Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
INSOLVÊNCIA CULPOSA
APRESENTAÇÃO À INSOLVÊNCIA
DISSIPAÇÃO DE BENS
INDEMNIZAÇÃO
Sumário
(da relatora) – artigo 663.º, n.º 7, do CPC I. Às decisões judiciais são aplicáveis as regras de interpretação que vigoram para os negócios jurídicos (cfr. artigos 236.º e 295.º, ambos do CC) e, no caso, tendo presente o quadro de um processo insolvencial. II. Há que distinguir entre remuneração em sentido amplo e remuneração em sentido restrito (ou retribuição), podendo, assim, falar-se em prestações remuneratórias de índole retributiva e prestações remuneratórias de índole indemnizatória. III. Sendo a não apresentação atempada da devedora à insolvência a única conduta imputada a um dos afectados (a qual agravou a referida situação de insolvência), o mesmo apenas deverá ser responsabilizado pelo pagamento de indemnização correspondente aos prejuízos causados após o momento em que tal apresentação deveria ter ocorrido e que poderiam ter sido evitados caso tal atraso não sucedesse (tratando-se de créditos laborais, todos os que se venceram após tal momento). IV. Já o agravamento da situação de insolvência causada pelo facto de terem sido transmitidos ou dissipados os bens que integravam o património da devedora (os quais, uma vez liquidados, responderiam pelo seu passivo), na impossibilidade de se aferir qual o correspondente valor, acarretará que o montante indemnizatório da responsabilidade do afectado (que assim agiu), seja encontrado com recurso a critérios de equidade (a tal não obstando o facto de se estar no âmbito de um incidente de liquidação da sentença condenatória). V. Tratando-se de responsabilidade solidária por imposição legal, mas sendo distintas as contribuições de cada uma das pessoas afectadas pela qualificação (seja quanto às causas do agravamento da situação de insolvência, seja quanto aos prejuízos que concretamente resultaram das respectivas condutas), a solidariedade apenas se verifica com relação ao montante indemnizatório comum a ambas (quantia indemnizatória pela qual ambas terão que responder).
Texto Integral
Acordam os juízes na Secção do Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa.
I - RELATÓRIO
Por sentença proferida em 12/04/2018, já transitada em julgado, foi declarada a insolvência da sociedade Pastelaria LSP, Lda.
Em 21/12/2018, o Ministério Público requereu a abertura do incidente de qualificação, o qual foi declarado aberto por despacho proferido em 01/02/2019.
Em 19/09/2019 foi o processo principal encerrado por insuficiência da massa insolvente, nos termos previstos pelo artigo 232.º, n.ºs 1 e 2 do CIRE[1].
Em 31/10/2019, por sentença já transitada em julgado, foi declarada extinta a instância referente ao apenso de verificação e graduação de créditos[2].
Por sentença proferida 04/10/2020, o tribunal a quo decidiu: “Pelo exposto, qualifico como culposa a insolvência da sociedade Pastelaria LSP, Lda., e, em consequência: // a) Declaro afetados pela qualificação AA, BB e a Herança de CC; // b) Decreto a inibição de AA e BB para administrarem patrimónios de terceiros por 3 anos; // c) Declaro AA e BB inibidos, por 3 anos, para o exercício do comércio, e para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa; // d) Determino a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos por AA, BB e pela Herança de CC, e condeno-os na restituição dos bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos (alínea d)); // e) Condeno AA, BB e Herança de CC a indemnizarem os credores da sociedade no montante dos créditos reconhecidos e não impugnados. (…)”.
Desta sentença recorreram todos os requeridos, pugnando a final: “(…) deve a decisão de que se recorre ser revogada e substituída por outra que: // i) considere procedente a excepção de intempestividade do incidente; // ii) qualifique a insolvência como fortuita, desafectando os recorrentes; // iii) não fixe indemnização aos credores ou, assim não se entendendo, não a fixe por valor igual aos créditos reconhecidos e não impugnados, mas em valo substancialmente inferior.”
Por acórdão proferido por esta Secção em 13/07/2021, já transitado em julgado, decidiu-se: “Julgar a apelação parcialmente procedente, e, em consequência, decide-se: // a. Confirmar a sentença recorrida, quanto à qualificação como culposa da insolvência, com a afectação pela qualificação dos gerentes AA e BB, mantendo-se o período de inibição fixado em b) e c) do dispositivo da sentença; // b. Revogar a sentença recorrida na parte em que declarou afectado pela qualificação a Herança de CC e condenou esta no pagamento de uma indemnização aos credores (al. e) do dispositivo da sentença); // c. Altera a decisão contida em e) do dispositivo da sentença, condenando-se agora os afectados pela qualificação da insolvência AA e BB a indemnizarem os credores reclamantes, até às forças do seu património, em valor a quantificar em liquidação de sentença, nos termos sobreditos, revogando-se a sentença recorrida no excedente dessa quantia; (…)”.
Em 17/02/2022, DD e EE, patrocinados pelo MP, vieram deduzir incidente de liquidação contra AA e BB (enquanto gerentes afectados pela qualificação culposa da insolvência e, nessa medida, condenados a indemnizarem os credores da sociedade “no montante dos créditos reconhecidos e não impugnados, até às forças do seu património”).
A primeira quantifica o seu crédito em 12.500,55€ e o segundo em 3.181,12€, aos quais acrescem os legais juros de mora.
Para tanto alegaram: terem sido reclamados e reconhecidos pelo AI (sem qualquer impugnação), créditos laborais de natureza privilegiada, sendo o da requerente DD no valor de 19.983,03€ e o do requerente EE de 13.034,68€; o processo de insolvência foi encerrado por insuficiência da massa, não lhes tendo sido efectuado qualquer pagamento; receberam, no entanto, por parte do Fundo de Garantia Salarial, 7.482,48€ e 9.853,56€, respectivamente.
Citados os requeridos, os mesmos deduziram oposição ao incidente pela qual, para além do mais, refutaram não serem devedores das quantias peticionadas, para além de não terem sido alegados factos, nem apresentadas provas, que permitam proceder à liquidação, concluindo dever o requerimento inicial ser recusado (por se assumir inepto).
Sustentando-se no decidido pelo acórdão proferido no apenso de qualificação da insolvência defendem que o requerido AA “foi condenado a pagar apenas os montantes das contribuições e quotizações devidas pela insolvente à Segurança Social, relativamente aos meses de Junho de 2017 até à declaração da insolvência, desde que contidos na reclamação deduzida nos autos, e os montantes das remunerações auferidos nesse período pelos trabalhadores DD e EE (credores reclamantes), enquanto estes se mantiveram ao serviço da insolvente”, e a requerida BB “foi condenada a pagar apenas o valor de mercado dos bens vendidos (veículos automóveis) e dos demais bens dissipados (mercadorias e restante imobilizado).”
Em 11/04/2023 foi proferido despacho convite de aperfeiçoamento do requerimento inicial[3], não constando dos autos que o mesmo tenha sido acatado.
Por despacho de 05/01/2024, a Mma. Juíza a quo, para além do mais, dispensou a realização da audiência prévia e julgou improcedente “a exceção da nulidade de todo o processo por ineptidão da petição inicial, correspondente à falta de causa de pedir”.
Simultaneamente fixou o objecto do litígio e elaborou os temas da prova[4], mais se tendo pronunciado quanto aos meios probatórios e agendado a audiência final.
Foi, ainda, determinado que o AI juntasse aos autos as reclamações de créditos.
Em 12/01/2024, o AI juntou a reclamação de créditos apresentada pelo Instituto da Segurança Social, IP.
Realizou-se a audiência final, constando da respectiva acta (Ref.ª/Citius 159703501): “Nos termos do art.º 463º do CPC, consigna-se: // Afirmou o Requerido AA que os veículos Mercedes e Volkswagen foram vendidos em 2010 por montantes que não se recorda. // Os veículos Ford e Citroen foram vendidos em 2017 por 400,00€ no total. // O veículo Opel foi dado em pagamento, no valor de 1.500,00€, a credor de 3.500,00€. // O equipamento da Pastelaria, vendido ao peso, valia 1.000,00€.”
Por sentença proferida em 02/02/2024, o tribunal recorrido decidiu:
“(…) Pelo exposto, julgo parcialmente procedente o incidente, condenando os Requeridos a pagar: // À Requerente DD, € 10 690,5 (…); // Ao Requerente EE, € 3 181,12 (…); // Montantes acrescidos de juros moratórios calculados às taxas de juro civis, desde a presente decisão. // A condenação é solidária. // Quanto à Requerida, tem por limite € 14 000,00 (…).”
*
Inconformados com esta decisão, dela interpuseram RECURSO de apelação ambos os requeridos, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES: 1. Vem o presente recurso interposto da sentença que decidiu condenar os recorrentes, solidariamente, a pagar à recorrida DD € 10.690,50 (dez mil seiscentos e noventa euros e cinquenta cêntimos), ao recorrido EE € 3.181,12 (três mil cento e oitenta e um euros e doze cêntimos), acrescidos de juros moratórios calculados às taxas de juro civis, desde a decisão e, quanto à recorrente, com o limite de €14.000,00 (catorze mil euros). 2. Com todo o respeito que nos merece a opinião contrária espelhada na sentença recorrida, e com a devida vénia, não podem os recorrentes conformar-se com a mesma. 3. A sentença recorrida ultrapassa os limites fixados na decisão liquidanda, designadamente, o Acórdão 4199/17.9T8VFX-B.L1, datado de 13.07.2021, deste Tribunal da Relação de Lisboa, relator Manuel Marques, já transitado em julgado. 4. Na decisão liquidanda, os recorrentes foram condenados a: // “(...) Assim, a responsabilidade do afectado AA reconduz-se ao agravamento dos danos causados pela não apresentação tempestiva da devedora à insolvência, ou seja, por a devedora não se ter apresentado à insolvência até finais de Maio de 2017. O valor da indemnização deverá corresponder aos montantes das contribuições e quotizações devidas pela ora insolvente à Segurança Social, relativamente aos meses de Junho de 2017 até à declaração da insolvência, desde que contidos na reclamação deduzida nos autos, e aos montantes das remunerações auferidos nesse período pelos trabalhadores DD e EE (credores reclamantes), enquanto estes se mantiveram ao serviço da ora insolvente, cujos quantitativos não foi possível apurar. // Essa indemnização será quantificado em liquidação de sentença (art.º 189º, n.º 4, do CIRE). // Já a indemnização da responsabilidade da afectada BB deverá reconduzir-se ao valor de mercado dos bens vendidos (veículos automóveis) e dos demais bens dissipados (mercadorias e restante imobilizado), cujos valores não se apuraram. // Deverá igualmente esse valor ser quantificado em liquidação de sentença. (…).” 5. Resulta que os recorrentes foram condenados de forma limitada, conforme a responsabilidade e culpa de cada um e a condenação não foi solidária. 6. Deste modo, a condenação dos recorrentes na sentença recorrida, face à decisão liquidanda, não poderá ser solidária. 7. A douta decisão liquidanda transitou em julgado e a autoridade do caso julgado vincula o Tribunal a quo e as partes a acatar o que aí ficou definido em quaisquer outras decisões que venham a ser proferidas. 8. O Tribunal a quo não respeitou, portanto, a autoridade do caso julgado e não poderia decidir como decidiu, quanto a este quesito e quanto ao mais que se segue. 9. Padece a sentença recorrida de falta de fundamentação, não tendo sido mencionadas e analisadas criticamente as provas, especificando os fundamentos que foram decisivos, de forma coerente, para a convicção do tribunal, e, nalguns pontos, a matéria dada como provada está em contradição com a prova produzida. 10. A prova carreada para os autos permite concluir que os veículos, a mercadoria e mobiliário foram vendidos e entregues em dação em pagamento pela quantia total de 2.900,00€. 11. Uma análise crítica da prova junta aos autos não permite que se logre formar a convicção sobre a matéria de facto considerada provada no ponto 22. pelo valor de 14.000,00€ e nem se compreende como o Tribunal a quo chegou a este montante. 12. O Tribunal a quo refere que baseou a sua convicção para o ponto 22 nas declarações do trabalhador EE, o qual prestou declarações com início às 14:41h e fim às 14:45h, registo de áudio de 01.02.2024, aos 30’00’’ a 35’50’’. 13. Porém, o trabalhador nada esclarece, nas suas declarações, sobre o mobiliário e mercadoria existentes à data e nem refere qualquer elemento factual do qual se possa fundamentar uma perspectiva de valor, cfr. registo de áudio acima referido. 14. O único facto concreto declarado pelo trabalhador que permite aferir uma perspectiva de preços será sobre o veículo Citröen, quando este refere que o veículo “já tinha uns aninhos”, registo de áudio de 01.02.2024, aos 33’03” a 33’09’’. 15. Uns “aninhos”, entenda-se mais de 20 anos, conforme adiante se demonstrará. 16. O Tribunal a quo baseou a sua convicção também nas declarações do recorrente AA, que prestou depoimento com início às 14:20h e fim às 14:30h, mais precisamente no que concerne à confissão de que ocorreram “vendas e dação em pagamento no montante total de € 2.900,00.” 17. Porém, a contrário do que se verifica na matéria factual assente e da confissão do recorrente, o Tribunal a quo formou uma convicção diversa, arbitrando uma indemnização de valor largamente superior. 18. O Tribunal a quo sustenta a sua convicção de valor na ausência de provas documentais, na dúvida sobre a realidade factual e na dúvida sobre a repartição do ónus da prova, utilizando do princípio a observar em caso de dúvida e decidiu “contra a parte a quem o facto aproveita”, nos termos do art.º 414.º do CPC. 19. Acontece que, não se compreende a razão pela qual o Tribunal a quo não valorou a confissão do recorrente. 20. As declarações do recorrente foram credíveis, serenas e objectivas. 21. O recorrente confessou factos, tendo referido de forma detalhada o destino de todos os bens e por quais valores. 22. Em nenhum outro ponto dos autos são mencionados os valores de mercado dos bens em causa, nem o Tribunal a quo faz qualquer menção sobre os mesmos. 23. Não há assim, contradição quanto aos valores confessados pelo recorrente e o mais constante nos autos que fosse capaz de suscitar dúvidas. 24. Sobre as mercadorias, o recorrente AA refere, cfr. registo áudio de 01-02-2024, aos minutos 15’:46’ a 16’:22’’, que passado cerca de um mês de fecharem as portas, as mercadorias pereceram e foram para o lixo: “ninguém podia lá estar porque o cheiro e com ratos e baratas, portanto, tudo que estava ali e que era perecível foi para o lixo.” 25. Sobre o mobiliário, disse o recorrente AA, registo áudio de 01-02-2024, aos minutos 16’:51’’ a 17’:55’’, que vendeu tudo para um ferro velho, incluindo todos os materiais de ferro e inox, e tudo o mais, por 1.000,00€ (mil euros). 26. Ainda sobre o mobiliário, prestou depoimento de parte a recorrente BB, das 14:10h às 14:19h, e disse, cfr. registo áudio de 01-02-2024, aos 03’:52’’ a 04’:10’’, que as coisas existentes contavam “já com uns 30 anos, pelo menos, da altura da abertura da empresa”. 27. Aliás, também uma testemunha ouvida em audiência no Apenso C afirmou o mesmo, tendo referido que as “coisas” eram velhas e sem valor já no ano de 2010 – quanto mais, assinalamos nós, no ano de 2017 - registo áudio de 29-09-2020, iniciado às 14:39:29 e terminado às 14:46:54, 20200929143927_5879271_2871257, aos 0’:48’’ a 1’:14’’ e aos 03’:03’’ a 03’: 24’’. 28. Portanto, não há motivos para não haver credibilidade quando o recorrente vem dizer que vendeu o imobiliário ao quilo para um ferro velho e nem quanto ao mais declarado. 29. Quanto aos veículos automóveis, disse a testemunha acima referida que eram “velhos” - cfr. registo áudio referido de 29-09-2020, aos 3’:41’’. 30. Sobre os veículos Ford Transit e Citröen, o recorrente AA, registo áudio de 01-02-2024, aos 12’:19’’ a 13’:05’’, disse que foram vendidas por 400,00€, em conjunto. 31. Sobre o veículo Opel, o recorrente AA, registo áudio de 01-02-2024, aos 14’:44’’ a 15’:19’’, disse que entregou o veículo por dação em pagamento pela quantia de 1.500,00€ para deduzir o valor em dívida junto de um credor. 32. Pelo que, o recorrente AA prestou depoimento com início às 14:20h e fim às 14:30h e mencionou os destinos das mercadorias, do mobiliário e dos veículos, assim como referiu o valor pelo qual foram vendidos todos os itens e o valor pelo qual foi um dos veículos entregue por dação em pagamento. 33. A prova carreada nos autos permite concluir que: I. as mercadorias pereceram e foram para o lixo, não se apurando qualquer valor em proveito dos recorrentes; II. o equipamento da pastelaria era antigo, contava com cerca de trinta anos, sem valor comercial e foi vendido ao peso pelo valor de 1.000,00€; III. os veículos não tinham valor comercial à data da venda e dação em pagamento, em 2017, dois deles por terem mais de vinte anos à data da venda e o terceiro por ter cerca de sete anos à data da dação em pagamento, tendo os veículos Ford e Citröen sido vendidos em conjunto por 400,00€ e o veículo Opel dado em pagamento pelo valor de 1.500,00€. 34. A informação acima referida sobre os valores dos bens resulta, portanto, de confissão do recorrente em sede de depoimento de parte e ficou consignada em Acta. 35. O recorrente prestou depoimento de forma coerente, cujas declarações foram credíveis, serenas e objetivas. 36. Não ocorreram declarações contraditórias entre as partes. 37. Ante todo o exposto, com o devido respeito, não poderia o Tribunal a quo socorrer-se do princípio da dúvida para o caso em concreto. 38. Não consta dos autos qualquer outro montante sobre os bens em causa e nem tal foi mencionado na douta sentença recorrida, a fim de permitir ao Tribunal a quo ponderar valores. 39. Quando muito, o Tribunal a quo poderia ter-se socorrido da equidade para fundamentar a sua convicção, mas ainda assim, deve quantificar os valores dentro dos limites do que foi possível ter por provado. 40. A contrário, o Tribunal a quo fixou a quantia de maneira arbitrária, ferindo tanto o princípio da dúvida no qual fundamentou a sua convicção, quanto o princípio da equidade. 41. Devia, pois, ter sido dado como provado o facto n.º 22 pela quantia de 2.900,00€ e não tal como está. 42. Sendo a recorrente BB condenada apenas até o limite deste montante. 43. Quanto à condenação do recorrente AA, verifica-se que este foi condenado, conforme decisão liquidanda, relativamente aos montantes das contribuições e quotizações devidas pela ora insolvente à Segurança Social e das remunerações dos trabalhadores, dentro de período de tempo de Junho de 2017 até a declaração de insolvência, considerando ainda que, quanto à primeira, tais montantes deveriam estar incluídos na reclamação de créditos e quanto aos segundos, desde que estivessem ao serviço da insolvente. 44. Neste ponto, uma vez mais, enferma a decisão recorrida de erro de julgamento de facto e direito. 45. Isto porque, primeiramente quanto à Segurança Social, resulta provado dos autos que esta reclamou créditos apenas até Maio de 2017. 46. Ou seja, quanto a esta parte, considerando o exposto, logo fica afastada qualquer quantia, considerando o lapso temporal determinado na decisão liquidanda, com início em Junho de 2017. 47. Assim, sobre os montantes das contribuições e quotizações devidas pela insolvente à Segurança Social, dentro de período de tempo de Junho de 2017 até a declaração de insolvência, incluídos na reclamação de créditos, apura-se a quantia de 0,00€. 48. Sobre os trabalhadores, resulta que a prova carreada para os autos permite concluir que estiveram ao serviço da insolvente até Junho de 2017, no que concerne à trabalhadora DD, e Julho de 2017, quanto ao trabalhador EE, conforme declarações dos trabalhadores, registo áudio de 01-02-2024, aos 25’:19’’ a 25’:29’’ e aos 28’:09’’ a 28’:32’’ e registo áudio de 01-02-2024, aos 34’:39’’ a 35’:13’’. 49. A prova carreada para os autos permite concluir que os trabalhadores auferiam à data da cessação do contrato de trabalho a quantia referente ao salário mínimo nacional, que era, em 2017, o valor de 557,00€ (quinhentos e cinquenta e sete euros), cfr. registo áudio cuja passagem foi acima citada. 50. Ora, a trabalhadora DD prestou declarações com início às 14:33h e fim às 14:40h, registo áudio de 01-02-2024, aos 25’:19’’ a 25’:29’’ e aos 28’:09’’ a 28’:32’’, e referiu que o único mês que se encontrava em falta pagar-lhe era o mês de Junho de 2017 e o trabalhador EE prestou declarações, com início às 14:41h e fim às 14:45h, registo áudio de 01-02-2024, aos 34’:39’’ a 35’:13’’ e referiu que o único mês que se encontrava em falta pagar-lhe era o mês de Julho de 2017; em ambos os casos considerando o lapso temporal fixado pela decisão liquidanda, que é desde Junho de 2017 até a data da declaração de insolvência e enquanto estivessem à serviço da insolvente. 51. Assim, se cada trabalhador tinha apenas um mês em falta, no montante de 557,00€ cada, dentro do lapso temporal fixado pela decisão liquidanda, resta concluir que a quantia apurada de remunerações em falta é de 1.114,00€ (2 x 557,00€). 52. Quando muito, caso seja do entendimento deste douto Tribunal, deve ser acrescida a quantia proporcional referente aos subsídios de férias de Natal, apurados no montante de 46,42€ cada, calculado na proporção de 1/12 do salário auferido, o que perfaz um valor máximo apurado de 649,84€ por cada trabalhador (total 1.299,68€). 53. Sem prescindir nem conceber, mas que se refere por cautela de patrocínio, na pior das hipóteses, poderia ter sido considerado pelo Tribunal a quo, o valor constante na petição inicial da insolvência, iniciada pela trabalhadora DD, na qual esta refere que o valor da remuneração devida a esta a partir de Junho/2017 (e enquanto se manteve ao serviço da insolvente) era de: € 647,20 a título de salário (vencimento-base, subsídio de alimentação e prémio de assiduidade) referente ao trabalho prestado no mês de Junho/2017 e € 345,17 a título de salário (vencimento-base, subsídio de alimentação e prémio de assiduidade) referente ao trabalho prestado no mês de Julho/2017 (do dia 1 ao dia 16), num total de total 992,37€. 54. Valor este último que os recorrentes não concebem, face às declarações prestadas em sede de julgamento e por incluírem montantes além da retribuição salarial (designadamente subsídio alimentação e prémio de assiduidade). 55. Acontece que, ante todo o exposto, considerando a matéria de facto provada e carreada para os autos, em nenhum dos cenários acima referidos se verifica fundamento para a quantia fixada pelo Tribunal a quo (€10.690,50 e €3.181,12, num total de 13.871,62€), a qual coincide com o remanescente das reclamações de créditos, acrescida de juros moratórios calculados às taxas de juro civis, desde a decisão. 56. O Tribunal a quo fundamentou a decisão na sua interpretação de que a decisão liquidanda quis incluir no conceito de “remunerações” a indemnização por cessação do contrato de trabalho e, por essa razão, fixou a indemnização pelo remanescente das reclamações de créditos dos trabalhadores. 57. Ora, para os recorrentes tal entendimento carece de coerência e lógica, quer com base nas definições dos próprios preceitos em causa, quer com base na decisão liquidanda. 58. Não há fundamentos para que o Tribunal a quo assim os considere, como considerou, nessa medida, considerando que a decisão liquidanda fixou expressamente os limites das indemnizações de cada um dos recorrentes e, inclusive, resulta claro que não foi essa a intenção do Tribunal da Relação, nem sequer do teor de toda a decisão liquidanda isso se retira. 59. Até porque, bem sabia o Tribunal da Relação que nas reclamações de créditos dos trabalhadores estava incluída a indemnização por cessação do contrato e afastou a questão da indemnização ser fixada sem limites e tendo por referência apenas os valores reclamados, senão vejamos: “não pode a indemnização arbitrada ser fixada sem qualquer limite e tendo apenas por referência o valor dos créditos reconhecidos e graduados não satisfeitos, como se fez na sentença recorrida”. 60. Portanto, a decisão liquidanda fixou expressamente o limite da indemnização o quesito “remunerações” a entender-se esta como os salários em atraso e não incluindo a indemnização por cessação do contrato de trabalho. 61. Sem prejuízo, sempre se dirá que, indemnização por cessação do contrato não constitui remuneração auferida e nem se enquadra neste conceito, sendo conceitos e institutos jurídicos distintos. 62. A remuneração é uma contrapartida económica do trabalho prestado e a indemnização por cessação do contrato é uma compensação para reparação de um dano subsequente a uma ilicitude no despedimento. 63. Ora, numa indemnização por despedimento ilícito já se ultrapassa a questão da remuneração porque, nessa ocasião, os trabalhadores já não se mantêm ao serviço da insolvente, que é um dos requisitos fixados na decisão liquidanda. 64. Portanto, a interpretação extensiva do Tribunal a quo é equivocada, revelando uma contradição face ao conceito de remuneração e indemnização, assim como é contrária à decisão liquidanda. 65. Incluir nas “remunerações” qualquer outro valor que extrapole esse conceito não se coaduna com o teor da decisão liquidanda. 66. Por todo o exposto, os ora recorrentes não se conformam com a decisão em apreço, entendendo que o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de facto e de direito. 67. Não resulta provado o facto mencionado em 22. da matéria dada como provada pela quantia de 14.000,00€. 68. O facto 22. deve, pois, ser dado como não provado pela quantia de 14.000,00€ e dado como provado que “O valor de mercado dos bens supra referidos, mercadorias, imobilizado corpóreo e veículos, corresponde à quantia de €2.900,00”. 69. Pugnando os recorrentes pela incorrecta aplicação e violação, por parte do Tribunal a quo, do artigo 414º do CPC, e pela violação, entre outros normativos, do previsto nos artºs 615º, art.º 607º, art.º º 619º do CPC, porquanto, efetuou, com o devido respeito, uma interpretação equivocada dos mesmos e majorou a indemnização de forma incoerente, além do limite da matéria factual assente e do fixado pela decisão liquidanda, por também ter efectuado uma interpretação extensiva e equivocada desta última. 70. O tribunal violou também o art.º 566.º do CC, o qual poderia ter sido aplicado aos autos, porém, sempre considerando que o princípio da equidade prevê uma decisão dentro dos limites do que foi possível ter por provado nos autos, ou seja, com base em elementos de facto indiciadores, nos seus limites mínimo e máximo, e não de forma arbitrária. 71. Entendem os recorrentes que os artºs 615º do CPC, a contrário, art.º 607º e 619.º do CPC deveriam ser aplicados, porém, em sentido diverso do aplicado pelo tribunal e no sentido de quantificar a indemnização, de forma fundamentada, dentro do limite fixado na douta decisão liquidanda, sem interpretação extensiva desta, considerando a matéria de facto assente, não de outra forma arbitrária, porquanto está vinculado à decisão liquidanda, transitada em julgado, não devendo fugir à sua interpretação lógica e racional, quando não for possível seguir apenas uma interpretação literal. Nestes termos e nos melhores de Direito, sempre com o douto suprimento de V. Exas., deve julgar-se procedente o presente recurso, a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que: A) Considere a recorrente BB responsável pela obrigação de indemnização no montante máximo de 2.900,00€, sendo metade para cada trabalhador recorrido; B) Considere o recorrente AA responsável pela obrigação de indemnização fixada em 0,00€, uma vez que os recorridos já foram ressarcidos pelo Fundo de Garantia Salarial relativamente às remunerações dos meses de Junho de 2017 até a data de cessação do contrato de trabalho; ou, caso assim não se entenda, no montante máximo de 1.114,00€, sendo metade para cada trabalhador recorrido; ou ainda, caso assim não se entenda, deve a referida quantia ser acrescida da quantia proporcional dos subsídios de férias de Natal, apurados no montante de 92,84€ por cada trabalhador, o que perfaz um montante total máximo de 1.299,68€, sendo metade para cada trabalhador recorrido. Assim se fazendo a costumada justiça.”
Não consta que o MP tenha apresentado resposta.
O recurso foi admitido pelo tribunal a quo por despacho proferido em 16/04/2024.
Já nesta Relação foi comunicado ao processo o falecimento da recorrida DD, tendo o Ministério Público requerido a competente habilitação de herdeiros (por apenso aos autos de recurso).
Nessa sequência foi a instância recursória declarada suspensa.
Por decisão proferida no apenso A em 22/11/2024, já transitada em julgado, foi decidida a habilitação nos seguintes termos: “declaram-se MA, MF e IA habilitados como sucessores da falecida DD, para, em sua substituição, prosseguirem os autos principais”.
A referida suspensão foi então declarada cessada.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II – DO OBJECTO DO RECURSO
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões no mesmo formuladas, salvo no que concerne à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas pertinentes ao caso concreto e quando estejam em causa questões que forem de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido apreciadas com trânsito em julgado- artigos 5.º, n.º 3, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, todos do CPC. Não está, porém, este tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelos recorrentes, desde que prejudicados pela solução dada ao litígio.
Assim, as questões a decidir traduzem-se em aferir:
1. Impugnação da matéria de facto;
2. Do erro de julgamento:
a) Dos montantes indemnizatórios devidos a cada um dos requerentes;
b) Do montante indemnizatório da responsabilidade de cada um dos requeridos/recorrentes.
*
III – FUNDAMENTAÇÃO
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Na decisão recorrida foi considerada provada a seguinte factualidade: 1. A Devedora PASTELARIA LSP, LDA., pessoa coletiva n.º .., possui sede na Rua …, …, e tem por objeto “Fabrico de Bolos”. 2. A insolvente foi gerida pelos sócios gerentes CC e AA, obrigando-se com a assinatura, em conjunto, dos dois gerentes. 3. A gerência de CC cessou a 05-04-2015, por óbito. 4. A gerência de AA cessou a 02-07-2017, por renúncia. 5. A partir de 14/julho/2017, a Insolvente passou a ser gerida por BB, obrigando-se com a sua assinatura. 6. A Insolvente tinha em funcionamento estabelecimento aberto ao publico de pastelaria, com fabrico próprio. 7. A insolvente encerrou a sua atividade a 31-10-2017. 8. A ação de insolvência foi instaurada por uma trabalhadora, ora Requerente, patrocinada pelo MP em 9-12-2017. 9. Ao tempo, encontravam-se em dívida retribuições reportadas ao trabalho prestado nos meses de maio de 2017 e seguintes, e subsídios de Natal dos anos de 2011, 2012 e 2013. 10. A 13-11-2017, a ora insolvente tinha por pagar ao ISS, IP contribuições e quotizações referentes aos anos de 2016 (desde Agosto) e 2017 (até Maio), no valor global de €20.070,76, juros de mora no valor de €910,10 e custas processuais no valor de €656,12, conforme documento junto com a petição inicial apresentada no processo principal. 11. A insolvência foi declarada no dia 12-04-2018. 12. O processo de insolvência foi encerrado por insuficiência da massa insolvente, nos termos do artigo 232.º do CIRE. 13. Ao tempo do encerramento, existiam no estabelecimento da Devedora mercadorias e imobilizado corpóreo, necessário ao exercício da sua atividade de fabrico de bolos e estabelecimento de pastelaria. 14. As mercadorias e o imobilizado foram afetos ao proveito da gerente BB. 15. A Devedora vendeu o veículo ..-..-DR, Citroen (1.º registo em 1994), a 18-08-2017, o veículo ..-..-LV, Ford Transit (1.º registo em 1998) a 18-08-2017, e o veículo ..-JH-.., Opel (1.º registo em 2010), a 19-09-2017– certidões juntas ao principal. 16. O produto da venda (dos veículos automóveis de matrículas ..-..-DR, ..-..-LV e ..-JH-.. ) foi proveito da gerente BB. 17. A Devedora não emitiu documentos reportando as vendas. 18. São créditos reconhecidos pelo(a) Sr.(ª) Administrador(a) da Insolvência na lista a que alude o art.º 129.º do CIRE, não impugnados: DD // € 5 501.03 capital // € 14 482.00 “Outros”, Indemnização por cessação do contrato por justa causa Créditos emergentes de contrato de trabalho, privilegiados ISS, IP // € 18 260.53 // Créditos privilegiados EE // €4 500.51 capital // € 8 534.17 “Outros”, compensação legal pela cessação do contrato por via da extinção do posto de trabalho // Créditos emergentes de contrato de trabalho, privilegiados P …, LDA. // € 428.41 // Crédito comum 19. Por sentença proferida em 04/10/2020, transitada em julgado em 03/08/2021, foi qualificada como culposa a insolvência da sociedade Devedora, com afetação dos gerentes AA e BB, ora requeridos, sendo estes condenados: // “c. Altera a decisão contida em e) do dispositivo da sentença, condenando-se agora os afectados pela qualificação da insolvência AA e BB a indemnizarem os credores reclamantes, até às forças do seu património, em valor a quantificar em liquidação de sentença, nos termos sobreditos, revogando-se a sentença recorrida no excedente dessa quantia;” São os termos sobreditos: // “não pode a indemnização arbitrada ser fixada sem qualquer limite e tendo apenas por referência o valor dos créditos reconhecidos e graduados não satisfeitos, como se fez na sentença recorrida, antes deve a responsabilidade indemnizatória dos afectados pela qualificação conter-se na medida do dano que os mesmos, com a sua específica conduta, causaram à massa insolvente e, reflexamente, aos credores reclamantes. // Ora, no caso, resulta do provado que os danos causados pelo comportamento dos afectados AA e BB são inferiores ao valor dos créditos reconhecidos. // Assim, a responsabilidade do afectado AA reconduz-se ao agravamento dos danos causados pela não apresentação tempestiva da devedora à insolvência, ou seja, por a devedora não se ter apresentado à insolvência até finais de Maio de 2017. O valor da indemnização deverá corresponder aos montantes das contribuições e quotizações devidas pela ora insolvente à Segurança Social, relativamente aos meses de Junho de 2017 até à declaração da insolvência, desde que contidos na reclamação deduzida nos autos, e aos montantes das remunerações auferidos nesse período pelos trabalhadores DD e EE (credores reclamantes), enquanto estes se mantiveram ao serviço da ora insolvente, cujos quantitativos não foi possível apurar. Essa indemnização será quantificado em liquidação de sentença (art.º 189º, n.º 4, do CIRE). // Já a indemnização da responsabilidade da afectada BB deverá reconduzir-se ao valor de mercado dos bens vendidos (veículos automóveis) e dos demais bens dissipados (mercadorias e restante imobilizado), cujos valores não se apuraram. // Deverá igualmente esse valor ser quantificado em liquidação de sentença.”. 20. Por conta dos créditos laborais, o Fundo de Garantia Salarial pagou aos Requerentes: DD // € 9.292.53 EE // € 9.853.56 21. O ISS, IP reclamou contribuições vencidas em maio de 2016 e maio de 2017 22. O valor de mercado dos bens supra referidos, mercadorias, imobilizado corpóreo e veículos, correspondia a montante não apurado, mas não inferior a € 14.000,00.
Em sede de motivação pode ler-se na sentença: “Os factos 1 a 17 correspondem aos provados no incidente de qualificação. Os factos 18 e 19 correspondem ao teor dos apensos de reclamação e qualificação, respetivamente. O facto 20 decorre do teor das comunicações do Fundo de Garantia Salarial aos autos. O facto 21 resulta do documento junto pelo(a) Sr.(ª) Administrador(a) da Insolvência ao presente apenso. O facto 22 decorre das declarações do Requerente EE, funcionário da Devedora durante 22 anos. Afirmou, de forma credível, porquanto serena e objetiva, que, no dia anterior à cessação ao encerramento do estabelecimento, a empresa encontrava-se a laborar em pleno, “trabalhamos muito bem”, fabricando mais de 3 000 bolos, com “4 homens e 3 mulheres” ao serviço, “tudo funcionava”. Relativamente aos veículos, apenas o Citroen “(…) já tinha uns aninhos, mas ia fazendo algum serviço”. Não olvidamos, o Requerido confessou vendas e dação em pagamento no montante total de € 2.900,00. Todavia, nunca foram apresentados documentos bancários, faturas, recibos, etc., que atestassem o afirmado, na certeza de que se encontrariam na disponibilidade do Requerido. Ora, “(…) Quem sustenta a oralidade do acto ou do negócio deverá fazer uso de uma grande dose de explicitação, que só será plausível quando concorram fatores subjetivos ou objetivos de indocumentação. Por documento entende-se aqui não apenas o documento constitutivo do contrato mas também os atos de execução subsequente do contrato que costumam ser objeto de documentação: recibos, faturas, correspondência. (…) Diversamente, a falta de documentos normalmente ínsitos à execução do contrato gera um rigor semiótico muito significativo (…)”1. Segundo o disposto no artigo 414.º do Código do Processo Civil, na dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova, decide-se contra a parte a quem o facto aproveita. "Este critério faz com que o encargo da prova caiba precisamente à parte que se encontra em melhor situação para a produzir, e, assim, constitui um estímulo para que a prova seja produzida pela parte que mais perfeitamente pode auxiliar a descoberta da verdade: mostra a experiência que, em regra, quem tem a seu favor certo facto se acautela com meios de prova dele." (Vaz Serra, B.M.J. 110, pág. 120). Acresce, as transmissões, quando em contexto de dissipação de bens, realizam-se por valor inferior ao do mercado.”
Oficiosamente, aditam-se os seguintes factos (que resultam de documentação junta ao processo, na sua globalidade, e que não foi impugnada):
23. Encontra-se em dívida ao Instituto da Segurança Social, IP – Centro Distrital de Lisboa o montante global de 18.260,53€, sendo 17.177,94€ de contribuições não pagas e o restante de juros de mora – cfr. certidão junta a 12/01/2024 (Ref.ª/Citius 4692473), nos termos que a seguir se descriminam:
24. O Fundo de Garantia Salarial enviou à requerente DD a carta datada de 23/08/2018, notificando-a de lhe ter sido deferido o pagamento no montante referido no facto n.º 20, assim discriminado:
25. A devedora emitiu declaração datada de 14/12/2015, pela qual assumiu não ter pago à trabalhadora DD os subsídios de natal referentes aos anos de 2011, 2012 e 2013, no montante de 458,35€ cada um.
26. Por carta datada de 21/06/2017 (recepcionada pela afectada BB no dia seguinte) DD comunicou a suspensão do contrato de trabalho (com fundamento, para além do mais, no não pagamento do vencimento de Maio de 2017 e dos subsídios de natal de 2011, 2012 e 2013).
27. A devedora subscreveu a declaração de retribuições em mora, datada de 21/07/2017, com relação ao período de 01 a 30/06/2017.
28. Por carta datada de 06/11/2017, a trabalhadora DD comunicou à devedora a sua resolução do contrato de trabalho, com efeitos imediatos, com fundamento, para além do mais, na falta de pagamento de metade do vencimento de Maio, vencimento de Junho e metade do vencimento de Julho, sempre do ano de 2017, bem como dos subsídios de natal de 2011, 2012 e 2013.
29. A referida trabalhadora auferia um vencimento base de 557€, acrescido de 3,60€ por cada dia efectivo de trabalho a título de subsídio de alimentação e de 0,50€ por cada dia efectivo de trabalho a título de prémio de assiduidade.
*
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Da impugnação da matéria de facto:
Não obstante os recorrentes não tenham autonomizado no seu recurso a questão referente à impugnação da matéria de facto, dúvidas inexistem de a mesma ter sido deduzida, sendo que se entende terem sido cumpridas as exigências previstas pelo artigo 640.º, n.º 1, do CPC, dessa forma nada obstando à apreciação da mesma.[5]
Importa, contudo, realçar que vigora no nosso ordenamento jurídico o princípio da livre apreciação da prova (artigo 607.º, n.º 5 do CPC[6]), pelo que o tribunal sustentará a sua decisão (relativamente às provas produzidas), na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (força probatória plena dos documentos autênticos – artigo 371.º do CCivil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o citado princípio.
Mais se dirá que resulta do disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC ser admissível que, através do recurso, seja alterada a decisão da matéria de facto, considerando-se provados factos que o tribunal a quo considerou não provados, ou procedendo inversamente (o que poderá suceder a partir da reapreciação dos meios de prova ou quando os elementos constantes do processo impuserem decisão diversa).
Feita esta nota introdutória, importa apreciar e decidir da manutenção do facto provado n.º 22, segundo o qual, “o valor de mercado dos bens supra referidos, mercadorias, imobilizado corpóreo e veículos, correspondia a montante não apurado, mas não inferior a € 14.000,00”.
Na sentença recorrida, tal facto foi dado por provado com fundamento nas declarações do requerente EE, bem como no facto de o requerido ter confessado “vendas e dação em pagamento no montante total de € 2 900,00”, mas não ter sido junta qualquer documentação comprovativa de assim ter sucedido – nessa medida se tendo recorrido ao disposto no artigo 414.º do CPC (nos moldes já anteriormente transcritos). Mais se afirmou que as transmissões se terão realizado por valor inferior ao do mercado.
Contrapõem os recorrentes que nenhuma prova foi produzida que permitisse à 1.ª instância ter fixado o valor dos bens em causa no montante de 14.000€.
Para tanto, alegam: “As declarações do trabalhador EE não permitem ao julgador concluir qual a mercadoria existente à data do encerramento, qual o seu valor estimado, qual o mobiliário existente e respectivo valor pelo qual foi ou foram vendidos. // Não constam das declarações do trabalhador, e delas de nada se faz presumir, uma quantificação estimada, sequer aproximada, do mobiliário e mercadorias existentes à data, bem como qual o seu valor. // E mais se dirá que a douta sentença recorrida sequer faz qualquer menção a valores estimados das mercadorias existentes ou mobiliário e não explicita com base em que facto concreto das declarações do trabalhador EE firmou a presunção do valor. // Até porque, apenas o excerto das declarações citado pelo Tribunal a quo não permite chegar a nenhum montante. // (…) não há coerência em concluir, com base nessas declarações, que havia, por exemplo, um estoque de mercadorias, ou que tinham algum valor, ou sequer permite concluir que havia mobiliário com valor comercial.”
Ouvidos os registos referentes à prova produzida em julgamento (aos quais se acedeu), dir-se-á que, com excepção dos valores indicados pelo próprio requerido AA, nenhuns outros foram mencionados, seja quanto aos veículos, seja quanto às mercadorias ou ao imobilizado corpóreo.
Do processo igualmente nada consta que permita alcançar, sequer, um valor aproximado dos bens.
Os únicos valores adiantados foram efectivamente os que foram mencionados pelo requerido AA (expressamente consignados na acta da audiência de julgamento), sem que, no entanto, tal depoimento tenha sido sustentado por qualquer outro meio probatório.
Em momento algum se refere o montante de 14.000€, valor este que, no âmbito do julgamento, é apenas referido pela Mma. Juíza a quo (a qual questionou a recorrente BB no sentido de saber se a soma de todos bens poderia superar tal valor, o que não mereceu resposta afirmativa).
Inexiste, pois, fundamento para que o mesmo tenha sido dado por assente, a tal conclusão não obstando a regra estatuída no artigo 414.º do CPC, já que o referido valor não havia sido invocado pelos requerentes[7] (aliás, nenhuns valores foram adiantados nos articulados apresentados por ambas as partes, o que também não veio a suceder na sequência do convite ao aperfeiçoamento do requerimento inicial quanto a tal matéria).
Por assim ser, não se vislumbra fundamento para que, na sentença recorrida, se tenha firmado o facto de todos os bens terem valor não inferior a 14.000€ (sendo que, para que o juiz se convença da realidade de um facto sempre terá de ter sido produzida prova em conformidade).
O facto de assim se concluir não acarreta, contudo, que se considere provado que os bens em causa tivessem um valor global de apenas 2.900€ (como pretendem os recorrentes).
Assim também não resultou provado, tanto mais que tal montante apenas resultou do depoimento do próprio recorrente AA, o qual não mereceu credibilidade.
Para além de ninguém o ter corroborado, não se poderá deixar de referir que, ouvido o mesmo, sequer se poderá afirmar que se tenha tratado de um depoimento seguro e assertivo. Pelo contrário, o mesmo denotou hesitações, com pausas a antecederem a indicação dos valores pelos quais os bens teriam alegadamente sido transmitidos, o que nos leva a concluir que o mesmo se limitou a referir os valores que referiu sem qualquer sustentação objectiva (foram esses, como poderiam ter sido quaisquer outros)[8].
Como tal, assim como não se mostra possível concluir que o valor dos bens transmitidos/dissipados ascendia a 14.000€, também não se mostrar possível afirmar que o mesmo correspondesse a 2.900€. A dar-se por provado este último montante, estar-se-ia a dar prevalência à convicção dos recorrentes em detrimento da que é alcançada pelo tribunal (seja a 1.ª instância, seja esta Relação) em face da prova produzida.
Por assim ser, impõe-se dar como não provado o facto 22, o qual deverá ser eliminado, procedendo parcialmente a impugnação deduzida pelos recorrentes.
Cumpre, então, conhecer das questões suscitadas em termos de Direito.
Do mérito do recurso (erro de julgamento):
O recurso em apreço reporta-se a um incidente de liquidação que corre termos por apenso ao processo de insolvência, sendo que, no âmbito do apenso de qualificação da mesma (apenso B), para além do mais, foram os aqui recorrentes condenados a indemnizarem os credores da sociedade no montante dos créditos reconhecidos e não impugnados.
Porém, por acórdão desta Relação proferido nesse mesmo apenso em 13/07/2021 (já transitado em julgado), o segmento referente a tal condenação veio a ser alterado nos seguintes termos: “condenando-se agora os afectados pela qualificação da insolvência AA e BB a indemnizarem os credores reclamantes, até às forças do seu património, em valor a quantificar em liquidação de sentença, nos termos sobreditos, revogando-se a sentença recorrida no excedente dessa quantia”.
Segundo os referidos termos sobreditos, a responsabilidade indemnizatória dos afectados deverá “conter-se na medida do dano que os mesmos, com a sua específica conduta, causaram à massa insolvente e, reflexamente, aos credores reclamantes”, tendo-se defendido que tais danos são inferiores ao valor dos créditos reconhecidos.
E, esclareceu-se: “a responsabilidade do afectado AA reconduz-se ao agravamento dos danos causados pela não apresentação tempestiva da devedora à insolvência, ou seja, por a devedora não se ter apresentado à insolvência até finais de Maio de 2017. O valor da indemnização deverá corresponder aos montantes das contribuições e quotizações devidas pela ora insolvente à Segurança Social, relativamente aos meses de Junho de 2017 até à declaração da insolvência, desde que contidos na reclamação deduzida nos autos, e aos montantes das remunerações auferidos nesse período pelos trabalhadores DD e EE (credores reclamantes), enquanto estes se mantiveram ao serviço da ora insolvente, cujos quantitativos não foi possível apurar. // (…) Já a indemnização da responsabilidade da afectada BB deverá reconduzir-se ao valor de mercado dos bens vendidos (veículos automóveis) e dos demais bens dissipados (mercadorias e restante imobilizado), cujos valores não se apuraram.”
O referido acórdão fixou, assim, os critérios que teriam de presidir à fixação da indemnização devida aos aqui recorridos, tendo determinado expressamente que os valores a pagar a esse título teriam de ser quantificados em sede de liquidação de sentença (porquanto não se encontrava apurado quais os referidos montantes correspondentes à contribuições e quotizações, remunerações e valores de mercado).
Estamos, assim, no âmbito da previsão do n.º 2 do artigo 609.º do CPC – “Se não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado (…)” -, pois, apesar de a ocorrência do dano estar já assente, resta quantificar a respectiva indemnização, o que, como determinado no acórdão condenatório, deverá ser feito “em função do grau de ilicitude e culpa manifestado nos factos determinantes da qualificação da insolvência como culposa” (a única questão em aberto é a medida da liquidação e nunca a existência do direito respectivo[9]). Acresce que, como já referido, considerou-se igualmente que “resulta do provado que os danos causados pelo comportamento dos afectados AA e BB são inferiores ao valor dos créditos reconhecidos” (como mais adiante se desenvolverá)[10].
Obviamente que o pedido de liquidação nunca poderá exceder o que tiver sido decidido na sentença condenatória, a qual irá complementar.
Isto posto, vejamos cada uma das questões suscitadas pelos recorrentes.
Da indemnização da responsabilidade do recorrente AA:
Como resulta do acórdão proferido no apenso B, a responsabilidade deste afectado “reconduz-se ao agravamento dos danos causados pela não apresentação tempestiva da devedora à insolvência, ou seja, por a devedora não se ter apresentado à insolvência até finais de Maio de 2017. O valor da indemnização deverá corresponder aos montantes das contribuições e quotizações devidas pela ora insolvente à Segurança Social, relativamente aos meses de Junho de 2017 até à declaração da insolvência, desde que contidos na reclamação deduzida nos autos, e aos montantes das remunerações auferidos nesse período pelos trabalhadores DD e EE (credores reclamantes), enquanto estes se mantiveram ao serviço da ora insolvente”.
Contribuições e quotizações devidas pela insolvente à Segurança Social
Apenas serão de contabilizar os montantes referentes ao período decorrente entre o mês de Junho de 2017 e a data na qual foi a insolvência declarada, ou seja, 12/04/2018, “desde que contidos na reclamação deduzida nos autos”.
Ora, a reclamação de créditos apresentada pela Segurança Social reporta-se apenas ao período decorrente entre Maio de 2016 e Maio de 2017, nada mais tendo sido reclamado após este período.
Trata-se, contudo, de questão que, para o caso se mostra inócua, já que o presente recurso versa tão somente sobre o montante indemnizatório a pagar aos requerentes/trabalhadores (razão pela qual, na sentença recorrida, nada se contabilizou por conta do crédito da Segurança Social).
Remunerações dos requerentes/recorridos
Nesta parte, conforme decidido, importa valorar o mesmo hiato temporal - Junho de 2017 até 12/04/2018 -, com a particularidade de o mesmo se limitar ainda ao período no qual ambos os trabalhadores “se mantiveram ao serviço da ora insolvente”.
Sustentam os recorrentes que, tendo a acção de insolvência sido proposta em 09/12/2017, e tendo o FGS (Fundo de Garantia Salarial) pago aos trabalhadores, por conta dos créditos laborais, a quantia global de 19.698,73€, neste valor foram já englobadas as remunerações devidas dentro do período de referência (os seis meses que antecedem a propositura da acção contam-se precisamente desde Junho de 2017). Consideram, assim, nada haver a indemnizar a esse título.
Mas, acrescentam, caso assim se não entenda, “a quantia de remuneração apurada no período entre Junho de 2017 até a declaração de insolvência, enquanto os trabalhadores se mantiveram ao serviço da insolvente, é largamente inferior ao remanescente das reclamações de créditos e ao que foi fixado pelo douto Tribunal a quo”.
Concretizam que a trabalhadora DD apenas exerceu funções até Junho de 2017, auferindo o correspondente ao SMN (à data, de 557€). Quanto muito, dizem, seria de atender ao montante de 649,84€ (SMN, acrescido dos proporcionais de subsídios de férias e de Natal). Como última hipótese, apesar de o refutarem, invocam o valor de 992,37€, aqui se valorando um salário de 647,20€ no mês de Junho/2017 (vencimento base+subsídio de alimentação+prémio de assiduidade, não obstante defenderem que estas duas parcelas não deverão ser consideradas como remuneração), acrescido de 345,17€ de salário no mês de Julho/2017 (até ao dia 16). A tais valores acresceriam eventualmente os proporcionais de subsídios de férias e de Natal (que computam em 92,84€).
Já o trabalhador EE, o qual trabalhou até Julho/2017 e auferia 557€, apenas este montante será devido (o único em dívida), ou, caso assim se entenda, ao mesmo acrescerão os proporcionais de subsídios de férias e de Natal (92,84€).
Alegam que o tribunal recorrido se limitou a fixar a indemnização no correspondente ao remanescente reclamado pelos trabalhadores e não pago pelo FGS, insurgindo-se contra o decidido por entenderem que os montantes reclamados a título de indemnização não poderiam ter sido valorados (referem que a indemnização não se enquadra no conceito de remuneração, para além de não se reportar a período no qual os trabalhadores estivessem ao serviço da insolvente).
Na sentença recorrida consignou-se: “Interpretamos o segmento “remunerações auferidas” como integrando indemnização por cessação do contrato. Razão não haveria para limitar a indemnização a salários em atraso, quantias menos significativas. // Concluindo, ao Requerido caberá obrigação de indemnização no montante total dos créditos ainda não satisfeitos, € 13 871,62 (DD, € 10 690,5 e EE, € 3 181,12), acrescida de juros desde a presente decisão”.
Também nós entendemos que os montantes devidos a título de indemnização/compensação pela cessação dos vínculos não poderiam deixar de ser valorados, como se passará a explicar.
Desde logo importa referir que, para os efeitos que aqui relevam, não nos poderemos cingir aos conceitos puramente juslaborais, porquanto a responsabilidade dos sujeitos afectados pela qualificação da insolvência sempre terá que ser apurada no quadro de um processo insolvencial.
Por assim ser, aqueles que são afectados pela qualificação respondem pelos danos que os credores sofreram (ao não verem os respectivos créditos ressarcidos pela massa insolvente) e que não teriam sofrido se aqueles não tivessem assumido as condutas que, culposamente, levaram à criação ou agravamento da insolvência e à insuficiência do património da sociedade insolvente (sempre na medida das respectivas contribuições).
Mas, mesmo que assim não fosse, dir-se-á que o conceito de remuneração não traduz, sem mais, os montantes pagos a título de salários.
Como refere Maria do Rosário Palma Ramalho[11], há que distinguir entre remuneração em sentido amplo e remuneração em sentido restrito, ou retribuição. “De acordo com esta construção, a retribuição (ou remuneração em sentido estrito) corresponde à prestação patrimonial, em dinheiro ou em espécie, regular e periódica, que é devida ao trabalhador por força do seu contrato, das normas que o regem ou dos usos, como contrapartida do seu trabalho. // A par do conceito de retribuição e tendo em conta o débito remuneratório amplo do empregador, o conceito de remuneração em sentido amplo, ou simplesmente, remuneração engloba o conjunto das vantagens patrimoniais de que o trabalhador beneficia em razão do seu contrato de trabalho e que podem ou não decorrer do trabalho prestado”. Pode-se, assim, falar em prestações remuneratórias de índole retributiva e prestações remuneratórias de índole indemnizatória[12].
As primeiras reportam-se aos montantes pagos pelo empregador ao trabalhador, a título de contraprestação pelo trabalho que o mesmo presta. Já as segundas abarcam todos os montantes que sejam auferidos pelo trabalhador na sequência do seu contrato de trabalho (inclusive os que resultam da sua cessação)[13].
Por pertinente, veja-se o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 498/2003, de 22/10/2003 (Proc. n.º 317/02, relatora Maria dos Prazeres Pizarro Beleza), disponível in www.dgsi.pt, como todos os demais que vierem a ser citados, no qual se pode ler: “é manifesto que o crédito à indemnização desempenha uma evidente função de substituição do salário perdido.”
Como se consignou no sumário do acórdão do STJ de 16/12/2021 (Proc. n.º 970/18.2T8PFR.P1.S1, relator Fernando Baptista), “I – As regras da interpretação dos negócios jurídicos são aplicáveis à interpretação das sentenças enquanto actos jurídicos. Daí que uma sentença judicial (por via do estatuído no citado art.º 295º) deve ser interpretada à luz do art.º 236º, ambos do Código Civil. (…)”.
Neste aresto se podendo ainda ler: “(…) a liquidação da sentença destina-se tão somente a ver concretizado o objecto da sua condenação (genérica), mas, obviamente, sempre respeitando (ou nunca ultrapassando) o caso julgado formado na mesma sentença condenatória a liquidar. Ou seja, tem, forçosamente, de obedecer ao que foi decidido no dispositivo da sentença. // Ou seja, como bem se observa no Ac. do STJ de 22.5.2014, “I - A liquidação (processada como incidente nos termos dos arts. 378.º do CPC em vigor quando a acção se iniciou e atualmente nos arts. 358.º e ss.) destina-se a «fixar o objeto ou a quantidade» da condenação proferida em termos genéricos, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 609.º do CPC, não podendo contrariar o que ficou julgado, nomeadamente, corrigindo-o”. // (…) não está aqui em causa a excepção dilatória de caso julgado, mas, sim, uma alegada autoridade do caso julgado (formado pela referida sentença no processo principal).”
E, no que concerne à interpretação da sentença, acrescenta: “(…) releva aqui o sentido que seria considerado por uma pessoa normalmente diligente, sagaz e experiente em face dos termos da declaração e de todas as circunstâncias situadas dentro do horizonte concreto do declaratário. // (…) a interpretação da sentença não pode assentar exclusivamente na análise do sentido da parte decisória, tendo naturalmente que considerar os seus antecedentes lógicos, toda a fundamentação que a suporta, sem deixar de ter em conta outras circunstâncias relevantes, mesmo posteriores à respectiva elaboração.”
Como o STJ aqui defendeu, “é certo que na acção declarativa com sentença transitada (cujos efeitos positivos se impõem, portanto, sobre o presente incidente de liquidação), em cujo dispositivo figura o segmento condenatório que ora se pretende liquidar, foram dados como provados os factos (tidos por relevantes ao mérito da causa) nela elencados (…). E foi, precisamente, a ponderação dessa factualidade e demais fundamentação vertida na elaboração da sentença que levou ao juízo decisório (…)”.
O acórdão condenatório de 13/07/2021 alude apenas aos montantes das remunerações auferidas enquanto se mantiveram ao serviço da insolvente.
Importa, no entanto, não esquecer que, da matéria de facto valorada no mesmo, apenas consta o montante global dos créditos laborais que tinham sido reconhecidos a cada um dos requerentes (daí ser compreensível que o acórdão condenatório não tenha feito qualquer destrinça entre os valores que seriam devidos a título de retribuição e os que era devidos a outro título, limitando-se a mencionar remunerações).
Com efeito, no apenso B (qualificação da insolvência) considerou-se provado que: “7. A insolvente encerrou a sua atividade a 31-10-2017. // 8. A ação de insolvência foi instaurada por uma trabalhadora patrocinada pelo MP em 9-12-2017. // 9. Ao tempo, encontravam-se em dívida retribuições reportadas ao trabalho prestado nos meses de maio de 2017 e seguintes, e subsídios de Natal dos anos de 2011, 2012 e 2013. (…) // 13. Na lista a que alude o art.º 129.º do CIRE, o Sr. Administrador da Insolvência reconheceu os seguintes créditos: DD € 19.983,03, privilegiado, laboral ISS, IP € 18.260,53 privilegiado EE € 13.034,68 privilegiado, laboral P…, Lda. € 428,41 comum // 14. O Fundo de Garantia Salarial pagou, por conta dos créditos laborais, € 19.146,09 e € 19.698,73 – requerimentos juntos ao apenso de reclamação de créditos.”
Já na sentença recorrida, os factos acabados de transcrever sob os n.ºs 7 a 9 mantiveram-se e, com relação aos créditos dos trabalhadores, considerou-se provado: “18. São créditos reconhecidos pelo(a) Sr.(ª) Administrador(a) da Insolvência na lista a que alude o art.º 129.º do CIRE, não impugnados: DD // € 5.501.03 capital // € 14.482.00 “Outros”, Indemnização por cessação do contrato por justa causa Créditos emergentes de contrato de trabalho, privilegiados (…) EE // €4.500.51 capital // € 8.534.17 “Outros”, compensação legal pela cessação do contrato por via da extinção do posto de trabalho // Créditos emergentes de contrato de trabalho, privilegiados (…) (…) 20. Por conta dos créditos laborais, o Fundo de Garantia Salarial pagou aos Requerentes: DD // € 9.292.53 EE // € 9.853.56”
Veio então o tribunal recorrido a considerar que, nesta matéria, o montante a contabilizar para efeitos indemnizatórios seria de 13.871,62€, sendo 10.690,50€ devidos à trabalhadora DD – [(5.501,03€+14.482€)-9.292,53€] – e 3.181,12€ ao trabalhador EE – [(4.500,51€+8.534,17€)-9.853,56€].
Vejamos se assim deverá ser.
Como se refere no citado acórdão condenatório (de 13/07/2021), “[s]e a devedora se tivesse então apresentado à insolvência, esta teria sido imediatamente decretada (art.º 28º do CIRE) e não teriam sido contraídas novas dívidas (à Segurança Social e para com os trabalhadores)”.
No caso dos trabalhadores, as novas dívidas contraídas prendem-se, não apenas com as retribuições que se venceram após Maio de 2017 (e que não foram liquidadas), mas igualmente com o crédito que resultou da cessação dos respectivos vínculos laborais. Estão, pois, em causa, remunerações de índole retributiva e remunerações de índole indemnizatória, as quais são devidas pelo período que aqui releva.
Refira-se, inclusive, que a trabalhadora DD teve o seu contrato suspenso com fundamento no não pagamento de remunerações, vindo a resolve-lo com justa causa apenas em 06/11/2017. Acresce que, caso a devedora se tivesse apresentado à insolvência até ao final de Maio de 2017, sequer existiria fundamento para que a trabalhadora em causa tivesse resolvido o seu contrato com fundamento no não pagamento de retribuições (as quais apenas deixaram de ser pagas a partir desse preciso mês).
E, no que concerne ao trabalhador EE, não obstante ao mesmo tenha sido reconhecido um crédito correspondente, em parte, à compensação pela cessação do seu vínculo por extinção do posto de trabalho, não se poderá deixar de atender que, para efeitos de cálculo da mesma, sempre se mostra relevante o tempo que tal vínculo durou (quanto mais longo, maior será a compensação – cfr. artigo 366.º do CT).
Sendo certo que, independentemente do momento em que a apresentação à insolvência ocorra, sempre os trabalhadores teriam direito a ser compensados pela cessação (caducidade) dos vínculos laborais - compensação essa a calcular com referência à data do início do contrato e à data na qual ocorre o encerramento total ou definitivo da empresa (cfr. artigo 346.º, n.ºs 3 e 5, do CT), também é verdade que, nos autos, o recorrente nada alegou/provou que permitisse levar a cabo qualquer restrição do montante reclamado pelo trabalhador EE (tanto mais que se desconhece quando o mesmo terá sido admitido ao serviço da devedora).
Por assim ser, sempre inexistiram elementos factuais que permitissem restringir os montantes indemnizatórios/compensatórios já reconhecidos no processo como sendo os devidos aos trabalhadores.
Importa também referir que na oposição deduzida pelos recorrentes ao presente incidente de liquidação, os mesmos não puseram em causa os montantes que teriam que ser contabilizados para efeitos das remunerações (como pretendem agora fazê-lo através do presente recurso, designadamente quando defendem que apenas o vencimento base deverá ser valorado), tendo-se limitado a impugnar, sem mais, os arts. 5.º e 9.º[14] do requerimento inicial.
Ou seja, temos por assente que, em face da conduta do recorrente AA (não apresentação atempada à insolvência), novas dívidas foram efectivamente contraídas, entre elas se incluindo os créditos laborais que foram reclamados e que vieram a ser reconhecidos e provados (sem qualquer impugnação por parte dos recorrentes).
Note-se, que no âmbito do presente incidente, não está em causa liquidar os créditos dos trabalhadores sobre a insolvente (os quais estão há muito assentes), mas unicamente liquidar a indemnização em que os recorrentes/afectados pela qualificação foram condenados a pagar-lhes (não sendo, pois, o momento para questionar tais créditos, não havendo que valorar ou ponderar quaisquer outros critérios/factores para a fixação da indemnização, que não sejam os que foram já determinados por esta Relação, por acórdão transitado em julgado).
E também não está em causa apurar qual o montante dos créditos dos trabalhadores que não foi satisfeito (o que se mostra igualmente pacífico, porquanto corresponde à diferença entre os valores que foram reclamados e reconhecidos e os valores que foram pagos pelo FGS, valores esses devidamente comprovados nos autos), mas antes em que medida os recorrentes contribuíram para a criação ou agravamento da insolvência culposa e para os danos daí decorrentes (o que irá permitir determinar o concreto montante indemnizatório a pagar).
Estando definitivamente decidido que o recorrente AA contribuiu para o agravamento da insolvência e que, em face de assim ser, terá de responder pelas remunerações (entendendo-se estas nos moldes anteriormente defendidos) auferidas pelos trabalhadores entre Junho de 2017 e 12/04/2018, numa primeira leitura, poder-se-ia corroborar ser o montante indemnizatório da sua responsabilidade o fixado na sentença recorrida.
Importa, no entanto, fazer uma ressalva: nos créditos reclamados pela trabalhadora DD incluem-se os referentes aos subsídios de Natal dos anos de 2011, 2012 e 2013 (créditos que não se inserem no período delimitado pelo acórdão condenatório), num total de 1.375,05€ (458,35€ cada – cfr. petição inicial de insolvência, o que a trabalhadora veio a corroborar em sede de declarações de parte).
Ora, não se poderá considerar que esse montante tenha resultado do facto de a devedora não se ter apresentado à insolvência até ao final de Maio de 2017 (logo, que corresponda a dano que tenha sido causado pela conduta do referido recorrente)[15].
Igual conclusão se impõe extrair para as parcelas retributivas reclamadas com relação ao mês de Maio de 2017 - 230€ - e às férias e subsídio de férias vencidas a 01/01/2017 – 1.114€ (cfr. petição inicial de insolvência, sendo que, em sede de declarações de parte, a trabalhadora referiu ter-lhe sido pago metade da retribuição devida pelo mês de Maio)[16].
Como refere o acórdão da Relação do Porto de 21/04/2022 (Proc. n.º 3668/18.8T8STS-B.P1, relator Paulo Dias da Silva), “a indemnização devida não pode ser fixada em montante igual ao dos créditos reconhecidos no processo de insolvência e que não obterão pagamento, mas fazendo apelo a um juízo equitativo, ponderando a culpa do afectado, que deverá responder apenas na medida em que o prejuízo possa/deva ser atribuído ao acto ou actos determinantes dessa culpa.”
E, no acórdão do STJ de 12/12/2023 (Proc. n.º 3146/20.5T8VFX-B.L1.S1, relatora Olinda Garcia) decidiu-se que: “O art.º 189º, n.2, alínea e) do CIRE, conjugado com o n.4 deste artigo, não prevê uma responsabilização automática dos sujeitos afetados pela qualificação da insolvência culposa determinante do pagamento da totalidade dos créditos reconhecidos para serem pagos pela (insuficiente) massa insolvente. Tal norma não estabelece uma responsabilidade contratual sucedânea desses sujeitos pelas dívidas da insolvente. Trata-se, antes, de uma responsabilidade extracontratual, a apurar na medida da verificação dos respetivos pressupostos gerais, cujo montante tem como limite máximo o valor dos créditos graduados”.
Os créditos respeitantes a tais direitos não correspondem a prejuízos que não se teriam verificado caso a devedora se tivesse apresentado à insolvência até ao final de Maio de 2017 (já que todos eles se constituíram em momento anterior). Logo, a conduta do afectado AA (traduzida no facto de não ter ocorrido uma apresentação atempada à insolvência) não foi causal dos mesmos.
Como tal, a indemnização da responsabilidade do recorrente AA ascende ao montante global de 11.152,57€, sendo 7.971,45€ devidos à trabalhadora DD (agora, devidos aos seus herdeiros devidamente habilitados) e 3.181,12€ ao trabalhador EE, acrescido dos legais juros de mora.
Refira-se, por fim, estar respeitado o decidido no acórdão que determinou a presente liquidação – no qual se afirmou que “resulta do provado que os danos causados pelo comportamento dos afectados AA e BB são inferiores ao valor dos créditos reconhecidos” -, já que o valor agora liquidado é muito inferior ao valor do passivo da insolvente (não só à globalidade dos créditos reconhecidos, ou seja, a 51.706,65€ -, como também com relação aos créditos dos requerentes que não foram satisfeitos, ou seja, 33.017,71€ - cfr. facto provado n.º 18) .
Da indemnização da responsabilidade da recorrente BB:
Como resulta demonstrado, por decisão transitada em julgado, a conduta da gerente, aqui recorrente, integra a previsão normativa das alíneas a) e d) do n.º 2 do art.º 186º do CIRE, pois que a mesma dissipou o imobilizado da devedora/insolvente sem uma justa ou legítima correspondência prestacional, dispondo desses bens em proveito pessoal. Com tal conduta, agravou a situação de insolvência da devedora.
Valor de mercado dos bens transmitidos/dissipados
Sendo certo que o processo de insolvência foi encerrado por insuficiência da massa insolvente, em face do decidido pelo acórdão proferido no apenso de qualificação de insolvência, importava apurar o valor de mercado dos bens vendidos (veículos automóveis) e dos demais bens dissipados (mercadorias e demais imobilizado), sendo esse o critério delimitador do quantitativo indemnizatório a pagar pela recorrente/afectada BB (cuja responsabilidade, ao contrário do que sucede com o recorrente AA, não se mostra limitada por qualquer momento temporal, designadamente com aquele em que a devedora se deveria ter apresentado à insolvência e aquele no qual o veio a fazer).
Porém, tal valor não foi alcançado (conclusão que decorre da decisão referente à impugnação da matéria de facto e consequente eliminação do facto provado n.º 22).
Ou seja, a falta de elementos factuais nessa matéria, não veio a ser colmatada no âmbito do incidente de liquidação (o que não será de estranhar, porquanto, com excepção dos veículos automóveis, sequer se mostram descriminados/identificados os demais bens – cfr. facto provado n.º 13).
Segundo o disposto no n.º 4 do artigo 360.º do CPC, “[q]uando a prova produzida pelos litigantes for insuficiente para fixar a quantia devida, incumbe ao juiz completá-la mediante indagação oficiosa, ordenando, designadamente, a produção de prova pericial”. Porém, o recurso à prova pericial apenas será de determinar caso se mostre viável o que, no caso, não sucede (tanto mais que nenhum dos bens foi apreendido), assim como não se vislumbra que qualquer outra diligência probatória pudesse ter sido levada a efeito (sendo que também nada foi alegado nesse sentido).
Ora, quando assim sucede, na ausência de prova que permita fixar a quantia devida, compete ao juiz fixá-la com recurso a critérios de equidade[17] – cfr. artigo 566.º, n.º 3, do CC, segundo o qual, “Se não puder ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados”.
Com efeito, inexiste impedimento legal a que se recorra à equidade na fase de liquidação da sentença, tanto mais que sempre terá que ser fixado o quantitativo indemnizatório (não sendo permitido um non liquet, já que tal significaria uma violação do direito já reconhecido na decisão condenatória).
Citando Salvador da Costa[18], “o incumprimento do ónus de prova pelo requerente não provoca a improcedência do seu pedido de liquidação (…) sendo a prova produzida, indicada pelo requerente e pelo requerido, inconclusiva para o apuramento da quantia devida, e não se configurando a existência de outros meios de prova, incluindo a pericial, idóneos à liquidação cuja produção o juiz possa ordenar oficiosamente para o referido efeito, propendemos a considerar poder ser fixada pelo tribunal com base na equidade, nos termos do artigo 566º, nº 3, do CC.”
Como se sumariou no acórdão desta Relação de Lisboa de 01/10/2014 (Proc. n.º 2656/04.6TVLSB-A.L2-6, relator Vítor Amaral), “(…) 2. - Ao relegar para ulterior fase de liquidação de sentença o apuramento do valor que o credor tem a receber, o tribunal da condenação já reconheceu a existência de um direito de crédito, que apenas não foi quantificado, devendo sê-lo na posterior liquidação. 3. - Nada obsta a que a equidade funcione como último critério na fase de liquidação, se também em tal fase se mostrou impossível proceder à quantificação do dano concreto, caso em que a fixação dos danos segundo juízos de equidade constitui matéria de direito, fazendo apelo a bitola jurídica. 4. - A equidade, como justiça do caso, mostra-se apta a colmatar as incertezas do material probatório, bem como a temperar o rigor de certos resultados de pura subsunção jurídica, na procura da justa composição do litígio, fazendo apelo a dados de razoabilidade e equilíbrio, tal como de normalidade, proporção e adequação às circunstâncias concretas, sem cair no arbítrio ou na mera superação da falta de prova de factos que pudessem ser provados.”[19]
Também o STJ, assim o defendeu nos seus acórdãos de 29/06/2017 (Proc. n.º 4081/14.1TCLRS.L1.S1, relator Olindo Geraldes) - “(…) II. Havendo decisão judicial condenatória numa obrigação genérica, a decisão no incidente da liquidação há de corresponder, necessariamente, à fixação de uma quantia certa, tanto por efeito da prova produzida, como por efeito do critério da equidade (…)” – e de 16/12/2021 (já anteriormente citado) – “(…) III. O incidente de liquidação não pode culminar na negação de um direito anteriormente firmado por sentença. Sendo que, neste domínio, a única questão em aberto é a da medida da liquidação e nunca a existência do direito respectivo. IV – Se, mesmo após a iniciativa oficiosa, a prova produzida em tal incidente for insuficiente para fixar a quantia devida, deverá o juiz, como última ratio, recorrer à equidade a fim de se lograr fixar aquele quantitativo.”
Veja-se, ainda, o acórdão da Relação de Coimbra de 18/12/2013 (Proc. n.º 1627/08.8TBAVR.C2, relator Barateiro Martins) – “1 – Quando uma sentença condena no que se vier a apurar em incidente de liquidação fica certa a condenação duma parte a favor da outra, permanecendo apenas incerta a “quantidade” da condenação; ou seja, está à partida afastada a possibilidade processual de, no consequente incidente de liquidação, se concluir que não há qualquer “quantidade” a pagar. 2 – Caso não se apure exacta e precisamente o que se relegou para liquidação, impõe-se efectuar um julgamento “ex aequo et bono” e julgar/fixar equitativamente, dentro dos limites provados na acção (e que conduziram à condenação genérica), a “quantidade” a pagar.”[20]
Abrangendo a responsabilidade da afectada BB o montante dos créditos reconhecidos e não pagos (sendo esse o montante máximo a considerar para efeitos de indemnização), com o limite correspondente ao valor dos bens que subtraiu e que integrariam a massa insolvente, o certo é que, como já referido, mostrou-se inviável apurar o valor de mercado dos bens em causa (se tal valor tivesse sido provado, seria esse o montante a fixar a título de indemnização a pagar pela recorrente BB).
Impõe-se, pois, recorrer a critérios de equidade para aferir do quantum indemnizatório a pagar pela recorrente.
Na sentença recorrida, fixou-se o montante indemnizatório a pagar por ambos os recorrentes (solidariamente) em 13.871,62€, acrescidos de juros de mora, mas, com relação à afectada BB, fixou-se em 14.000€ o limite até ao qual a mesma teria que responder.
Julgamos, contudo, que também, nesta parte, o decidido terá de ser reavaliado.
Para tanto, há que ter subjacente que:
- segundo o princípio geral, o montante indemnizatório tem como limite máximo o montante dos créditos não satisfeitos, ressalvando-se o caso de ser inferior o valor dos danos que resultam da concreta actuação/contribuição dos afectados,
- no caso, o processo de insolvência foi encerrado por insuficiência da massa insolvente, sendo que nenhum bem foi apreendido (inexiste, assim, qualquer activo da massa insolvente),
- não obstante a contribuição da recorrente BB se cinja àquele que seria o valor de mercado dos bens pela mesma transmitidos/dissipados (veículos automóveis e mercadoria e imobilizado corpóreo), desconhece-se qual seja tal valor,
- nesses bens incluem-se três veículos automóveis – um Citroen (com 1.º registo em 1994), um Ford Transit (com 1.º registo em 1998) e um Opel (com 1.º registo em 2010),
- os demais bens não foram identificados (embora no parecer apresentado pelo AI no apenso B se refira “máquinas, fogões, loiças e outros utensílios”, refere-se igualmente não ter sido possível conhecer “dos valores realizados com a venda dos mesmos”).
Tendo sido já decidido que a recorrente contribuiu para o agravamento da situação de insolvência com a sua conduta – que integra duas qualificativas do artigo 186.º, n.º 2 –, sempre se terá ainda de atender aos moldes em que a mesma actuou (os bens saíram do património da devedora sem qualquer registo documental que permita aferir do valor dos mesmos e daquele pelo qual terão sido transmitidos, o que se assumia como relevante/essencial para delimitar o dano/prejuízo concretamente ocorrido e, nessa medida, delimitar a sua responsabilidade).
Considerando, por um lado, que a mesma não logrou demonstrar que os danos causados com a sua conduta tenham sido de montante inferior ao montante dos créditos dos requerentes que não foram satisfeitos[21], por outro lado, há que valorar, em face da prova produzida no processo, quais os bens que deixaram de poder responder por tais créditos.
Isto posto, considerando que estão em causa três veículo automóveis (não podendo concluir-se que os mesmos, não obstante o número de anos que tinham, não tivessem valor comercial, tanto mais que se desconhece o exacto estado em que se encontravam à data em que foram transmitidos, mas não se podendo deixar de ter em atenção que não tiveram como destino a sucata) e, pelo menos, maquinaria/electrodomésticos que permitiam o normal funcionamento da pastelaria (que, não obstante se desconhecer o seu valor, segundo resultou do depoimento de parte do recorrente AA, nunca o mesmo seria inferior a 1.000€), afigura-se-nos ser de fixar o valor dos mesmos em 11.500€ (valor também ele aquém do correspondente aos créditos reconhecidos e que ficaram por satisfazer).
Assim, não obstante a responsabilidade da recorrente BB tenha que abranger a totalidade dos créditos reconhecidos aos trabalhadores e que não foram satisfeitos, estará a mesma limitada ao montante do dano que causou (11.500€).
O montante agora fixado, para além de não se poder considerar desfasado do que poderia corresponder aos valores dos bens em causa (ou seja, do que se poderia obter com a liquidação desses bens no âmbito da insolvência e, nessa sequência, ressarcir os credores/trabalhadores), igualmente não se considera ser excessivo, desproporcional ou desrazoável.
Como se escreveu no acórdão do STJ de 22/06/2021 (Proc. n.º 439/15.7T8OLH-J.E1.S1, relator Barateiro Martins), “a observância do princípio da proporcionalidade não exige que a indemnização a impor tenha que ser avaliada como justa, razoável e proporcionada, mas sim e apenas, num contexto mais lasso, que a indemnização a impor não seja avaliada como excessiva, desproporcionada e desrazoável”.
Da solidariedade da responsabilidade dos recorrentes
Como expressamente previsto no artigo 189.º, n.º 2 do CIRE, a responsabilidade entre todos os afectados é solidária.
Trata-se de uma imposição legal, sendo que o facto de o n.º 4 do mesmo preceito consagrar a possibilidade de o montante indemnizatório vir a ser determinado em sede de liquidação de sentença (por forma a indagar/calcular o montante dos prejuízos sofridos em consequência da concreta actuação de cada um dos afectados), em nada afasta o regime da solidariedade (e nem o acórdão desta Relação proferido no apenso B assim o refere – razão pela qual carece de fundamento a alegação de ter a sentença recorrida violado a autoridade do caso julgado que de tal aresto resulta).
O facto de ter que se aferir da contribuição de cada um dos afectados para a produção dos danos/prejuízos ocorridos, por forma a que seja fixada a medida da obrigação indemnizatória de cada um (contribuição de cada um deles para a criação ou agravamento da insolvência, valorando-se os respectivos graus de culpabilidade e gravidade dos actos ilícitos imputados a cada uma das condutas e inerente produção dos danos pelas mesmas causadas) não afasta o referido regime[22].
Simplesmente, provando-se que a conduta de cada um dos afectados não foi causal de todo o dano sofrido (no caso, correspondente ao montante dos créditos não satisfeitos), mas tão somente de um dano menor (valor inferior ao do passivo não satisfeito), cada um dos afectados deverá indemnizar os credores na correspondente medida.
Estando já assente qual a contribuição que cada um dos recorrentes teve para o agravamento da situação de insolvência e qual o dano causado por cada uma das respectivas condutas, dano esse que, pese embora seja muito similar, não é exactamente o mesmo – sendo o dano imputável ao afectado AA no valor de 11.152,57€ e sendo o imputável à afectada BB de 11.500€ -, a questão que se coloca é saber como conciliar tais conclusões com o facto de estarmos perante uma responsabilidade solidária.
Ainda em momento anterior ao da entrada em vigor da Lei n.º 9/2022 de 11/01, a qual veio alterar a redacção da al. e) do n.º 2 do artigo 189.º, a doutrina maioritariamente defendia que a medida da contribuição dos afectados apenas tinha relevância no âmbito das relações internas (e já não perante os credores).
Posição assumida por Luís Correia Araújo[23] - “nas relações externas (perante os credores) a qualquer um dos responsáveis pode ser exigido o pagamento integral da indemnização. Esta norma é coerente com o disposto no art.º 73º do CSC, aplicável aos diferentes tipos de responsabilidade perante credores por remissão dos art.º 78º, nº 5, e 79º, nº 2, do CSC. A solidariedade na responsabilidade dos administradores aplica-se apenas entre os que, numa análise individual, sejam responsáveis (…) Quanto às relações internas, o artigo 189º do CIRE é omisso, pelo que nos parece dever seguir-se o regime da solidariedade na responsabilidade societária previsto no art.º 73º do CSC, que segue aliás o regime dos arts. 516º e 497º do Código Civil. Desta forma, nos termos do nº 2 do art.º 73º do CSC, caso algum afetado consiga demonstrar que a sua culpa ou participação na produção dos danos é inferior à dos restantes, poderá obter uma repartição dos encargos nas relações internas diferente da mera divisão em partes iguais. (…) Em caso de pluralidade de afetados, o juiz deve, na sentença de qualificação, fixar o grau de culpa de cada um, nos termos do art.º 189º, nº 2, al. a). Esta fixação individualizada do grau de culpa pode servir para a repartição da responsabilidade nas relações internas.”; Maria do Rosário Epifânio[24] - “Esta responsabilidade é solidária: assim, se houver várias pessoas afetadas pela qualificação da insolvência, vale a regra “um por todos e todos por um”. Quanto ao critério de repartição interna da responsabilidade, o art.º 189.º, n.º 2, a) impõe ao juiz a fixação do grau de culpa das pessoas afetadas, o que poderá ter relevância para efeitos do art.º 497.º, n.º 2, do CCivil, e, assim, de uma mais justa repartição interna de responsabilidade.”; e Henrique Sousa Antunes[25] - “a solidariedade é determinada pelo regime da insolvência e, desde logo, pela lei civil (artigo 497º CC). Em consequência, a individualização só pode relevar no exercício do direito de regresso, isto é, no contexto das relações internas entre os responsáveis”, defendendo tratar-se de “responsabilidade solidária e ilimitada”.[26]
Porém, este último não deixou de invocar a norma do artigo 512.º do CC, para assinalar que “a exigência constitucional de igualdade e o valor da certeza jurídica reclamariam uma intervenção legislativa que permitisse, em todos os regimes de responsabilidade que consagram a solidariedade dos lesantes, a ponderação equitativa do julgador nas relações externas, se a desproporcionalidade entre o dano causado e a indemnização exigida assim o reclamasse.”[27]
E, importa referir, todas estas posições têm por pressuposto que o montante dos créditos não satisfeitos será a medida da obrigação de indemnizar.
Com a alteração introduzida pela Lei n.º 9/2022 à al. e) do n.º 2 do artigo 189.º, o legislador passou a consagrar que as pessoas afectadas pela qualificação serão condenadas a indemnizarem os credores do insolvente “até ao montante máximo dos créditos não satisfeitos” (o legislador optou, assim, por fixar um limite máximo da indemnização, a saber, o montante dos créditos não satisfeitos).
Em face dessa alteração, Soveral Martins, que anteriormente também defendia que o grau de culpa dos afectados apenas relevaria entre os próprios[28], veio rever a sua posição, para tanto escrevendo[29]: “Tendo em conta que a responsabilidade entre os afetados é solidária, pode discutir-se se a fixação do grau de culpa que o art.º 189.º. 2, a), manda efetuar terá relevo apenas no plano interno ou se também o terá perante os credores do devedor na fixação do valor das indemnizações devidas por cada um dos afetados pela qualificação. // Antes das alterações introduzidas pela L 9/2022, considerámos que a fixação do grau de culpa apenas interessaria no plano das relações entre os obrigados solidários. Perante a nova redação do art.º 189.º, 2, e), parece difícil sustentar essa leitura. Com efeito, a referência que surge agora a uma condenação «até ao montante máximo dos créditos não satisfeitos» revela a intenção de permitir uma ponderação da culpa e do património do afetado que tem consequências também no momento da condenação. Trata-se de responsabilidade por dívida de terceiro que resulta da lei em consequência do que justificou que o sujeito em causa fosse considerado afetado pela qualificação da insolvência como culposa.”.
Também Catarina Serra[30] assim o defende. Após referir que “O factor que pode e deve ser ponderado e tem efeitos sensíveis na modelação do valor da indemnização, imprimindo-lhe proporcionalidade, é um único: a contribuição causal de cada sujeito para a ocorrência dos danos/a medida da participação efectiva de cada um”, referindo-se expressamente quanto à previsão legal de estarmos em face de uma responsabilidade solidária, acrescenta: “Trata-se da possibilidade de se exigir a qualquer um dos sujeitos o pagamento da indemnização até ao valor que lhe foi fixado – o que quer dizer que os termos distintos em que cada um está obrigado relevam logo nas relações externas, como permite o art.º 512.º, n.º 2, do CC”.
Mais recentemente, Maria de Lurdes Pereira[31] pronunciou-se expressamente quanto a esta questão nos seguintes termos: “a solidariedade na obrigação de indemnização só vale em relação à parcela dos danos que, sendo individualmente imputada a cada um dos responsáveis, seja comum. Antes de se aplicar a regra da solidariedade, é necessário estabelecer em que medida cada um dos responsáveis é obrigado a indemnizar, valendo aí a regra de que só terá de responder por danos que causou. Só há solidariedade na parte da indemnização que seja «comum» a todos os vínculos previamente determinados. // A solidariedade não tem o efeito de transmutar uma situação de pluralidade de responsáveis numa situação de responsabilidade por danos causados pela ação ou omissão de outrem. (…) A solidariedade vale depois de se circunscrever os danos pelos quais cada um há de responder” (sublinhado nosso).
Segundo os autores acabados de citar, a medida da responsabilidade indemnizatória de cada um dos afectados assume igualmente relevância no âmbito das relações externas (perante os credores).
Tal entendimento vem, pois, ao encontro do que já Antunes Varela[32] escrevia (aludindo ao artigo 512.º do CC)[33]: “Os vários devedores solidários podem estar obrigados em termos diversos (…) Mas a obrigação não deixa de ser solidária, acrescenta ainda a lei, por ser diferente o conteúdo da prestação de cada um deles. Com isto quer o texto significar (dando como assente que a diversidade de conteúdo da prestação se não refere apenas às relações internas) que a obrigação não deixa de ser solidária pelo facto de um dos obrigados responder apenas pelo capital, enquanto o outro responde pelo capital e pelos juros, ou até de ser diferente a soma por que um e outro são responsáveis (dever um 100 e outro 80 apenas). // No entanto, em qualquer destes casos, só há verdadeira solidariedade em relação à parte comum da responsabilidade (quanto ao capital, no primeiro exemplo; quanto à soma menor, no segundo). Só essa parte comum corresponde à prestação integral por que responde cada um dos devedores, nos termos do nº 1 do art.º 512º.// Neste sentido, pode realmente considerar-se requisito essencial da solidariedade a identidade da prestação, visto só haver obrigação solidária relativamente à prestação (ou parte da prestação) por que responde qualquer dos devedores ou que qualquer dos credores tem a faculdade de exigir, por si só.” (sublinhados nossos).[34]
E é a posição que, no caso, se impõe adoptar, porquanto mostra-se delimitada a medida em que cada um dos recorrentes/afectados contribuiu para o agravamento da situação de insolvência e os prejuízos causados pelas respectivas condutas.
Isto posto, importa considerar que:
- Ascendendo o prejuízo dos requerentes/credores (créditos não satisfeitos) ao montante total de 13.871,62€ (sendo de 10.690,50€ no caso da trabalhadora DD e de 3.181,12€ no caso do trabalhador EE);
- A obrigação de indemnizar é solidária entre os afectados pela qualificação;
- No caso, é distinta a medida das contribuições de cada um (para o agravamento da insolvência e para os prejuízos que daí resultaram para os mesmos credores); e
- Tal solidariedade apenas ocorre com relação ao montante comum da responsabilidade, ou seja, pelo montante de 11.152,57€,
será este último montante o limite máximo até ao qual o recorrente AA terá que responder, enquanto que a responsabilidade da recorrente BB terá como limite máximo o valor de 11.500€.
*
IV - DECISÃO
Perante o exposto, acordam os Juízes da Secção do Comércio deste Tribunal da Relação em julgar:
1. Parcialmente procedente a impugnação da matéria de facto;
2. Parcialmente procedente a apelação, alterando-se a sentença recorrida no sentido de serem os afectados condenados a indemnizarem os requerentes/trabalhadores até ao montante dos créditos que lhes foram reconhecidos e que não foram satisfeitos, sendo tal condenação solidária até ao montante de 11.152,57€, acrescidos de juros de mora, dos quais:
a) 7.971,45€ são devidos aos herdeiros habilitados nos autos em substituição da requerente BB; e
b) 3.181,12€ são devidos ao requerente AA;
3. A responsabilidade do afectado AA por tal pagamento tem como limite os referidos 11.152,57€, acrescidos de juros de mora.
4. A responsabilidade da afectada BB por tal pagamento tem como limite o montante de 11.500€.
Custas pelos recorrentes, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficiam.
Lisboa, 11 de Fevereiro de 2025
Renata Linhares de Castro
Nuno Teixeira
Amélia Sofia Rebelo
_______________________________________________________ [1] Mais se tendo consignado: “(…) III.2 Advirta o Sr. Administrador da Insolvência do disposto no artigo 232.º/4; // III.3 Cessam todos os efeitos decorrentes da declaração de insolvência, designadamente recuperando a Devedora o direito de disposição dos seus bens e a livre gestão do negócio, sem prejuízo dos efeitos da qualificação de insolvência e do disposto no artigo 234.º – artigo 233.º/1/a). // Cessam as atribuições do Sr. Administrador da Insolvência, exceto as relativas à apresentação de contas – artigo 233.º/1/b). // Todos os credores da insolvência podem exercer os seus direitos contra a Devedora, no caso, sem qualquer restrição – artigo 233.º/1/c). // Os credores da massa insolvente podem reclamar da Devedora os seus direitos não satisfeitos – artigo 233.º/1/d). // III.4 Transitado o presente despacho, abra conclusão nos apensos de verificação e graduação de créditos que se mostrem autuados, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 233.º/2/b), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa. // III.5 A liquidação da Devedora prosseguirá, nos termos do regime jurídico dos procedimentos administrativos de dissolução e liquidação de entidades comerciais – artigo 234.º/4. // III.6 Encerrado o processo de insolvência por insuficiência da massa, nos casos em que tenha sido aberto incidente de qualificação da insolvência e esse mesmo ainda não estiver findo, este prossegue os seus termos como incidente limitado – cfr. artigo 232.º/5 e 191.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa. (…)”. [2] Pode ler-se nessa sentença: “Declarada a insolvência da sociedade comercial Pastelaria LSP, Lda., foi decretado o encerramento do processo por insuficiência da massa insolvente, nos termos da al. d) do n.º 1 do artigo 230.º e artigo 232.º, ambos do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas1 (CIRE). // Enuncia o artigo 233.º, de epígrafe “Efeitos do encerramento”, na al. b) do n.º 2: “O encerramento do processo de insolvência antes do rateio final determina: (…) b) A extinção da instância dos processos de verificação de créditos (…), exceto se tiver já sido proferida a sentença de verificação e graduação de créditos prevista no artigo 140.º (…);”. // Pelo exposto, declaro extinta a instância do presente apenso de verificação e graduação de créditos.(…)”. [3] No mesmo se podendo ler: “Nos termos e para os efeitos previstos no artigo 590.º/2, al. b), e 4 a 7 do Código de Processo Civil, convido os Requerentes ao aperfeiçoamento do requerimento inicial, especificando, nos termos do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa: // Quanto à responsabilidade do Requerido AA: // - Os “(…) montantes das contribuições e quotizações devidas pela ora insolvente à Segurança Social, relativamente aos meses de junho de 2017 até à declaração da insolvência (…)”; // - Os “(…) montantes das remunerações auferidos nesse período pelos trabalhadores DD e EE (…).”; // Quanto à responsabilidade da Requerida BB: // - O “(…) valor de mercado dos bens vendidos (veículos automóveis) e dos demais bens dissipados (mercadorias e restante imobilizado).”. // Notifique.” [4] Foi fixado como objecto do litígio: “Do direito dos AA. ao pagamento dos montantes de € 12 500,55 e € 3 181,12, correspondentes aos créditos verificados ainda não satisfeitos, a título de indemnização pela culpa na insolvência”; e elencados os seguintes temas da prova: “1. Remunerações devidas aos AA. desde junho de 2017 até à declaração da insolvência, 12-04-2018 // 2. Remunerações pagas // 3. Contribuições e quotizações devidas pela Devedora à Segurança Social, desde junho de 2017 até à declaração da insolvência, 12-04-2018 // 4. Valor de mercado dos bens vendidos: // 4.1. Veículos automóveis ..-..-DR, Citroen, ..-..-LV, Ford Transit, ..-JH-.., ..-..-DH, VW Transporter, e ..-..-GA Mercedes Vito // 4.2. Mercadorias // 4.3. Imobilizado (máquinas, fogões, loiças e outros utensílios)”. [5] Decorre desta norma que o recorrente que impugne a matéria de facto deve obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da requerida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. [6] Segundo este preceito, “O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.” [7] Como escreve MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Blog do IPPC, CPC online, Art.º 410.º a 466.º (vs. 2024.12). “(a) A parte à qual incumbe a prova tem o ónus de provar a verdade (ou a verosimilhança) do facto probando. A contraparte que queira impugnar a prova produzida tem o ónus de produzir contraprova ou prova do contrário. (b) Na contraprova, a parte coloca em dúvida a prova produzida sobre o facto probando (art.º 346.º CC). A contraprova destina-se a tornar insegura a convicção do tribunal sobre a verdade do facto (…) (art.º 346.º CC). (c) Na prova do contrário, a parte produz a prova do facto contrário do facto probando (…) (art.º 347.º CC). A prova do contrário convence o tribunal da não verdade do facto probando e é indispensável para ilidir uma presunção legal (art.º 350.º, n.º 2, CC). (d) Se a parte onerada não produzir prova convincente do facto probando, aplica-se o critério estabelecido no →art.º 414.º e ficciona-se que é verdadeiro (ou verosímil) o facto contrário.”
Mais acrescentando: “a dúvida sobre a verdade de um facto “resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita”, ou seja, resolve-se contra a parte que teria beneficiado com a prova do facto. Mais em concreto: perante a dúvida sobre a verdade de um facto, o tribunal ficciona como provado o facto contrário do facto que não foi provado. O facto contrário do facto probando é a negação (interna) deste facto: (…) // (a) A regra que consta do art.º 414.º (…) respeita ao chamado ónus da prova objectivo, ou seja, às consequências objectivas da insuficiência da prova da prova de um facto. Como o risco da insuficiência da prova recai sobre a parte que tem o ónus de provar o facto, o ónus da prova objectivo complementa o ónus da prova subjectivo: primeiro, define-se qual das partes tem o ónus de provar um facto; depois, determina-se que é a parte onerada com a prova do facto que suporta as consequências da dúvida sobre a verdade desse facto. (b) O ónus da prova subjectivo e o ónus da prova objectivo correspondem a duas perspectivas de análise de uma mesma realidade: é indiferente vê-la pelo lado subjectivo (“quem deve provar?”) ou pelo lado objectivo (“o que deve ser provado?”). É por isso que, em vez de começar por distribuir o ónus da prova do facto e, depois, definir as consequências da dúvida sobre a verdade do facto, basta determinar qual a parte contra a qual corre o risco da dúvida sobre a verdade do facto: determinada essa parte, fica-se a saber que é ela a parte onerada com a prova do facto.”. [8] O recorrente AA referiu que dois dos veículos automóveis teriam sido vendidos, no conjunto, por apenas 400€ e que o terceiro teria sido dado para pagamento parcial a um credor. Quando questionado pela julgadora para que esclarecesse qual o montante correspondente a esse “pagamento parcial”, o mesmo hesitou (aliás, teve que se insistir para que adiantasse um valor), acabando depois por referir que seriam 1.500€. Mas também referiu que estaria em causa um crédito de 3.500€ (sem que, contudo, o alegado remanescente em dívida tenha sido reclamado no processo). Tais afirmações, também a esta Relação, não mereceram credibilidade. [9] Nesse sentido, ABRANTES GERALDES/PAULO PIMENTA/ PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, 2.ª edição, 2020, pág. 436. [10] Refere-se no acórdão condenatório: “presume-se que o dano corresponde ao montante dos créditos não satisfeitos (valor máximo da indemnização) (…).Todavia, essa presunção (presunção júris tantum) pode ser ilidida. // Assim, os propostos afectados pela qualificação da insolvência podem demonstrar que os danos causados pelo seu comportamento doloso ou com culpa grave foram inferiores”. Defendendo-se: “a responsabilidade indemnizatória dos afectados pela qualificação conter-se na medida do dano que os mesmos, com a sua específica conduta, causaram à massa insolvente e, reflexamente, aos credores reclamantes.” (sublinhado nosso). [11]Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações laborais individuais, Almedina, 6.ª edição, 2016, pág. 504. [12] Veja-se, por exemplo, que, o artigo 2.º do Código de IRS, após considerar rendimentos do trabalho dependente “todas as remunerações pagas ou postas à disposição do seu titular” (n.º 1), acrescenta considerar-se igualmente rendimentos de trabalho dependente, “quaisquer indemnizações resultantes da constituição, extinção ou modificação de relação jurídica que origine rendimentos do trabalho dependente (…)” (n.º 3, al. e)). Por assim ser, as indemnizações pagas na sequência de resolução do contrato de trabalho com justa causa (caso da trabalhadora DD) ou a compensação paga pela cessação do contrato de trabalho por extinção do posto de trabalho (caso do trabalhador EE) assim se terão de considerar. [13] Como refere CATARINA VASCONCELOS, Dos créditos laborais no processo de insolvência: classificação e exercício destes créditos no processo de insolvência, Dissertação de Mestrado, Faculdade de Direito da Universidade Católica, 2018, pág. 14, “poderemos estar perante créditos decorrentes da execução, violação e cessação do contrato de trabalho; ou, numa outra perspetiva, créditos remuneratórios (referentes a salários, subsídios de férias e de Natal, subsídio de alimentação, entre outros, isto é, decorrentes da própria execução do contrato de trabalho), compensatórios ou indemnizatórios, essencialmente decorrentes da cessação do contrato de trabalho ou da sua violação, tais como créditos resultantes da compensação devida ao trabalhador por cessação do contrato de trabalho por despedimento coletivo ou extinção do posto de trabalho” (disponível online). [14] Art.º 5.º: “Por sentença proferida em 04/10/2020, transitada em julgado em 03/08/2021, foi qualificada como culposa a insolvência da sociedade PASTELARIA LSP LDA., com afectação pela qualificação dos gerentes AA e BB, ora requeridos, sendo estes condenados, em consequência, a indemnizarem os credores da aludida sociedade no montante dos créditos reconhecidos e não impugnados, até às forças do seu património”; Art.º 9.º: “Termos em que se conclui que é ainda devido aos requerentes DD e EE respectivamente, as quantias de € 12.500.55 e de € 3.181.12.” [15] Por pertinente, vide CATARINA SERRA, Revista Julgar n.º 48, Setembro/2022, Almedina, págs. 28 a 31, onde a mesma defende: “o regime da responsabilidade por insolvência culposa perde grande parte da sua dimensão punitiva ou sancionatória (em que havia “um espaço de responsabilidade sem causalidade”) e (re)aproxima-se do regime geral da responsabilidade civil, com um desvio, atendendo à fixação de um (do tal) máximo. Traduz-se isto, em suma, na máxima de que devem ser indemnizados (só) os danos (cfr. art.º 483º do CC) mas não necessariamente todos os danos. (…). O factor que pode e deve ser considerado e tem efeitos sensíveis na modelação do valor da indemnização, imprimindo-lhe proporcionalidade, é um único: a contribuição causal de cada sujeito para a ocorrência dos danos/a medida da participação efectiva de cada um. (…) A qualificação da insolvência como culposa pressupõe sempre a causalidade (provada ou presumida) entre a conduta e a criação ou o agravamento da insolvência (a “causalidade fundamentadora” da responsabilidade civil), mas esta não basta para responsabilizar os sujeitos afectados; deve ainda verificar-se a causalidade entre a conduta e os danos (a “causalidade preenchedora” da responsabilidade civil). (…) é preciso apurar a diferença entre a situação que existe e a situação que existiria se a conduta ilícita não tivesse tido lugar – apurar, mais precisamente, o dano diferencial. (…). Cumpre ao juiz discriminar, sobretudo, entre as condutas criadoras e as condutas agravadoras da situação de insolvência. Na prática, o dano causado pelas primeiras é susceptível de se aproximar do montante dos créditos não satisfeitos. Relativamente ao dano causado pelas segundas, esta proximidade nunca se verifica.” [16] No artigo 32.º da referida petição, pode ler-se: “O/A A trabalhou ininterruptamente e esteve na inteira disponibilidade da Ré até ao dia 6-11-2017, data da resolução do contrato com justa causa, mas esta não lhe pagou integralmente as seguintes remunerações: // - € 230,00 a título de diferença do salário (vencimento-base, subsídio de alimenção e prémio de assiduidade) referente ao trabalho prestado no mês de Maio/2017; // - € 647,20 a título de salário (vencimento-base, subsídio de alimenção e prémio de assiduidade) referente ao trabalho prestado no mês de Junho/2017; // - € 345,17 a título de salário (vencimento-base, subsídio de alimenção e prémio de assiduidade) referente ao trabalho prestado no mês de Julho/2017 (do dia 1 ao dia 16); // - € 1.114,00 a título de retribuição de férias e de subsídio de férias vencidas a 1-01-2017, reportadas ao trabalho prestado no ano de 2016; // - € 458,35 a título de subsídio de Natal referente ao trabalho prestado no ano de 2011; // - € 458,35 a título de subsídio de Natal referente ao trabalho prestado no ano de 2012; // - € 458,35 a título de subsídio de Natal referente ao trabalho prestado no ano de 2013; e - € 1.419,20 a título de proporcionais de retribuição de férias, de subsídio de férias e de Natal pelo tempo de duração do contrato de trabalho no ano da cessação; // o que somado Totaliza € 5.130,62.”. [17] Nesse sentido, ABRANTES GERALDES/PAULO PIMENTA/PIRES DE SOUSA, obra citada, pág. 437. [18]Os Incidentes da Instância, Almedina, 11.ª edição, 2020, pág. 245. [19] Mais se podendo ler neste aresto: “não se tratará de recorrer à equidade para contornar questões de falta de prova de factos que pudessem ser provados, mas antes, dentro dos limites que foi possível ter por provados, encontrar a justa indemnização para um dano que é incontornável, mas cuja extensão/intensidade exacta (…), não foi possível delimitar com todo o rigor, o que pode, no limite, ser suprido com parâmetros de razoabilidade, adequação e justa proporção, fazendo apelo à justiça do caso, tendo em conta os dados da experiência comum e um padrão de normal diligência ”. [20] Mais se esclarece neste aresto que, no julgamento “ex aequo et bono”, há que tomar em “todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida” – cfr., nesse sentido, PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, Coimbra Editora, vol. I, 4.ª edição, 1987, pág. 501. [21] Como alerta CATARINA SERRA, Julgar (obra já citada), pág. 31, “Cabe, por seu turno, aos sujeitos afectado adoptar uma conduta o mais activa possível, alegando e provando, se puderem, que a sua conduta não causou danos ou não causou todos os danos invocados pelos credores. Entre as circunstâncias concitáveis para o efeito da eliminação da sua responsabilidade está a de a conduta ilícita ser indiferente para a produção do dano e entre as circunstâncias relevantes para o efeito da atenuação da sua responsabilidade está a de a conduta ilícita não ser uma causa exclusiva da produção do dano mas sim uma causa concorrente (com as condutas de outros sujeitos ou eventos fortuitos).” (sublinhado nosso). Com efeito, serão as pessoas afectadas que terão de demonstrar (alegar e provar) que a sua conduta não foi causal do dano (ou de todo ele), por forma a se eximirem ao pagamento da indemnização ou, pelo menos, restringirem o montante da mesma. [22] Cfr. PATRÍCIA ALEXANDRA DAS DORES ALVES, A qualificação da insolvência. Incidente e efeitos, Dissertação de Mestrado, Universidade de Lisboa, Faculdade de Direito, 2018, pág. 59, disponível online - a responsabilidade insolvencial apresenta como características: “a subsidiariedade (porque nascerá apenas se a massa insolvente for insuficiente para fazer face ao passivo e na medida dos créditos não satisfeitos) e a solidariedade (entre as várias pessoas afetadas pela qualificação e na medida do respetivo grau de culpa)”. [23]A Responsabilidade Civil dos Administradores na Insolvência da Sociedade Comercial. A qualificação da insolvência entre as vias para a responsabilização dos administradores, Almedina, 2022, pág. 385. [24]Manual de Direito da Insolvência, Almedina, 7.ª edição, 2020, pág. 165.
Cfr., também, da mesma autora, As alterações ao incidente de qualificação de insolvência e à suspensão do dever de apresentação à insolvência, in Conferência O Plano de Recuperação e de Resiliência para a Justiça Económica e a transposição da Diretiva 2019/1023, do Parlamento Europeu e do Conselho, 2022, EbookCONF-PRR-VF2.PDEF, pág. 86 (disponível in https://justica.gov.pt): “Entendo que o critério de cálculo da indemnização e a natureza solidária da obrigação, na hipótese de serem vários os obrigados, apontam no sentido de que qualquer pessoa afetada responde solidariamente pelo montante dos créditos que ficaram por satisfazer – o primado da satisfação dos interesses dos credores e o caráter punitivo desta responsabilidade insolvencial assim o justificam, até porque a imputação do facto responsabilizante pressupõe uma atuação especialmente censurável (dolo ou culpa grave). E, a final, tal como no regime geral da responsabilidade civil solidária (art.º 497.º), as assimetrias advenientes desta solução serão corrigidas no plano interno, através da repartição das quotas de cada responsável em função do respetivo grau de culpa e contributo para a situação de insolvência ou o seu agravamento.” [25]Natureza e funções da responsabilidade civil por insolvência culposa, V Congresso de Direito da Insolvência, Almedina, 2019, págs. 153 e 159/160.A fls. 163, o autor escreve, ainda: “Em nosso juízo, o artigo 189º, nº 4, do CIRE é inaplicável na relação entre as pessoas afetadas e os credores, se, como pensamos, os critérios para a quantificação da indemnização forem utilizáveis. Dado que o alcance daquela é, necessariamente, fixado pelo valor dos créditos a satisfazer, a atribuição de um sentido à norma requer situar o seu âmbito de aplicação onde a variação é exigida pelas circunstâncias: no plano das relações internas, havendo uma pluralidade de responsáveis. // Não se invoque a letra da lei (“indemnizações devidas” ou “montante dos prejuízos sofridos”) contra este entendimento. Em virtude da competência do regime da solidariedade, o exercício do direito de regresso implica a fixação da medida de indemnização que a cada responsável compete, sendo essa individualização efetuada em razão da contribuição concreta para os prejuízos sofridos (reconhece-se, no entanto, que, para o efeito pretendido, melhor seria se a norma aludisse a prejuízos causados).” [26] Ao nível jurisprudencial, foi também essa a posição defendida nos acórdãos da Relação de Guimarães de 24/09/2020 (Proc. n.º 8502/17.3T8VNF-A.G1, relatora Conceição Sampaio) - “[a] fixação do grau de culpa estabelecida na al. a) do nº 2 do artigo 189.º do CIRE, assume relevância para os casos em que existam várias pessoas afetadas pela qualificação da insolvência como culposa em que é preciso definir, nas relações internas - já não em face dos credores-, o grau de culpa de cada uma dessas pessoas.” – e de 18/12/2017 (Proc. n.º 92/16.0T8MTR-B-G1, relator João Diogo Rodrigues) – “ainda que para efeitos internos, não pode deixar de ser considerar que a responsabilidade de cada um dos gerentes deve ser proporcional à sua culpa na frustração dos legítimos direitos dos credores”. [27] Obra citada, págs. 164/165. [28]Insolvência Culposa e “Responsabilidade Civil” dos Afetados, Revista de Direito da Responsabilidade, ano 2 (2020), págs. 331/332, no qual se pode ler: “Tendo em conta que a responsabilidade entre os afetados é solidária, parece que a fixação do grau de culpa que o art.º 189.º, 2, a), manda efetuar terá relevo no plano interno: não na fixação do valor das indemnizações devidas por cada um dos afetados pela qualificação. // Não se fixa o grau de culpa se só há um culpado. Havendo dois ou mais afetados, o juiz fixará o grau de culpa. No entanto, essa culpa não diz respeito à existência de créditos não satisfeitos. Diz respeito, isso sim, à criação ou agravação da insolvência culposa. (…) As pessoas afetadas pela qualificação da insolvência como culposa devem ser condenadas na sentença de qualificação a pagar uma indemnização aos credores do devedor insolvente que deve ser «no montante dos créditos não satisfeitos, até à força dos respetivos patrimónios» (art.º 189.º 2, e)). // Todos os afetados pela qualificação são solidariamente responsáveis pelo pagamento do montante referido e a sua responsabilidade pode afetar todo o seu património. Mas a responsabilidade é limitada ao montante dos créditos não satisfeitos: não diz respeito a todos os créditos.” [29]Um Curso de Direito da Insolvência, Vol. I, Almedina, 4.ª edição, 2022, pág. 594/595.
Este autor, na nota 123 da pág. 594, aludindo a casos em que exista mais do que um afectado pela qualificação, refere ainda a posição de outros autores: “Nuno Pinto Oliveira, (…) escrevia (…) que «o administrador deverá ser condenado a indemnizar os credores na proporção em que o seu comportamento contribuiu para a insolvência, e só na proporção em que o seu comportamento contribuiu para a insolvência». Catarina Serra (…) também entendia que se deveria atender à «proporção em que o comportamento das pessoas afetadas contribuiu para a insolvência». (…) J. M. Coutinho de Abreu (…) defendia que o juiz teria de fixar o valor da indemnização devida por cada afetado tendo em conta […] eventualmente, o grau de culpa de cada um deles». [30] Revista Julgar, já citada, pág. 29. [31]Dano Coletivo e modo coletivo do exercício do direito à indemnização na insolvência culposa, VI Congresso de Direito da Insolvência, Almedina, 2024, págs. 291/292. [32]Das obrigações em Geral, Vol. I, Almedina, 6.ª edição, 1989, págs. 726/727. [33] Prescreve o artigo 512.º do CC: “1. A obrigação é solidária, quando cada um dos devedores responde pela prestação integral e esta a todos libera, ou quando cada um dos credores tem a faculdade de exigir, por si só, a prestação integral e esta libera o devedor para com todos eles. 2. A obrigação não deixa de ser solidária pelo facto de os devedores estarem obrigados em termos diversos ou com diversas garantias, ou de ser diferente o conteúdo das prestações de cada um deles; igual diversidade se pode verificar quanto à obrigação do devedor relativamente a cada um dos credores solidários.” [34] Também ANA AFONSO, em comentário ao artigo 512.º do CC, Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações. Das Obrigações em Geral, Universidade Católica Editora, 2021, pág. 432, alerta que não se poderá prescindir “da identidade substancial da prestação nas relações externas”.