n.º3 do CPC), a “concreta tutela jurisdicional pretendida” [ [13] ] [ [14] ] e que implicava a concreta demanda que o tribunal qualifique a insolvência como culposa, com afetação dos administradores/gerentes concretamente identificados pelo requerente.
Conclui ainda a apelante que se impunha que o tribunal tivesse usado dos poderes/deveres de gestão processual (art.º 6.º do CPC), determinando que “o requerimento fosse tramitado por apenso” (conclusão vii alusiva ao recurso do despacho de 15-01-2024) afirmação que não tem qualquer cabimento considerando que a petição inicial apresentada se reporta a um pedido de declaração de insolvência, não sendo processualmente admissível cumular, no mesmo procedimento, pedido de declaração de insolvência e pedido de qualificação da mesma como culposa, uma vez que obedecem a tramitação específica, não compatível (cfr. os arts. 555.º, n.º 1 e 37.º, n.º 1 do CPC), sendo que o pedido de qualificação pressupõe que já se mostre efetivada a declaração de insolvência, como resulta da concatenação dos arts. 36.º e 188.º.
Acresce que, e este é o ponto fundamental, sempre nos quedaríamos perante a completa ausência da formulação da causa de pedir pertinente ao incidente de qualificação, o que a apelante muito bem sabe, tanto assim que conclui ainda que “[s]e o Tribunal “a quo” entendesse que tal requerimento era deficiente, sempre deveria ter convidado a A a oferecer articulado aperfeiçoado – cfr art.º 3º CPC” (conclusão viii) alusiva ao recurso do despacho de 15-01-2024). Como é unanimemente entendido, a prolação de despacho convidando o demandante a aperfeiçoar o requerimento inicial (art.º 590.º, n.º2, alínea b) e n.ºs 3, 4 e 5 do CPC), é um despacho vinculado, que só deve ser proferido com vista a suprir deficiências ou incompletudes de que padeça esse requerimento – “insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto” , na terminologia legal – não servindo para possibilitar ao demandante suprir, por essa via, a falta de indicação do conjunto de factos (factos principais ou essenciais), com relevância jurídica, que integram a causa de pedir e que constituem o suporte da sua pretensão [ [15] ], sendo que a asserção vale quer nas situações de falta de causa de pedir (gerando a ineptidão do requerimento), quer nas situações de manifesta insuficiência desta (geradora de improcedência do pedido).
No caso, lendo a petição inicial, claramente se conclui pela completa ausência de factos que indiciem que estamos perante uma situação em que a insolvência foi causada ou agravada em consequência da atuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor ou dos seus administradores (art.º 186.º, n.º 1), situação que não pode ser ultrapassada por via da prolação de despacho de aperfeiçoamento, como a apelante pretende – cfr. o que supra se referiu sob o número 1. Salienta-se que o único circunstancialismo que, em abstrato, podia relevar em sede de qualificação é o que consta dos artigos 25.º a 27.º da petição inicial [ [16] ] alegação que, no entanto, não é acompanhada da articulação de quaisquer outros factos, mormente aqueles que importam à aferição da verificação do nexo causal que, como se sabe, no âmbito do disposto no art.º 186.º, n.º 3, alínea a) – único em que a requerente se situa [ [17] ] –, não se presume [ [18] ].
Por outro lado, se ponderarmos, não a petição inicial, mas os sucessivos requerimentos apresentados no processo pela requerente – cfr. alguns dos requerimentos aludidos sob o número 4 – chegamos à mesma conclusão, a saber, a absoluta ausência (ou a insuficiência manifesta), de alegação dos factos pertinentes à qualificação da insolvência como culposa, por violação do dever de apresentação à insolvência, considerando os pressupostos para essa qualificação, a que já aludimos.
Daí que sempre estivesse vedado ao tribunal, no âmbito dos deveres que sobre si impendem, o dever de gestão processual e de adequação formal (arts. 6.º e 547.º do CPC) proceder ao aproveitamento dos requerimentos (quer o inicial, quer os posteriores) apresentados pela requerente a este propósito.
Por último, a alegação da apelante de que “[e]ncontra-se junto aos autos comprovativo de pagamento de taxa de justiça bastante para impulsionar o incidente de qualificação de insolvência – pois que foi paga taxa de justiça com o requerimento de interposição de recurso de 16/1/2023, recurso esse cujo conhecimento e instância foi prejudicado com a prolação do despacho de 26/4/2023 (conclusão vi, c), é uma alegação temerária, que raia a má-fé. O que a apelante pretende é que o tribunal admita que uma taxa de justiça paga, como devido, pela interposição de um recurso, recurso que depois não teve seguimento – no contexto a que se aludiu supra sob os números 12 a 15, daí resultando que, basicamente, o tribunal deu sem efeito o seu despacho anterior, impugnado por recurso, que assim ficou prejudicado, no entendimento do tribunal, aceite pela requerente –, seja convertida ou canalizada, oficiosamente, porquanto a requerente nunca antes aludiu a isso, para o pagamento da taxa de justiça devida pela dedução de um incidente de qualificação que é apenas virtual porque a apelante nunca o concretizou, não ignorando a apelante que só a final, aquando da elaboração da conta de custas, é que essa contabilização deve ser feita, com devolução à parte do que esta houver pago em excesso, se for esse o caso (cfr. os arts. 29.º e 30.º do RCP).
Igualmente, no contexto dos autos e que se descreveu, carece de fundamento a alegação de que ix) Caso não tivesse sido paga a taxa de justiça devida, sempre o Tribunal deveria ter dado cumprimento ao disposto no art.º 570º, n.º 3 CPC, o que não sucedeu (conclusão ix alusiva ao recurso do despacho de 15-01-2024).
Em suma, o tribunal de primeira instância não tinha de admitir a abertura do incidente de qualificação de insolvência pela singela razão que a apelante não utilizou a faculdade que o legislador lhe confere, nos termos (quer de forma, quer de substância) e no tempo devidos, previstos no art.º 188.º – mostra-se largamente excedido o prazo de 15 dias fixado no número 1, independentemente da data que se pondere como termo inicial do cômputo do prazo (04-05-2022 ou 20-12-2022)–, não podendo agora imputar ao tribunal a prática de “nulidade”, nem ao administrador da insolvências falhas na elaboração do relatório a que alude o art.º 155.º, para assim colmatar uma omissão ou falta de impulso processual que é da própria apelante (conclusão x).
No contexto apontado, a pretensão recursiva formulada, no sentido de que se “[d]eclare aberto o incidente de qualificação de insolvência” não é admissível.
Improcedem, pois, as conclusões de recurso (cfr. as conclusões vi) a x) alusivas ao recurso do despacho proferido em 15-01-2024 e conclusões vi) a xii) alusivas ao recurso do despacho proferido em 18-03-2024).
 
4. Pretende ainda a apelante que o processo prossiga, opondo-se, pois, à decisão que determinou o encerramento dos autos de insolvência com fundamento na insuficiência de bens.
Nos termos do art.º 230.º, número 1, alínea d), prosseguindo o processo após a declaração de insolvência, o juiz declara o seu encerramento “[q]uando o administrador da insolvência constate a insuficiência da massa insolvente para satisfazer as custas do processo e as restantes dívidas da massa insolvente”.
O art.º 232.º (“[e]ncerramento por insuficiência da massa insolvente”, dispõe:
1 - Verificando que a massa insolvente é insuficiente para a satisfação das custas do processo e das restantes dívidas da massa insolvente, o administrador da insolvência dá conhecimento do facto ao juiz, podendo este conhecer oficiosamente do mesmo.
2 - Ouvidos o devedor, a assembleia de credores e os credores da massa insolvente, o juiz declara encerrado o processo, salvo se algum interessado depositar à ordem do tribunal o montante determinado pelo juiz segundo o que razoavelmente entenda necessário para garantir o pagamento das custas do processo e restantes dívidas da massa insolvente.
3 - A secretaria do tribunal, quando o processo for remetido à conta e em seguida a esta, distribui as importâncias em dinheiro existentes na massa insolvente, depois de pagas as custas, pelos credores da massa insolvente, na proporção dos seus créditos.
4 - Depois de verificada a insuficiência da massa, é lícito ao administrador da insolvência interromper de imediato a respectiva liquidação.
5 - Encerrado o processo de insolvência por insuficiência da massa, nos casos em que tenha sido aberto incidente de qualificação da insolvência e se o mesmo ainda não estiver findo, este prossegue os seus termos como incidente limitado.
6 - O disposto nos números anteriores não é aplicável na hipótese de o devedor beneficiar do diferimento do pagamento das custas, nos termos do n.º 1 do artigo 248.º, durante a vigência do benefício.
7 - Presume-se a insuficiência da massa quando o património seja inferior a € 5.000.
No caso, no relatório que apresentou em 04-05-2022 o AI referiu que a empresa está “sem qualquer atividade desde 2016, conforme declaração do sócio-gerente”, que “não foram localizados bens passíveis de apreensão”, que “assim sendo deverá o processo prosseguir para encerramento”, terminando o relatório indicando que “[d]everá o processo prosseguir para encerramento, por insuficiência da massa, nos termos do disposto no artigo 232.º do CIRE”.
O tribunal deu sem efeito o primeiro despacho que tinha proferido determinando o encerramento, porque aceitou ter sido praticada uma irregularidade – cfr. a matéria indicada supra sob os números 12 e 15, alusiva aos despachos de 09-01-2023 e de 04-07-2023, respetivamente – mas veio depois a determinar o encerramento do processo de insolvência “por insuficiência da massa insolvente”.
Pese embora aluda em sede de fundamentação à “falta de património da massa insolvente suficiente para a satisfação das custas do processo e restantes dividas da massa”, o certo é que na decisão recorrida se associou a decisão de encerramento, igualmente, ao comportamento da requerente, aludindo-se que “o depósito referido no nº 2 do art.º 232.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas foi pago, mas apesar de notificado para o efeito não adiantou de modo algum como haveriam os autos de prosseguir em face da comunicada insuficiência de bens para a massa”.
Afigura-se-nos que o tribunal tem razão, não avançando a apelante, em sede de recurso, qualquer argumento válido que suporte a pretendida revogação da decisão de encerramento [ [19] ].
Vejamos.
É certo que a requerente procedeu ao depósito da quantia calculada pela secção, na sequência de expressa determinação pelo tribunal – cfr. o que se indicou sob os números 9 e 10 – pelo que, nos termos do número 2 do art.º 232.º, esse facto, em abstrato, obsta ao encerramento do processo com o fundamento indicado, sendo o legislador inequívoco a esse respeito: “ouvidos o devedor, a assembleia de credores e os credores da massa insolvente, o juiz declara encerrado o processo, salvo se algum interessado depositar à ordem do tribunal o montante determinado pelo juiz segundo o que razoavelmente entenda necessário para garantir o pagamento das custas do processo e restantes dívidas da massa insolvente” (sublinhado nosso). Saliente-se que no caso a Juiz não fixou essa quantia, mas determinou que a secção procedesse a esse cálculo e a requerente depositou o valor indicado pela secção.
O legislador conferiu, pois, aos interessados, o poder de fazerem prosseguir os autos principais de insolvência, pese embora patente a situação de insuficiência da massa insolvente, assinalada pelo AI e constatada pelo tribunal mas, em contrapartida, impõe que os mesmos assegurem, por via desse depósito e nos moldes aludidos (num juízo de prognose quanto aos valores em causa, segundo um critério de razoabilidade), o pagamento das dívidas da massa insolvente (cfr. o art.º 51.º); o que se compreende, sendo essa a ratio do preceito, pois o prosseguimento do processo acarretará inevitavelmente o avolumar das dívidas da massa insolvente sem, aparentemente, qualquer utilidade, mormente para os credores, em face da apontada insuficiência, não olvidando que a finalidade principal do processo é a satisfação dos interesses dos credores (art.º 1.º, n.º 1).
No entanto, entendemos que o poder assim conferido aos interessados não é um poder de, potestativamente, obterem o prosseguimento do processo (principal) de insolvência, assim obviando à verificação dos efeitos decorrentes do encerramento (art.º 233.º); ao invés, entendemos que se trata de um poder vinculado, isto é, deve ser exercido tendo em vista a prática de determinados atos que em concreto se justifiquem e sejam admissíveis – por exemplo, com vista a diligências acrescidas para localizar bens da devedora insolvente –, devendo o interessado que procede ao depósito e se opõe ao encerramento formular a correspondente pretensão ao juiz, fundamentando a mesma.
No caso, a requerente procedeu ao depósito perspetivando a prossecução dos autos tendo em vista a sua particular visão, quer quanto à entrega pelo AI do relatório a que alude o art.º 155.º, quer quanto ao incidente de qualificação da insolvência, mas trata-se, como se viu, de uma visão errada, com formulação de pretensão completamente inadmissível no contexto dos autos, sendo que, relativamente ao processo de insolvência, nada mais requereu de pertinente, chegando aliás a indicar que não se opõe ao encerramento dos autos por insuficiência da massa ainda que sob condição – cfr. a factualidade indicada supra sob o número 9.
Assim sendo, no condicionalismo apontado, não se justifica o prosseguimento dos autos, ao contrário do que a apelante propugna, improcedendo as conclusões de recurso (cfr. as conclusões xi) e xii) relativamente ao recurso da decisão de 18-03-2024).
*
Pelo exposto, julgam-se improcedentes os recursos interpostos das decisões proferidas em 15-01-2024 e 18-03-2024, mantendo-se as mesmas.
Custas pela apelante (art.º 527.º, n.º 1 do CPC)
Notifique.

Lisboa, 11-02-2024
Isabel Maria Brás Fonseca
Fátima Reis Silva
Ana Rute Costa Pereira 
_______________________________________________________
[1] O requerimento foi apresentado na sequência de dois despachos proferidos pelo tribunal, a saber:
- O despacho de 28-11-2022 (“REFª: 43656139:// Pede-se remuneração e provisão. // Sem cumprir o já ordenado nos autos. // Notifique assim o Administrador de Insolvência para dar cumprimento ao despacho de 19-9 na parte em que se lê: “Mostra-se assim por completar o propósito que é assumido a final do relatório elaborado nos termos do art.º 155 do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (enviado em 4-5).
Notifique pois o Sr. Administrador de Insolvência para, em 5 dias, completar o relatório e proceder em conformidade extraindo as devidas conclusões.” // Sob pena de condenação em multa por falta de colaboração com o Tribunal- art.º 417/2 do Código de Processo Civil ex vi do art.º 17 do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas. // No que tange à remuneração e provisão: // Mais renovo o despacho acima indicado na parte em que se lê: //“Req de 8-6 e 30-8 do Sr. Administrador de Insolvência: //Uma vez que os autos não foram encerrados por insuficiência da massa o pagamento da remuneração e despesas não opera pelo IGEFEJ- art.º 30 do Estatuto do Administrador Judicial a contrario senso. // Relativamente às solicitadas despesas as mesmas carecem de justificação – vide art.º 29/8 e 9 do Estatuto do Administrador Judicial na redacção dada pela Lei 9/2022 de 11-1 entretanto vigente”. // Que o Sr. Administrador de Insolvência deverá ler” (sic).
- O despacho de 19-12-2022 com o seguinte teor:
“REFª: 44024960: é de mediana clareza o processado. Após apresentação de proposta de encerramento do Sr. Administrador de Insolvência, o requerente da insolvência, solicitou esclarecimentos que o Tribunal determinou por despacho fossem dados, e até ao momento não o foram, centrando-se o Sr. Administrador de Insolvência na sua remuneração. Ora, não podendo ignorar o que está em causa nos autos, que teima em retardar e sem qualquer justificação, insiste em não cumprir, condeno o mesmo em multa de uma Uc - (art.º 417/2 do Código de Processo Civil e art.º 27/1 do Regulamento das Custas Processuais). // Notifique-o para em, 5 dias cumprir o determinado, sob pena de, a persistir na inércia, ser destituído das funções por justa causa – art.º 56 do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas”.

[2] Ao contrário do que a requerente deixa entender no requerimento, por via da expressão “[r]eitera-se”, sendo aliás o formato de texto diferente, tudo inculcando a ideia de mera repetição do que havia sido alegado na petição inicial, a alegação subsequente não corresponde ao texto da petição inicial (cfr. o que supra se indicou, em citação), chegando a requerente ao ponto de aludir ao “[v]alor do incidente: o dos autos principais”, o que obviamente não consta da petição inicial. Assim, é agora indicado no requerimento como segue, subsequentemente à referida alínea f):
“(…) xxxv Os gerentes da R actuaram com culpa grave para a situação económico-financeira da R Devedora que a levou a ficar insolvente e à A a ver os seus direitos de crédito frustrados.
 xxxvi. Tal presume-se, nos termos do art.º 188º do CIRE, pois que foi incumprido o dever de requerer a declaração de insolvência no prazo de 30 dias seguintes à data do conhecimento da situação de insolvência, tal como descrita no n.º 1 do artigo 3.º, ou à data em que devesse conhecê-la.
xxxvii. Na verdade, resultado do artigo 18.º CIRE que:
1 - O devedor deve requerer a declaração da sua insolvência dentro dos 30 dias seguintes à data do conhecimento da situação de insolvência, tal como descrita no n.º 1 do artigo 3.º, ou à data em que devesse conhecê-la.
xxxviii. Afectados pela qualificação da insolvência como culposa deverão ser os à data administradores da C…, AP e LS, com grau de culpa grave.
xxxix. Essas mesmas pessoas devem ser inibidas para o exercício do comércio durante um período de 2 a 10 anos, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa.
xI. Deve ser determinada a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos pelas aludidas pessoas afectadas pela qualificação e a sua condenação na restituição dos bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos.
xli. AP e LS devem ser condenos a indemnizarem a A/Requerente até ao montante máximo dos créditos não satisfeitos, considerando as forças dos respetivos patrimónios, sendo tal responsabilidade solidária entre todos os afetados.
Valor do incidente: o dos autos principais” (sic).
Mais indica prova (documental e pessoal).  
 
[3] Alega no requerimento, nomeadamente, que:
“11- Sucede que, CONSTATA APENAS AGORA A A, POR ISSO NÃO TER SIDO NOTIFICADA ATÉ À DATA que o Sr. AI apresentou nos autos um requerimento a 20/12/2022, requerimento esse anómalo diga-se, referindo a posição assumida no relatório de 9/5/2022.
12- O documento junto aos autos pelo Exmo Sr. AI em 20/12/2022 não preenche nenhum dos elementos a que alude o art.º 155.º CIRE, designadamente (…)” (destaques do texto).
 

[4] Usando o procedimento já assinalado quanto ao requerimento de 15-05-2023.

[5] Aí, sim, a requerente reproduz a alegação vertida na petição inicial, sob a epígrafe “[d]o direito”.

[6] Indicando no cabeçalho do requerimento como segue: “(…) nos autos à margem referenciados, notificada do despacho de 15/1/2024, que tacitamente indeferiu a arguição da nulidade do relatório junto aos autos pelo Sr. Administrador de Insolvência e indeferiu a abertura do incidente de qualificação de insolvência, vem, ao abrigo do disposto no art.º 644º, 2, al. d) e g) CPC, interpor recurso de apelação, que terá subida imediata e nos próprios autos, com efeito suspensivo – cfr arts.º 645º, n.º 1, c), 2, 647º, n.º 3, c) CPC.
Valor do recurso: o da acção”.

[7] A requerida não formulou conclusões e não se justifica a reprodução do articulado de resposta atenta a sua extensão. Assinala-se, no entanto, que a apelada, na resposta, alega como segue:
“Ademais, // 24. A Recorrente não se inibe de tentar confundir o Tribunal " a quo" e agora também, pasme-se, esse Venerando Tribunal, ao colar nas Alegações de Recurso um texto que não coincide com o que consta no requerimento inicial de insolvência, entrado em juízo, no dia 30/01/2022. // 25. O último artigo do requerimento inicial de insolvência relativo aos factos diz o seguinte: // 34) A A é ainda titular do direito de crédito sobre a R Devedora emergente de responsabilidade civil, pelos danos causados no imóvel, despesas que suportou com a oposição à execução movida pelo Banco BIC e pela diferença entre o valor real do imóvel dado em pagamento e a divida da R para com a A à data da execução, tudo acrescido de juros de mora vencidos e vincendos. // 26. Nas Alegações de Recurso, a seguir ao ponto XXXIV do texto ali colado nada mais coincide e no final, vem referido "Valor do incidente: o dos autos principais", dizeres que, naturalmente, não constam do requerimento inicial de insolvência. // 27. Assim, nada foi pedido pela Recorrente no requerimento inicial de Insolvência, quanto à qualificação da insolvência, como bem sabe a Recorrente, pelo que, carece de total fundamento, o que vinha requerido na alínea c) "Reitera-se o alegado já na pi destes autos, designadamente: do requerimento que foi objecto (e bem) de indeferimento pelo Tribunal a quo", através do douto despacho recorrido. // 28. A Recorrente sabe perfeitamente que não cumpriu o disposto no art.º 188º do CIRE que obriga à apresentação de REQUERIMENTO AUTUADO POR APENSO”.

[8] Cfr., ainda, o “comprovativo de registo” de 14-07-2022.
[9] Não se justificando aqui, obviamente, reproduzir o seu teor integral, pela sua extensão, uma vez que o mesmo consta dos autos.

[10] Se o AI entende que a insolvência é culposa deve deduzir o incidente respetivo nos termos do art.º 188.º e no prazo aí fixado, pelo que não tem de se vincular logo a tomar posição, em qualquer dos sentidos, aquando da entrega do relatório previsto no art.º 155.º.
 
[11] Assim, o n.º 1 do art.º 188.º ([t]ramitação), dispõe que:
“1 - O administrador da insolvência ou qualquer interessado pode alegar, fundamentadamente, por escrito, em requerimento autuado por apenso, o que tiver por conveniente para efeito da qualificação da insolvência como culposa e indicar as pessoas que devem ser afetadas por tal qualificação, no prazo perentório de 15 dias após a assembleia de apreciação do relatório ou, no caso de dispensa da realização desta, após a junção aos autos do relatório a que se refere o artigo 155.º, cabendo ao juiz conhecer dos factos alegados e, se o considerar oportuno, declarar aberto o incidente de qualificação da insolvência, nos 10 dias subsequentes”.
Nos termos do n.º 6:
“Declarado aberto o incidente, o administrador da insolvência, quando não tenha proposto a qualificação da insolvência como culposa nos termos do n.º 1, apresenta, no prazo de 20 dias, se não for fixado prazo mais longo pelo juiz, parecer, devidamente fundamentado e documentado, sobre os factos relevantes, que termina com a formulação de uma proposta, identificando, se for caso disso, as pessoas que devem ser afetadas pela qualificação da insolvência como culposa”.
Saliente-se que se “tanto o administrador da insolvência como o Ministério Público propuserem a qualificação da insolvência como fortuita, o juiz pode proferir de imediato decisão nesse sentido, a qual é insuscetível de recurso” (n.º8) e, nos termos do número 11, é “aplicável às oposições e às respostas, bem como à tramitação ulterior do incidente da qualificação da insolvência, o disposto nos artigos 132.º a 139.º, com as devidas adaptações”.
[12] José Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, Conceito e Princípios Gerais 1996, Coimbra, Almedina, p. 123.
[13] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, CPC Anotado, 2108, Coimbra, Almedina, p. 608;  

[14] Sobre a noção de “pedido”, abrangendo os dois elementos, uma pretensão material e uma pretensão processual, cfr. Castro Mendes, Direito Processual Ciivl, II vol., 1980, Lisboa, AAL, pp. 287 e 288; cfr., ainda, Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, vol. I, Coimbra, Almedina, pp. 201 e 202, aludindo o autor ao “objecto imediato” e “objeto mediato”. 

[15] “A causa de pedir é antes o conjunto dos factos principais alegados pelo autor. Para saber quais de entre os factos alegados são os principais, há que averiguar a ou as normas invocadas pelo autor para fundamento da sua pretensão” (Mariana França Gouveia, A Causa de Pedir na Acção Declarativa, 2019, Teses, Coimbra, Almedina, p. 389).
 
[16] Com o seguinte teor:
“25) O montante do capital próprio da R Cotarco segundo o último balanço aprovado (ano de 2017) é de -160 210,36 €, sendo inferior a metade do capital social - € 240.000 (cfr. docs 13 e 14).
 26) A R Cotarco não promoveu a publicitação dessa menção, nem em contratos, nem em documentos.
 27) No ano de 2017, a R Cotarco não desenvolveu nenhuma actividade comercial, não tendo prestado nenhum serviço, nem vendido nenhum bem, como se alcança dos docs 13 e 14”.

[17] Assim, lê-se na petição inicial:
“4) Prevê o artigo 186.º CIRE:
1- A insolvência é culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da actuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência.
 - Presume-se unicamente a existência de culpa grave quando os administradores, de direito ou de facto, do devedor que não seja uma pessoa singular tenham incumprido:
a) O dever de requerer a declaração de insolvência”.

[18] Com referência ao n.º 2 do art.º 186.º, estamos perante presunção inilidível ou iuris et de iure (art.º 350.º nº 2, in fine, do Cód. Civil), como decorre da letra do preceito, cujo alcance se estende não apenas à existência de culpa, mas também à existência do nexo causal entre a atuação do devedor insolvente e a criação ou agravamento do estado de insolvência. Ao invés, deve ter-se a presunção do n.º 3 do art.º 186º como ilidível (juris tantum), admitindo-se, pois, o seu afastamento perante prova em contrário (art.º 350º, nº2 do Cód. Civil), considerando-se que o seu funcionamento apenas permite que se presuma um dos pressupostos da qualificação como culposa, a saber, a existência de culpa grave, mas não já o nexo de causalidade aludido. Essa orientação é a que o legislador acolheu na Lei 9/2022 de 11-01, que introduziu alterações ao CIRE, que entrou em vigor a 11 de abril de 2022 (art.º 12.º do diploma) aplicando-se aos processos pendentes à data da entrada em vigor de acordo com o regime transitório fixado no art.º 10.º Assim, para além de alterar a redação do nº2, alínea i) do art.º 186.º, alterou-se igualmente o nº 3 do preceito, mediante a introdução do advérbio “unicamente”, passando a consignar-se que “[p]resume-se unicamente a existência de culpa grave quando os administradores, de direito ou de facto, do devedor que não seja uma pessoa singular tenham incumprido”; em suma, o legislador veio agora consagrar expressamente a orientação já acolhida quase unanimemente pela doutrina e jurisprudência.

[19] Lê-se no corpo das alegações:
“13. Por outro lado, o Tribunal decidiu pelo encerramento dos autos por insuficiência da massa quando ainda estava e está pendente recurso atinente ao incidente de qualificação da insolvência.
14. Resulta do disposto no Artigo 232.º CIRE que tem por epígrafe “encerramento por insuficiência da massa insolvente”: (…)
15. No caso dos autos a ora Recorrente procedeu ao deposito à ordem do tribunal do montante determinado pelo juiz segundo o que razoavelmente entendeu necessário para garantir o pagamento das custas do processo e restantes dívidas da massa insolvente.
16. Assim, nunca os presentes autos podem ser encerrados com o referido fundamento, muito menos quando foi requerido desde o início dos autos que tivesse lugar incidente de qualificação de insolvência.
17. A decisão recorrida viola ainda o disposto no art.º 232.º CIRE.
18. A decisão recorrida deve ser substituída por outra que determine o prosseguimento dos autos e que determine a abertura de incidente de qualificação de insolvência”.