PENSÃO POR MORTE
CADUCIDADE DO DIREITO
UNIÃO DE FACTO
DEPOIMENTO DE PARTE
VALORAÇÃO
Sumário

I. Inexistem quaisquer motivos para excluir a possibilidade de valoração de relatos favoráveis que surjam na sequência do depoimento de parte, pois que a lei admite expressamente a prova por declarações de parte que normalmente redundará num relato de factos favoráveis.
II. O que “qualquer usuário da rede social facebook sabe” quanto ao significado da inexistência de referência anual nas datas que ostentam as publicações, não constitui facto notório nos termos do preceituado nos artigos 5.º, n.º 2, alínea c) e 412.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, por não poder considerar-se facto que é “do conhecimento geral”.
III. Para se caracterizar uma união de facto juridicamente relevante, não basta uma comunhão de vida por parte dos membros, como se fossem casados, exigindo ainda a lei que a comunhão de leito, mesa e habitação seja estável, com uma durabilidade superior a dois anos, sob pena de não produzir qualquer efeito juridicamente tutelado.

Texto Integral

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:

П
1. Relatório
A Fidelidade Companhia de Seguros, S.A., veio, ao abrigo do art.º 152° do Código de Processo do Trabalho, requerer a extinção da obrigação do pagamento da pensão fixada nos autos de acidente de trabalho de que o presente processo é apenso, contra AA, beneficiária viúva do sinistrado BB, falecido na sequência de acidente de trabalho ocorrido em 24 de Fevereiro de 2000.
Alegou para tanto, em síntese, que no âmbito dos referidos autos foi a requerente condenada no pagamento à requerida de uma pensão anual e vitalícia, em virtude do óbito do sinistrado, e que a requerida vive em união de facto com CC desde, pelo menos, Janeiro de 2021, sem nunca lhe ter comunicado tal circunstância.
A requerida respondeu, alegando apenas ter mantido uma relação de namoro com CC alguns meses e concluindo pela improcedência do incidente.
Foram produzidas as provas requeridas pelas partes e, após, foi proferida decisão final que julgou improcedente por não provado o incidente de caducidade do direito a pensão e, em consequência, decidiu absolver a requerida.
1.2. A requerente, inconformada, interpôs recurso desta decisão, tendo formulado, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões:
“1 – A Recorrida é beneficiária nos autos principais de acidente de trabalho, por ter sido casada com o sinistrado falecido, recebendo, por isso, uma pensão anual e vitalícia da ora Recorrente.
2- Contudo, a Recorrente tomou conhecimento de que a Recorrida vive em união de facto com o companheiro CC, com quem mantém uma relação amorosa, desde Janeiro de 2021, razão pela qual deduziu o incidente de caducidade do direito à pensão nos termos do disposto no artigo 152º do CPT.
3 - Não obstante a prova produzida e que aponta, inequivocamente, no sentido de que a Recorrida vive em comunhão de leito, mesa e habitação com CC, desde 2021, o douto Tribunal “a quo” entendeu que tal não ficou demonstrando, tendo, por isso, declarado improcedente o sobredito incidente deduzido.
4 - A Recorrente não se pode conformar com a Decisão proferida, porquanto, salvo o devido respeito, toda a prova carreada nos autos deveria ter sido suficiente para que a Meritíssima Juiz “a quo” considerasse, que a Recorrida viveu em união de facto com CC, desde 2021 até, pelo menos, Fevereiro de 2024.
5 - Para dar como provados os pontos D e G, o Tribunal “ a quo”, atentou apenas no depoimento de parte da Recorrida e nas declarações prestadas por CC, seu companheiro, os quais tem em interesse direto no desfecho da causa, porquanto, uma vez declarada a caducidade do direito à pensão da Recorrida, o rendimento do agregado familiar será diretamente afetado…
6 - Tanto a Recorrida como o CC lograram confessar que durante o ano de 2021, mantiveram uma relação amorosa, vivendo juntos na Morada X, tudo conforme depoimentos supra transcritos e prestados na Audiência de Julgamento do passado dia 22.05.2024, das 14h31 às 14h45 e das 14h45 às 14h52, respetivamente.
7– Do depoimento prestado pela Recorrida, decorre claramente a incerteza e nervosismo que caracterizou todo o seu depoimento, pois se por um lado, refere que teve uma relação com o CC, durante três ou quatro meses e que a mesma começou em setembro – embora diga que não saiba até que momento durou a relação - já por outro, refere que afinal já namorava desde janeiro de 2021.
8 - A Recorrida e CC não vieram ao Tribunal contar a verdade, mas ao invés, ocultar a todo o custo a relação amorosa e de partilha de habitação, leito e mesa que ainda hoje mantêm, está toda a demais prova carreada nos autos e que, lamentavelmente, o douto Tribunal a “quo” ignorou.
9 - Com o requerimento inicial, a ora Recorrente juntou diversos print’s screen’s das páginas que Recorrida e CC detém na rede social facebook. Tendo ambos sido confrontados com os citados documentos (doc. n.º1 a doc. n.º4 juntos com o requerimento inicial) tanto a Requerida como CC lograram confirmar que se tratam das suas páginas, nesse sentido, tudo conforme depoimentos supra transcritos.
10 - Decorre, de forma absolutamente clara que a 01de Janeiro de 2021, Recorrida e CC, assumiram publicamente a relação amorosa que constituíram e que, ainda a 21 de Fevereiro de 2023, essa relação se mantinha de pedra e cal, porquanto a 21 de Fevereiro de 2023 (doc. n.º2 junto com o requerimento inicial) a Requerida postou uma fotografia com CC por altura do carnaval, em claro ambiente cúmplice e familiar.
11 – A Recorrida defendeu que a fotografia constante do doc. n.º2 remonta a 2021… Todavia, se a fotografia fosse efetivamente de 2021, a data aposta na mesma teria, forçosamente, de conter o ano em que foi postada – tal como sucede, por exemplo, com a fotografia junta sob doc. n.º1 e doc. n.º3, estas sim, com a referência ao ano de 2021.
12 - É claro e inequívoco que, a citada fotografia junta sob doc. º2 se reporta a Fevereiro de 2023, pois, se se reportasse a data anterior e tendo a Requerente capturado e junto a mesma aos autos em Janeiro de 2024 (momentos antes de dar entrada do presente incidente) teria forçosamente de constar a referência ao ano.
13 - Só não surge a referência ao ano 2023, porquanto aquando da captura do print screen (Janeiro de 2024), ainda não havia decorrido um ano após a postagem da citada fotografia no Facebook (Fevereiro de 2023), factualidade que qualquer usuário da rede social Facebook bem sabe, tal como a Recorrida. Assim andou mal o Tribunal a “quo”, ao considerar que os citados documentos juntos datam de 2021.
14 - Ainda assim e perante a prova inequívoca de que em Fevereiro de 2023 a Requerida e CC continuavam juntos, a viver na Morada X, o douto Tribunal “a quo” preferiu ignorar aquilo que se torna evidente: Que não é verdade que a relação que a Recorrida e CC apenas durou durante o ano de 2021.
15 - À data da entrada do presente incidente de caducidade (26 de Janeiro de 2024) a Recorrida e CC tinham aposto nas suas páginas do Facebook, no campo “estado civil”, que estavam numa relação um com o outro, assim que a Recorrida foi notificada do presente incidente, esta e CC alteraram o seu estado civil para “viúva” e “solteiro”, respetivamente na citada rede social.
16 - A Recorrida foi mais longe e até logrou apagar da sua página do Facebook a fotografia que a ora Recorrente juntou aos autos com o requerimento inicial sob doc. nº2, tendo, contudo, esquecido de apagar uma fotografia datada de 09 de Outubro de 2022, em que a Recorrida e CC estavam juntos (e agarrados) emclaro ambiente romântico e familiar. Tudo isto, foi alegado e junto aos autos pela ora Recorrente a 15 de Março de 2024, pelas 17h20, sob a peça processual com a referência 48306857 tudo conforme documento n.º1 que ora se junta ao presente articulado. Porém o Tribunal a “quo”, uma vez mais ignorando a prova inequívoca que foi sendo carreada aos autos, mandou desentranhar o citado requerimento, por considerar legalmente inadmissível. Todavia, crê a ora Recorrente que em abono do princípio da descoberta da verdade material, o Tribunal a “quo” teria de admitir a junção dos citados documentos.
17 - Mais, a prova carreada aos autos inequivocamente atestadora de que a Recorrida e CC não mantiveram uma relação e viveram juntos na Morada X, apenas durante o ano de 2021, não fica por aqui.
18 - A Recorrente levou efetivamente a cabo averiguações, a fim de apurar se efetivamente a Recorrida constituiu união de facto. No âmbito dessas averiguações, a última das quais terminada em junho de 2023, apurou-se que, de facto, a Recorrida vivia uma relação amorosa com CC, tendo constituído morada comum na Morada X, desde 2021. Nesse sentido, atente-se no depoimento prestado pelo perito averiguador responsável pela averiguação realizada em 2023, DD, o qual prestou declarações das 14h52 às 15h06 no âmbito da audiência de julgamento realizada a 22.05.2024 o qual supra se transcreveu.
19 - Assim, na sequência da averiguação realizada e terminada em Junho de 2023, foi apurado que:
a) A Recorrida já não residia efetivamente na Morada Z, mas sim na Morada X;
b) Os vizinhos, entre eles a senhora que vive no 2º Direito, confirmaram que a Recorrida vivia na Morada X;
c) As páginas de Facebook da Recorrida e CC, tinham apostas as fotografias constantes dos docs. n.º1 a n.º4 constantes do Requerimento inicial.
20 – Ficou demonstrado que a 15 de Fevereiro de 2022, a Recorrida atestou junto da agência do ... representante da Recorrente, que residia na Morada X, isto é, na morada que CC refere residir desde 2021 até à presente data (vide depoimento da testemunha supra transcrito). A ora Recorrente, a 17 de Maio de 2024, pelas 17h03, logrou juntar aos autos o requerimento sob a referência 48945434, nos termos do qual procedia à junção do documento que o atesta. Mas, uma vez mais, tal requerimento não foi admitido pelo Tribunal a “quo” e, pese embora tenha sido mandado desentranhar, ainda se mantém disponível para consulta no portal CITIUS, mas que ainda assim, ora se junta ao presente articulado sob documento n.º2 para melhor enquadramento.
21 – Tal foi corroborado pelo depoimento da testemunha EE, pelo que, é inequívoco que desde 15 de Fevereiro de 2022 - até ao momento em que a Recorrida comunicou nos presentes autos, nova morada (a 14.03.2024 com a apresentação da oposição) – a Morada X, era a morada que se encontrava associada à Recorrida nos sistemas informáticos da ora Recorrente.
22 - Prova do exposto, concorre também a circunstâncias de o perito averiguador ter declarado que, quando lhe chegou o pedido de averiguação, a Morada X, era uma das moradas que surgira indicada como pertencente à Recorrida (vide depoimento supra transcrito da testemunha DD).
23 - Não obstante toda a prova produzida e ora reproduzida nesta peça processual, o douto Tribunal a “quo”, desvalorizou toda a prova documental junta pela ora Recorrente e, bem assim, o depoimento das testemunhas DD e EE, sem motivo aparente, pois estas, ao contrário da Recorrida e seu companheiro, não têm qualquer interesse no desfecho deste incidente.
24 - O Tribunal a “quo”, foi mais longe e não valorou erradamente o depoimento da testemunha EE. Com efeito, o depoimento da testemunha revelou-se claro e espontâneo e percebe-se que tenha mostrado alguma certeza quanto aos indícios que a Recorrente apurou relativos à existência de união de facto. Com efeito, a testemunha terá lido o relatório de averiguação, pelo que é natural, é plausível concluir que saiba do que está a falar. O mesmo não se poderá dizer quanto aos trâmites exatos que presidem à alteração de morada em todos os sistemas informativos da Recorrente, porquanto extravasa a sua competência e não lhe é exigível que os saiba…
25 – A testemunha EE, logrou inclusivamente referir em julgamento, que é possível estarem associadas a uma pessoa, mais do que uma morada. Com efeito, tal sucede também no presente caso, porquanto não terá sido ao acaso que o perito averiguador se deslocou a duas moradas: À Morada Z e Morada X.
26 - A Recorrida foi notificada para apresentar oposição ao presente incidente, na Morada X, pelo que, é mais um claro indício que ainda em 2024, a Recorrida residia na citada morada, onde igualmente CC, reside, conforme confirmou em julgamento (vide depoimento supra transcrito da testemunha).
27 - De notar, que em sede de audiência de julgamento a Recorrida logrou referir saber que ainda à data da audiência de julgamento – 22.05.2024 – CC, recebia correspondência na Morada X, nesse sentido, atente-se nas declarações que prestou e que supra se transcreveram.
28 - Face a todo o exposto, crê a ora Recorrente que o douto Tribunal a “quo” não valorou toda a prova produzida e incorreu em erro de julgamento, porquanto, salvo melhor entendimento, são demasiados os factos e indícios que indicam que desde janeiro de 2021 a, pelo menos, Fevereiro de 2024 (data em que foi notificada para deduzir oposição ao presente incidente), a Requerida residiucom CC na Morada X, ai partilhando mesa, leito e habitação, pelo que, os factos provados sob os pontos D e G devem ser alterados emconformidade comodescrito e oúnico factonãoprovadoconstanteda Decisao recorrida, ser transferido para o elenco da matéria provada.
29 - Assim, toda a prova produzida, as regras da experiência comum e o sentido normal das coisas impunham decisão diferente, ou seja, a declaração da união de facto da Recorrida com CC, a qual durou (dura) pelo menos desde Janeiro de 2021 a Fevereiro de 2024 e, consequentemente, a procedência do Incidente.
Nestes termos e nos demais de Direito, deve ser concedido provimento ao presente Recurso de Apelação, devendo a Decisão recorrida ser revogada e declarado procedente o incidente de caducidade do direito à pensão da Recorrida “.
1.3. Não consta que tenham sido apresentadas contra-alegações.
1.4. Mostra-se lavrado despacho de admissão do recurso.
1.5. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto Parecer no qual sustentou, em primeiro lugar, “que os «indícios» referidos nas doutas alegações não eram suficientes para que o Tribunal considerasse, de forma isenta de dúvidas, que a vida em comum de AA com CC se manteve para além do provado período de 5 meses (factos provados sob os pontos D e G)” e, em segundo lugar, que “a douta sentença recorrida fez uma correta integração dos factos ao direito aplicável, tendo em consideração que, de acordo com o disposto no artigo 1.', n.' 2 da Lei n.' 7/2001, de 11 de maio, só se verifica uma situação de união de facto quando duas pessoas vivem em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos. E, embora a Recorrida tenha vivido um período numa situação de comunhão de leito, mesa e habitação com CC, não foi claro que essa relação tenha durado durante mais de dois anos, como refere a Recorrente”. Pelo que sustenta a improcedência do recurso.
Cumprido o contraditório, não foi apresentada resposta a este Parecer.
Colhidos os “vistos” e realizada a Conferência, cumpre decidir.
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2. Objecto do recurso
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O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado.
Assim, as questões que se colocam à apreciação deste tribunal prendem-se com a análise:
1.ª – da admissibilidade dos documentos juntos com as alegações de recurso;
2.ª – da impugnação da decisão de facto;
3.ª – de saber se estão verificados os pressupostos para a extinção do direito à pensão de que é beneficiária a requerida.
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3. Da junção dos documentos
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A título de questão prévia, cabe a este passo aferir da legalidade da junção aos autos dos documentos de que a recorrente fez acompanhar as suas alegações de recurso e que consistem em impressões da rede social “Facebook” e em cópia de um requerimento apresentado nos autos em 17 de Maio de 2024, acompanhado também este de um documento.
Nas suas alegações a apelante invoca o que fez constar das suas conclusões 15.ª, 16.ª e 20.ª para fundamentar a junção dos documentos a que procede.
Assim, e quanto ao documento a que dá o n.º 1, alega que à data da entrada do incidente de caducidade a recorrida e CC tinham aposto nas suas páginas do Facebook, no campo “estado civil”, que estavam numa relação um com o outro e que, assim que foi notificada do incidente, a recorrida e CC alteraram o seu estado civil para “viúva” e “solteiro”, respetivamente na citada rede social e a recorrida apagou da sua página a fotografia junta aos autos com o requerimento inicial, esquecendo-se de apagar outra datada de 09 de Outubro de 2022, em que, segundo alega a recorrente, ambos estavam juntos (e agarrados) em claro ambiente romântico e familiar. Invoca que tudo isto foi por si alegado e junto aos autos a 15 de Março de 2024, pelas 17h20, sob a peça processual com a referência 48306857, mas o Tribunal a “quo”, ignorando a prova carreada aos autos, mandou desentranhar o requerimento, por o considerar legalmente inadmissível, considerando a recorrente que “em abono do princípio da descoberta da verdade material, o Tribunal a “quo” teria de admitir a junção dos citados documentos”.
Quanto ao documento a que dá o n.º 2, a recorrente alega que a 15 de Fevereiro de 2022, a recorrida atestou junto da agência do ... representante da recorrente, que residia na Morada X, morada onde a testemunha CC refere residir desde 2021 até à presente data, tendo a recorrente requerido a 17 de Maio de 2024, a junção aos autos do documento que o atesta através do requerimento sob a referência 48945434, o qual não foi admitido pelo tribunal a quo, sendo justamente esse requerimento e documento que o acompanha que junta às alegações da apelação.
Ora, como é pacífico, a fase de recurso “não é naturalmente ajustada à apresentação ou produção de novos meios de prova, antes à reapreciação dos anteriormente apresentados”1. A instrução do processo faz-se, em princípio, na primeira instância, onde devem ser produzidos todos os meios de prova designadamente a prova documental, pelo que a faculdade de apresentar documentos com a alegação é de natureza excepcional (cfr. os artigos 425.º e 651.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
No caso em análise não se verifica qualquer uma das hipóteses dos artigos 425.º e 651.º do CPC, ambos aplicáveis ex vi dos artigos 1.º, n.º 2, alínea a) do CPT, no que concerne aos documentos cuja junção é pretendida, quer porque todos os documentos são anteriores ao julgamento em 1.ª instância, quer porque não pode dizer-se que a sua junção se tornou necessária “em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância” como exige o artigo 651.º do CPC.
Além disso, se a recorrente discordava das decisões que no decurso dos autos indeferiram a junção dos documentos que agora vem de novo apresentar, ou seja, rejeitaram a produção desses meios de prova, deveria desde logo ter interposto recurso das mesmas nos termos do artigo 79.º-A, n.º 2, alínea d) do Código de Processo do Trabalho, no prazo previsto no artigo 80.º, n.º 2 do mesmo diploma, para obstar a que transitassem em julgado – cfr. o artigo 628.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 1.º, n.º 2, alínea a) do CPT.
Não tendo reagido imediatamente, precludiu o seu direito de produzir ulteriormente estes meios de prova, maxime no recurso interposto da decisão final, obstando à reapreciação, mesmo oficiosa, da admissibilidade dos documentos em causa, ainda que ao abrigo da faculdade de renovação da prova ou de produção de novos meios de prova conferida pelo artigo 662.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, a qual não pode sobrepor-se ao caso julgado formal entretanto formado no processo.
É, pois, inadmissível a junção dos documentos que acompanham a alegação da apelação, pelo que se determinará o seu desentranhamento.
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4. Fundamentação de facto
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4.1. Na decisão sob censura, a Mma. Juiz a quo emitiu a seguinte decisão de facto:
«[...]
Factos provados:
Com interesse para a discussão da causa resultaram provados os seguintes factos:
BB faleceu na sequência de um acidente de trabalho ocorrido em 24 de fevereiro de 2000.
B.
Nas referidas circunstâncias de tempo era casado com a Ré AA.
C.
A responsabilidade emergente de acidentes de trabalho estava transferida pera a Autora, tendo, pelo exposto, a Autora sido condenada a pagar à Ré uma pensão anual e vitalícia.
D.
A Ré e CC constituíram morada comum na Morada X durante cerca de 5 meses.
E.
À data de janeiro de 2021 a pensão anual da Ré tinha o valor de € 3.773,7.
F.
Desde janeiro de 2021 até à presente data a Autora procedeu ao pagamento à Ré o montante global de € 11.742,45
G.
A Requerida teve uma relação com CC durante o ano de 2021.
Factos não provados:
Com relevância para a boa decisão da causa resultam não provados os seguintes factos:
a. Desde janeiro de 2021 a Ré reside em comunhão de mesa, leito e habitação com CC.
[...]».
*
4.2. A recorrente impugna a decisão de facto por, na sua perspectiva, considerar que o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento não valorando a prova produzida no sentido de que, desde Janeiro de 2021 a, pelo menos, Fevereiro de 2024, a requerida AA residiu com CC, na Morada X, aí partilhando mesa, leito e habitação.
Defende que os factos provados sob as letras D. e G. devem ser alterados em conformidade com o descrito, e o único facto não provado constante da alínea a) dos factos “não provados”, deve ser transferido para o elenco da matéria provada.
E, consequentemente, defende que a decisão recorrida ser revogada, declarando-se procedente o incidente de caducidade do direito à pensão da recorrida.
Invoca em fundamento da alteração pretendida o depoimento de parte da requerida AA e o depoimento das testemunhas CC, DD e EE, bem como o documento junto com o requerimento inicial sob o n.º 2, além dos demais que junta com a apelação e que não poderão ser valorados por este Tribunal da Relação, em conformidade com o já dito.
A recorrente cumpre, de modo suficiente, os ónus de impugnação prescritos no artigo 640.º do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” do art. 1.º, n.º 2 al. a) do Código de Processo do Trabalho.
Foram reanalisados nesta instância todos os elementos probatórios que integraram a instrução dos presentes autos no tribunal a quo, ouvindo-se toda a prova pessoal produzida no julgamento que se realizou, analisando a assentada do depoimento de parte na acta de fls. 76, e ponderando a documentação constante deste processo – com excepção, naturalmente, dos documentos que não foram admitidos –, conferindo particular atenção às passagens das gravações assinaladas pela recorrente nas suas alegações de recurso.
A Mma. Juiz a quo motivou a sua convicção quanto à decisão de facto do seguinte modo:
«[…]
Prova por confissão:
Com os elementos melhor constantes da ata.
Prova documental:
i. Print screen de página de Facebook (fls. 8 a 10);
ii. Lista de pagamentos (fls. 11 a 29 verso);
iii. Certidão da ATA (fls. 35 e 36 verso);
iv. Comunicação de agregado familiar (fls. 35 verso);
v. Comprovativo de entrega modelo 3 IRS (fls. 36);
vi. Retenção na fonte (fls. 37);
vii. Informação prestada pela Vodafone (fls. 62);
viii. Informação prestada pela DSRC (fls. 65 verso a 66 verso).
Prova testemunhal:
- CC, que invocou como razão de ciência a circunstância de ter tido uma relação amorosa com a Autora.
Prestou depoimento claro e espontâneo, consentâneo com a razão de ciência invocada, demonstrativo de isenção e objetividade, pelo que mereceu credibilidade por parte do tribunal.
- DD, que invocou como razão de ciência a circunstância de exercer funções para uma entidade que presta serviços para a ora Autora.
Da análise do depoimento prestado constata-se que os factos sobre os quais depôs resultaram de conversas mantidas com terceiros, sendo, assim, o seu conhecimento indireto.
Efetivamente, este depoimento cingiu-se a especulações com base em prints de uma rede social reportadas a 2021 e por depoimentos indiretos de vizinhos, sem os identificar, sem qualquer base ou sustentação temporal que permitam fixar um relacionamento entre a Requerida e CC, na mesma habitação, por período superior a 2 anos.
Assim, o tribunal não alicerçou a sua convicção no depoimento prestado.
- EE, que invocou como razão de ciência a circunstância de exercer funções de técnica de seguros para a Autora e, nessa medida, ser responsável pelos reembolsos relativos a acidentes de trabalho.
Também o depoimento prestado por esta testemunha mereceu bastantes reservas pelo tribunal.
Em primeiro lugar, a testemunha afirmou de forma perentória que qualquer atualização de dados pessoais dos beneficiários, nomeadamente a morada, é imediatamente comunicada a várias plataformas, o que ocorreu na situação corrente quando a Ré comunicou, em 15.02.2022 residir na Morada X.
Mais acrescenta que a Autora expede missivas para beneficiários das pensões preencherem, com vista a aferir dos requisitos para manutenção da pensão.
No entanto, confrontada com os documentos referidos em ii., dos quais constam documentos emitidos pela Autora à Ré entre 27.01.2021 e 28.12.2023 e remetidos para a Morada Z direito, referiu que não entende a razão pela qual tal morada não foi atualizada, tentando justificar a discrepância com a circunstância de os recibos não serem sequer enviados.
Esta discrepância, aliada à diferença de prestação de depoimento atestado ao longo da sua inquirição (com certezas relativamente à existência de união de facto mas sem certeza quanto aos aspetos em concreto que sustentam essa conclusão) levam o tribunal a duvidar da isenção da testemunha, pelo que o seu depoimento não foi valorado pelo tribunal.
Aqui chegados:
Factos provados:
Os factos referidos em A. a C. e E. a F. resultam do acordo das partes expresso nos articulados.
A Ré confessou o facto vertido em D.
A convicção do tribunal relativamente ao facto vertido em G. resultou da conjugação do depoimento prestado pela testemunha CC com os documentos referidos em i, sendo que estes datam de 2021, isto é, consentâneos com o depoimento prestado pela referida testemunha.
Factos não provados:
A ausência de convicção do facto referido em a. resultou da análise dos meios de prova produzidos e analisados quanto da motivação do facto vertido em G., aliados aos documentos referidos em ii., onde consta morada diversa da que é imputada a como sendo a da Ré e de CC.
Os demais meios probatórios referidos e não constantes supra não se mostraram relevantes para a boa decisão da causa; os demais factos alegados e não constantes supra consubstanciam conceitos conclusivos ou de impugnação, razão pela qual não foram considerados.
[…]»
Uma vez reapreciada a prova produzida, devemos dizer que sufragamos este juízo da 1.ª instância.
Há que ter presente que o convencimento do julgador se deve fundar numa certeza relativa, histórico-empírica, dotada de um grau de probabilidade adequado às exigências práticas da vida. Procurando-se uma persuasão racional, segundo juízos de probabilidade séria, baseada no resultado da prova apreciado à luz das regras de experiência comum e atentas as particularidades do caso2, entendemos que no caso vertente, atento o baixo nível de apoio probatório da versão da recorrente, não poderá esta considerar-se apurada.
Com efeito, e analisando a argumentação expressa na apelação, deve começar por se dizer que não resulta claramente dos depoimentos prestados que a testemunha CC tenha interesse directo no desfecho da causa ou que o rendimento do seu agregado seja directamente afectado com a declaração de caducidade do direito à pensão da recorrida, sendo certo que da sua audição não ressalta qualquer circunstância que nos leve a duvidar da sua credibilidade
A testemunha prestou um depoimento claro e descomprometido, tendo esclarecido como, e quando, se processou a relação amorosa que manteve com a requerida, a qual situou no ano de 2021. Esta circunscrição temporal é consonante com os documentos juntos aos autos pela recorrente com o seu requerimento inicial, extraídos da rede social facebook e todos eles indicando o ano de 2021 (Abril o primeiro, Janeiro o terceiro e Maio o quarto, a fls. 8, 9 verso e 10), com excepção do segundo, a fls. 9, que tem a simples informação do dia “21 de Fevereiro”, sem que dele se descortine o ano a que se reporta, pelo que não é susceptível de infirmar o que resulta do depoimento da testemunha quanto à localização temporal da relação que manteve com a recorrida.
Além disso, a testemunha indicou a morada em que reside, e onde a recorrida residiu consigo na altura em que estavam juntos – a Morada X –, nada nos levando a crer que tenha procurado ocultar a todo o custo que ainda hoje ali mantém a união de facto com a recorrida. Pelo contrário, o facto de nenhum dos documentos que contêm a morada da recorrida, juntos aos autos por diversas entidades, indicar aquela morada da Morada X, indicia que a recorrida ali não residirá, em conformidade com o dito pela testemunha. É de notar que a própria recorrente Fidelidade lavrou documentos que constituem correspondência dirigida à recorrida, entre Janeiro de 2021 e Dezembro de 2023, todos eles ostentando como morada da recorrida a Morada Z (fls. 11 a 29 verso). E o mesmo se diga quanto à certidão da Autoridade Tributária de Março de 2024 (fls. 35), à informação prestada pela Vodafone em Maio de 2024, já no decurso deste incidente (fls, 62) e à informação prestada pela Direcção de Serviços de Registo de Contribuintes, também de Maio de 2024 (fls. 65 verso a 66 verso). Em todos estes documentos, as entidades que os emitiram indicam ser a morada da recorrida uma morada distinta da Morada X.
No que diz respeito ao depoimento de parte da ora recorrida, que foi valorado pela Mma. Juiz a quo no que concerne à sua parte confessória, deve dizer-se que não deixou a mesma de depôr com objectividade, relatando que iniciou uma relação de namoro com a testemunha CC no ano de 2021, que veio a viver com ele como se fossem marido e mulher durante alguns meses, e relatando, também, como findou essa relação.
Sem perder de vista a circunstância de a recorrida ter um evidente interesse no desfecho do incidente, a sua audição evidencia um relato que se nos afigurou sincero, sem fazer qualquer esforço no sentido de negar serem suas as páginas da rede social facebook juntas ao requerimento inicial com que foi confrontada e o que delas consta, como aliás a recorrente aceita (conclusão 9.ª), procurando explicar e situar no tempo as fotografias que lhe foram mostradas.
No seu depoimento, a recorrida confessou que durante parte do ano de 2021 manteve uma relação com a testemunha CC, vivendo na casa deste sita na Morada X, o que foi corroborado pela testemunha CC e a R. aceita.
Quanto ao demais período que se desenrolou nos anos de 2022 até à entrada do requerimento inicial do incidente, em 2024, no decurso do qual a recorrida negou a existência do alegado relacionamento amoroso, não se configurou uma confissão, na medida em que esta, por definição, constitui o “reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária” – cfr. o artigo 352.º do Código Civil – e estes são factos favoráveis à depoente,
Mas o facto de as passagens do depoimento relativas a este período não serem confessórias, mas serem em favor da parte, não impede que o depoimento de parte seja atendido como elemento probatório a ponderar pelo juiz fora do contexto da confissão. Os poderes que os artigos 7.º, n.º 2 e 417.º do CPC conferem ao juiz não se coadunam com uma concepção restrita e formal do depoimento de parte que o reconduza apenas à confissão. Se o juiz pode, em qualquer altura do processo, ouvir as partes, convidando-as a fornecer os esclarecimentos sobre a matéria de facto que se afigurem pertinentes, não poderá considerar-se limitado a tomar em consideração o depoimento só sobre os factos que forem desfavoráveis à parte e favoráveis à contraparte. Se esta questão era discutida à luz do Código de Processo Civil de 1966, na vigência do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho desapareceram definitivamente quaisquer motivos para excluir a possibilidade de valoração de relatos favoráveis que surjam na sequência do depoimento de parte, pois que admitiu expressamente a prova por declarações de parte que normalmente redundará num relato de factos favoráveis3.
Ou seja, a valoração dos relatos que a parte faça em seu favor deverá ser efectuada com submissão à livre apreciação do julgador e não como prova plena, restringindo-se esta aos relatos desfavoráveis que devam qualificar-se como confessórios4. Sendo naturalmente prudente que, no âmbito daquela livre apreciação, o depoimento ou as declarações, na parte em que são favoráveis ao seu autor, sejam apreciadas com a devida cautela, ou com os necessários cuidados, atenta a especialíssima posição de quem as presta face ao objecto do litígio.
Ora, procedendo a esta valoração, não se nos afigura poder concluir-se que a recorrida tenha procurado ocultar a todo o custo que ainda hoje mantém a relação de partilha de habitação, leito e mesa, com o indicado CC, como alega a recorrente. A incerteza da recorrida quanto aos concretos meses do ano de 2021 em que teve essa relação pode inclusivamente significar que não “orquestrou” o seu depoimento e que simplesmente teve dificuldade em situar esses meses no todo do ano, até porque, perante as fotografias desse ano que lhe foram exibidas, circunstanciou as imagens delas constantes e partiu dessa memória avivada pelas imagens para explicitar ao tribunal o tipo de relação que vivia no momento em que foram captadas. Não vemos que contradição possa haver entre a parte do depoimento em que a depoente refere que teve uma relação com o CC durante três ou quatro meses (referindo até mais tarde que podem ter sido quatro ou cinco) com início em Setembro e a parte do depoimento em que refere que namorava desde Janeiro de 2021. A depoente explicou bem que na altura da fotografia captada em Janeiro de 2021 só namorava e não estavam a “fazer vida”, ou seja, a viver em conjunto.
Se a fotografia de 01de Janeiro de 2021 em que surgem as caras de ambos encostadas, com uma outra pessoa (a fls. 10), poderá ser indício de que a recorrida e CC assumiam publicamente uma relação amorosa, tal de modo algum equivale a afirmar que com essa assumiam publicamente que viviam então em união de facto.
Pelo que não é a mesma prestável para a prova do facto em discussão na apelação.
O mesmo deve dizer-se quanto à fotografia de fls. 9 (doc. n.º2), que tem aposta a data de “21 de Fevereiro”, sem referência ao ano, e que a recorrente alega, sem o demonstrar, que se reporta a Fevereiro de 2023, pois, segundo diz capturou a mesma em Janeiro de 2024 (momentos antes de dar entrada do presente incidente) e só não surge a referência ao ano 2023, porquanto aquando da captura do print screen ainda não havia decorrido um ano após a postagem da citada fotografia no facebook, factualidade que qualquer usuário da rede social facebook bem sabe, tal como a recorrida (conclusões 12.ª e 13.ª)
Ora, nem o que qualquer “usuário da rede social facebook sabe” constitui facto notório nos termos do preceituado nos artigos 5.º, n.º 2, alínea c) e 412.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, por não poder considerar-se facto que é “do conhecimento geral” – sê-lo-á e apenas, mesmo na perspectiva da recorrente, dos usuários da referida rede social – nem do documento se extrai qualquer elemento demonstrativo da data em que a recorrente procedeu à captura do print screen. Sem prejuízo da veracidade da informação prestada pela recorrente, certo é que a mesma tinha que ser demonstrada e não resulta efectivamente do documento, nem de qualquer outro elemento probatório constante dos autos, em que data foram captadas as indicadas impressões da rede social “facebook”, pelo que indemonstrado se mostra que a fotografia em causa foi “capturada” no ano de 2024, como é alegado na apelação.
Sendo a mesma imprestável para constituir prova, muito menos inequívoca, de que em 21 de Fevereiro de 2023 a requerida vivia em união de facto.
A recorrente invoca ainda os depoimentos prestados pelas testemunhas DD, averiguador que levou a cabo averiguações no ano de 2023 a fim de apurar se efetivamente a recorrida constituiu união de facto, sob incumbência da recorrente, e EE.
Ouvido e reponderado o depoimento da testemunha DD, verifica-se que a mesma começa por relatar ter-lhe sido dito “por um casal mis idoso” que a recorrida já não vivia na R. das Salinas, tendo a testemunha ido à Morada X, onde encontrou a testemunha CC e onde também moraria a recorrida “pelo que se percebia” (sic.), aludindo ainda a uma “senhora que eu até penso que seja do 2.º direito” e a “uma senhora que morava no prédio ao lado”, sem sequer bem explicitar o que as mesmas lhe disseram, o que é manifestamente parco. O facto de ter dito que lhe foi indicada a Morada X como uma das moradas que surgia indicada como pertencente à recorrida não é decisivo, nem sequer de estranhar, na medida em que, de acordo com o depoimento de parte, a mesma residiu efectivamente lá. Como bem diz a Mma. Juiz a quo, este depoimento “cingiu-se a especulações com base em prints de uma rede social reportadas a 2021 e por depoimentos indiretos de vizinhos, sem os identificar, sem qualquer base ou sustentação temporal que permitam fixar um relacionamento entre a Requerida e CC, na mesma habitação, por período superior a 2 anos”.
O mesmo se diga quanto ao depoimento da testemunha EE, técnica de seguros responsável pelos reembolsos à recorrente relativos a acidentes de trabalho. Ao contrário do que diz a recorrente – que o depoimento da testemunha foi claro e espontâneo e percebe-se que tenha mostrado alguma certeza quanto aos indícios que a recorrente apurou relativos à existência de união de facto pois terá lido o relatório de averiguação – compreendem-se as reservas que o depoimento prestado por esta testemunha mereceu ao tribunal a quo. Se, mesmo de acordo com a recorrente, a certeza da testemunha se funda na leitura do relatório de averiguação (que a testemunha DD diz ter feito) e não na sua percepção – sequer mediatizada por alguém que os percepcionou directamente – dos factos em litígio, é patente a fragilidade do seu contributo probatório.
Além disso, e como se nota na sentença, a testemunha começou por afirmar que qualquer actualização de dados pessoais dos beneficiários, nomeadamente a morada, é imediatamente comunicada a várias plataformas, e que a recorrida comunicou à recorrente, em 15 de Fevereiro de 2022 residir na Morada X, o que foi comunicado às plataformas. Mas, uma vez confrontada com os documentos de fls. 11 a 29 verso emitidos pela recorrente, já referidos, a testemunha não justificou de modo plausível a razão por que a morada da recorrida ali constante não foi atualizada para a Morada X, tentando justificar a discrepância com o facto de os recibos não serem sequer enviados. Esta incongruência, a par da fragilidade da razão de ciência da testemunha, que revelou efectivamente não conhecer o modo como se processaram as relações pessoais da recorrida no período em causa, levam-nos a conferir muito pouco relevo a este depoimento testemunhal.
Neste cenário probatório, entendemos que não se fez prova, com o mínimo de consistência, de que a recorrida viveu em união de facto com CC até, pelo menos, Fevereiro de 2024 (data em que foi deduzido o presente incidente), tal como alega a recorrente.
Assim, concluímos que a prova agora reponderada não determina decisão diversa da proferida quanto aos pontos da matéria de facto impugnados, não se vislumbrando a propósito dos factos constantes dos pontos D. e G. do elenco de factos provados e da decisão plasmada na alínea a) dos factos “não provados”, qualquer erro de julgamento.
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Os factos a atender para a decisão do incidente são, pois, os fixados na 1.ª instância.
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5. Fundamentação de direito
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Ao caso sub judice aplica-se a disciplina legal da reparação dos acidentes de trabalho que consta da Lei n.º 100/97 de 13 de Setembro (LAT de 1997), bem como o Decreto-Lei n.° 143/99 de 30 de Abril, que regulamenta a Lei 100/97, de 13 de Setembro, no que respeita à reparação de danos emergentes de acidentes de trabalho (RLAT), por força dos arts. 41.º da Lei 100/97, 71º do DL 143/99 e 1° do DL 382-A/99, de 22.9, uma vez que o acidente ocorreu em 24 de Fevereiro de 2000.
Nos termos do preceituado no artigo 20.°, n.° 3 da LAT de 1997, em conjugação com o disposto pelo artigo 152°, n.ºs 1 e 3 do Código de Processo do Trabalho, se o beneficiário do direito à pensão na qualidade de cônjuge do sinistrado, passar a viver em união de facto, e sendo pago pela responsável o triplo do valor da pensão anual não remida, será declarada a caducidade daquele direito.
No que respeita aos requisitos da união de facto relevante, o artigo 49.°, n.° 2 do RLAT remete para o artigo 2020.° do Código Civil, ao ao dispôr que “[é] considerada pessoa que vivia em união de facto a que preencha os requisitos do artigo 2020.º do Código Civil”.
A redacção do artigo 2020.º do Código Civil, à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.° 143/99 era a seguinte:
«1. Aquele que, no momento da morte de pessoa não casada ou separada judicialmente de pessoas e bens, vivia com ela há mais de dois anos em condições análogas às dos cônjuges tem direito a exigir alimentos da herança do falecido, se os não puder obter, nos termos das alíneas a) a d) do artigo 2009.°»
A redação do artigo 2020.° do Código Civil, foi entretanto, alterada pela Lei n.° 23/2010 de 30/08 que alterou também a Lei n.° 7/2001 de 11/05 que adotou medidas relativas à proteção da união de facto, deixando o primeiro de conter qualquer critério para o reconhecimento da situação de união de facto.
A união de facto passou a estar definida no artigo 1°, n.° 2 da Lei n.° 7/2001 de 11 de Maio do seguinte modo:
«A união de facto é a situação jurídica de duas pessoas que, independentemente do sexo, vivam em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos.»
Na palavra do Acórdão da Relação de Lisboa de 07 de Dezembro de 20235, «[a] união de facto é a situação jurídica de duas pessoas que, independentemente do sexo, vivam em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos (artigo 1° n° 2 da Lei n° 7/2001, de 11/05), analogia essa que resulta da existência de uma convivência assente sobre um núcleo familiar, pautando-se o seu quotidiano pelo cumprimento de direitos e deveres recíprocos que ambos assumem e que materialmente correspondem aos direitos e deveres legalmente impostos aos cônjuges, tal como eles se mostram definidos nos art°s 1672° a 1676° CCivil
Como resulta do artigo 1.º, n.º 2, da Lei nº 7/2001, não basta uma comunhão de vida por parte dos membros da união de facto como se fossem casados, exigindo ainda a lei que a comunhão de leito, mesa e habitação seja estável, tendo, pelo menos, uma durabilidade superior a dois anos, sob pena de não produzir qualquer efeito juridicamente tutelado.
Em suma, quanto aos pressupostos da união de facto, temos que deve haver uma comunhão de vida em condições análogas às dos cônjuges, numa tripla vertente – (i) comunhão de leito; (ii) comunhão de mesa; (iii) comunhão de habitação – e tal comunhão deve verificar-se há mais de dois anos.
No caso sub judice, é patente que não está comprovado o hiato temporal legalmente exigido para que se considere, para os efeitos previstos no já referido artigo 152.º do Código de Processo do Trabalho, que a recorrida e CC tivessem vivido em união de facto (vide as alíneas D. e G. dos factos provados).
Aliás, resulta das conclusões das alegações que a recorrente, para além de impugnar a decisão proferida no que diz respeito à matéria de facto, fundamenta a pretendida alteração do veredicto final da sentença, essencialmente, na alteração da decisão de facto por que propugnou quanto às alíneas D. e G. dos factos provados e à alínea a) dos factos “não provados”, sem sucesso.
É o que se infere do teor da conclusão 29.ª da apelação, na qual alegou que, “[a]ssim, toda a prova produzida, as regras da experiência comum e o sentido normal das coisas impunham decisão diferente, ou seja, a declaração da união de facto da Recorrida com CC, a qual durou (dura) pelo menos desde Janeiro de 2021 a Fevereiro de 2024 e, consequentemente, a procedência do Incidente”.
Uma vez confirmada a decisão recorrida quanto aos factos nela assentes – o que determina se mantenham inalterados os pressupostos factuais determinaram a subsequente decisão de direito –, e uma vez que os seus fundamentos jurídicos não foram autonomamente postos em causa nas conclusões da recorrente, deverá a mesma ser integralmente mantida, sem necessidade de mais considerações.
E, assim, improcede totalmente, o recurso de apelação.
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Porque ficou vencida no recurso que interpôs, deverá a recorrente suportar o pagamento das custas respectivas (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil). Não havendo lugar a encargos no recurso, a sua condenação é restrita às custas de parte que a recorrida venha a reclamar.
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6. Decisão
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Em face do exposto:
6.1. determina-se o desentranhamento e entrega à recorrente dos documentos juntos com as alegações da apelação, condenando-a na multa de 1 UC (artigos 443.º do Código de Processo Civil e 27.º, n.º 1 do Regulamento das Custas Processuais);
6.2. julga-se improcedente a impugnação da decisão de facto;
6.3. nega-se provimento à apelação e confirma-se a decisão final da 1.ª instância.
Condena-se a recorrente nas custas de parte que haja.
Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, anexa-se o sumário do presente acórdão.
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Lisboa, 12 de Fevereiro de 2025
Maria José Costa Pinto
Susana Silveira
Celina Nóbrega
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1. Vide Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil-Novo Regime, Coimbra, 2010, pp. 312, à luz do Código de Processo Civil de 1961 mas que mantém inteira pertinência, uma vez que o regime da apresentação de documentos no Código de Processo Civil de 2013 se mantém essencialmente idêntico.
2. Vide Manuel Tomé Soares Gomes “Um olhar sobre a demanda da verdade no processo civil”, in Revista do CEJ, ano de 2005, n.º 3, p. 158.
3. Vide Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 3.ª Edição, Coimbra, 2018, p. 282.
4. Vide neste sentido, mesmo no âmbito do Código de Processo Civil de 1966, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 10 de Dezembro de 2009, Processo: 884/07.1TTSTB.S1, in www.dgsi.pt. Vide também no âmbito do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Junho de 2022, processo n.º 5419/17.5T8BRG.G1-A.S1, de 19 de Junho de 2019, processo n.º 3577/17.8T8ALM.L1.S1 e de 04 de Junho de 2015, processo n.º 3852/09.5TJVNF.G1.S1, todos no mesmo sítio.
5. Processo n.º 89/19.9T8FNC.L1-8, in www.dgsi.pt.