O termo inicial, o dies a quo do prazo legal da reclamação para o Tribunal Constitucional de mandatário de arguido que se presume notificado em dia das férias judiciais de Natal, é o primeiro dia após estas – o dia 4 de janeiro -, independentemente de ser ou não dia útil.
O recorrente AA notificado pela secretaria para pagar a multa a que se referem os artigos 139.º, n.º 6, do CPC e 107.º-A, alínea b), do CPP, pela prática do ato de apresentação da reclamação contra o despacho que não admitiu o recurso interposto para o Tribunal Constitucional, (2.º dia útil posterior ao termo do prazo) sem a ter pago, veio apresentar requerimento, invocando que a mesma não é devida, tendo em conta que foi restituído à liberdade no dia 14 de dezembro de 2024, não havendo arguidos presos nestes autos, tendo a reclamação para o Presidente do Tribunal Constitucional sido apresentada no prazo de 10 dias, uma vez que o mesmo se iniciou após o decurso das férias judiciais.
Requer, a final, a anulação da guia e multa que lhe foi aplicada e a admissão da reclamação para o Tribunal Constitucional.
1. Porque o arguido foi restituído à liberdade, o presente processo deixou de ser classificado de urgente. Pelo que o regime dos prazos processuais passou a ser o comum, não correndo nas férias judiciais.
2. Conforme vem informado, a secção de processos, confrontada com a reclamação para o Tribunal Constitucional apresentada pelo arguido em 16 de janeiro, notificou-o (notificou o seu ilustre mandatário) enviando-lhe as guias com a liquidação da multa a pagar para que possa admitir-se a prática do ato processual para além do respetivo prazo legal que, nota-se, é de 10 dias.
Para sustentar a pretensão de que não tem de pagar aquela multa, argumenta o requerente que a reclamação não foi apresentada “fora do prazo regular dos 10 dias, na medida em que o mesmo se iniciou após o decurso das férias judiciais”.
E, se tem razão quando afirma que o prazo para apresentar a reclamação “se iniciou após o decurso das férias judiciais”, nenhuma lhe assiste quanto a contagem que faz do prazo legal para o efeito e, consequentemente, quanto a ser devida multa pela prática do ato em causa no prazo alongado mediante o pagamento da devida multa processual que a secretaria, atentamente, liquidou, notificando o reclamante para pagar, querendo.
3. Como o reclamante bem refere, o prazo para a reclamação prevista no art.º 76.º da Lei n.º 28/82 (LTC) é de 10 dias contados da notificação ao reclamante ou, se esta for efetuada em férias, desde o reinício da atividade judiciária normal.
No caso, o recorrente foi notificado do despacho de 28 de dezembro de 2024 que não admitiu o recurso para o Tribunal Constitucional, na segunda-feira dia 30 de dezembro de 2024 (nas férias judiciais do Natal).
Decorre do art.º 137.º n.º 2 do CPC que as notificações (e citações) podem efetuar-se em qualquer dia, mesmo que seja de férias judiciais, sábado, domingo ou feriado.
Regendo sobre a notificação eletrónica aos mandatários ou defensores, dispõe o art.º 113.º do CPP, nos n.ºs 11 e 12 que: ---------
“11 - As notificações ao advogado ou ao defensor nomeado, quando outra forma não resultar da lei, são feitas por via eletrónica, nos termos a definir em portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça, ou, quando tal não for possível, nos termos das alíneas a), b) e c) do n.º 1, ou por telecópia.
12 - Quando efetuadas por via eletrónica, as notificações presumem-se feitas no terceiro dia posterior ao do seu envio, quando seja útil, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja.
A circunstância de a notificação eletrónica do ilustre mandatário do reclamante ter sido efetuada – como legalmente se admite - nas férias judiciais do Natal não tem influência para determinar a data em que se presume efetuada.
Conforme sustentou o Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 229/2014, “a circunstância de a notificação ter ocorrido, durante as férias judiciais, não afeta a validade da mesma ou a presunção estabelecida no n.º 2 do artigo 113.º do Código de Processo Penal.”
Interpretação inteiramente válida para a presunção estabelecida no n.º 12 do mesmo artigo, uma vez que a redação das duas normas é literalmente a mesma no que para aqui releva, isto é, saber em que dia se presumem feitas as notificações, postal e eletrónica, em processo penal.
Destarte, “as férias judiciais não são, assim, relevantes para o efeito de determinar o momento em que uma notificação se deve ter por efectuada.” – citando o Acórdão n.º 724/95.
Aresto de que, pela insofismável aplicabilidade ao caso, adaptando-o somente para a notificação eletrónica ao mandatário ou defensor do arguido, se passa a transcrever (trecho citado naqueloutro acórdão): -----
“(…) tratando-se de determinar o momento em que se deve ter por efectuada uma notificação por via postal e dispondo a norma em causa que ela se presume feita "no terceiro dia posterior ao do registo" ou, quando este não seja dia útil, "no primeiro dia útil subsequente", não se vê o que, razoavelmente, aí se possa ler senão que se deve presumir que a carta foi entregue ao destinatário nesse terceiro dia posterior ao do registo (ou, sendo o caso, no primeiro dia útil subsequente), entendendo-se, obviamente, por dia útil qualquer dia em que haja distribuição postal (com exclusão apenas, portanto, dos sábados, domingos e feriados). E isso, ainda que esse terceiro dia (ou o primeiro dia útil subsequente) calhe em período de férias judiciais.
É que, mesmo sendo férias judiciais, continua a haver distribuição postal; e, portanto, as cartas continuam a ser recebidas pelos seus destinatários.
Como sublinha o Ministério Público nas suas alegações, no nº 3 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 121/76, do que se trata, não é "de estabelecer um prazo - dilatório ou peremptório - para as partes praticarem actos processuais, mas de prever uma verdadeira presunção 'juris tantum' acerca do momento em que as notificações postais se devem normalmente considerar recebidas, baseada nas 'regras da experiência' acerca da duração normal 'máxima' do recebimento e cognoscibilidade pelo destinatário do expediente postal que lhe é remetido sob registo".
Por isso mesmo, não faria qualquer sentido presumir que o terceiro dia posterior ao do registo da carta fosse o primeiro dia útil após férias judiciais.
Dizendo de outro modo: era irrazoável suspender durante as férias esse prazo presumido de três dias; com isso o que se faria era ficcionar que as cartas enviadas pelo correio aos mandatários judiciais só eram por eles recebidas, terminadas que fossem as férias - o que não tem correspondência com a realidade.
As férias judiciais não são, assim, relevantes para o efeito de determinar o momento em que uma notificação se deve ter por efectuada.
(…)
Há, assim, que concluir que, interpretar o nº 3 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 121/76, de 11 de Fevereiro, em termos de nele se achar consagrada a presunção (ilidível) de que as cartas registadas contendo notificações judiciais são entregues aos seus destinatários no terceiro dia posterior ao do registo, ou, não sendo este dia útil, no primeiro dia útil subsequente - que o mesmo é dizer: interpretá-lo em termos de excluir a aplicação do disposto no nº 3 do artigo 144º do Código de Processo Civil ao prazo de três dias aí previsto, em virtude de se não estar em presença de um prazo judicial ou processual - não viola o princípio constitucional da igualdade ou qualquer outro preceito ou princípio que a Constituição consagre.”
Também a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (refletida na das Relações) tem sido no sentido de que “a regra equiparativa das férias judiciais aos domingos e feriados (…) é inaplicável à presunção” da notificação em referência - Ac. STJ de 23/01/2003, Proc. 02B4291. Que, ademais, realça o dever de “assegurar que existe uma distribuição igualitária e uniforme do benefício do prazo e evitar que meras circunstâncias de calendário prejudiquem certos sujeitos” – Ac. STJ de 12-09-2019. Proc. 587/17.9T8CHV-A.G1-A.S1. Ou, acrescentamos, assegurar que as partes e/ou sujeitos processuais dispõem de igual prazo para a prática do mesmo ato processual, independentemente de notificação se ter efetuado em férias ou no tempo de atividade normal dos tribunais.
4. Resultando do exposto que, tendo a notificação eletrónica do ilustre mandatário sido efetuada em 30 de dezembro de 2024 (uma segunda feira) presume (presunção não questionada) e, consequentemente, considera-se efetuada em 2 de janeiro de 2025 (uma quinta-feira) que é/foi, para este efeito (para se presumir efetuada a notificação em causa), um dia útil.
O que não vem sequer questionado.
O reclamante não obstante afirmar que o prazo para reclamar “se iniciou após o decurso das férias judiciais” do Natal que, como é de lei decorreram até 3 de janeiro de 2025 (uma sexta-feira) pretende que o termo inicial desse prazo processual só começou a decorrer em 6 de janeiro (uma segunda-feira) de 2025. Pelo que o que se impõe determinar é o dies a quo, ou seja e concretamente, se foi no dia 4 primeiro dia da retoma da atividade judicial normal ou apenas no primeiro dia útil após esse reinício.
O reclamante baralha situações e conceitos jurídico bem distintos: confunde o termo inicial, o dies a quo de um prazo processual e com o dies ad quem para a prática do ato dentro do prazo legal.
Na sintética expressão do sumário do Ac. STJ de12-10-1989, Proc. 040063, “prazo judicial significa período de tempo fixado para se produzir um determinado efeito processual, pressupondo dois extremos que são precisamente dois pontos, isto é, dois dias: o dia do início ou de partida (dies a quo) e o dia de termo ou de vencimento (dies a quem), sendo que a distância entre os dois pontos marca a sua duração.”
Destarte, o que aqui está, realmente, em causa é a determinação do dies a quo, isto é, do dia em que se iniciou o prazo de 10 dias que a lei concede ao arguido para reclamar para o Tribunal Constitucional do despacho de não admissão do recurso. Concretamente, se esse prazo processual se iniciou no primeiro dia do calendário da atividade judiciária imediatamente após as férias judiciais do Natal que é, todos os anos, o dia 4 de janeiro e que no corrente ano foi um sábado, ou se somente começou a correr no dia 6 de janeiro de 2025 que em 2025 foi a primeira segunda-feira do ano judicial.
A resposta decorre do que vimos de expor e que o recorrente até afirma: o dies a quo, o termo inicial do prazo da reclamação é o dia que a lei estabelece como o do reinício da atividade judiciária normal imediatamente após as férias judiciais do Natal, independentemente de ser ou não dia útil.
Nem podia interpretar-se de maneira diferente sob pena de intolerável desigualdade de tratamento – constitucionalmente proibida - relativamente à contagem do mesmo prazo processual. Se assim não fosse, se o termo inicial fosse somente o primeiro dia útil após a reinício da atividade judiciária normal, o sujeito processual que foi notificado nas férias teria mais dois dias do mesmo prazo – concretamente os dias 4 e 5 de janeiro –para a prática do ato (no caso, para reclamar para o Tribunal Constitucional), enquanto que esses mesmos dois dias são computados na contagem do prazo de todos os restantes que presumindo-se notificados nos mesmo termos, o dies a quo do respetivo prazo ocorreu antes das férias. Outro tanto é válido afirmar-se para qualquer outro prazo judicial. Exemplificando: o prazo da reclamação iniciado em 18 de dezembro de 2024 teve o dies a quem, o seu termo final no dia 9 de janeiro de 2025.
Assim e porque a notificação do ilustre defensor do arguido ocorreu no período de férias judiciais, o termo inicial do prazo perentório de 10 dias para apresentar a reclamação para o Tribunal Constitucional foi o dia 4 de janeiro, primeiro dia do calendário da atividade judicial após as férias judiciais de Natal.
E o termo final, o dies ad quem desse prazo foi 13 de janeiro.
Mas, conforme consta do requerimento, a reclamação só foi apresentada em 15 de janeiro de 2025.
Foi, pois, apresentada no 2.º dia útil após o termo final do prazo legal para apresentação da reclamação.
Improcede, assim, por falta de fundamento bastante, a argumentação do reclamante.
É, pois, devido o pagamento da multa pela prática do ato para além do prazo legal.
Não sendo paga, a reclamação não pode ser conhecida nem, consequentemente, admitida.
Custas do incidente pelo reclamante fixando-se a taxa de justiça em 1UC
Notifique.
O Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça
Nuno Gonçalves