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ACIDENTE DE TRABALHO
INCIDENTE DE REVISÃO
PRESTAÇÕES EM ESPÉCIE
Sumário
1. Decorrendo do n.º 1 do art. 70.º da Lei dos Acidentes de Trabalho que a revisão se refere a uma modificação na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado proveniente, designadamente, de agravamento, e de harmonia com a qual qualquer prestação, mormente de entre as previstas nos arts. 23.º, al. a) e 25.º, pode ser alterada, o art. 145.º do CPT, atento o seu carácter adjectivo, direccionado a assegurar processualmente o exercício daquele direito à revisão, deve ser interpretado em conformidade, designadamente no que respeita ao seu n.º 6. 2. Por conseguinte, entende-se que os actos processuais que integram a tramitação legal do incidente de revisão, incluindo, obviamente, a prova pericial, na parte aplicável, e a decisão final, podem ter por objecto qualquer prestação pecuniária ou em espécie que, por efeito da modificação na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado proveniente, designadamente, de agravamento, deva ser alterada, para o que, além do mais, o requerimento inicial pode ser acompanhado da inerente prova documental e indicação de quesitos médicos adequados, sem prejuízo de o juiz os formular. 3. Quanto ao incidente de solução de divergências que o sinistrado tenha relativamente aos tratamentos e prescrições clínicas do médico assistente da seguradora, previsto, nomeadamente, nos arts. 30.º, n.º 1, 33.º e 34.º da Lei dos Acidentes de Trabalho, permite que se reconheça ao sinistrado o direito a prestações em espécie que reclame, independentemente de qualquer agravamento.
Texto Integral
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:
1. Relatório
Nestes autos emergentes de acidente de trabalho ocorrido em 11/06/2012, em que é sinistrado AA e entidade responsável FIDELIDADE – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., foi proferida sentença em 12/02/2014, transitada em julgado, nos termos da qual a seguradora foi condenada a pagar ao sinistrado o capital de remição duma pensão anual e vitalícia de € 1.157,07, desde 04/01/2013, bem como a quantia de 10,00 € a título de despesas com transportes, acrescidas de juros de mora, à taxa legal, até integral pagamento, com base na retribuição anual de 82.648,18 € e na IPP de 2%.
Em 27/05/2021, pelo Ministério Público foi requerida perícia médica para efeitos do previsto no art. 34.º da Lei dos Acidentes de Trabalho (aprovada pela Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro). Após realização da perícia, por despacho de 18/10/2021, transitado em julgado, decidiu-se que os tratamentos disponibilizados pela seguradora foram os adequados à situação sequelar do sinistrado, não havendo indicação para tratamentos adicionais.
Por despacho também de 18/10/2021, decidiu-se, ao abrigo do princípio da adequação processual, aproveitar actos processuais já praticados para abrir incidente de revisão de incapacidade (Apenso A). Após exame médico singular e exame por junta médica, foi proferida decisão em 18/01/2022, transitada em julgado, mantendo ao sinistrado o coeficiente de desvalorização que já lhe tinha sido atribuído.
Em 25/03/2024, pelo Ministério Público foi novamente requerida perícia médica para efeitos do previsto no art. 34.º da Lei dos Acidentes de Trabalho (Apenso D). O incidente encontra-se pendente, em fase de realização de perícia com vista a resposta aos seguintes quesitos:
1) Considerando a situação clínica do sinistrado, necessita o mesmo de tratamentos?
2) Em caso afirmativo, quais os tratamentos adequados à situação clínica do sinistrado?
3) Consistindo tais tratamentos em fisioterapia, poderão os mesmos ser realizados em clínica de fisioterapia geral ou terão os mesmos que ser realizados em clínica de fisioterapia especializada, com métodos/equipamentos especiais?
4) Tem o senhor perito conhecimento profissional se a Clínica XX, na Rua, se encontra apta a ministrar tais tratamentos?
Também em 25/03/2024, pelo sinistrado, patrocinado pelo Ministério Público, foi requerido novo incidente de revisão de incapacidade, pedindo:
a) Que se proceda a exame de revisão, nos termos do artigo 145.º CPT, para o que junta quesitos e indica já o seu perito médico;
b) A pensão anual, resultante da incapacidade que lhe for fixada pela perícia médica, tendo em conta as retribuições anuais que estão assentes e as demais responsabilidades previstas na Lei;
c) O pagamento das despesas que comprovadamente tenha tido para debelar as lesões sofridas e custos com consultas, exames e tratamentos, que ascendem a valor não inferior a 6.675,00 €, ao qual há que descontar 630,00 € já pagos pela entidade seguradora, e sem prejuízo dos valores que venha a desembolsar em tratamentos e cujo pagamento desde já se requer;
d) o valor de 1.456,89 € dos equipamentos que necessitou de adquirir para os tratamentos domiciliários;
e) O valor das deslocações entre a residência do sinistrado (sita na ...) e os locais das consultas, exames e tratamentos em veículo próprio, que, face à escassez de transportes públicos entre a residência do sinistrado e os locais da prestação dos respectivos serviços, deve ser pago pela entidade seguradora, sendo que se computa tal distância em km 29.733,20 x 0,36 €/km, no montante de 10.704,00 €, e sem prejuízo dos valores que venha a desembolsar comprovada e justificadamente e cujo pagamento desde já se requer;
f) Subsidiariamente, ao ponto e) e caso assim não se entenda e se decida que era possível a utilização do transporte público, o pagamento das distâncias que forem realizadas x 0,11€/km, nos quais deve então a seguradora ser condenada no pagamento;
g) Bem como de outras despesas de deslocação que por esta mesma razão venha a ter no decurso dos autos;
h) Tudo com juros de mora vencidos e vincendos, sobre todas as antecedentes prestações, à taxa anual legal, desde a data dos respectivos vencimentos até integral pagamento.
Juntou documentos, requereu a prestação de declarações de parte do sinistrado e arrolou testemunhas.
Formulou os seguintes quesitos para serem respondidos pelos peritos médicos:
1) O sinistrado em consequência do acidente ficou a padecer de lombalgia e ciatalgia esquerda desde Junho de 2012 por Discopatia L5/S1 com protusão discal esquerda?
2) Em consequência do acidente, e apesar de ter melhorado das disfunções pós-traumáticas iniciais verificou-se o aparecimento de processo mielo-estenótico secundário à direita, patologia de sobrecarga das ancas e atrofias musculares segmentares de todo o membro inferior direito como consequência das lesões sofridas no acidente?
3) Pelo que actualmente o sinistrado apresenta processo radículoestenótico, desequilíbrio lombo-pélvico e reacção depressiva prolongada e lombalgia e ciatalgia esquerda, por Discopatia L5/S1 com protusão discal esquerda?
4) As sequelas do acidente são passíveis de dar dor intensa?
5) O que leva a que o sinistrado sofra de crises regulares de agudização agravadas com os esforços?
6) Tendo em consideração as funções desempenhadas pelo A., engenheiro eletromecânico, é crível que as sequelas que apresentava do acidente o impediam de exercer a sua actividade profissional na sua plenitude?
7) Em 2017 o sinistrado sofreu agravamento das queixas relacionadas com o acidente, nomeadamente lombo-ciatalgias bilaterais crónicas?
8) Em 2018, a situação agravou-se?
9) Mesmo com o descanso as dores não atenuavam e teve de ser medicado com anti-inflamatórios durante 12 semanas?
10) As queixas apresentavam um padrão de dor desde a região lombar para as articulações coxo-femurais e região supra crista ilíaca bilateral e de um modo mais intenso para o terço médio das coxas?
11) As queixas manifestavam-se com dor à palpação dos músculos glúteos, paravertebrais lombares e flexores das coxas?
12) E devido às dores não conseguia manter-se na mesma posição ortostática ou até caminhar vários minutos seguidos, com prejuízo inclusive da sua vida sexual?
13) O tratamento com estimulação eléctrica intramuscular destas cadeias musculares permitiu o alivio sintomático e melhoria parcial das queixas?
14) Como apesar destes tratamentos, as queixas persistiam o sinistrado realizou um plano de reabilitação física para reforço da musculatura abdominal e paravertebral bilateral, assim como dos músculos envolventes para melhorar as restrições da mobilidade da coluna vertebral e membros inferiores?
15) Os tratamentos supra referidos que o sinistrado realizou foram os necessários para a sua eficaz reabilitação física?
16) Com as intervenções clínicas realizadas a partir de 2019, existiu melhoria dos sintomas, nomeadamente voltando a locomover-se com normalidade e com muito menos dores?
17) Era importante para a recuperação do A. a realização de exercícios físicos em casa, com o auxílio de diverso material de fisioterapia?
18) Os tratamentos realizados entre 2019 e 2020, por iniciativa do sinistrado, revelaram-se, assim, adequados às sequelas apresentadas pelo Sinistrado?
19) As dores e limitações sofridas pelo sinistrado em virtude do acidente ocorrido nos autos, quer a nível profissional, quer a nível pessoal, comprometendo inclusive a vida sexual, implicaram o desenvolvimento de uma depressão?
20) Em caso negativo ao quesito 3), actualmente quais as lesões que afectam o sinistrado?
21) Em caso negativo ao quesito 3) e sendo as lesões anteriores ao acidente, as mesmas foram agravadas pelo acidente, nos termos do artigo 11º, nº 2 da LAT (Quando a lesão ou doença consecutiva ao acidente for agravada por lesão ou doença anterior, ou quando esta for agravada pelo acidente, a incapacidade avaliar-se-á como se tudo dele resultasse”)?
22) Em caso negativo ao quesito 3) e sendo as lesões posteriores ao acidente, as mesmas foram despoletadas pelo acidente, nos termos do artigo 11º, nº 2 da LAT (“Quando a lesão ou doença consecutiva ao acidente for agravada por lesão ou doença anterior, ou quando esta for agravada pelo acidente, a incapacidade avaliar-se-á como se tudo dele resultasse”)?
23) Em caso afirmativo ao quesito 3), existiu agravamento das lesões?
24) Em caso afirmativo aos quesitos 1) a 12), qual o tratamento adequado para debelar tais lesões?
25) O examinando continua a necessitar de acompanhamento ortopédico e fisiátrico regular e permanente conducente à sua eficaz reabilitação física?
26) Considerando essas lesões e a profissão do sinistrado, poderá ele realizar, sem esforço adicional, as tarefas inerentes à sua profissão?
27) O sinistrado encontra-se afectado de uma incapacidade permanente?
28) Em caso afirmativo, quais as rúbricas onde se enquadram as lesões sofridas e qual o seu grau?
29) Em caso de resposta negativa ao quesito 3), a que se deve o agravamento das lesões anteriores? Requer-se que se fundamente.
Logo após, em 27/05/2024, foi proferido o seguinte despacho: «Dispõe o artigo 70º, n.º 1, da L.A.T., que: “1 - Quando se verifique uma modificação na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação, ou de intervenção clínica ou aplicação de ajudas técnicas e outros dispositivos técnicos de compensação das limitações funcionais ou ainda de reabilitação e reintegração profissional e readaptação ao trabalho, a prestação pode ser alterada ou extinta, de harmonia com a modificação verificada. 2 - A revisão pode ser efectuada a requerimento do sinistrado ou do responsável pelo pagamento. 3 - A revisão pode ser requerida uma vez em cada ano civil.” Do acima exposto resulta que o fundamento legal do incidente de revisão da incapacidade radica no agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão. Por seu turno, o artigo 145º do CPT, para aquilo que ora interessa, prescreve que: “1. Quando for requerida a revisão da incapacidade, o juiz manda submeter o sinistrado a perícia médica. 2. O pedido de revisão é deduzido em simples requerimento e deve ser fundamentado ou vir acompanhado de quesitos”. No incidente de revisão da incapacidade o juiz decide por despacho, mantendo, aumentando ou reduzindo a pensão ou declarando extinta a obrigação de a pagar (cfr. nº 6 do artigo 145º do CPT). Conforme referem Teresa Magalhães, Isabel Antunes e Duarte Nuno Vieira, in “A avaliação do dano na pessoa no âmbito dos acidentes de trabalho e a nova Tabela Nacional de Incapacidades”, Prontuário de Direito do Trabalho, n.º 83, 2009, pág. 161, “Destinando-se o incidente de revisão de incapacidade, por definição, a apreciar se se verificou um aumento ou diminuição da capacidade laboral do sinistrado – culminando com o despacho do Tribunal a manter, aumentar ou reduzir a pensão ou a declarar extinta a obrigação de a pagar – conclui-se que a perícia médica a ter lugar neste contexto aferirá apenas se se verificou, ou não, alguma alteração relativamente ao quadro clínico anterior”. No caso vertente, o sinistrado vem, por via do incidente que deduziu, pedir: a) que seja submetido a exame de revisão; b) que a Seguradora seja condenada a pagar a pensão anual resultante da incapacidade que lhe for fixada pela perícia médica; c) que a Seguradora seja condenada a pagar-lhe o montante global de € 18.205,89 (dezoito mil duzentos e cinco euros e oitenta e nove cêntimos), a título de despesas que já realizou com consultas, exames, tratamentos, equipamentos e deslocações, sem prejuízo dos valores que venha ainda a suportar, a que deverão acrescer juros de mora. Mais pede o sinistrado a citação da Seguradora, indicando no requerimento prova por declarações de parte e prova testemunhal. Sucede que o incidente de revisão da incapacidade, salvo a situação prevista no artigo 146º do CPC – que se refere à discussão da responsabilidade do agravamento, requerida pela Seguradora – segue uma tramitação simples e célere – simples requerimento, quesitos, perícia médica e decisão por despacho – não sendo compatível com a discussão e a produção de prova relativas a outras questões que não se reconduzam à revisão da incapacidade. O que o sinistrado pretende enxertar neste incidente é uma ação com vista a discutir a responsabilidade da Seguradora no pagamento de despesas que alega ter realizado, o que é aqui processualmente inadmissível, por não ter o incidente nem o objeto, nem a finalidade que o sinistrado pretende. Por outro lado, não pode o Tribunal deixar de referir que o sinistrado deduziu incidente de revisão em 13.10.2021, que foi decidido por despacho de 18.01.2022 após a realização de junta médica em 05.11.2021, tendo sido mantido o coeficiente de desvalorização que já lhe tinha sido atribuído (ou seja, não houve agravamento). Assim, um novo incidente de revisão só poderá ter por fundamento factos ocorridos após 18.01.2022, não sendo possível discutir a situação clínica anterior do sinistrado, pois que tal situação já foi avaliada no exame por junta médica realizado no dia 05.11.2021. Pelo exposto, e sem prejuízo de ser intentado novo incidente de revisão adequado ao que acima se expôs, por processualmente inadmissível, nos termos em que foi deduzido, indefiro ao requerimento de revisão da incapacidade apresentado pelo sinistrado. Sem custas, atento o patrocínio do Ministério Público.»
O sinistrado veio interpor recurso deste despacho, formulando as seguintes conclusões: «1º O sinistrado veio nos termos do artigo 145º do CPT, desencadear incidente de revisão, no qual requer que se apure da existência de nexo de causalidade entre o agravamento das lesões provocadas pelo acidente de trabalho, a recusa da seguradora quanto aos tratamentos e posteriores despesas realizadas pelo sinistrado decorrentes desta recusa. 2º O incidente de revisão de incapacidade, por definição e nos termos do artº 145º do CPT, destina-se a apreciar se se verificou um aumento ou diminuição da capacidade laboral do sinistrado, culminando com o despacho do juiz a manter, aumentar ou reduzir a pensão ou a declarar extinta a obrigação de a pagar – art. 145º, nº 6, do CPT. 3º Contudo, esse preceito não proíbe, que nos autos se discuta outro tipo de questões, como sejam o direito à prestação em espécie a que se refere o artº 11º da LAT. 4º As lesões consequentes a um acidente de trabalho poderão incapacitar o trabalhador para o trabalho, conferindo o artº 11º da LAT o direito à reparação em espécie (e em dinheiro (compreendendo, conforme previsto na al. b), o direito a indemnização, pensão ou capital de remição e demais subsídios aí mencionados). 5º O Tribunal “a quo”, desconsiderou a aplicação do artigo 145º do CPT, ao caso vertente, sem fundamentar a sua decisão. 6º Não se verifica o alegado erro de forma. 7º O que está em causa, como já referimos, é o incumprimento pela seguradora da sua responsabilidade de reparar o acidente de trabalho sofrido pelo sinistrado. 8º O incidente de revisão previsto no artigo 145º do CPT, é a forma de os direitos do sinistrado serem observados no caso concreto. 9º Negar ao sinistrado a apreciação do agora requerido, é denegar o seu direito à reparação. 10º O requerimento apresentado pelo sinistrado a solicitar a notificação da seguradora para proceder ao pagamento das despesas médicas, não constitui um pedido autónomo de reconhecimento de um direito distinto do que foi peticionado e apreciado na fase contenciosa do processo. 11º O que o sinistrado veio alegar é o incumprimento, pela seguradora, das obrigações que sobre a mesma recaem no âmbito do regime de reparação de acidentes de trabalho. 12º A ausência de pronuncia do tribunal “a quo”, quanto ao concretamente requerido, implica o vício processual, previsto no artigo 615º, n.º1, al. d) do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 77º do Código de Processo do Trabalho. 13º Ao decidir como decidiu no despacho recorrido, o Meritíssimo Juiz a quo está a desrespeitar a sentença que reconheceu o direito à reparação pelo acidente de trabalho sofrido pelo sinistrado. 14º Pelo que o Tribunal “a quo” violou, entre outras, as normas dos artºs 154º, 193º, 547º, 607º do CPC, artigo 145º do CPT, artigos 11º, 23º, 24º, 25º, 28º e 29º do da LAT - Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro. 15º Pelo que epiloga o recorrente que a sentença recorrida padece do vicio de omissão de pronuncia por força do artigo 615º, n.º1, al. d) do Código de Processo Civil “ex vi” artigo 77ºdo Código de Processo do Trabalho. 16º Determina o artigo 615º, n.º1, al. d) do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 77ºdo Código de Processo do Trabalho que é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar. 17º Nestes termos, deve o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa julgar o presente recurso ser procedente e, por via dele, deve a Decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que: i) julgue procedente o peticionado pelo Requerente/Sinistrado e determine a realização de exame médico nos termos solicitados, ii) e bem assim, permita apurar do pedido de condenação da Seguradora a pagar ao sinistrado o montante correspondente ao reembolso dos montantes despendidos nos tratamentos até ao limite dos preços que a Ré Seguradora suportaria por tais serviços caso fossem por si contratados.»
A seguradora não apresentou resposta ao recurso do sinistrado.
Admitido o recurso e remetido o processo a esta Relação, deu-se cumprimento ao disposto no art. 657.º do CPC, cabendo decidir em conferência.
2. Questões a resolver
Tal como resulta das conclusões do recurso, que delimitam o seu objecto, cumpre apreciar e decidir se o despacho proferido em 27/05/2024:
- padece de nulidade por omissão de pronúncia;
- deve ser revogado e substituído por outro que determine o prosseguimento do processo.
3. Fundamentação
3.1. Os factos a atender são os decorrentes do Relatório.
3.2. Nos termos do disposto no art. 615.º, n.º 1, al. d) do CPC, aplicável ex vi art.613.º, n.º 3 do mesmo diploma, um despacho é nulo quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questão que devesse apreciar, nulidade esta que o Apelante arguiu com o argumento de que o tribunal recorrido não se pronunciou concretamente sobre as pretensões formuladas pelo sinistrado.
Ora, resulta dos autos que, tendo o sinistrado, patrocinado pelo Ministério Público, requerido incidente de revisão de incapacidade em 25/03/2024, logo que lhe foi aberta conclusão, em 27/05/2024, o juiz a quo proferiu o despacho supra a indeferi-lo, pelos fundamentos daí constantes.
Isto é, estando em causa o despacho liminar, cabia ao tribunal recorrido determinar o prosseguimento do incidente de revisão, ou, ao invés, indeferi-lo liminarmente, e foi esta última a decisão tomada, havendo, por conseguinte, pronúncia expressa sobre o requerido pelo sinistrado.
Improcede, pois, a nulidade arguida.
3.3. Cabe, então, apreciar se o despacho de indeferimento liminar do incidente de revisão deve ser revogado e substituído por outro que determine o seu prosseguimento.
Estabelece a Lei dos Acidentes de Trabalho, aprovada pela Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro, na parte que ora releva:
Artigo 23.º
Princípio geral
O direito à reparação compreende as seguintes prestações:
a) Em espécie - prestações de natureza médica, cirúrgica, farmacêutica, hospitalar e quaisquer outras, seja qual for a sua forma, desde que necessárias e adequadas ao restabelecimento do estado de saúde e da capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado e à sua recuperação para a vida activa;
b) Em dinheiro - indemnizações, pensões, prestações e subsídios previstos na presente lei.
Artigo 25.º
Modalidades das prestações
1 - As prestações em espécie previstas na alínea a) do artigo 23.º compreendem:
a) A assistência médica e cirúrgica, geral ou especializada, incluindo todos os elementos de diagnóstico e de tratamento que forem necessários, bem como as visitas domiciliárias;
b) A assistência medicamentosa e farmacêutica;
c) Os cuidados de enfermagem;
d) A hospitalização e os tratamentos termais;
e) A hospedagem;
f) Os transportes para observação, tratamento ou comparência a actos judiciais;
g) O fornecimento de ajudas técnicas e outros dispositivos técnicos de compensação das limitações funcionais, bem como a sua renovação e reparação;
h) Os serviços de reabilitação e reintegração profissional e social, incluindo a adaptação do posto do trabalho;
i) Os serviços de reabilitação médica ou funcional para a vida activa;
j) Apoio psicoterapêutico, sempre que necessário, à família do sinistrado.
2 - A assistência a que se referem as alíneas a) e j) do número anterior inclui a assistência psicológica e psiquiátrica, quando reconhecida como necessária pelo médico assistente.
Artigo 30.º
Observância de prescrições clínicas e cirúrgicas
1 - O sinistrado em acidente deve submeter-se ao tratamento e observar as prescrições clínicas e cirúrgicas do médico designado pela entidade responsável, necessárias à cura da lesão ou doença e à recuperação da capacidade de trabalho, sem prejuízo do direito a solicitar o exame pericial do tribunal.
(…)
Artigo 33.º
Contestação das resoluções do médico assistente
O sinistrado ou a entidade responsável, mediante consulta prévia ao sinistrado, têm o direito de não se conformar com as resoluções do médico assistente ou de quem legalmente o substituir.
Artigo 34.º
Solução de divergências
1 - Qualquer divergência sobre as matérias reguladas nos artigos 31.º, 32.º e 33.º, ou outra de natureza clínica, pode ser resolvida por simples conferência de médicos, da iniciativa do sinistrado, da entidade responsável ou do médico assistente, bem como do substituto legal deste.
2 - Se a divergência não for resolvida nos termos do número anterior, é solucionada:
a) Havendo internamento hospitalar, pelo respectivo director clínico ou pelo médico que o deva substituir, se ele for o médico assistente;
b) Não havendo internamento hospitalar, pelo perito médico do tribunal do trabalho da área onde o sinistrado se encontra, por determinação do Ministério Público, a solicitação de qualquer dos interessados.
3 - As resoluções dos médicos referidos nas alíneas do número anterior ficam a constar de documento escrito e o interessado pode delas reclamar, mediante requerimento fundamentado, para o juiz do tribunal do trabalho da área onde o sinistrado se encontra, que decide definitivamente.
4 - Nos casos previstos na alínea b) do n.º 2 e no n.º 3, se vier a ter lugar processo emergente de acidente de trabalho, o processado é apenso a este.
Artigo 70.º
Revisão
1 - Quando se verifique uma modificação na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação, ou de intervenção clínica ou aplicação de ajudas técnicas e outros dispositivos técnicos de compensação das limitações funcionais ou ainda de reabilitação e reintegração profissional e readaptação ao trabalho, a prestação pode ser alterada ou extinta, de harmonia com a modificação verificada.
2 - A revisão pode ser efectuada a requerimento do sinistrado ou do responsável pelo pagamento.
3 - A revisão pode ser requerida uma vez em cada ano civil.
Por seu turno, dispõe o art. 145.º do Código de Processo do Trabalho:
Revisão da incapacidade em juízo
1 - Quando for requerida a revisão da incapacidade, o juiz manda submeter o sinistrado a perícia médica.
2 - O pedido de revisão é deduzido em simples requerimento e deve ser fundamentado ou vir acompanhado de quesitos.
3 - O local de realização da perícia médica é definido nos termos da lei que estabelece o regime jurídico da realização das perícias médico-legais e forenses.
4 - Finda a perícia, o seu resultado é notificado ao sinistrado e à entidade responsável pela reparação dos danos resultantes do acidente.
5 - Se alguma das partes não se conformar com o resultado da perícia, pode requerer, no prazo de 10 dias, perícia por junta médica nos termos previstos no n.º 2; se nenhuma das partes o requerer, pode a perícia ser ordenada pelo juiz, se a considerar indispensável para a boa decisão do incidente.
6 - Se não for realizada perícia por junta médica, ou feita esta, e efectuadas quaisquer diligências que se mostrem necessárias, o juiz decide por despacho, mantendo, aumentando ou reduzindo a pensão ou declarando extinta a obrigação de a pagar.
7 - O incidente corre no apenso previsto na alínea b) do artigo 118.º, quando o houver.
8 - O disposto nos números anteriores é aplicável, com as necessárias adaptações, aos casos em que, sendo responsável uma seguradora, o acidente não tenha sido participado ao tribunal por o sinistrado ter sido considerado curado sem incapacidade.
Em face do exposto, decorrendo do n.º 1 do citado art. 70.º da Lei dos Acidentes de Trabalho que a revisão se refere a uma modificação na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado proveniente, designadamente, de agravamento, e de harmonia com a qual qualquer prestação, mormente de entre as previstas nos arts. 23.º, al. a) e 25.º, pode ser alterada, o art. 145.º do CPT, atento o seu carácter adjectivo, direccionado a assegurar processualmente o exercício daquele direito à revisão, deve ser interpretado em conformidade, designadamente no que respeita ao seu n.º 6.
Por conseguinte, entende-se que os actos processuais que integram a tramitação legal do incidente de revisão, incluindo, obviamente, a prova pericial, na parte aplicável, e a decisão final, podem ter por objecto qualquer prestação pecuniária ou em espécie que, por efeito da modificação na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado proveniente, designadamente, de agravamento, deva ser alterada, para o que, além do mais, o requerimento inicial pode ser acompanhado da inerente prova documental e indicação de quesitos médicos adequados, sem prejuízo de o juiz os formular1.
Assim, retornando ao caso em apreço, afigura-se admissível que o sinistrado tenha apresentado o presente incidente de revisão de incapacidade, em 25/03/2024, com vista a decidir-se se ocorre agravamento da sua incapacidade de trabalho que imponha a alteração da pensão anual que lhe foi fixada ou o reconhecimento de quaisquer outras prestações, pecuniárias ou em espécie, designadamente as concretamente peticionadas.
Claro que, por outro lado, a decisão a proferir não pode deixar de conformar-se com o caso julgado formado pela sentença proferida em 12/02/2014, quanto às questões aí definitivamente assentes, pelo despacho proferido no incidente de solução de divergências de 18/10/2021, pelo qual se decidiu que os tratamentos até então disponibilizados pela seguradora foram os adequados à situação sequelar do sinistrado, não havendo indicação para tratamentos adicionais, e pela decisão de incidente de revisão anterior proferida em 18/01/2022, mantendo ao sinistrado o coeficiente de desvalorização que já lhe tinha sido atribuído.
Assim, além do mais, mostra-se definitivamente decidido que não é devido o reembolso de quaisquer das despesas reclamadas anteriores a 18/10/2021, nem as posteriores, até 18/01/2022, que fossem imputáveis a alegado agravamento da incapacidade permanente.
Já o novo incidente de solução das divergências que o sinistrado mantém relativamente aos tratamentos e prescrições clínicas do médico assistente da seguradora, requerido também em 25/03/2024 e que ainda se mostra pendente, previsto, nomeadamente, nos arts. 30.º, n.º 1, 33.º e 34.º da Lei dos Acidentes de Trabalho, permite que se lhe reconheça o direito a prestações em espécie que reclama, com referência ao período posterior a 18/10/2021, independentemente de qualquer agravamento.
Posto isto, atendendo aos princípios da oficiosidade e indisponibilidade de direitos em matéria de acidentes de trabalho, considera-se que não deveria ter sido proferido despacho de indeferimento liminar total, mas sim parcial2, ressalvando o prosseguimento do presente incidente de revisão para os efeitos e com os limites que se referiram ser admissíveis.
Procede, pois, o recurso parcialmente e nessa estrita medida.
4. Decisão
Nestes termos, acorda-se em julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência, revogando-se parcialmente o despacho recorrido:
- admite-se liminarmente o incidente de revisão de incapacidade apresentado em 25/03/2024, com vista a decidir-se se ocorre agravamento da incapacidade de trabalho do sinistrado que imponha a alteração da pensão anual que lhe foi fixada ou o reconhecimento de quaisquer outras prestações, pecuniárias ou em espécie, designadamente as concretamente peticionadas, com os limites decorrentes do caso julgado acima assinalados, tendo por base a prova documental e pericial;
- determina-se que, para aqueles efeitos, seja proferido despacho nos termos previstos no n.º 1 do art. 145.º do CPT, formulando-se os quesitos médicos adequados, tendo em conta, também, os fundamentos e quesitos que forem pertinentes indicados pelo sinistrado de acordo com o n.º 2, após o que deve o incidente prosseguir nos demais termos previstos no citado preceito legal;
- confirma-se, no mais, o despacho recorrido.
Custas pelas partes na proporção de metade.
Lisboa, 12 de Fevereiro de 2025
Alda Martins
Alexandra Lage
Susana Silveira
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1. V. Acórdão da Relação de Coimbra de 15 de Setembro de 2016, processo n.º 254/10.4TTFIG.1.C1, e Acórdão da Relação de Guimarães de 23 de Janeiro de 2024, processo n.º 102/11.8TTGMR.1.G1, disponíveis em www.dgsi.pt.
2. Admissível legalmente, na medida em que nada evidencia o contrário – cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2.º, Almedina, 3.ª edição, pp. 624-625.