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PACTO DE PERMANÊNCIA
DESPESAS DE FORMAÇAO
CLÁUSULA PENAL
Sumário
1. Tendo-se provado que – quer pela finalidade e vantagem para ambas as partes, quer pela duração, quer pelo correspondente custo associado ao pagamento da retribuição, quer, finalmente, pelo custo que, no mínimo, a formação em si mesma teve –, esta extravasa claramente da obrigação de formação normal e ordinária a que se referem os arts. 127.º, n.º 1, al. d) e 130.º e ss. do Código do Trabalho, as despesas inerentes suportadas pelo empregador constituem «despesas avultadas» para efeitos do art. 137.º do Código do Trabalho. 2. Neste contexto, é válida a cláusula do contrato de trabalho mediante a qual o empregador e o trabalhador convencionaram que o segundo se obrigava a não denunciar o contrato de trabalho pelo período de três anos, como compensação ao empregador pelas «despesas avultadas» feitas com a sua formação profissional, fixando logo o montante da indemnização exigível, sem que se tenham provado os pressupostos de facto da aplicação dos arts. 811.º, n.º 3 e 812.º do Código Civil. 3. Atento o disposto no art. 292.º do Código Civil, ainda que o pacto de permanência fosse nulo, por se considerar inadmissível a fixação de indemnização superior ao custo real das despesas de formação suportadas pelo empregador, sempre tal nulidade parcial não prejudicaria a validade do compromisso de permanência do trabalhador pelo período de três anos e da obrigação de pagamento daquele custo real em caso de denúncia antecipada, tanto mais que o trabalhador insistentemente se disponibilizou para tanto.
Texto Integral
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:
1. Relatório
AVINCIS AVIATION PORTUGAL, UNIPESSOAL LDA. intentou acção declarativa de condenação, com processo comum, contra AA, pedindo a condenação do Réu a pagar-lhe a quantia de 25.541,67 €, acrescida dos juros já vencidos no valor de 1.321,17 € e ainda dos vincendos até integral e efetivo pagamento, a título de indemnização por violação do pacto de permanência celebrado entre as partes.
O réu contestou.
Na sessão de julgamento realizada em 05-12-2023, no decorrer do depoimento da testemunha BB, pelo mandatário do Réu foi requerida a junção dum documento, tendo o mandatário da Autora dito que, por ser extemporânea – dado que o documento já estava disponível à data da apresentação da contestação pelo Réu, – se opunha à requerida junção.
Seguidamente, foi proferido despacho de não admissão do documento, nos termos do disposto no art. 423.º, n.º 3 do CPC, por não ter sido alegada qualquer razão para a sua junção apenas naquele momento, e de condenação do Réu em custas do incidente, pelo mínimo legal.
O Réu interpôs recurso deste despacho, formulando as seguintes conclusões: «a) O presente recurso versa sobre o douto despacho proferido que não admitiu a junção pelo Réu/Recorrente de documento probatório, nos termos do disposto no art. 423.º, n.º 3 do CPC, “por não ter sido alegada qualquer razão para a sua junção apenas neste momento”, condenando-se aquele em custas do incidente, pelo mínimo legal; b) As decisões que consubstanciam a admissão ou a rejeição da prova, ou seja, aquelas em que se julga a admissão ou não de um meio de prova para o processo, podem ser objeto de apelação autónoma, a coberto da previsão do art.º 79.º-A n.º 2 al. d) do CPT; c) Durante a inquirição da testemunha BB, apresentada pela A e que desempenha as funções de diretor comercial desta, foi referido que entre a A e o Estado Português (através do Ministério da Defesa Nacional) foi celebrado o contrato de aquisição de serviços de disponibilização e locação dos meios aéreos que constituem o dispositivo aéreo complementar do DECIR de 2020 a 2023 [depoimento gravado no Sistema de gravação digital H@bilus Media Studio: 14:52:49 – 15:51:15]; d) Considerando que, de acordo com o respetivo caderno de encargos, a A recebeu do Estado Português o valor de 24.354.000,00€ (vinte e quatro milhões trezentos e cinquenta e quatro mil euros); Que o recorrente foi contratado pela A no âmbito da operação contratualizada com o Estado Português; Considerando, finalmente, que o preço recebido pela A inclui “todos os custos, encargos e despesas necessários à execução integral dos serviços objeto do contrato (…), designadamente com as tripulações (…)” – cfr. Cláusula 24º, do Contrato de Aquisição de Serviços; e) E foi neste seguimento fatual e jurídico que o recorrente requereu a junção aos autos de cópia do contrato de aquisição de serviços celebrado entre a A e o Estado Português, ao abrigo do disposto no artigo 423.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (ex vi artigo 63º, do CPT), conforme resulta do Sistema de gravação digital H@bilus Media Studio: 14:52:49 – 15:51:15; f) Salvo o devido respeito, o despacho recorrido (constante da ata de 05.12.2023, com a referência 431002776) violou o n.º 3 do citado artigo. De facto, a celebração do contrato de prestação de serviços celebrado entre a A e o Estado Português é um circunstancialismo que foi invocado, pela primeira vez, em audiência de julgamento pelo Diretor Comercial da A e, se assim é - se estamos perante defesa que só é suscitada em audiência, - assistia ao recorrente o direito de reagir ao novo circunstancialismo que se torna essencial à boa decisão da causa; g) É que caso tais despesas sejam suportadas, na íntegra, por subsídios estatais, por exemplo, já não será admissível a celebração de um Pacto de Permanência nos termos em que o mesmo consta do contrato de trabalho celebrado entre as partes. Caso contrário, estaríamos perante uma situação de enriquecimento sem causa por parte da A/empregadora; h) Acresce que, atendendo à inversão do ónus da prova que força o trabalhador a provar que o empregador não despendeu a quantia mencionada na cláusula penal com a sua formação profissional (o que por si só constitui uma “prova diabólica” que agrava consideravelmente a posição do trabalhador), a junção do documento em causa revela-se, pois, essencial para a obtenção de uma decisão justa, adequada e proporcional nos presentes autos, i) Pelo que deve a decisão que rejeitou como meio de prova cópia do contrato de aquisição de serviços de disponibilização e locação dos meios aéreos que constituem o dispositivo aéreo complementar do DECIR de 2020 a 2023, celebrado entre a A e o Estado Português ser substituída por outra que o admita, com os legais efeitos, fazendo-se, desta forma, a habitual justiça.»
A Autora não apresentou resposta ao recurso.
Após audiência de julgamento, foi proferida sentença que terminou com a absolvição do Réu do pedido.
A Autora interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões: «(A) Face aos depoimentos evidenciados das três testemunhas arroladas pela Autora e cujo excertos supra se transcreveram, com indicação em minutos da gravação dever-se-ia ter respondido como provado a matéria da alínea b) dos factos não provados da Sentença e artigo 11º da PI. (B) Todas as testemunhas corroboraram que a simples qualificação de um piloto com um “Type Rate” para avião anfíbio, constitui não só pelas horas de voo que, entretanto acumula, mas sobretudo por se tratar de operação em meio aquático, constitui um enriquecimento curricular objectivo e que facilita a admissão em qualquer posto de trabalho para aviões anfíbios independentemente do seu tipo. (C) Igualmente se provou que sobretudo no estrangeiro (Itália, EUA ou Canadá) o Réu encontrará emprego para voar aviões anfíbios sem que ele ou o seu empregador tenham de incorrer nas despesas de iniciação básica ao vôo em aviões anfíbios, ou seja, que descolam e pousam na água. (D) Mais se tem por provado a matéria da alínea d) e f) dos factos dados na Sentença por não provados, com relação aos artigos 46º e 49º da PI, porquanto provado ficou que o preço/hora de operação em vôo de instrução, importava em cerca de € 4.000,00, englobando 800 litros de combustível de aviação AvGás100, 8 litros de óleo e ainda elevados encargos de muita manutenção requerida, atenta a antiguidade das aeronaves, e ainda os custos de piloto instrutor. (E) Só em horas de vôo e estando provado que o Réu realizou pelo menos 10 em instrução, a Autora suportou um valor de cerca de € 40.000,00, devendo dar-se como provado a matéria de 49º da PI (a menção feita à € 50.000,00 em 49º da PI constitui um evidente erro material matemático, tendo sido escrito 50 em lugar de 40, que é o aritmeticamente correcto). (F) Quando assim se não entenda em conformidade conclusão (E) deverá em qualquer caso e com referência ao facto provado 18º e 39º da PI, dar-se como provado e ser acrescentado àquela resposta de número 18 a expressão que foi suprimida “de elevada dimensão extraordinária” ou na expressão da norma jurídica relevante, a palavra “avultada”. (G) No próprio raciocínio da douta sentença recorrida que refere ter confirmado na plataforma Portugal.gov, que no contrato com a Força Aérea a Autora propusera um preço de cerca de € 3.200,00 por hora de voo, com IVA incluído, mesmo em tal caso e raciocínio, o encargo de 10 horas de vôo de instrução dada, equivaleriam desde logo e só por isso a € 32.000,00. (H) A prova cabal de que as despesas suportadas com formação do réu, foram “avultadas”, e foi avultado o custo referido no número 18 dos factos dados como provados da sentença, colhe-se também do depoimento do Piloto CC, testemunha do próprio Réu, que nele referiu ter conversado com o Réu e outro colega no sentido de contraproporem à empresa o valor de € 30.000, pelo custo e respectiva clausula penal do acordo. (I) Provado ficou que pelo menos parte dos cursos suportados pela Autora foram superiores a € 30.000,00 correspondentes a horas de voo, sendo que provado estando pois que, só por isso, as despesas e custos foram avultados. (J) O Tribunal fez pois e em parte uma incorrecta apreciação e valoração na prova testemunhal produzida pela Autora e bem assim pela própria testemunha CC, indicada pelo próprio Réu, expressamente valorou em pelo menos € 30.000,00 uma alegada contraproposta de valor que teria combinado com a aqui Réu. (K) Na sentença recorrida, o Tribunal a quo entendeu que nem o pacto de permanência, nem a cláusula penal, são válidos, tendo, assim, indeferido a pretensão da Recorrente (L) A aplicação do Direito à factualidade provada não se revela correta, tendo em conta, designadamente, os seguintes factos: o pacto de permanecia resulta do facto provado n.º 3), a formação ministrada está demonstrada no facto provado n.º 12) e a violação das disposições do pacto de permanência decorre da análise conjugada dos factos provados n.ºs 2), 3) e 13), todos da sentença recorrida. (M) A Recorrente apresenta as suas alegações com base em recente acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 06.03.2024 (que constitui a certidão judicial junto como documento n.º 1), que não transitou ainda em julgado, mas que decidiu em “dupla conforme” sobre uma situação exatamente igual, em processo no qual são partes a aqui recorrente e um outro piloto que foi seu trabalhador e recebeu “Type Rate”. (N) De acordo com a tese expendida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, “É comummente aceite que a constrição desta cláusula típica do contrato de trabalho para a liberdade de trabalho “justifica-se pelo interesse do empregador no retorno que, legitimamente, espera obter do investimento económico que fez com a formação do trabalhador (...)”. (O) De acordo com citação apresentada no mencionado acórdão, o pacto de permanência “trata-se, no fundo, de um expediente contratual através do qual a lei procura conciliar as exigências da liberdade de trabalho com as legítimas expetativas patronais de colher os frutos do forte investimento formativo realizado naquele trabalhador – algo que, como se sabe, requer tempo”. (P) No mesmo acórdão é salientada a diferença do tratamento desta figura no Código do Trabalho de 2003, no qual se previa “que a compensação tivesse em vista as “despesas extraordinárias comprovadamente feitas” pelo empregador, enquanto que [o atual Código do Trabalho], neste caso plenamente aplicável se contenta com as “despesas avultadas feitas” pelo mesmo”. (Q) O Tribunal da Relação de Lisboa, em concordância com a sentença aí recorrida, afirma que “como adequadamente concluiu a sentença recorrida, “ao contrário do pretendido pelo Réu não tem a Autora que fazer prova das despesas que tenha feito bastando que se demonstre que foram despesas significativas em formação que ultrapasse a formação corrente a que está obrigada”. (R) Mais se refere que “considerações deste tipo levaram até DD a sustentar que “ao exigir que apenas sejam ‘avultadas’ – e, não já, como no direito anterior a 2009, ‘extraordinárias’ – tais despesas, o presente preceito basta-se com o seu elevado quantitativo, sem atender ao seu caráter não normal ou não corrente face ao comum programa contratual, em particular, ao genérico dever do empregador de ‘contribuir para a elevação da produtividade e empregabilidade do trabalhador, nomeadamente proporcionando-lhe formação profissional adequada a desenvolver a sua qualificação’”. (S) Tendo nesse processo sido provado o custo de € 65.000 para a formação em questão, aí se concluiu que “é apodítico dizer que efetivamente o valor do pacto de permanência foi estabelecido pelas partes[17] a partir de um preço de custo da formação, mas este é bem ilustrativo de que se tratava de uma despesa deveras avultada! Isto seguramente se for tido em conta a realidade económica do país e que se não tratava de habilitar o apelante a pilotar helicópteros para desse modo poder exercer a sua profissão de piloto, mas, outrossim, apenas fazê-lo relativamente a um tipo dessas aeronaves.” (T) Sobre o argumento também suscitado na sentença recorrida no presente processo sobre a ausência de prova do valor das despesas, também no mencionado acórdão o tema se suscitou e aí concluiu a Relação de Lisboa que “também falha redondamente o apelante ao pretender que a apelada não apresenta “qualquer pagamento efetuado a terceiros por recursos necessários à formação” e que “também a Autora não apresenta qualquer preço de formação que praticasse a terceiros pelo tipo de formação conferida ao Réu”, pois a verdade é que se provou que “a Autora suportou os encargos inerentes à formação na qualificação de AW139”18 e, portanto, se suportou todos os encargos, naturalmente isso inclui os resultantes de serviços próprios como os de terceiros prestadores dos serviços”. (U) Concluiu, então, o Tribunal da Relação de Lisboa, que “o pacto é válido, sem qualquer margem para dúvidas”. (V) Por outro lado, quando se afirma na sentença Recorrida que “no direito laboral, a admissibilidade da cláusula penal é controvertida” – e quase tudo em Direito é controvertido – não cuidou de verificar a forma como os nossos tribunais superiores têm analisado e aplicado o Direito quanto a esta matéria, remetendo-se por exemplo para o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, em 13.10.2010, que acolhe sem reserva aquela figura no âmbito do Direito do Trabalho. (W) Ao fixarem a cláusula penal, as partes definiram o valor da compensação inerente ao incumprimento, pelo Recorrido, da obrigação de permanência que assumiu perante a Recorrente ao celebrar o pacto de permanência que resulta do facto provado n.º 3). (X) Tendo sido ministrada e obtida a pretendida qualificação pelo Recorrido (factos provados n.ºs 12 e 22) e resultando da prova que o Recorrido não pagou qualquer quantia pela formação e obtenção da qualificação, todos os custos recaíram necessariamente sobre a Recorrente (tal como resulta, aliás, dos factos provados n.ºs 17, 18 e 25). (Y) As despesas em questão são efetivamente avultadas, tando que o Recorrido – um declaratório normal, inserido numa relação contratual que o próprio conhece bem já que a mesma ocorre no âmbito da sua formação profissional e da sua profissão efetiva – nem sequer questionou o valor atribuído contratualmente à formação (o facto provado n.º 11 dá conta que “em momento algum o Réu manifestou qualquer reserva ou, sequer, qualquer desconforto com os termos e condições acordados nesse pacto de permanência”). (Z) Importa, assim, concluir que o pacto de permanência celebrado entre as partes e a aposição da cláusula penal, são válidos e que esta última dispensa a Recorrente de provar o valor das despesas efetivamente incorridas. (AA) A sentença recorrida violou o disposto no artigo 137.º do Código do Trabalho e o artigo 810.º do Código Civil.»
O Réu apresentou resposta ao recurso da Autora, pugnando pela sua improcedência.
Observou-se o disposto no art. 87.º, n.º 3 do CPT, tendo o Ministério Público emitido parecer no sentido da improcedência de ambos os recursos.
Cumprido o previsto no art. 657.º do CPC, cabe decidir em conferência.
2. Questões a resolver
Tal como resulta das conclusões dos recursos, que delimitam o seu objecto, as questões que se colocam a este Tribunal são as seguintes:
a) recurso do Réu: junção de documento requerida pelo Réu em 05-12-2023;
b) recurso da Autora:
- impugnação da decisão sobre pontos da matéria de facto;
- indemnização à Autora, pelo Réu, por violação de pacto de permanência.
3. Fundamentação
3.1. Os factos considerados provados são os seguintes:
1) A Autora é uma sociedade comercial cujo objecto consiste na “exploração e comercialização de trabalhos e meios aéreos, representação, aluguer de equipamentos aeronáuticos, agência de colocação de tripulantes e técnicos aeronáuticos, importação e exportação de material aeronáutico, trabalho e transporte aéreo com aeronaves, manutenção de aeronaves, equipamentos, bem como venda de combustíveis de aviação. Tratamento de florestas, combate a incêndios, fotografia e filmagens aéreas, offshore, carga suspensa, operações de emergência médica com aeronaves, podendo incluir as respetivas equipas médicas e de enfermagem. Formação de pessoal aeronáutico e de tripulantes de emergência médica. Arrendamento ou subarrendamento de infraestruturas aeronáuticas”.
2) Em 18 de Janeiro de 2021, a Autora, à data denominada Babcock Mission Critical Services Portugal, Lda., na qualidade de empregadora, celebrou com o Réu, na qualidade de trabalhador, o contrato de trabalho sem termo, junto como doc. 2 à petição, que se dá aqui por reproduzido, através do qual o Réu foi admitido ao serviço da Autora para prestar a actividade de co-piloto como tripulante de Aeronaves “Canadair” (CL215), no âmbito do combate aéreo a fogos florestais.
3) Consignou-se na cláusula segunda deste contrato, que tem como epígrafe FORMAÇÃO: “Atendendo a que o SEGUNDO CONTRATANTE não dispõe de qualificação tipo (type rating) para o CL215 que a PRIMEIRA CONTRATANTE irá operar na Campanha de incêndios, esta fornece-lhe e aquele aceita, a formação teórica e prática adequadas, com subsequente averbamento dessa qualificação tipo supra identificada na respetiva licença de piloto, nos termos e com as obrigações previstas nos números subsequentes. 1. O custo da obtenção da qualificação teórica e prática referida acima e da correlata certificação é fixada em € 45.000,00 (quarenta e cinco mil euros). 2. Atendendo a que a qualificação tipo supra identificada é necessária, para o cumprimento do contrato público que a PRIMEIRA CONTRATANTE celebrou com a Força Aérea Portuguesa, a formação será fornecida sem que, dentro dos condicionalismos abaixo identificados, o SEGUNDO CONTRATANTE tenha de suportar o valor acima mencionado. 3. Se o contrato de trabalho vier a cessar antes de decorridos 36 meses de duração, quer por iniciativa do SEGUNDO CONTRATANTE, quer por justa causa para rescisão de contrato, por iniciativa da PRIMEIRA CONTRATANTE, aquele ficará obrigado a reembolsar esta das avultadas despesas realizadas com a formação, de acordo com a seguinte fórmula 1/36 avos do valor indicado no n.º 1 por cada mês contado desde a data de assinatura do contrato de promessa ou desde a data da cessação deste contrato até ao termo do 36.° mês contado desde a data do seu início. 4. O valor que se apure nos termos e segundo a fórmula apresentada no ponto anterior será então facturado, acrescido de IVA, à taxa legal em vigor, se aplicável, podendo ser compensado directamente nos créditos de que eventualmente, à data da cessação, o SEGUNDO CONTRATANTE seja titular perante a PRIMEIRA CONTRATANTE, compensação esta a que dá o seu expresso assentimento, sem prejuízo de, não os havendo, ser tal custo exigido e cobrado nos termos gerais de direito, como o de uma normal relação comercial.”
4) Nos termos da cláusula QUARTA deste contrato, a retribuição base ilíquida do Réu nessa data acordada era de € 1.465,00 (mil quatrocentos e sessenta e cinco euros) para os anos de 2021 e 2022 e de € 1.650,00 (mil seiscentos e cinquenta euros) em 2023.
5) Acrescendo ainda a essa retribuição base um suplemento no valor de € 10.000,00 (dez mil euros), a ser pago da seguinte forma:
- € 1.000,00 (mil euros) nos meses de Maio e Outubro, meses de início e fim de campanha.
- € 2.000,00 (dois mil euros) nos meses de Junho, Julho, Agosto e Setembro.
6) O combate aéreo a fogos é efectuado pela Autora com aviões multimotor anfíbios “Canadair CL 215”.
7) Para que o Réu pudesse pilotar estas aeronaves, não obstante ser detentor de licença de pilotagem de aviões multimotores terrestres, era necessário que se encontrasse também habilitado com a qualificação específica para este tipo de aeronave, designada como “type rate”, ou, em Português, uma “Qualificação Tipo”.
8) Para se poder pilotar um avião, os pilotos devem possuir uma licença “geral” de pilotagem de aviões, denominada Licença de Tripulante Técnico (Flight Crew Licence), mas também uma qualificação específica para cada tipo de aeronave, sendo esta, como antes referido, designada por “qualificação tipo” ou “type rate”.
9) O Réu não dispunha dessa necessária e complementar qualificação tipo para qualquer aeronave multimotor anfíbio “Canadair CL 215”.
10) A Autora contratou o Réu por necessidade de dispor de pilotos para as companhas de combate aéreo a fogos de 2021, 2022 e 2023, que se iniciavam em 15 de Maio e terminavam em 15 de Outubro, de cada ano. (5.º pi)
11) Em momento algum o Réu manifestou qualquer reserva ou, sequer, qualquer desconforto com os termos e condições acordados nesse pacto de permanência. (15.º pi)
12) A Autora ministrou formação ao Réu e proporcionou-lhe a possibilidade de concluir e obter a referida qualificação tipo, o que veio efectivamente a acontecer em Maio de 2021. (16.º pi)
13) Em 28 de Abril de 2022, o Réu comunicou por escrito, à Autora, a sua decisão de fazer cessar o contrato de trabalho, por sua iniciativa e sem invocação de justa causa, declaração essa que, por sua expressa e concreta vontade, produziu efeitos a 4 de Maio de 2022. (17.º pi)
14) Nesta comunicação, o Réu fez consignar que: “...ao abrigo do disposto na cláusula segunda do contrato celebrado, o signatário manifesta total disponibilidade para proceder ao reembolso das despesas realizadas com a sua formação”.
15) Em face daquela comunicação do Réu, tendo em conta que na data da cessação do contrato de trabalho ainda não havia decorrido o período de 36 meses a que o Réu se vinculara no pacto de permanência, a Autora emitiu e entregou ao Réu a factura correspondente ao período em falta, pelo valor de € 25.541,67 (vinte e cinco mil, quinhentos e quarenta e um euros e sessenta e sete cêntimos); (20.º pi)
16) O Réu não pagou essa factura à Autora, nem aquando da recepção da mesma, nem posteriormente, não obstante as interpelações que lhe foram dirigidas via e-mail pela Autora. (21.º pi)
17) Foi a própria Autora, através do seu departamento de formação, quem forneceu ao Réu o curso (da formação e treino para obtenção da qualificação tipo), os instrutores, da parte teórica e prática, horas de voo real e o mais inerente. (art. 38.º da pi)
18) O investimento que a Autora, pelo seu sector de formação, realizou com a formação e treino para a obtenção da qualificação tipo do Réu representou para aquela um custo. (art. 39.º pi)
19) Antes do envio da comunicação escrita da denúncia do contrato, o Réu comunicou à sua chefia que o iria fazer. (7.º contestação)
20) O Réu, por e-mails de 11, 18 e 20 de Maio de 2022, solicitou à Autora o comprovativo das despesas de formação teórica e prática extraordinárias que a Autora realizou, para efeitos de reembolso à Autora.
21) A Autora nunca enviou ao Réu os documentos comprovativos das despesas relativas à formação prestada ao Réu.
22) A formação que a Autora ministrou ao Réu teve a utilidade de permitir a este o exercício das concretas funções que o Réu passou a desempenhar para a Autora e naquele modelo de aeronave específico (Canadair CL 215).
23) O type rating (TR) – que é formação – em CL-215, apenas permite ao Réu voar esta versão do avião, que é uma aeronave de 1967, pelo que a Autora, enquanto empregador, assegurou uma mão-de-obra qualificada para a realização das funções que o Réu iria prestar na Autora.
24) O Réu foi piloto oficial da Força Aérea Portuguesa durante 18 anos e exerce actualmente as funções de piloto de aviação comercial na sociedade XX, pelo que a formação que recebeu da Autora é irrelevante para o exercício das suas actuais funções laborais em aeronaves de transporte de passageiros ...;
25) A formação ministrada pela Autora, através do seu próprio departamento interno, implicou, para além do mais, 10 horas de voo em instrução do Réu.
26) A obtenção da acrescida qualificação tipo para “Canadair CL 2015” constitui uma mais-valia para oportunidades de trabalho futuras do Réu, quer no país, quer no estrangeiro. (aditado nos termos do ponto 3.4.1.)
27) O custo da formação ministrada pela Autora ao Réu foi no valor de, pelo menos, 25 541,67 €. (aditado nos termos do ponto 3.4.1.)
3.2. Os factos considerados não provados são os seguintes:
a) Que o Réu tenha reconhecido e aceitado assinar o contrato por ser de seu manifesto interesse curricular qualificar-se, pilotar e acumular horas na aeronave “Canadair CL 215” e poder obter assim essa acrescida qualificação Tipo. (10.º pi)
b) (eliminado nos termos do ponto 3.4.1.)
c) Que na posse da qualificação obtida pelo Réu e sem por ela ter suportado qualquer preço, facilmente o Réu encontra outro empregador que lhe paga depois, sobretudo no estrangeiro, um salário bem superior, já que este não terá já de incorrer, total ou parcialmente no custeio de tais despesas de formação. (38.º pi)
d) Os custos reais da formação ministrada pela Autora tenham sido muito superiores ao valor de € 45.000,00. (art. 46.º pi)
e) Os custos reais totais internos assumidos e suportados no que respeita à concreta formação do Réu para a sua qualificação tipo em “Canadair CL215” foram bem superiores aos € 60.000,00 (sessenta mil euros). (art. 48.º pi)
f) Só em horas de voo em instrução do Réu, à razão de € 3.926,65 (três mil, novecentos e vinte e seis euros e sessenta e cinco cêntimos) por hora, a Autora suportou € 50.000,00 (cinquenta mil euros). (49.º pi)
g) A formação ministrada pela Autora, através do seu próprio departamento interno, e a formação prática em voo não corresponde a € 45.000,00 por trabalhador.
3.3. Recurso do Réu
Está em causa a admissibilidade de junção de documento requerida pelo Réu na sessão de julgamento que teve lugar em 05-12-2023.
Estabelece o art. 423.º do CPC, ex vi art. 1.º, n.º 2, al. a) do CPT, sem prejuízo da regra geral constante do art. 63.º, n.º 1 deste segundo diploma:
Momento da apresentação
1 - Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes.
2 - Se não forem juntos com o articulado respetivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado.
3 - Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.
No caso em apreço, o Réu veio requerer a junção de documento já no decurso da audiência de julgamento, pelo que só pode ter aplicação o disposto no n.º 3 e, mais precisamente, na sua segunda parte, tendo em conta a concreta justificação apresentada pelo Réu.
Antes de mais, note-se que, nas situações aí previstas, os documentos admissíveis podem ser juntos após o limite temporal a que se refere o n.º 2 e até ao encerramento da discussão (arts. 425.º e 588.º, n.º 3, al. c) do CPC), sem outra exigência quanto a prazo, podendo o protelamento na junção relevar, quando muito, para efeitos de má fé processual nos termos das als. c) ou d) do n.º 2 do art. 542.º do CPC1.
Retornando ao caso em apreço, constata-se que decorre, em síntese, da gravação do requerimento do mandatário do Réu, formulado durante a prestação de depoimento pela testemunha BB: que invocou o disposto no art. 423, n.º 3 do CPC e a sua aplicabilidade por força do CPT; que invocou que o teor dum depoimento testemunhal pode constituir justificação legal para a junção de documento; que identificou o documento cuja junção pretendia e referiu que do mesmo consta o valor recebido pela Autora do Estado Português para pagamento do serviço prestado por aquela com inclusão das despesas com tripulação e do necessário para a sua habilitação, nos termos do seu art. 24.º; que invocou Acórdão da Relação do Porto de 4/05/2022 para sustentar a sua pretensão; que indicou que a junção de documento visa demonstrar que as despesas tidas com o Réu e outros pilotos foram financiadas por fundos públicos; que esclareceu que o documento consta do “site” público do Governo relativo a concursos públicos.
Ora, como resulta da norma acima transcrita, o Réu tinha de justificar que a apresentação do documento se tornou necessária em virtude de ocorrência posterior ao limite temporal referido no n.º 2, o que se verifica, uma vez que:
- por um lado, referiu qual o episódio que consubstancia a “ocorrência posterior”, a saber, o depoimento prestado pela testemunha BB na parte em que aludiu à existência do documento com o teor em questão;
- por outro lado, indicou o fundamento da necessidade, mormente demonstrar que as despesas tidas com o Réu e outros pilotos foram financiadas por fundos públicos.
Note-se que um documento não deixa de ser pertinente pelo facto de visar a prova de factos instrumentais em face dos factos principais da causa, tanto mais que, normalmente, a prova é indirecta2.
Acresce que a pertinência da junção se basta com um juízo de utilidade ou conveniência, que não se confunde com a aptidão do documento para demonstrar o facto ou factos visados, a qual, aliás, pode não ser imediatamente perceptível e por isso só deve ser avaliada na fase de formação da convicção sobre a matéria de facto. Assim, basta que o documento não se apresente como impertinente ou desnecessário para a decisão da causa para que tenha de aceitar-se a sua junção aos autos.
Constata-se, aliás, que a pertinência do documento veio a ser reconhecida pelo tribunal recorrido quando, na sentença que proferiu, veio a compulsá-lo e considerá-lo através da sua consulta no “site” do Governo aludido pelo mandatário do Réu no final do seu requerimento3.
Em face do exposto, uma vez que se verificavam os pressupostos previstos no art. 423.º, n.º 3 do CPC, é de concluir que o despacho que não admitiu o documento e condenou o Réu em custas do incidente, pelo mínimo legal, violou o disposto naquele preceito legal.
Impõe-se, assim, revogar o despacho recorrido, quer no que respeita à admissão de junção do documento pelo Réu, quer no que respeita à condenação do mesmo nas custas do incidente, mas, atendendo a que tudo se passou como se o documento tivesse sido oportunamente junto, uma vez que foi considerado na sentença recorrida através da sua consulta na net, entende-se que nenhuns outros actos processuais ficaram prejudicados e devem ser anulados.
Procede, pois, o recurso do Réu nestes precisos termos.
3.4. Recurso da Autora
3.4.1. Conforme resulta das conclusões do recurso, a Apelante vem impugnar a decisão do tribunal quanto a determinados pontos da matéria de facto, a saber:
- os constantes das alíneas b), d) e f) da factualidade não provada, que pretende que sejam dados como provados;
- a título subsidiário, o constante do n.º 18) da factualidade provada, que pretende seja alterado no sentido de constar que se trata de custo “de elevada dimensão extraordinária” ou “avultado”.
Estabelece o art. 662.º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe «Modificabilidade da decisão de facto», no seu n.º 1, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
O tribunal recorrido considerou como não provado, além do mais:
b) Que a obtenção da acrescida qualificação tipo para “Canadair CL 2015” constitui uma mais-valia real para a actividade do Réu e também para as suas oportunidades de trabalho e nível de rendimentos superiores, presentes e futuras, quer no País, quer no Estrangeiro. (11.º pi)
d) Os custos reais da formação ministrada pela Autora tenham sido muito superiores ao valor de € 45.000,00. (art. 46.º pi)
f) Só em horas de voo em instrução do Réu, à razão de € 3.926,65 (três mil, novecentos e vinte e seis euros e sessenta e cinco cêntimos) por hora, a Autora suportou € 50.000,00 (cinquenta mil euros). (49.º pi)
Fundamentou a sua decisão nos seguintes termos: «Os factos dados como não provados resultaram de não ter sido feita prova sobre os mesmos. Conforme resulta da resposta aos factos provados a formação foi ministrada para que o Réu pudesse exercer as funções para que foi contratado – pilotar o Canadair CL215 – a fim de a ré poder cumprir o contrato de prestação de serviços celebrado com a Força Aérea Portuguesa e todas as testemunhas explicaram que se trata de aeronaves muito específicas, antigas e raras. A autora não invocou concretamente qual o valor da formação como a que foi ministrada noutra qualquer escola de formação. Ninguém disse que o réu soubesse e/ou tivesse reconhecido que estava a receber uma formação com interesse curricular e bastante mais vantajosa em comparação com outras escolas. Na verdade, das declarações do autor , que foram confirmadas por todas as testemunhas, o réu precisava de trabalhar e por isso tinha que ter aquela formação para poder trabalhar para a autora, a formação em causa habilita o réu a pilotar apenas aquelas aeronaves concretas, que pertencem ao grupo da autora, que já quase não são operadas na europa, nem no resto do mundo. A testemunha BB, como já se referiu, reconheceu tratar-se de um avião antigo, que quase não opera no mundo, mas disse que é sempre uma mais valia ter a licença deste avião – uma aeronave anfíbia – porquanto qualquer operador do mundo que tenha aviões anfíbios, ainda que tenha que ministrar formação, sempre necessária para outro tipo de avião, dá, em princípio, preferência a quem já operou um anfíbio e que tenha esta formação. Porém, como explicou a testemunha CC essa situação é praticamente irrelevante porque é sempre necessário um curso específico para pilotar um avião diferente. As testemunhas EE, BB e FF responderam que o valor de cada hora de instrução a voar custava à autora cerca de € 4000, atendendo designadamente ao combustível gasto e à necessidade de manutenção do avião, pelo que tendo a formação incluído cerca de 10 horas de voo, o custo da formação ascendia no mínimo a quarenta mil euros. Sucede que as testemunhas não conseguiram fundamentar a razão de indicarem este valor, em uníssono, valor, que, aliás, não consta de qualquer documento que tenha sido junto ao processo. Acresce que, consultado o contrato público de prestação de serviços a que alude o preâmbulo do contrato de trabalho celebrado entre as partes, contrato público este acessível inhttps://www.base.gov.pt/Base4/pt/resultados/?type=doc_documentos&id=1353359&ext=.pdf, verifica-se que no dia 13 de março de 2020, ou seja, menos de um ano antes da celebração do contrato de trabalho em causa nos autos, a autora acordou com a Força Aérea, na cláusula 24.º (com a epígrafe PREÇO que “O preço do custo da Hora de voo era de 2700,00€ (dois mil e setecentos euros) acrescido do IVA perfazendo um total de 3321,00 € para a execução no máximo de 2200 horas de voo. Ora, se a autora vende o valor hora a terceiros, neste caso ao Estado português, a € 3321,00, não é credível que o custo da hora de voo na formação – que como a própria autora alega é realizada através do seu departamento de formação, com aviões que lhe pertencem – atinja os € 4000,00. Este facto foi, por isso, dado como não provado. Por outro lado, também não foi feita qualquer prova sobre se o custo não teria sido efetivamente aquele.»
Vejamos.
No que respeita ao facto não provado sob a alínea b), há que ter em conta que se deu como provado sob o n.º 24) que o Réu foi piloto oficial da Força Aérea Portuguesa durante 18 anos e exerce actualmente as funções de piloto de aviação comercial na sociedade XX, pelo que a formação que recebeu da Autora é irrelevante para o exercício das suas actuais funções laborais em aeronaves de transporte de passageiros Airbus A320 e A321.
Não obstante, como afirmado na fundamentação da decisão pelo tribunal, a testemunha BB referiu que, «(…) apesar de tratar-se de um avião antigo, que quase não opera no mundo, é sempre uma mais valia ter a licença deste avião – uma aeronave anfíbia – porquanto qualquer operador do mundo que tenha aviões anfíbios, ainda que tenha que ministrar formação, sempre necessária para outro tipo de avião, dá, em princípio, preferência a quem já operou um anfíbio e que tenha esta formação», o que não se mostra desmentido pelo depoimento da testemunha CC, nos termos ali indicados. Também resultou dos depoimentos das testemunhas da Autora, designadamente FF, Directora de Recursos Humanos, que os aviões em questão ainda operam, pelo menos, no Canadá, Espanha e Itália, além de Portugal, e que são poucos os pilotos qualificados para o efeito.
Assim, conjugando estes depoimentos com as regras de experiência, entende-se dar como provado que: A obtenção da acrescida qualificação tipo para “Canadair CL 2015” constitui uma mais-valia para oportunidades de trabalho futuras do Réu, quer no país, quer no estrangeiro.
Relativamente aos factos não provados sob as alíneas d) e f), como se refere na sentença, «[a]s testemunhas EE, BB e FF responderam que o valor de cada hora de instrução a voar custava à autora cerca de € 4000, atendendo designadamente ao combustível gasto e à necessidade de manutenção do avião (…)», e ainda, acrescentamos nós, a cerca de 8 litros de óleo/hora, sendo que, quanto ao combustível, foram referidos 800 litros de Avgas (gasolina de aviação)/hora.
Acresce que, de acordo com os mesmos depoimentos, a tal valor/hora de instrução a voar (cerca de 4000,00 €), a multiplicar por 10 a 12 horas de voo, havia que somar os custos com os instrutores da precedente parte teórica e os custos com os instrutores da parte prática e os examinadores, bem como com despesas de deslocação e estadia e alimentação durante pelo menos uma semana no centro de formação da Autora em Salamanca, onde a mesma era realizada. A testemunha EE, que trabalha na empresa desde 1998 e é piloto e coordenador da frota dos anfíbios CL215, instrutor e examinador, tendo sido o instrutor do Réu, referiu que a alternativa deste era fazer a formação no Canadá, único outro país onde a mesma se realiza para a aviação civil. A testemunha BB, Director Comercial, esclareceu que, após a obtenção da qualificação tipo para “Canadair CL 2015”, o Réu ainda teve de efectuar o treino próprio para a obtenção pela ANAC de autorização especial para ser piloto de “fire fighting”. Com base nestes pressupostos, as testemunhas declararam que o custo da formação do Réu importou em cerca de 45.000,00 €.
As testemunhas não lograram detalhar de modo fundamentado os custos que asseveraram, por referência a valores parcelares por rubrica, que também não resultam de qualquer prova documental, pelo que se concorda com o tribunal recorrido quando afirma que os elementos probatórios produzidos não permitem dar como provados os valores constantes das alíneas d) e f), ou o seu contrário, nos termos constantes da alínea g).
Não obstante, para sublinhar esta conclusão, o próprio tribunal a quo invocou que, na cláusula 24.ª do contrato público de prestação de serviços celebrado em 13 de Março de 2020 entre a Autora e a Força Aérea Portuguesa, a que se alude no preâmbulo do contrato de trabalho dos autos (datado de 18 de Janeiro de 2021), acessível in https://www.base.gov.pt/Base4/pt/resultados/?type=doc_documentos&id=1353359&ext=.pdf, foi estipulado que o preço do custo da hora de voo era de 2.700,00 €, acrescido de IVA, perfazendo um total de 3.321,00 € - o que, se aplicado ao provado sob o n.º 25), importaria em 33.210,00 €.
Ademais, como refere a Apelante no seu recurso, a testemunha oferecida pelo Réu, CC, piloto e seu colega na Autora entre o início de 2021 e Maio de 2022, declarou ter conversado com o Réu e outro colega no sentido de contraproporem à empresa o valor de 30.000,00 €, em alternativa ao estabelecido no contrato de trabalho.
Em face do exposto, atendendo aos componentes incluídos na formação facultada ao Réu pela Autora, quer nos termos considerados como provados, quer nos demais referidos pelas testemunhas da mesma, acima explicitados, sem exclusão, com carácter indiciário, do valor global que indicaram com firmeza (45.000,00 €), e atendendo ainda aos valores fornecidos também com carácter indiciário pelo contrato público celebrado entre a Autora e a Força Aérea Portuguesa (33.210,00 €, apenas a título de horas de voo) e pelo depoimento da testemunha CC (30.000,00 €), julga-se que é de considerar como provado que o custo da formação ministrada pela Autora ao Réu foi de valor não inferior ao de 25 541,67 €, pedido na petição inicial, ou, dito de outro modo, foi no valor de, pelo menos, 25 541,67 €, por ser de todo inverosímil uma margem de erro superior, por referência àqueles componentes e valores.
Procede, pois, parcialmente e nesta estrita medida o recurso da Autora no que toca à impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
3.4.2. Cabe, por fim, decidir se, ao contrário do que entendeu o tribunal recorrido, o Réu deve ser condenado a pagar à Autora indemnização por violação de pacto de permanência.
Antes de mais, relembra-se que se provou, com interesse para apreciação desta questão:
Em 18 de Janeiro de 2021, a Autora celebrou com o Réu o contrato de trabalho sem termo junto como doc. 2 à petição, que se dá aqui por reproduzido, através do qual o Réu foi admitido ao serviço da Autora para prestar a actividade de co-piloto como tripulante de Aeronaves “Canadair” (CL215), no âmbito do combate aéreo a fogos florestais.
Refere-se no seu PREÂMBULO, além do mais: “(B) A contratação dos serviços a prestar pelo Segundo Contratante insere-se no âmbito da execução de missões de voo para combate aéreo a fogos florestais em aeronaves Canadair contratados com Força Aérea Portuguesa para as campanhas de 2021, 2022 e 2023. (…) (E) Para pilotar aeronaves Canadair (CL215), o Segundo Contratante carece de uma qualificação-tipo de que não dispõe nesta data. O Segundo Contratante reconhece expressamente que a Primeira Contratante o informou que poderia obter essa mesma qualificação em qualquer centro de formação devidamente autorizado, o que teria que fazer por sua conta e risco e a expensas suas. (F) Para efeitos de obtenção da mencionada qualificação-tipo, o Segundo Contratante aceitou a proposta alternativa apresentada pela Primeira Contratante, pelo que esta ministrará a respectiva formação, nos termos regulados no presente contrato de trabalho.”
Consignou-se na cláusula segunda do contrato, que tem como epígrafe FORMAÇÃO: “Atendendo a que o SEGUNDO CONTRATANTE não dispõe de qualificação tipo (type rating) para o CL215 que a PRIMEIRA CONTRATANTE irá operar na Campanha de incêndios, esta fornece-lhe e aquele aceita, a formação teórica e prática adequadas, com subsequente averbamento dessa qualificação tipo supra identificada na respetiva licença de piloto, nos termos e com as obrigações previstas nos números subsequentes. 1. O custo da obtenção da qualificação teórica e prática referida acima e da correlata certificação é fixada em € 45.000,00 (quarenta e cinco mil euros). 2. Atendendo a que a qualificação tipo supra identificada é necessária, para o cumprimento do contrato público que a PRIMEIRA CONTRATANTE celebrou com a Força Aérea Portuguesa, a formação será fornecida sem que, dentro dos condicionalismos abaixo identificados, o SEGUNDO CONTRATANTE tenha de suportar o valor acima mencionado. 3. Se o contrato de trabalho vier a cessar antes de decorridos 36 meses de duração, quer por iniciativa do SEGUNDO CONTRATANTE, quer por justa causa para rescisão de contrato, por iniciativa da PRIMEIRA CONTRATANTE, aquele ficará obrigado a reembolsar esta das avultadas despesas realizadas com a formação, de acordo com a seguinte fórmula: 1/36 avos do valor indicado no n.º 1 por cada mês contado desde a data de assinatura do contrato de promessa ou desde a data da cessação deste contrato até ao termo do 36.° mês contado desde a data do seu início. 4. O valor que se apure nos termos e segundo a fórmula apresentada no ponto anterior será então facturado, acrescido de IVA, à taxa legal em vigor, se aplicável, podendo ser compensado directamente nos créditos de que eventualmente, à data da cessação, o SEGUNDO CONTRATANTE seja titular perante a PRIMEIRA CONTRATANTE, compensação esta a que dá o seu expresso assentimento, sem prejuízo de, não os havendo, ser tal custo exigido e cobrado nos termos gerais de direito, como o de uma normal relação comercial.”
Nos termos da cláusula QUARTA deste contrato, a retribuição base ilíquida do Réu nessa data acordada era de € 1.465,00 (mil quatrocentos e sessenta e cinco euros) para os anos de 2021 e 2022 e de € 1.650,00 (mil seiscentos e cinquenta euros) em 2023.
O combate aéreo a fogos é efectuado pela Autora com aviões multimotor anfíbios “Canadair CL 215”.
Para que o Réu pudesse pilotar estas aeronaves, não obstante ser detentor de licença de pilotagem de aviões multimotores terrestres, era necessário que se encontrasse também habilitado com a qualificação específica para este tipo de aeronave, designada como “type rate”, ou, em Português, uma “Qualificação Tipo”.
O Réu não dispunha dessa necessária e complementar qualificação tipo para qualquer aeronave multimotor anfíbio “Canadair CL 215”.
Em momento algum o Réu manifestou qualquer reserva ou, sequer, qualquer desconforto com os termos e condições acordados no pacto de permanência.
A Autora ministrou formação ao Réu e proporcionou-lhe a possibilidade de concluir e obter a referida qualificação tipo, o que veio efectivamente a acontecer em Maio de 2021.
Foi a própria Autora, através do seu departamento de formação, quem forneceu ao Réu o curso (da formação e treino para obtenção da qualificação tipo), os instrutores, da parte teórica e prática, horas de voo real e o mais inerente.
A formação ministrada pela Autora, através do seu próprio departamento interno, implicou, para além do mais, 10 horas de voo em instrução do Réu.
O investimento que a Autora, pelo seu sector de formação, realizou com a formação e treino para a obtenção da qualificação tipo do Réu representou para aquela um custo no valor de, pelo menos, 25 541,67 €.
Em 28 de Abril de 2022, o Réu comunicou por escrito, à Autora, a sua decisão de fazer cessar o contrato de trabalho, por sua iniciativa e sem invocação de justa causa, declaração essa que, por sua expressa e concreta vontade, produziu efeitos a 4 de Maio de 2022.
Nesta comunicação, o Réu fez consignar que: “...ao abrigo do disposto na cláusula segunda do contrato celebrado, o signatário manifesta total disponibilidade para proceder ao reembolso das despesas realizadas com a sua formação”.
Em face daquela comunicação do Réu, tendo em conta que na data da cessação do contrato de trabalho ainda não havia decorrido o período de 36 meses a que o Réu se vinculara no pacto de permanência, a Autora emitiu e entregou ao Réu a factura correspondente ao período em falta, pelo valor de 25.541,67 €.
A formação que a Autora ministrou ao Réu teve a utilidade de permitir a este o exercício das concretas funções que o Réu passou a desempenhar para a Autora e naquele modelo de aeronave específico (Canadair CL 215).
O type rating (TR) – que é formação – em CL-215, apenas permite ao Réu voar esta versão do avião, que é uma aeronave de 1967, pelo que a Autora, enquanto empregador, assegurou uma mão-de-obra qualificada para a realização das funções que o Réu iria prestar na Autora.
O Réu foi piloto oficial da Força Aérea Portuguesa durante 18 anos e exerce actualmente as funções de piloto de aviação comercial na sociedade XX, pelo que a formação que recebeu da Autora é irrelevante para o exercício das suas actuais funções laborais em aeronaves de transporte de passageiros Airbus A320 e A321.
A obtenção da acrescida qualificação tipo para “Canadair CL 2015” constitui uma mais-valia para oportunidades de trabalho futuras do Réu, quer no país, quer no estrangeiro.
Estabelece o art. 137.º do Código do Trabalho:
Pacto de permanência
1 - As partes podem convencionar que o trabalhador se obriga a não denunciar o contrato de trabalho, por um período não superior a três anos, como compensação ao empregador por despesas avultadas feitas com a sua formação profissional.
2 - O trabalhador pode desobrigar-se do cumprimento do acordo previsto no número anterior mediante pagamento do montante correspondente às despesas nele referidas.
Como refere Maria do Rosário Palma Ramalho4, o pacto de permanência é o acordo entre o empregador e o trabalhador pelo qual o segundo se obriga a manter-se ao serviço do primeiro durante um determinado período, o que configura uma auto-limitação do princípio constitucional da liberdade de trabalho, que passa, naturalmente, pela liberdade de denúncia do contrato de trabalho pelo trabalhador. Assim, o art. 137.º só admite os pactos de permanência desde que se verifiquem requisitos que asseguram a adequação da restrição a limites de razoabilidade, a saber:
- o pacto ou a cláusula de permanência só são admitidos como compensação ao empregador por despesas avultadas por ele feitas na formação profissional do trabalhador (art. 137.º, n.º 1);
- o pacto de permanência tem a duração máxima de três anos (art. 137.º, n.º 1);
- o trabalhador pode desvincular-se do pacto de permanência restituindo ao empregador as importâncias por ele despendidas na sua formação (art. 137.º, n.º 2).
Acrescenta a mesma autora que, por força das alterações introduzidas por este preceito ao que resultava do art. 147.º do Código do Trabalho de 2003, na medida em que a lei se refere agora a despesas «avultadas» do empregador com a formação do trabalhador, enquanto anteriormente se referia a despesas «extraordinárias» – o que permitia distingui-las das despesas «normais» do empregador na formação profissional do trabalhador, em cumprimento dos seus deveres legais nessa matéria (art. 131.º do Código do Trabalho) –, justifica-se uma interpretação restritiva do art. 137.º do Código do trabalho, neste ponto, como forma de evitar uma limitação excessiva do princípio constitucional da liberdade de trabalho.
Também Pedro Romano Martinez5 afirma que por «despesas avultadas» se devem entender as despesas extraordinárias investidas na formação do trabalhador, por oposição às despesas correntes de formação, que constituem um encargo do empregador (arts. 127.º, n.º 1, al. d), e 130.º e ss. do Código do trabalho). Salienta, ainda, que, como o pacto de permanência corresponde a uma limitação voluntária dos direitos de personalidade, ainda que legal, a sua revogação é livre, desde que se indemnizem os «prejuízos causados às legítimas expectativas» do empregador (art. 81.º, n.º 2 do Código Civil), que neste caso o legislador circunscreveu às importâncias despendidas na formação do trabalhador.
De acordo com António Monteiro Fernandes6, o pacto de permanência destina-se a garantir que ele dure o suficiente para que certas despesas importantes do empregador fiquem compensadas, constituindo um instrumento de protecção de interesses deste, ou seja, a garantia de duração da relação de trabalho joga aqui, não em prol da estabilidade do emprego, mas a favor duma pretensão razoável do empregador, que é a de tirar proveito suficiente do investimento que fez em formação. Esta finalidade deve relacionar-se com o papel do empregador no desenvolvimento das aptidões profissionais dos trabalhadores, nos termos dos arts. 131.º a 134.º do Código do Trabalho, que definem as responsabilidades – algumas delas quantificadas em concreto – correspondentes ao nível “genérico” ou “ordinário” de formação profissional exigível ao empregador. Assim, o pacto de permanência surge como instrumento de salvaguarda do interesse do empregador face ao risco que assume com a realização de “despesas extraordinárias” com acções de formação que se situam a níveis superiores de complexidade e custos, que tenha de fazer, inclusivamente para garantir, à sua custa, qualificações necessárias ao exercício de certas actividades, como a de piloto de linha aérea.
Este autor entende que está em causa um compromisso de estabilidade assumido pelo trabalhador perante o empregador, com a natureza de cláusula penal, consolidado pela obrigação de restituição do montante correspondente às despesas aí referidas com a formação do trabalhador. Não obstante, na consideração de que o sentido do próprio pacto de permanência é o de uma garantia de “amortização” ou de “retorno” para um investimento particularmente significativo em formação, preconiza que a restituição deve limitar-se à proporção do tempo em falta relativamente à duração do contrato que se pretendeu garantir.
Neste particular, permitimo-nos discordar, tanto mais que a tese nos parece estar em contradição com o anteriormente dito: se o que está em causa é um compromisso de estabilidade assumido pelo trabalhador perante o empregador, com a natureza de cláusula penal, como instrumento de protecção do interesse do segundo em tirar proveito suficiente do investimento extraordinário que fez na formação do trabalhador, através da garantia de duração da relação de trabalho pelo prazo convencionado, que, pelo menos quando coincidente com o máximo legal, pode nem permitir alcançar tal desiderato, afigura-se-nos arbitrário que o trabalhador, violando o pacto de permanência, veja automaticamente reduzida a obrigação de pagamento do montante correspondente às despesas extraordinárias feitas com a sua formação profissional.
A regulamentação decorrente dos arts. 810.º a 812.º do Código Civil, conjugadamente com a constante do art. 137.º do Código do Trabalho, permite, além do mais, que, em caso de incumprimento ou cumprimento parcial da obrigação, a cláusula penal possa ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente, pelo que – repete-se – considera-se arbitrária a redução proporcional automática da cláusula penal, que não encontra suporte nas disposições legais citadas, sem prejuízo, evidentemente, de as partes a estipularem.
Retornando ao caso em apreço, julgamos que a matéria de facto evidencia sem margem para dúvidas que as despesas de formação em apreço são extraordinárias e avultadas, para efeitos do disposto no art. 137.º do Código do Trabalho.
Com efeito, por um lado, nos termos do Preâmbulo e da Cláusula 2.ª do contrato de trabalho, a Autora e o Réu reconheceram que estava em causa a formação necessária à obtenção de qualificação tipo (type rating) para o CL215 e sem a qual o trabalhador não podia sequer exercer legalmente a actividade contratada, tendo o trabalhador, apesar de ciente de que a poderia obter em qualquer centro de formação devidamente autorizado, por sua conta e risco e a expensas suas, aceitado a proposta da empregadora de ser esta a ministrar a formação, nos termos aí estabelecidos. A Autora, através do seu departamento de formação, forneceu ao Réu o curso (da formação e treino para obtenção da qualificação tipo), os instrutores, da parte teórica e prática, 10 horas de voo real e o mais inerente. A formação teve a duração de quatro meses, durante os quais a Autora pagou ao Réu a retribuição mensal então em vigor (1.465,00 €). Para além de ter permitido a contratação pela Autora mediante contrato de trabalho por tempo indeterminado que lhe garantia um rendimento anual de, pelo menos, 30.510,00 €, a obtenção da acrescida qualificação tipo para “Canadair CL 2015” constitui uma mais-valia para oportunidades de trabalho futuras do Réu, quer no país, quer no estrangeiro.
Por outro lado, provou-se que o investimento que a Autora realizou com esta formação representou para a mesma um custo que, ainda que não provados os valores alegados por aquela, mas sem que se provasse que não eram esses – cfr. alíneas d), f) e g) –, foi no valor de, pelo menos, 25 541,67 €, correspondente ao aqui pedido. Trata-se de valor superior a 17 vezes a retribuição mensal então auferida pelo Réu e a 38 vezes o salário mensal mínimo garantido à data (665,00 €).
Neste ponto, cabe rejeitar frontalmente a invocação pelo Apelado do estabelecido na Cláusula 24.ª do Contrato Público de Aquisição de Serviços, celebrado em 13 de Março de 2020 entre a Autora e a Força Aérea Portuguesa, cuja junção se admitiu aos autos e é consultável no site já indicado, para sustentar que os custos com a formação do Réu foram, na realidade, suportados pelo Estado Português.
Na verdade, o que resulta do n.º 1 de tal cláusula é que, pelo cumprimento de todas as obrigações emergentes de tal contrato, o Estado Português deve pagar à Autora o valor máximo de 19.800.000,00 €, acrescido de IVA, totalizando 24.354.000,00 €, composto pelo somatório dos seguintes preços:
a) O preço do custo da hora de voo de 2.700,00 €, acrescido de IVA, perfazendo um total de 3.321,00 €, para a execução no máximo de 2.200 horas de voo, a realizar por 2 aeronaves:
b) O preço do custo da disponibilidade operacional diária por aeronave de 11.250,00 €, acrescido de IVA, perfazendo um total de 13.837,50 €.
Por seu turno, o n.º 2 esclarece que os preços previstos no n.º 1 incluem todos os custos, encargos e despesas necessários à execução integral dos serviços, designadamente com as tripulações, combustível e outros consumíveis, tais como o espumífero para extinção de incêndios quando aplicável, bem como os serviços de operação e de gestão da continuidade da aeronavegabilidade e manutenção.
Ou seja, o preço global estabelecido é o somatório de, apenas, o preço do custo das horas de voo realizadas e do preço do custo da disponibilidade operacional diária, aí se considerando incluídos todos os custos, encargos e despesas necessários à execução integral de tais serviços, designadamente com as tripulações. Em lado algum se prevê que o Estado Português suporte as despesas que a Autora tenha com a formação e qualificação dos tripulantes, em momento necessariamente anterior a estarem aptos para a sua afectação à execução das horas de voo e disponibilidade operacional diária estabelecidas.
De qualquer modo, sempre seria de concluir que a Autora teria um custo adicional pelo facto de, como sucede no presente caso, contratar um piloto sem a qualificação tipo exigida, em vez de outro que a tivesse, sem por isso receber quantia superior do Estado Português.
Em suma, quer pela finalidade e vantagem para ambas as partes, quer pela duração, quer pelo correspondente custo associado ao pagamento da retribuição, quer, finalmente, pelo custo que, no mínimo, a formação em si mesma teve, é de concluir que a mesma extravasa claramente da obrigação de formação normal e ordinária a que se referem os arts. 127.º, n.º 1, al. d) e 130.º e ss. do Código do Trabalho e se situa num nível muito superior de complexidade e custos que remetem as despesas inerentes para a categoria de «despesas avultadas» a que se reporta o art. 137.º do Código do Trabalho.
Por conseguinte, podiam a Autora e o Réu convencionar, como efectivamente fizeram na Cláusula 2.ª do contrato de trabalho, que o segundo se obrigava a não denunciar o contrato de trabalho pelo período de três anos, como compensação ao empregador pelas despesas avultadas feitas com a sua formação profissional.
Ademais, conforme decorre de tal cláusula, a Autora e o Réu fixaram o custo da obtenção da qualificação teórica e prática referida acima e da correlata certificação em 45.000,00 € e acordaram em que, se o contrato de trabalho viesse a cessar antes de decorridos 36 meses de duração, por iniciativa do Réu, este ficaria obrigado a reembolsar a Autora de acordo com a seguinte fórmula: 1/36 avos do mencionado valor fixado por cada mês contado desde a data da cessação do contrato de trabalho até ao termo do 36.° mês contado desde a data do seu início.
Note-se que, como também provado, em momento algum o Réu manifestou qualquer reserva ou, sequer, qualquer desconforto com os termos e condições acordados no pacto de permanência.
A cláusula penal que esta estipulação configura mostra-se conforme ao disposto, conjugadamente, nos arts. 137.º do Código do Trabalho e 810.º do Código Civil, este na parte em que dispõe que as partes podem fixar por acordo o montante da indemnização exigível.
Ora, não só o Réu não logrou provar que, ao contrário do declarado por si e pela Autora no contrato, a formação ministrada pela Autora não corresponde a 45.000,00 € por trabalhador – cfr. alínea g) da factualidade não provada –, como também não provou, para efeitos do disposto no art. 811.º, n.º 3 do Código Civil, que a indemnização exigida pela Autora na presente acção, no valor de 25 541,67 €, excede o valor das despesas de formação suportadas pela mesma, antes se mostrando provado que importaram, pelo menos, nesse valor.
Acresce que também não se mostra justificada na presente situação a aplicação do disposto no já citado art. 812.º do Código Civil, que permite que a cláusula penal, em caso de incumprimento ou cumprimento parcial da obrigação, possa ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente, uma vez que o valor da indemnização exigido pela Autora de acordo com os seus precisos termos (25 541,67 €) corresponde ao valor mínimo das despesas extraordinárias de formação que a Autora teve com o Réu e inexistem quaisquer elementos factuais que permitam considerá-lo como manifestamente excessivo.
Finalmente, atento o disposto no art. 292.º do Código Civil, ainda que o pacto de permanência fosse nulo, por se considerar inadmissível a fixação de indemnização superior ao custo real das despesas de formação suportadas pela Autora, sempre tal nulidade parcial não prejudicaria a validade do compromisso de permanência do Réu pelo período de três anos e da obrigação de pagamento daquele custo real em caso de denúncia antecipada, tanto mais que o Réu insistentemente se disponibilizou para tanto.
Por conseguinte, conclui-se que, quer se considere o pacto de permanência firmado por Autora e Réu como válido, quer se considere o mesmo como parcialmente nulo, é de julgar a acção procedente nos seus precisos termos, condenando-se o Réu a pagar à Autora a quantia de 25 541,67 €, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a denúncia em 04-05-2022 até integral e efectivo pagamento (arts. 804.º a 806.º do Código Civil).
Refira-se, para terminar, que à mesma solução se chegou no Acórdão desta Relação de Lisboa de 6 de Março de 2024, processo n.º 2878/20.2T8CSC.L17, em que foram Relator e 1.ª Adjunta os ora 1.º e 2.º Adjuntos, respectivamente, relativo a caso similar atinente a outro piloto da Autora.
Aí se lavrou o seguinte sumário: “I. O factor distintivo entre os arts. 147.º do CT/2003 e 137.º do CT/2009 está naquele prever que a compensação tem em vista as "despesas extraordinárias comprovadamente feitas" pelo empregador, enquanto que a actual se contenta com as "despesas avultadas feitas" pelo mesmo. II. O empregador não tem que provar as despesas efectivamente feitas com a formação do trabalhador, bastando demonstrar que ultrapassam a formação corrente a que está obrigado.”
Por todo o exposto, mormente acolhendo aqui os demais fundamentos e referências doutrinárias e jurisprudenciais constantes de tal douto aresto, cabe julgar procedente o recurso.
4. Decisão
Nestes termos, acorda-se em:
a. julgar procedente o recurso do Réu e, em consequência, revogar o despacho de 05-12-2023 que não admitiu a junção de documento e condenou o Réu em custas do incidente;
b. julgar procedente o recurso da Autora e, em consequência, alterar a matéria de facto nos termos indicados no ponto 3.4.1. e condenar o Réu a pagar-lhe a quantia de 25.541,67 €, acrescida de juros mora, à taxa legal, vencidos desde 04-05-2022 até integral e efectivo pagamento;
c. condenar cada uma das partes nas custas da apelação da outra, e o Réu, ainda, nas custas da acção.
Lisboa, 12 de Fevereiro de 2025
Alda Martins
Alves Duarte
Paula Doria C. Pott
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1. V. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2.º, Almedina, 3.ª edição, pp. 239-240.
2. Aut. cit., op. cit., p. 240.
3. Cfr. https://www.base.gov.pt/Base4/pt/resultados/?type=doc_documentos&id=1353359&ext=.pdf.
4. Tratado de Direito do Trabalho – Parte II – Situações Laborais Individuais, Almedina, 5.ª edição, pp. 243-245.
5. Direito do Trabalho, Almedina, 6.ª edição, pp. 612-614.
6. Direito do Trabalho, Almedina, 16.ª edição, pp. 538-539.
7. Disponível em www.dgsi.pt.