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DOENÇA PROFISSIONAL
VIOLAÇÃO DE REGRAS DE SEGURANÇA
RESPONSABILIDADE CIVIL
Sumário
1 - Invocada uma doença profissional decorrente de omissão de vigilância médica e de avaliação à exposição ao fator de risco, cabe ao autor alegar e provar tais omissões e, provadas estas, cumpre aquilatar da norma que as impõe. 2 – Concluindo-se pela violação da regra de segurança, à doença profissional é aplicável o disposto no Artº 18º da Lei 98/2009 de 4/09.
Texto Integral
Acordam na secção social do Tribunal da Relação de Lisboa:
AA, A. no processo à margem referenciado, tendo sido notificado da sentença e com a mesma não se conformando, vem interpor recurso.
Pede que se revogue a sentença recorrida.
Apresentou as seguintes conclusões:
1 – Vem o presente recurso interposto da douta sentença que absolve as RR. do pedido realizado pelo A., ora Recorrente, nomeadamente na condenação solidária das Recorridas a pagar a quantia de € 15.000,00, acrescida de juros, desde a citação, à taxa legal, até efetivo e integral pagamento e, ainda, em custas e procuradoria;
2 – Considerou a Mma. Juiz que inexistiu omissão dos Recorridos ”no que tange à proteção contra o risco ruído, por terem fornecido protetores de ouvidos, fazerem avaliação de risco, proporcionarem acesso à medicina do trabalho e promoverem ações de formação na área de higiene e segurança no trabalho, designadamente quanto ao risco ruído”, entendendo, assim, que a presente ação não poderia deixar de improceder com a consequente absolvição dos então Réus;
3 – É pacífico e reconhecido pela Sentença recorrida que através de processo concluído em Julho de 2016, o Recorrente viu reconhecida, pelo Departamento de Proteção contra os Riscos Profissionais, do Instituto da Segurança Social, I.P., 9 a existência de doença profissional, com início em Junho de 2012, sendo o Diagnostico Perturbações de Audição e a Doença reconhecida Surdez e que essa situação clínica do Recorrente tem carácter evolutivo de agravamento;
4 – Alegou o Recorrente nos presentes autos que as Recorridas tinham, enquanto prestou as suas funções nas estações elevatórias, o dever de cumprir as regras de segurança previstas nos artigos 281º e 282º do Código do Trabalho e proporcionar ao Recorrente boas condições de trabalho e, termos de segurança, higiene e saúde, algo que não sucedeu e que em todo esse período o Recorrente foi exposto a ruído, não tendo sido distribuído e proporcionado pelas Recorridas o Equipamento de Proteção Individual (EPI) devido para essa situação;
5 – Sobre este assunto, crucial para a apreciação do pedido do Recorrente, a Sentença recorrida refere que “As testemunhas só divergiram na questão da existência ou não de equipamentos de proteção individual, designadamente abafadores e na existência de medicina do trabalho, relativamente a 1989 a 2004, em que a testemunha BB negou e a testemunha CC confirmou. Temos assim duas versões contraditórias quanto a esta matéria e a factos constantes de 15º e 17º. Ora, não obstante genericamente as duas testemunhas terem merecido credibilidade nos termos já exposto, face ao conhecimento direto que tinham dos factos em virtude do exercício da profissão e funções respetivas, neste particular mereceu mais credibilidade a testemunha CC pelos seguintes motivos: ambos são trabalhadores dos réus, a testemunha BB além de colega é amigo do Autor, ao contrário da testemunha CC, que apenas mantém relação funcional e profissional com o Autor, pelo que está numa situação de maior distanciamento ou isenção (…)” ;
6 – Ou seja, apesar da testemunha BB ser trabalhador dos Recorridos em moldes idênticos ao do Recorrente, desde 1985, com as funções de 10 operador e de adução e produção, colega e amigo do Autor, com funções idênticas às do Autor mas integrado numa equipa e zona diferentes, tal como reconhecido na Sentença Recorrida, ainda assim a Mma. Juiz entendeu dar maior credibilidade nesta matéria à testemunha CC, Engenheira do Ambiente, trabalhadora dos Recorridos desde 1989, onde nos SMAS exerceu funções na Divisão de Estudos e Projetos até ao início da concessão da Águas de... em 2001 passando a exercer funções na Divisão de Exploração e desde 2006 como Diretora da Divisão de Exploração e Manutenção, sendo superior hierárquica do Recorrente, bem como da testemunha BB;
7 – Esta testemunha, CC, em momento algum exerceu funções idênticas e nas condições idênticas às do Recorrente, contrariamente à testemunha BB, mas ainda assim, a Mma. Juiz optou por dar mais credibilidade nesta matéria à Diretora da Divisão de Exploração e Manutenção, decidindo pela existência de equipamentos de proteção individual, designadamente abafadores e pela existência de medicina do trabalho, relativamente a 1989 a 2004;
8 – Mais, a Sentença Recorrida ignorou, pura e simplesmente, um relatório do Recorrido Águas de..., em documento enviado ao Instituto da Segurança Social – Centro Distrital de Lisboa, Departamento de Proteção contra Riscos Profissionais, junto pelo Recorrente à p.i. como Doc.2;
9 – Este documento, subscrito pela Técnica Superior de Segurança e Saúde das Águas de..., Dr.ª DD e datado de 05 de Fevereiro de 2016, refere expressamente em conclusão e depois de realizar a análise legal da situação do Recorrente que ”Compreendido da análise legal, vem que as entidades empregadoras não cumpriram com a legislação em vigor em questão (conforme processo individual do colaborador analisado) não havendo registos de vigilância médica nem avaliação à exposição ao fator de risco – ruido ocupacional referente ao período em questão (1989-2004) ”;
10 – Inexplicavelmente, a Sentença recorrida considera que este documento, além de subscrito por quem não tinha poderes para vincular os Recorridos, apenas contém conclusões e análises jurídicas, baseando-se em premissas que não correspondem à realidade;
11 – Salvo o devido respeito por entendimento contrário, parece óbvio que este “Relatório de Avaliação de Exposição a Fator de Risco – Ruído Colaborador AA” foi elaborado de forma fundamentada e consistente, pela Técnica Superior de Segurança e Saúde do Recorrido Águas de..., realizando, em Fevereiro de 2016, de forma imparcial, uma análise sobre a situação do Recorrente, que não poderia ser totalmente desvalorizada pelo Mma. Juiz como foi;
12 – No fundo, a Sentença recorrida opta, nesta matéria, claramente por dar toda a credibilidade à testemunha CC, Diretora da Divisão de Exploração e Manutenção, em total detrimento do Relatório elaborado sobre o Recorrente pela Técnica Superior de Segurança e Saúde:
13 – O mesmo se passando, aliás, como se referiu, relativamente ao depoimento testemunha BB;
14 – Os Recorridos deveriam, entre 1989 e 2004, ter cumprido o determinado e previsto no Decreto-Lei n.º 251/87, de 24 de Junho, que aprovou o Regulamento Geral sobre o Ruído, o Decreto-Lei n.º 72/92, de 28 de Abril, que estabelece o quadro geral de proteção dos trabalhadores contra riscos decorrentes da exposição ao ruido durante o trabalho, aplicando-se a todas as empresas, estabelecimentos e serviços, incluindo Administração Pública e o Decreto-Regulamentar n.º 9/92, de 28 de Abril, que estabelece o quadro geral de proteção dos trabalhadores contra riscos decorrentes da exposição ao ruido durante o trabalho;
15 – Contudo, como se viu, esta legislação não foi cumprida pelas entidades empregadoras em causa, não existindo qualquer registo de vigilância médica do A., nem avaliação à exposição ao fator de risco, neste caso ruído, durante os 15 anos (1989 a 2004) em que exerceu funções em permanência em Estações Elevatórias;
16 – Não se aceitando a conclusão infundada e vertida na Sentença recorrida de que o tempo passado pelo Recorrente nas Estações Elevatórias ..., ..., ... e ... não seria suficiente para ser causa da doença e que as deslocações diárias entre estas instalações determinava que não passava a totalidade do seu horário de trabalho em nenhuma delas;
17 – Existiu da parte dos Recorridos omissão ilícita e negligente ao não assegurar ao Recorrente condições de trabalho idóneas, por forma a evitar o risco de doença profissional que era previsível face aos locais de trabalho e aos processos de trabalho adotados, de forma a reduzir ou excluir os seus efeitos negativos, tendo esta violação de regras de segurança estado diretamente ligada com a verificação de doença profissional do Recorrente, integrando tal realidade uma omissão ilícita e negligente dos Recorridos, como já se referiu, causal da doença decorrente da execução de trabalho naquelas condições;
18 – Como consequência direta e necessária da violação de regra de segurança resultou para o Recorrente uma doença profissional, devidamente certificada;
19 – A situação clínica do Recorrente tem tendência para o seu agravamento, como expressamente reconhecido pela Decisão Recorrida, com as consequências e limitações decorrentes do agravamento de uma situação de surdez, conforme se retira de Relatórios Médicos juntos à p.i., realidade que 13 provoca sofrimento moral e desgosto, sofrendo o Recorrente com a sua situação e com as limitações diárias que sofre, que irão, como já referiu, agravar;
20 – Nos termos do artigo 486º do Código Civil, “As simples omissões dão lugar à obrigação de reparar os danos, quando, independentemente dos outros requisitos legais, havia, por força da lei ou do negócio jurídico o dever de praticar o ato omitido”;
21 – A causa do da doença profissional atribuída ao Recorrente foi a conduta omissiva, ilícita e culposa dos Recorridos, que deveria ter usado de uma negligência que não empregou, pois efetivamente cabia aos Recorridos proporcionar condições de trabalho adequadas, atribuindo EPI ajustado à situação, garantindo vigilância médica e avaliação de exposição ao fator de risco;
22 – O que no caso sub judice indiscutivelmente não sucedeu, tendo essa hipotética realidade apenas existido para a Mma. Juiz na mente da testemunha CC:
23 – Sobre esta matéria, veja-se, a título de exemplo, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, Processo 835/15.0T8LRA.C1, de 16.12.2015, decisão que aborda uma situação em tudo semelhante à do Recorrente;
24 – Pelo que considera o Recorrente que pelos sofrimentos suportados e desvalor resultante da surdez diagnosticada, na sequência da omissão praticadas pelos Recorridos, deverá ser paga uma quantia não inferior a € 15.000.00;
25 – Razão pela qual, salvo o devido respeito, carece de razão considerar improcedente o pedido realizado pelo Recorrente nos presentes autos.
Município de..., Co-Réu/Recorrido, notificado das Alegações, vem responder debatendo-se por que seja mantida a sentença.
Águas de...., Ré/Recorrida, notificada das Alegações, responderam às mesmas pugnando pela confirmação da sentença recorrida.
O MINISTÉRIO PÚBLICO emitiu parecer do qual consta:
“Constitui jurisprudência corrente que, com o recurso da matéria de facto, não pode pretender-se um novo julgamento fundado numa nova convicção, mas apenas apreciar a razoabilidade da convicção formada pelo tribunal recorrido relativamente aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorretamente julgados, com base na avaliação das provas que considera determinarem uma avaliação diferente. Ora, parece-nos que a douta sentença recorrida se encontra devidamente fundamentada, apresentando um raciocínio lógico e coerente quanto à apreciação da prova e matéria assente, não se verificando qualquer contradição. Tendo sido essa a convicção do julgador, não nos parece que os elementos referidos nas doutas alegações de recurso devam conduzir a uma factualidade provada distinta.
Por outro lado, tendo por base a matéria de facto considerada assente, parece-nos que o Tribunal de primeira instância fez correta interpretação e aplicação do direito aos factos provados.
Assim sendo, mantendo-se a factualidade provada na douta sentença recorrida, o parecer do Ministério Público é no sentido de que o recurso não merece provimento, devendo a douta sentença recorrida ser mantida nos seus precisos termos.”
*
Apresentamos, para cabal esclarecimento, um breve resumo dos autos:
AA instaurou contra Águas de... e Município de... a presente ação comum, pedindo que sendo a ação julgada procedente, em consequência sejam as rés solidariamente condenadas a pagar ao autor a quantia de € 15.000,00 acrescida de juros, desde a citação, à taxa legal, até efetivo e integral pagamento e, ainda, em custas e procuradoria.
Para tanto alegou, em síntese, que integrou o quadro dos SMAS de... em Fevereiro de 1989, que em 2000 passou, através da figura de requisição e posteriormente de acordo de cedência de interesse público, a exercer funções nas Águas de..., o que se mantém. Mais alega que no exercício das suas funções para os SMAS de..., desde 1989, e posteriormente nas Águas de..., até cerca do ano de 2004, esteve em permanência afeto às Estações Elevatórias, local onde permanecia a totalidade do seu horário de trabalho, e que esteve exposto a ruído não tendo sido distribuído e proporcionado pelas rés o Equipamento de Proteção Individual devido, nem havendo registo de vigilância médica do autor, nem de avaliação de exposição ao fator de risco ruído. Alega que em Julho de 2016 viu reconhecida pelo Departamento de Proteção contra os Riscos Profissionais do Instituto da Segurança Social, I.P. a existência de doença profissional, com início em Junho de 2012, sendo o diagnóstico Perturbações de Audição e a doença Surdez. Mais alega que ocorreu violação de regras de segurança pelas rés, por omissão ilícita e negligente ao não assegurar condições de trabalho idóneas a evitar o risco de doença, e que aquela foi causal da doença. Finalmente alega que tal doença e suas limitações lhe provocam sofrimento moral e desgosto.
O réu Município de... contestou, por um lado por exceção, arguindo o erro na forma de processo, a sua ilegitimidade, a caducidade do direito à ação e a prescrição, e, por outro lado, por impugnação, impugnando que a falta de audição tenha origem nas funções que exerceu, e alegando que na CGA em sede de junta médica para confirmação de incapacidade foi atribuído o coeficiente 0%, e concluindo que não estão demonstrados os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual. Conclui pela improcedência da ação.
O réu Águas de... contestou, por um lado por exceção, arguindo o erro na forma de processo, a sua ilegitimidade, a caducidade do direito à ação e a prescrição, e, por outro lado, por impugnação, alegando que desde 1999 e até 2002 foi implementado um sistema de Telegestão e que desde Novembro de 2000 o autor exerce funções neste sistema, com gestão remota de todo o sistema de adução e reservas de águas nos reservatórios. Mais alega que no período de 1989 a 2004 o autor esteve afeto à zona oriental do concelho de ... estando-lhe “atribuídas” 11 instalações que identifica e destas apenas 4 possuíam Estações Elevatórias e destas, 2 foram desativadas em 2000 e 2001, impugnando que o autor permanecesse durante o seu horário laboral sempre em Estação Elevatória como alegado. Alega que as regras de segurança sempre foram cumpridas e que foram disponibilizados Equipamentos de Proteção Individual e facultado o acesso e acompanhamento dos serviços de Medicina do Trabalho. Alega também quanto a avaliação do ruído que as instalações foram avaliadas em 2007 e foi concluído, nos termos que detalha, que o valor não exige atribuição de EPI e vigilância médica. Mais alega que proporcionou formação sobre segurança, higiene e saúde no Trabalho. Finalmente impugna a existência do nexo causal da alegada doença com o ruído no local de trabalho, e bem assim a existência de qualquer incapacidade ou limitação por parte do autor, posto que lhe foi atribuído o coeficiente de 0% de incapacidade. Conclui pela improcedência da ação.
O autor respondeu às exceções e concluiu pela sua improcedência.
No despacho saneador foram conhecidas e julgadas improcedentes as invocadas exceções do erro na forma de processo, da ilegitimidade e da prescrição.
Desta decisão foi interposto recurso, no âmbito do qual veio a ser proferido acórdão que julgou improcedente a exceção perentória de prescrição do direito do apelante, revogando, nessa parte, o saneador sentença e ordenando o prosseguimento da ação até final.
Realizou-se, após, audiência de discussão e julgamento e foi proferida sentença que julga a ação totalmente improcedente e em consequência absolve os réus Águas de... e Município de... dos pedidos formulados pelo autor AA.
Julgou ainda improcedente a exceção de caducidade.
***
As conclusões delimitam o objeto do recurso, o que decorre do que vem disposto nos Art.º 608º/2 e 635º/4 do CPC. Apenas se exceciona desta regra a apreciação das questões que sejam de conhecimento oficioso.
Nestes termos, considerando a natureza jurídica da matéria visada, são as seguintes as questões a decidir, extraídas das conclusões:
1ª – O Tribunal fez uma errada apreciação da prova?
2ª – A causa do da doença profissional atribuída ao Recorrente foi a conduta omissiva, ilícita e culposa dos Recorridos?
3ª - Pelos sofrimentos suportados e desvalor resultante da surdez diagnosticada, na sequência das omissões praticadas pelos Recorridos, deverá ser paga uma quantia não inferior a € 15.000.00?
*** FUNDAMENTAÇÃO:
Das conclusões 5ª a 13ª emerge a insurgência da Apelante relativamente à apreciação da prova. Daí a enunciação da 1ª questão a dilucidar – a errada apreciação da prova.
O Apelante sustenta distinta apreciação da prova testemunhal e da documental.
A Apelada Águas alega o incumprimento dos ónus constantes do Artº 640º do CPC.
Na conjugação entre o que se dispõe no Artº 640º do CPC e no Artº 662º do CPC, compete, atualmente à Relação, intervir em sede de reapreciação da matéria de facto. Uma intervenção que, contudo, não se reconduz à repetição do julgamento, antes se restringe à possibilidade de rever concretas questões de facto relativamente às quais a parte divirja de modo fundamentado.
Ora, a errada apreciação da prova só poderá relevar no quadro da impugnação da decisão que enforma a matéria de facto e tal impugnação está sujeita à observância por parte do impugnante de um conjunto de ónus, ónus esses que não vemos cumpridos no caso concreto.
Na verdade, e conforme disposto no Artº 640º do CPC, aquele que se insurja contra a decisão da matéria de facto deve, sob pena de rejeição, indicar os concretos pontos de facto impugnados, as concretas provas a reapreciar e a concreta decisão a proferir sobre tais pontos de facto. E, incidindo a impugnação sobre provas gravadas, também se lhe exige a indicação precisa das passagens da gravação em que se funda para sustentar distinta decisão.
É assim que se exige enunciação, em sede de motivação do recurso, de todas aquelas exigências, e, nas conclusões, da síntese decorrente da indicação dos pontos de facto sobre os quais incide a reação do recorrente1. O AUJ nº 12/2023 de 14/11 estabeleceu, todavia, como regra que o recorrente que impugna a decisão sobre matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões do recurso a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações.
No caso sub-júdice apenas se mostra cumprido o ónus enunciado na alínea b) do nº 1 do Artº 640º, sendo a apelação completamente omissa quanto aos restantes dois – indicação dos pontos de facto impugnados e da decisão a proferir- e também quanto ao que resulta do nº 2 deste artigo – indicação exata das passagens da gravação.
Nem nas conclusões, nem na precedente alegação, vemos cumpridas tais exigências, o que por si, e sem necessidade de outros considerandos, é suficiente para que se rejeite o recurso nessa parte.
*** OS FACTOS:
Os Factos Provados são os seguintes:
1º O Autor integrou o quadro de pessoal dos SMAS de... em Fevereiro de 1989, tomando posse como Auxiliar Administrativo de 2ª Classe, passando depois, em Agosto de 1989, para o exercício de funções de Operador de Estações Elevatórias de Tratamento e Depuradoras de 2ª Classe, a que se seguiu a requalificação profissional em Junho de 1999 para Operador de Central. (artigo 1º da petição inicial – admitido por acordo)
2º Em 2000, por força do Contrato de Concessão da Exploração do Sistema Municipal de Distribuição de Água e Drenagem de Águas Residuais de ..., passou, através da figura de requisição e posteriormente de Acordo de cedência em interesse público a exercer funções profissionais nas Águas de..., situação que se mantém atualmente. (artigo 2º da petição inicial – admitido por acordo)
3º A alteração de categoria do Autor ocorrida em 1999, de Operador de Estações Elevatórias de Tratamento e Depuradoras de 2ª Classe para Operador de Central deveu-se à implementação, ainda no âmbito do segundo Réu, Município de.../SMAS, de um sistema designado por TELEGESTÃO, ferramenta que permitiu efetuar a exploração do sistema de captação, adução, armazenamento e distribuição de água remotamente a partir do centro de comando situado no edifício sede na empresa, nos termos constantes da deliberação do Conselho de Administração do Segundo Réu/SMAS de 28/07/99 e respetiva Proposta aprovada, Informação n.º 676/99/I, de 28/06/2019 e Aviso publicado no Diário da República III SÉRIE de 30/08/1999 juntos a fls.304 a 306v cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. (artigo 58º da contestação do 1º Réu – prova documental)
4º Tal sistema permitiu aos operadores, entre eles o Autor, adotar o Centro de Comando como local de trabalho habitual/principal e operar remotamente os órgãos de controlo, tomar conhecimento do valor de todas as variáveis de campo podendo inclusive mandar arrancar ou parar um grupo de bombagem, abrir e fechar uma válvula adutora, bem como tomar conhecimento dos caudais que passam em algumas condutas, nos termos descritos no Ponto 2.4.3 do Anexo XI do Contrato de Concessão de Exploração do Sistema Municipal de Distribuição de Água e de Drenagem de Águas Residuais de ... junto a fls. 300 e 300v cujo teor se dá por reproduzido. (artigo 59º da contestação do 1º Réu – prova documental)
5º Quando em Novembro de 2000, o Autor/Trabalhador passou a exercer funções na empresa Ré sob regime de requisição, o sistema de telegestão, já se encontrava em funcionamento, ainda que não na sua plenitude desde o primeiro momento pois foi implantado de forma faseada, tendo permitido, a partir de finais de 2002, data em que se mostrou finalizada a sua implementação, a completa gestão remota de todo o sistema de adução e reservas de águas nos reservatórios. (artigo 60º da contestação do 1º Réu)
6º Já integrado na Concessão nas Águas de ..., o Autor é novamente requalificado profissionalmente, passando em Dezembro de 2006 para a categoria de Operário Altamente qualificado. (artigo 3º da petição inicial – admitido por acordo)
7º O Autor encontrava-se, no período que refere de 1989 a 2004, afeto, no exercício das suas funções, à zona oriental do concelho de ... onde lhe estavam “atribuídas” onze instalações, em concreto: ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e .... (artigo 62º da contestação do 1º Réu)
8º Dessas onze instalações apenas quatro possuíam Estações Elevatórias (..., ..., ... e ...) das quais, durante esse mesmo período, duas dessas Estações Elevatórias, em concreto de ... e de ..., foram desativadas em 2001 e 2002, respetivamente. (artigo 63º da contestação do 1º Réu)
9º As funções do Autor/Trabalhador consistiam, até ao ano 2000, essencialmente no registo e transmissão diária, via telefone ou rádio, do nível de água nos reservatórios e alguns caudais podendo, eventualmente, participar ainda na gestão das reservas, para tal, arrancando ou parando grupos elevatórios e manobrando válvulas em todas as instalações supra referidas. (artigo 64º da contestação do 1º Réu)
10º Nesse sentido, num primeiro momento, as funções do Autor exigiam deslocações diárias a e entre todas as 11 instalações a que se encontrava afeto (entre elas, apenas 4 estações elevatórias), não permanecendo numa só instalação durante todo o seu horário laboral. (artigo 65º da contestação do 1º Réu)
11º O número de instalações a que o Autor se encontrava afeto diariamente impunha uma curta permanência do mesmo no seu interior, sendo grande parte do seu período normal de trabalho ocupado em deslocações entre todas essas instalações. (artigo 67º da contestação do 1º Réu)
12º No período entre 2000 e finais de 2002, tais deslocações e permanência foram-se mostrando bastante e cada vez mais reduzidas dada a implantação gradual do Sistema de Telegestão, sendo que, a partir de início de 2003, com o pleno funcionamento do Centro de Comando da Telegestão, todas as funções exercidas pelo Autor passaram a ser exercidas remotamente, sendo as suas deslocações às instalações meramente ocasionais. (artigo 68º da contestação do 1º Réu)
13º Em meados de 2004 ardeu uma instalação, localizada em ..., onde existia um arquivo com documentação dos SMAS e da Águas de..., nomeadamente relacionada com a entrega dos EPIs, no tempo dos SMAS, e documentação referente a avaliações de exposição ao ruído dos trabalhadores e muita documentação referente ao período invocado pelo Autor de 1989 a 2004. (artigo 75º da contestação do 1º Réu)
14º Quanto ao tema de avaliação do ruído, em Novembro de 2007 foi elaborado relatório de avaliação da exposição pessoal ao ruído junto a fls. 307v a 315v cujo teor se dá por reproduzido, nos termos do qual consta quanto às estações elevatórias, “em todas as situações a exposição ao ruído ocupacional não ultrapassa 0,5h/dia” tendo-se concluído “em relação à totalidade dos trabalhadores que trabalham nas Estações Elevatórias” a situação seguinte de níveis de exposição:
(contém foto)
E “para todos os locais de trabalho os trabalhadores não devem estar sujeitos a valores superiores a:
(contém foto)
Salientando que apenas na estação elevatória do ... “cuja exposição estima-se na meia hora (…) no caso do trabalhador permanecer no local por tempo superior torna-se obrigatório o uso de protetores de ouvido”. (artigo 76º a 78º da contestação do 1º Réu – prova documental)
15º Independentemente, no caso concreto dos abafadores, os Réus disponibilizaram ao Autor, desde o primeiro momento, tal equipamento, encontrando-se os mesmos pendurados à entrada de todas as suas instalações e acessíveis a quem ali se deslocava e a partir de certa altura através da consignação de novos EPI´s, exclusivos ao Autor. (artigo 82º da contestação do 1º Réu e art. 72º, nº1, Código de Processo do Trabalho)
16º Pelos Réus foram promovidas várias ações de formação sobre o tema Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho, por exemplo já no ano de 1999 e 2001, com a duração de 3 dias, nas quais o trabalhador ora Autor participou, com o conteúdo constante dos certificados juntos a fls. 318 a 319 cujo teor se dá por reproduzido, nomeadamente quanto ao Ruído Ocupacional, em 2001, numa formação de 3 dias com um módulo especificamente dedicado aos “Riscos do Ruído”. (artigo 84º e 89º-a da contestação do 1º Réu e art. 72º, nº1, Código de Processo do Trabalho – prova documental)
17º Os Réus promoveram e facultaram ao Autor, desde o primeiro momento, e a todos os trabalhadores ao seu serviço, o acesso e acompanhamento pelos competentes serviços de Medicina do Trabalho, (artigo 89º-b da contestação do 1º Réu)
18º O Autor teve um processo por doença profissional no Departamento de Proteção Contra os Riscos Profissionais do Instituto da Segurança Social I.P., concluído em 14/07/2016, no âmbito do qual foi certificada doença profissional com início em 11/06/2012, com o diagnóstico “Perturbações Audição” “Código 170” e doença “surdez”, e por aquele ser subscritor da CGA (Caixa Geral de Aposentações) o processo foi remetido a esta entidade para efeitos de junta médica prevista no art. 38º do DL 503/99, de 20 de Novembro, em 23/08/2016, nos termos constantes dos documentos de fls. 10, 11, 48v a 49v, e 405, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. (artigo 5º da petição inicial e art. 72º, nº1, Código de Processo do Trabalho – prova documental)
19º Realizada Junta Médica da Caixa Geral de Aposentações em 2/03/2017, relativa à doença profissional certificada pelo C.N.P.C.R.P. em 12/08/2016, o resultado foi o seguinte, nos termos constantes da comunicação de fls. 53 e 53v e do auto de junta médica de fls. 406 a 409, cujo teor se dá por reproduzido para todos os efeitos legais: “Das lesões apresentadas não resultou uma incapacidade permanente absoluta para o exercício das suas funções. Das lesões apresentadas não resultou uma incapacidade permanente absoluta de todo e qualquer trabalho. Das lesões apresentadas foi atribuído o coeficiente de 0%, uma vez que não são passíveis de qualquer desvalorização, de acordo com o Capítulo IV n° 8.1; Cap. IV n° 8.2 da T.Ν.Ι.” (artigo 61º da contestação do 2º Réu e artigo 106º do 1ª Réu– prova documental)
20º O Autor apresentou requerimento para realização de Junta de Recurso para apreciar novamente a sua situação clinica, que foi indeferido por despacho de 8/08/2017 da Direção da CGA, nos termos constantes do documento de fls. 50 e 50v, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. (artigo 62º da contestação do 2º Réu– prova documental)
21º A situação clínica do Autor tem carácter evolutivo de agravamento. (artigo 16º da petição inicial – prova documental)
22º O horário de trabalho do Autor era de 7 horas diárias e 35 horas semanais. (artigo 19º da petição inicial – admitido por acordo)
*** O DIREITO:
Detenhamo-nos, então, sobre a 2ª questão2 – A causa da doença profissional atribuída ao Recorrente foi a conduta omissiva, ilícita e culposa dos Recorridos?
A presente ação começou por ser interposta no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, vindo configurada como uma ação de responsabilidade civil por factos ilícitos, sustentada no disposto nos Artº 483º e 486º do CC. E foi nesse pressuposto que foi proferida a sentença.
O Autor teve um processo por doença profissional no Departamento de Proteção Contra os Riscos Profissionais do Instituto da Segurança Social I.P., concluído em 14/07/2016, no âmbito do qual foi certificada doença profissional com início em 11/06/2012, com o diagnóstico “Perturbações Audição” “Código 170” e doença “surdez”. Foi-lhe atribuído, pela junta médica, o coeficiente de 0% de incapacidade.
Pretende, na presente ação, ser ressarcido por danos de natureza não patrimonial.
O Apelado Município refuta o pedido alegando que o Apelante não identifica qualquer dano, salientando que nem sequer foi atribuída incapacidade, e que não se verificam os pressupostos da responsabilidade civil.
A Apelada Águas de... alega que o recurso não se insurge contra a apreciação jurídica efetuada na sentença, que não existe prova de danos, que inexiste relação laboral entre si e o Apelante pelo que não responde solidariamente pelo eventual dano.
Vejamos, pois!
Dispõe o Artº 1º/2 da Lei 98/2009 de 4/09 – aplicável à situação dada a data de certificação da doença (Artº 187º/2) - que, sem prejuízo do disposto no capítulo III, às doenças profissionais aplicam-se, com as devidas adaptações, as normas relativas aos acidentes de trabalho constantes da presente lei e, subsidiariamente, o regime geral da segurança social.
Entre tais normas aplicáveis aos acidentes de trabalho encontra-se o Artº 18º relativo à atuação culposa do empregador.
Quando o acidente – ou, no caso, a doença – tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais.
A partir deste dispositivo legal deverá equacionar-se o pedido formulado, pois nestas circunstâncias fica afastado o regime de responsabilidade emergente do disposto no Cap. III da Lei, devendo a doença ser ressarcida nos termos gerais.
A isto não obsta ter-se decidido que não procede a exceção de erro na forma do processo, porquanto o que está ora em causa é o regime de direito substantivo aplicável. E também não obsta o enquadramento meramente civilístico efetuado pelo Apelante a partir da petição inicial, porquanto o tribunal não está vinculado às alegações das partes no tocante à indagação do Direito aplicável (Artº 5º/3 do CPC).
Cumpre, assim, ao trabalhador o ónus de provar que a doença foi provocada pelo empregador ou seu representante ou entidade por aquele contratada ou, então, que a mesma resulta da inobservância de normas sobre segurança e saúde no trabalho.
Como pressupostos de aplicação deste normativo temos, pois, a inobservância por parte do empregador de alguma regra sobre segurança, higiene e saúde e, bem assim, o nexo causal entre esta e a doença. Ou seja, não basta que ocorra tal inobservância, impõe-se que ela seja determinante na produção do evento. Donde, estar afastada a possibilidade de enquadramento neste título de responsabilidade de todas e quaisquer violações de princípios ou normas sobre segurança se de tal violação não resultar o evento.
A este propósito cabe, desde já, salientar que a lei não se basta com a violação de um qualquer dever de cuidado ou de alguma genérica obrigação de segurança. Tais violações inserem-se nos riscos próprios da atividade e são absorvidas pela responsabilidade geral (objetiva) decorrente de acidentes de trabalho/doenças profissionais3. O que no Artº 18º da LAT se prevê é a responsabilidade decorrente da concreta violação de uma específica regra de segurança, causal do acidente ou da doença.
Pretende o Apelante que a doença de que padece teve a sua causa em conduta omissiva, ilícita e culposa dos Recorridos.
E porquê?
Porque, segundo invoca, os Recorridos deveriam, entre 1989 e 2004, ter cumprido o determinado e previsto no Decreto-Lei n.º 251/87, de 24 de Junho, que aprovou o Regulamento Geral sobre o Ruído, o Decreto-Lei n.º 72/92, de 28 de Abril, que estabelece o quadro geral de proteção dos trabalhadores contra riscos decorrentes da exposição ao ruido durante o trabalho, aplicando-se a todas as empresas, estabelecimentos e serviços, incluindo Administração Pública e o Decreto-Regulamentar n.º 9/92, de 28 de Abril, que estabelece o quadro geral de proteção dos trabalhadores contra riscos decorrentes da exposição ao ruído durante o trabalho. Legislação que não foi cumprida, não existindo qualquer registo de vigilância médica do A., nem avaliação à exposição ao fator de risco, neste caso ruído, durante os 15 anos (1989 a 2004) em que exerceu funções em permanência em Estações Elevatórias.
Identifica, pois, o Recrte., as omissões registadas – inexistência de vigilância médica e de avaliação à exposição ao fator de risco.
Ora, em presença do disposto no Artº 18º da Lei 98/2009, essa é a atividade inicial a desenvolver para aplicação do regime de responsabilidade civil nos termos gerais, sendo, após, necessário estabelecer um nexo de causalidade entre a violação ou omissão e a doença propriamente dita, definindo-se, após, a responsabilidade em presença do dano apresentado. Tal como dito no Ac. do STJ de 3/02/2010, Proc.º 304/07.1TTSNT, a diferença existente entre ambas as previsões enunciadas no nº 1 do Artº 18º da LAT reside na prova da culpa, que é indispensável no primeiro caso e desnecessária no segundo. Decorre tal asserção da circunstância de, estando em causa a violação de preceitos legais ou regulamentares sobre higiene e segurança no trabalho, tal violação constituir fundamento autónomo bastante para o postulado agravamento e, bem assim, de a mencionada violação consubstanciar, por si mesma, a omissão concreta de um especial dever de cuidado imposto por lei.
Como se vem repetidamente afirmando a responsabilização da entidade empregadora nos termos do Artº 18º/1 exige que se demonstre (cabendo esse ónus a quem vier a tirar proveito dessa forma mais acentuada de responsabilização) um nexo causal entre a postergação das regras de segurança, saúde e higiene no trabalho e o evento infortunístico.
Significa isto que “a responsabilidade agravada do empregador com fundamento na violação de preceitos legais ou regulamentares ou de diretrizes sobre higiene e segurança no trabalho pressupõe a verificação dos seguintes requisitos: (i) que sobre o empregador recaia o dever de observar determinadas regras de comportamento, cuja observância teria impedido, segura ou muito provavelmente, a consumação do evento, assim se omitindo o cuidado exigível a um empregador normal; (ii) que entre essa conduta omissiva e o acidente intercorra um nexo de causalidade adequada”4.
O Artº 563.º do CC adotou, a propósito do nexo de causalidade, e como é reconhecido pela generalidade da doutrina, a teoria da causalidade adequada.
Um facto só deve considerar-se causa (adequada) daqueles danos (sofridos por outrem) que constituem uma consequência normal, típica, provável dele5.
Ora, “a apreciação do nexo de causalidade envolve dois patamares. O primeiro prende-se com a determinação naturalística dos factos, em ordem a determinar a sua causa-efeito e constitui matéria de facto... e que, por isso, implica uma avaliação de prova. O segundo implica o confronto daquela sequência cronológica com as regras jurídicas que delimitam o conceito de causalidade adequada, o que já é uma operação de subsunção jurídica.6”
Assim, ainda que, em abstrato, se constate a violação de alguma norma de segurança, em concreto será necessário que a factualidade seja reveladora, não só da existência da anomalia ou omissão, como também de que a mesma foi causal do evento, de modo a permitir estabelecer a correspondência entre a omissão registada e a ocorrência.
Impor-se-ia, pois, identificar nos diplomas referenciados o que estatuem sobre a matéria7, 8.
Tratando-se de omissão de vigilância médica e de avaliação do risco, regem os DL 251/87 de 24/06 e o Dec. Regulamentar 9/92 de 28/04 (este regulamenta o DL 72/92 de 28/04) que, respetivamente, nos Artº 18º e 3º e 5º se debruçam sobre tais matérias.
Dispõe o Artº 18º/1 do DL 251/87 que quando se verificar que o valor do nível sonoro contínuo equivalente excede 85 dB (A), as entidades fiscalizadoras imporão a realização de rastreios audiométricos periódicos aos trabalhadores.
Por seu turno, no concernente à avaliação do risco, dispõe o Artº 3º/1 do Dec. Regulamentar que para identificar os trabalhadores expostos o empregador deve proceder à avaliação da «exposição pessoal diária de cada trabalhador ao ruído durante o trabalho», L(índice EP,d), e dos valores máximos dos picos de nível sonoro, MaxL(índice PICO). Já do Artº 5º/1 e 2 decorre a necessidade de implementar vigilância médica nos seguintes termos:
1- Quando as avaliações da exposição pessoal diária de cada trabalhador ao ruído durante o trabalho, L(índice EP,d), e dos valores máximos dos picos de nível sonoro, MaxL(índice PICO), revelarem a existência de qualquer trabalhador exposto a níveis superiores ao valor limite de exposição ou ao valor limite de pico, definidos, respetivamente, nas alíneas i) e j) do artigo 1.º, devem ser identificadas as causas desses excessos e deve ser posto em prática um programa de medidas técnicas, destinado a diminuir a produção ou propagação do ruído, ou um programa de medidas de organização do trabalho, destinado a diminuir a exposição dos trabalhadores ao ruído, tendo em conta o disposto no anexo V.
2 - Enquanto se mantiver a situação prevista no número anterior, o empregador deve assegurar:
a) …
b) A vigilância médica e audiométrica da função auditiva dos trabalhadores expostos com periodicidade anual, salvo se o médico responsável estipular periodicidade inferior.
Contudo, do acervo fático cuja prova se obteve não decorre nem a inexistência de vigilância médica, nem a inexistência de avaliação da exposição ao risco, omissões nas quais assenta o recurso e cuja prova competia ao Apelante nos termos do disposto no Artº 342º/1 do CC.
O que dali emerge é antes que os Réus promoveram e facultaram ao Autor, desde o primeiro momento, e a todos os trabalhadores ao seu serviço, o acesso e acompanhamento pelos competentes serviços de Medicina do Trabalho (ponto 17º) e, quanto ao tema de avaliação do ruído, a elaboração, em Novembro de 2007, de um relatório de avaliação da exposição pessoal ao ruído (ponto 14º). E, bem assim que em meados de 2004 ardeu uma instalação, localizada em ..., onde existia um arquivo com documentação dos SMAS e da Águas de..., nomeadamente relacionada com a entrega dos EPIs, no tempo dos SMAS, e documentação referente a avaliações de exposição ao ruído dos trabalhadores e muita documentação referente ao período invocado pelo Autor de 1989 a 2004 (ponto 13º). Daqui não podemos extrair que no período de 1989 a 2004 não existiu tal avaliação ao risco, sendo certo que o ónus da respetiva prova está, no caso, a cargo do A. (Artº 342º/1 do CC).
Ora, não identificada qualquer conduta que traduza a invocada omissão cautelar por parte das Apeladas9, e tendo soçobrado a impugnação da decisão fática, a questão em análise não tem como proceder, revelando-se desnecessários outros considerandos.
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Fica, assim, prejudicada a análise da 3ª questão que enunciámos, por a mesma pressupor a responsabilidade fundada no disposto no Artº 18º/1 da Lei 98/2009.
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As custas da apelação constituem encargo do Apelante.
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Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmar a sentença.
Custas pelo Apelante.
Notifique.
1. Neste sentido, a título de exemplo, os Ac. do STJ de 19/01/2023, Proc.º 3160/16.5T8LRS-A e de 13/11/2009, Proc.º 4946/05.1TTLSB-C
2. Muito embora nos pareça que a mesma é colocada no pressuposto de modificação do acervo fático. Mas, tratando-se de matéria de conhecimento oficioso, apreciá-la-emos
3. Neste sentido o Ac. do STJ de 13/10/2016, Proc.º 443/13.0TTVNF.
4. Ac. do STJ de 19/06/2013, Proc.º 3529/04.8TTSLB
5. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 4ª Ed., Almedina, 800
6. Ac. do STJ de 12/11/2009, Proc.º 632/06.3TTMR
7. Tarefa que o Apelante, de todo, não realiza na peça que submeteu
8. Na sentença identificaram-se as seguintes normas: “ No DL 251/87, de 24 de Junho, que aprovou o Regulamento Geral sobre o Ruído, estabelecia-se, com relevo para os presentes autos: Artigo 16.º Locais de trabalho 1 - Nos locais de trabalho, o valor máximo do nível de pressão sonora instantâneo não poderá ultrapassar 140 dB. 2 - Nos locais de trabalho, o valor do nível sonoro contínuo equivalente não deverá exceder 90 dB (A). (…) Artigo 17.º Dispositivos de proteção individual 1 - Quando se verificar que o valor do nível sonoro contínuo equivalente excede 90 dB (A) e não for possível, através do recurso a medidas visando os equipamentos, as instalações e organização do trabalho, atenuar a severidade da exposição dos trabalhadores ao ruído, as entidades fiscalizadoras imporão, para uso dos trabalhadores, a adoção de dispositivos de proteção individual, devendo os locais estar devidamente sinalizados. (…) DL 72/92, de 28 de Abril - Proteção dos trabalhadores contra os riscos devidos à exposição ao ruído durante o trabalho - que no respetivo art. 1º estabelece o quadro geral de proteção dos trabalhadores contra os riscos decorrentes da exposição ao ruído durante o trabalho se aplica a todas as empresas, estabelecimentos e serviços, incluindo a Administração Pública. Decreto Regulamentar 9/92, de 28 de Abril, que regulamenta o DL 72/92, de 28 de Abril (proteção dos trabalhadores contra os riscos devidos à exposição ao ruído durante o trabalho): Artigo 1.º Conceitos gerais e definições (…) h) Nível de ação: o nível de ação da «exposição pessoal diária de um trabalhador ao ruído durante o trabalho» é igual a 85 dB (A); i) Valor limite da exposição pessoal diária: o valor limite da «exposição pessoal diária de um trabalhador ao ruído durante o trabalho» é igual a 90 dB (A); j) Valor limite de pico: o valor máximo do pico de nível de pressão sonora é igual a 140 dB, equivalente a 200 pascal de valor máximo da pressão sonora instantânea não ponderada; l) Trabalhador exposto: trabalhador cuja exposição diária ao ruído durante o trabalho é igual ou superior ao nível de ação ou que está sujeito durante o trabalho a picos do nível de pressão sonora iguais ou superiores ao valor limite de pico; m) Protetores de ouvido: equipamento de proteção individual que é utilizado para reduzir o efeito agressivo do ruído ambiente no aparelho auditivo, considerando-se normalmente quatro tipos: os de inserção no canal auditivo externo (tampões), os de cobertura de todo o pavilhão auricular (protetores auriculares), os de cobertura de parte substancial da cabeça e de todo o pavilhão auricular (capacetes) e os protetores ativos; (…) Artigo 2.º Medidas gerais de prevenção 1 - As exposições dos trabalhadores ao ruído durante o trabalho devem ser reduzidas ao nível mais baixo possível, tendo em consideração o progresso técnico, e, em qualquer caso, sempre inferiores aos valores definidos nas alíneas i) e j) do artigo 1.º 3 - Para reduzir os riscos ligados à exposição dos trabalhadores ao ruído durante o trabalho devem ser utilizadas, pela seguinte ordem de prioridades, medidas técnicas de proteção coletiva, de organização do trabalho e de proteção individual, designadamente as indicadas no anexo V. Artigo 4.º Ultrapassagem do nível de ação 1 - Quando as avaliações da exposição pessoal diária de cada trabalhador ao ruído durante o trabalho, L(índice EP,d), revelarem a existência de qualquer trabalhador sujeito a uma exposição igual ou superior ao nível de ação estabelecido na alínea h) do artigo 1.º, o empregador deve aplicar as medidas previstas nos números seguintes. 4 - O empregador deve pôr gratuitamente à disposição dos trabalhadores protetores de ouvido com atenuação adequada ao ruído a que estão expostos. Artigo 5.º Ultrapassagem dos valores limite 5 - É obrigatória a utilização de protetores de ouvido, adequados, pelos trabalhadores expostos a níveis superiores aos valores limite definidos nas alíneas i) e j) do artigo 1.º, devendo esta obrigatoriedade ser devidamente sinalizada. Artigo 7.º Protetores de ouvido (…)”. Como decorre dos factos dados como provados os réus forneceram, desde sempre, protetores de ouvido ou abafadores para uso dos trabalhadores nas estações elevatórias. Nas estações elevatórias onde o autor trabalhou existiam protetores de ouvido à disposição dos trabalhadores e a partir de certa altura passou a ser distribuído individualmente a cada trabalhador um protetor de ouvido.”
9. O que, na análise efetuada na sentença também ocorreu como se pode ver a partir do seguinte extrato: “Como dos factos provados consta, todos os arquivos dos réus existentes até 2004 sobre higiene e segurança no trabalho arderam num incêndio e por isso não foi feita prova do concreto nível de exposição ao ruído ocupacional no período em causa, mas existe o relatório de 2007 de avaliação da exposição pessoal ao ruído, relativamente às mesmas instalações com a mesma maquinaria e no mesmo conclui-se que nas estações elevatórias, “em todas as situações a exposição ao ruído ocupacional não ultrapassa 0,5h/dia” tendo-se concluído “em relação à totalidade dos trabalhadores que trabalham nas Estações Elevatórias” níveis de exposição inferiores a 80 dB exceto na estação elevatória do ..., onde o autor nunca trabalhou, que em caso de exposição diária superior a meia hora “torna-se obrigatório o uso de protetores de ouvido”. Ora, considerando os níveis de exposição apurados em 2007, inferiores a 80 dB nem sequer existia obrigatoriedade de uso de protetores de ouvido, considerando a legislação em vigor à data, que apenas a impunha para níveis de exposição igual ou excedendo 90 dB . De todo o modo, como se disse, os protetores de ouvido existiam à disposição do autor nas estações elevatórias onde trabalhou. Acresce que os réus demonstraram que proporcionavam ações de formação na área da higiene e segurança no trabalho e designadamente relativamente ao risco ruído, promoviam avaliações médicas e acesso à medicina do trabalho e faziam avaliações do risco e da exposição ao ruído. Assim e uma vez que foi feita prova da inexistência de omissão dos réus no que tange à proteção contra o risco ruído, por terem fornecido protetores de ouvido, fazerem a avaliação do risco, proporcionarem acesso à medicina no trabalho e promoveram ações de formação na área da higiene e segurança no trabalho, designadamente quanto ao risco ruído, a ação não pode deixar de improceder por falta, desde logo, do primeiro dos pressupostos de que depende a existência de responsabilidade por factos ilícitos ou seja a existência de um facto voluntário (por ação ou omissão, praticado pelo agente, sendo irrelevante, por desnecessário analisar dos demais pressupostos.”
10. Da autoria da Relatora