DÍVIDA DE HERANÇA
RESPONSABILIDADE DOS HERDEIROS
PENHORA SOBRE IMÓVEL PARTILHADO
Sumário

I - Tendo falecido os devedores/executados, aplicar-se-ia o disposto no art. 2097.º do CC, se a herança estivesse indivisa, ou seja, os bens da herança respondiam pela satisfação dos encargos. No entanto, efetuada a partilha, cada herdeiro só responde pelos encargos em proporção da quota que lhe tenha cabido na herança (art. 2098.º CC).
II - Em relação aos credores da herança, enquanto esta permanece indivisa, o devedor é apenas um, ou seja, é a herança, embora representada pelos respetivos herdeiros. Após a partilha, a herança dá lugar a uma pluralidade de devedores, tantos quantos os herdeiros. E a medida da responsabilidade destes determina-se pela proporção da quota que lhes tenha cabido na herança e não por qualquer outro critério, designadamente, pelo valor dos bens que lhes tenham sido adjudicados.
III - Quando a penhora incidia sobre um imóvel que, em tempos, pertenceu à herança executada, mas, uma vez partilhada tal herança, passou a pertencer a um dos herdeiros, pertencendo-lhe já quando foi instaurada a execução, e, por maioria de razão, quando foi registada a penhora, não há lugar ao cumprimento do estipulado no art. 119.º, nº 4 do Código do Registo Predial.
IV - No entanto, ainda que seja devidamente cumprido o disposto no art. 119.º do Cód. do Registo predial, para que ocorra a caducidade da penhora incidente sobre bem inscrito a favor de pessoa diversa do executado (art.º 92º nº 2, al. a) e nº 5 do CR Predial) torna-se necessário que o juiz remeta as partes para os meios comuns e, simultaneamente, comunique ao registo a data de citação do proprietário inscrito e a declaração deste, a fim de ser anotada ao registo da penhora, sendo que, não havendo a comunicação, o prazo de 30 dias não se inicia e, portanto, não ocorre a caducidade.

(Da responsabilidade da Relatora)

Texto Integral

Apelação n.º 2461/22.8T8AGD-D.P1




Acordam na 3ª secção do Tribunal da Relação do Porto




RELATÓRIO:

Nos autos de execução que correm termos sob o nº 2461/22.8T8AGD, em que é exequente LAR DE IDOSOS A..., LDA., e executados as Heranças abertas por óbito de AA e por óbito de BB, foi penhorado o seguinte prédio: Prédio urbano, composto de casa de rés-do-chão e primeiro andar, destinada a habitação, dependência e logradouro, sito em ..., a confrontar de norte com CC, sul com DD, nascente com caminho público e poente com EE, não descrito na Conservatória do Registo Predial de Mealhada e inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...94.
O registo dessa penhora foi lavrado provisório por natureza por força do disposto no 92.º, n.º 2, alínea a) do Código de Registo Predial.
Foi citado o titular inscrito, o qual, em 06-03-2023, veio declarar que o imóvel lhe pertence, pelo que, por despacho de 07-03-2023, foram os interessados remetidos para os meios comuns.
Através de requerimento de 15-03-2023, veio a exequente juntar aos autos a escritura de partilha dos bens dos executados, da qual resulta que o imóvel penhorado foi adjudicado ao titular inscrito, peticionando que os autos prosseguissem os seus termos contra o herdeiro, incidindo as diligências de penhora sobre o imóvel herdado até recuperação do valor em débito, face ao disposto no artigo 2071.º do Código Civil.
Nessa sequência, foi proferido despacho, em 19-04-2023, com o seguinte teor: “Atendendo ao teor do requerimento que antecede, para a execução prosseguir contra o herdeiro indicado, terá o exequente de deduzir o incidente de intervenção provocada, o que se convida a fazer no prazo de 10 dias. Notifique”.
Com data de 02-05-2023, deu entrada em juízo o requerimento de incidente de intervenção provocada de FF, intervenção que veio a ser admitida por decisão de 14-06-2023.
Através de requerimento de 21-03-2024, veio o interveniente, agora, executado, invocar a caducidade do registo provisório da penhora do imóvel mencionado, por não ter sido instaurada a ação nos 30 dias, conforme previsto nos arts. 119.º, nº 4 e 92.º, nº 5 do Cód. Registo Predial, requerendo a extinção da ação executiva, a declaração da caducidade das inscrições de penhora do imóvel identificado, e o respetivo cancelamento.
A exequente veio opor-se, invocando que a partir da decisão que admitiu a intervenção mencionada, o interveniente assumiu a qualidade de executado, deixando de ser um terceiro relativamente à execução, a qual deve prosseguir.
Sobre este o requerimento do interveniente/executado, foi proferido despacho (datado de 30-04-2024) com o seguinte teor:
“Requerimento n.º 15919816 de 21-03-2024:
Veio o interveniente principal, FF, nos termos do art. 119.º, n.º 4, e 92.º, n.º 5 do Código do Registo Predial (CRP), invocar a caducidade e o consequente levantamento da penhora do imóvel, considerando que a exequente não intentou a ação no prazo de 30 dias.
Já a exequente, pauta que já foi admitida a intervenção provocada por FF, e o bem penhorado pertencia à herança, não tendo sido penhorados bens próprios.
Cumpre-nos apreciar.
Numa primeira fase, importa expor que foi penhorado o prédio urbano destinado a habitação, composto por rés-do-chão e primeiro andar, com sala, três quartos, uma cozinha e uma despensa e logradouro, sito na Rua ..., ..., em ..., da Freguesia ..., concelho ... e distrito de Aveiro, o qual se encontra descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...99 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo atual nº ...94, dando origem ao registo provisório por natureza, nos termos do art. 92.º, n.º 2, alínea a) do CRP, mediante a AP. ...61 de 2023/01/20.
O imóvel supramencionado, foi adjudicado ao interveniente FF a 15-02-2019, mediante escritura pública, no âmbito da partilha dos bens por óbito de BB.
Aqui chegados, considerando que no momento da penhora do bem o imóvel encontrava-se registado a favor de terceiro, ou seja, não se encontrava registada em nome da herança aberta por óbito de BB – sendo este o executado –, o terceiro foi notificado para informar se o bem é sua propriedade.
Seguidamente, em 06-03-2023, veio o terceiro (FF) reiterar que o bem é de sua propriedade, requerendo o cumprimento do art. 119.º, n.º 4 do CRP.
Neste sentido, em 07-03-2023, foi emitido despacho por este juízo determinando o seguinte:
“Atendendo ao teor do requerimento que antecede, ao abrigo do disposto no artigo 119/4 do Código de Registo Predial, remeto as partes para os meios comuns quanto ao imóvel penhorado nos autos, a saber, o prédio urbano destinado a habitação, composto por rés-do-chão e primeiro andar, com sala, três quartos, uma cozinha e uma despensa e logradouro, sito na Rua ..., ..., em ..., da Freguesia ..., concelho ... e distrito de Aveiro, o qual se encontra descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...99 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo atual nº ...94.
Notifique.
Este despacho tem por base o estipulado no art. 119.º, n.º 4 do CRP, conforme bem refere Lebre de Freitas (a Ação Executiva, 2013, p. 295 e 296), onde estipula que: “Pode acontecer que o bem penhorado esteja inscrito em nome de terceiro. Tem então aplicação o art. 119 CRP, que ordena a citação do titular da inscrição registada para, no prazo de 10 dias, vir declarar se o bem penhorado lhe pertence, sob pena de a execução prosseguir. Se o titular da inscrição declarar que o bem lhe pertence, o exequente, se quiser manter a penhora, instaurara contra ele uma ação declarativa de propriedade, autónoma relativamente a execução, que fica entretanto suspensa quanto ao bem em causa, sem prejuízo de o exequente poder desistir da penhora ou requerer a sua conversão em penhora de direito litigioso”.
Neste mesmo sentido, Maria Teresa Albuquerque (O art. 119º do CRP e considerações a seu propósito, Revista de Economia e Direito, Vol. XI, n.º 1, 2006, p. 119 e 120), refere que se “o citado declarar que os bens lhe pertencem, o juiz, também oficiosamente, remeterá os interessados para os meios processuais comuns, ordenando que se extraia desse facto certidão, da qual constará a data daquela declaração do citado, para ser anotada no registo. Ao mesmo tempo, o exequente, requerente ou administrador da insolvência, será notificado daquela declaração, dispondo de trinta dias a contar dessa notificação, para interpor e registar a ação declarativa a que se reporta o n° 5 do art 119°, sob pena de ver caducada a inscrição provisória da penhora ou apreensão na insolvência - n° 5 “in fine” do art 92°. O registo da ação declarativa - provisório nos termos do art 92°/1 al a)- na vigência do registo provisório, é anotado neste e prorroga o respetivo prazo até caducar ou ser cancelado o registo da ação -n° 5 do art 119°”
Ainda a mesma autora, já na p. 120, esclarece que: “Deixando passar este prazo, embora a lei não o diga expressamente, é evidente que o titular inscrito pode pedir o cancelamento do registo da penhora”.
A este propósito, existe jurisprudência firme que aceita que os embargos de terceiro, se assumem como um meio idóneo aos meios comuns mencionados no art. 119.º, n.º 4 do CRP, sendo certo que nestes autos foram deduzidos embargos de terceiro (apenso B) – cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, processo n.º 1755/10.0T2AGD-B.P1, de 11-09-2018, disponível em www.dgsi.pt, bem como muitos outros.
Contudo, esses embargos foram deduzidos muito após os 30 dias do prazo indicado pelo art. 92.º, n.º 5 do CRP, onde estipula que: “As inscrições referidas na alínea a) do n.º 2 mantêm-se em vigor pelo prazo de um ano, salvo o disposto no n.º 5 do artigo 119.º, e caducam se a ação declarativa não for proposta e registada dentro de 30 dias a contar da notificação da declaração prevista no n.º 4 do mesmo artigo”.
Ou seja, o despacho deste juízo a cumprir o estipulado no n.º 4 do art. 119.º do CRP, foi realizado em 07-03-2023, começando então a contar o prazo.
Neste sentido, não existe qualquer prova que a exequente tenha intentado uma ação declarativa autónoma, existindo, apenas, os embargos de terceiro que foram deduzidos após os 30 dias acima estipulados, concretamente em 02-08-2023.
É esta a situação específica dos autos.
Isto é, ainda que após a exequente tenha requerido que o terceiro fosse chamado a intervir nos autos, isto não invalida que o bem esteja, no momento da penhora, registado em seu nome e não naquele que figura como executado – eventualmente, poderíamos chegar a conclusões distintas se ainda não tivesse ocorrido a partilha.
Assim sendo, tendo inclusive sido alegado pelo titular do direito inscrito que ocorreu a figura da caducidade, o tribunal não tem outra opção se não considerar que a penhora efetivamente caducou, nos termos do art. 92.º, n.º 5 e 119.º, n.º 4 do CRP, pelo que se determina o levantamento da penhora – sem prejuízo de ser registada nova penhora sobre o mesmo bem.
Solicite Sr. Agente de Execução para proceder ao levantamento da penhora do imóvel aqui em questão.
Registe e notifique.”.

*
Não se conformando com tal decisão, a exequente interpôs o presente recurso, que foi admitido como de apelação, a subir de imediato, em separado e com efeito meramente devolutivo.
São as seguintes, as conclusões das alegações apresentadas pela Apelante:
“1. O presente recurso tem como o despacho proferido pelo Tribunal a quo que ordenou o levantamento da penhora efectuada no prédio urbano destinado a habitação, composto por rés-do-chão e primeiro andar, com sala, três quartos, uma cozinha e uma despensa e logradouro, sito na Rua ..., ..., em ..., da Freguesia ..., concelho ... e distrito de Aveiro, o qual se encontra descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...99 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo actual ...94.
2. Andou mal, no entender da recorrente, o referido despacho ao ordenar o levantamento da penhora do bem supra mencionado, por verificação da caducidade face à declaração proferida pelo interveniente FF no âmbito dos autos, ao abrigo do disposto no artigo 119.º, n.º 4 do Código de Registo Predial.
3. Considera, pois a recorrente que os actos praticados até à data da prolação do referido despacho, impunham uma decisão diversa, discordando portanto da aplicação do Direito feita pelo despacho recorrido.
4. A presente acção executiva teve inicio a 26 de Outubro de 2022 e foi interposta contra a Herança aberta por óbito de AA e Herança aberta por óbito de BB, exigindo o pagamento da quantia de 19.521,83€, face à decisão que foi proferida no âmbito dos autos n.º ..., que correu termos no Juízo de Competência Genérica (Juiz 2) do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – ....
5. No decurso da acção declarativa que serve de base à presente acção executiva, a devedora AA e os seus filhos procederam à partilha dos bens que haviam sido deixados pelo falecido BB.
6. Partilha esta mediante a qual todos os bens foram adjudicados ao interveniente FF, conforme resulta da escritura pública outorgada em 15 de Fevereiro de 2019.
7. Os herdeiros de AA e BB após a partilha dos bens deixados são responsáveis perante os credores na proporção da quota que lhe couber na herança.
8. Até à presente data e, não obstante, as diligências efectuadas, o crédito da Recorrente permanece por liquidar, não tendo sido possível apurar a existência de quaisquer outros bens para além dos que se encontram descritos na escritura de partilha que foi efectuada entre as partes.
9. A penhora efectuada, em 20 de Janeiro de 2023, no prédio urbano, destinado a habitação composto por rés-do-chão e primeiro andar, com sala, três qartos, uma cozinha e uma despesa e logradouro, sito na Rua ..., ..., em ..., da Freguesia ..., concelho ... e distrito de Aveiro, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...99 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo actual n.º ...94, ficou lavrada provisória por natureza por força do disposto no artigo 92.º, n.º 2, alínea a) do Código de Registo Predial.
10. Estabelece o artigo 92.º, n.º 2, alínea a) do Código de Registo Predial que “além das previstas no número anterior, são ainda provisórias por natureza, as inscrições de penhora, de declaração de insolvência e de arresto, se existir sobre os bens registo de aquisição ou reconhecimento do direito de propriedade ou de mera posse a favor de pessoa diversa do executado, do insolvente ou do requerido”.
11. Em 6 de Março de 2023, o herdeiro FF, juntou aos autos requerimento declarando que o bem penhorado pela Agente de Execução nomeada nos autos, lhe pertencia e, que deveria ser dado cumprimento ao disposto no artigo 119.º, n.º 4 do Código de Registo Predial.
12. Em 8 de Março de 2023, atendendo ao teor do requerimento apresentado pelo herdeiro FF, ao abrigo do disposto no artigo 119.º, n.º 4 do Código de Registo Predial, as partes foram remetidos para os meios comuns.
13. Antes de decorridos 10 dias, em 15 de Março de 2023, a Recorrente procedeu à junção aos autos da respectiva escritura de partilha supra mencionada, peticionado que os autos prosseguissem os seus termos contra o herdeiros, incidindo as diligências de penhora sobre o imóvel herdado até recuperação do valor em débito, face ao disposto no artigo 2071.º do Código Civil.
14. Ou seja, antes do decurso de 30 dias, imposto pelo artigo 119.º, n.º 4 do Código de Registo Predial, a recorrente praticou actos peticionando que o herdeiro fosse parte nos autos e prosseguissem os actos de penhora na medida dos bens recebidos pelo mesmo.
15. E – em 19 de Abril de 2023 – no seguimento do requerimento apresentado pela Recorrente, foi proferido o seguinte despacho: atendendo ao teor do requerimento que antecede, para a execução prosseguir contra o herdeiro indicado, terá o exequente de deduzir o incidente de intervenção provocada, o que se convida a fazer no prazo de 10 dias. Notifique”.
16. O incidente de intervenção provocada contra o herdeiro FF foi deduzido e admitido nos autos, em 14 de Junho de 2023.
17. Do referido despacho não foi interposto qualquer recurso pelas partes, pelo que o mesmo há muito transitou em julgado.
18. Não se concebendo como é que agora – decorrido quase um ano da prolação do referido despacho – veio o Tribunal a quo considerar que a acção executiva não pode prosseguir os seus termos relativamente ao bem penhorado pela Agente de Execução atendendo que não foi cumprido o prazo estabelecido pelo artigo 119.º, n.º 4 do Código de Registo Predial.
19. Lê-se no artigo 613º, nº 1 do Código de Processo Civil que, proferida «a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa» (disciplina que o nº 3 do mesmo preceito estende aos próprios despachos).
20. Quer isto significar que, tendo o juiz proferido decisão, não a pode em regra, e por sua iniciativa, rever, alterando a decisão da causa, ou modificando os seus fundamentos (que com ela formam um todo incindível), ficando esta susceptibilidade de modificação reservada para a sede própria, nomeadamente de recursos.
21. Assim, mesmo que exista um arrependimento, por adquirir a convicção que errou, o juiz não pode emendar o suposto erro, a decisão fica como sendo intangível para o mesmo.
22. Tornando-se obrigatória a decisão para os respectivos destinatários não pode a mesma ser alterada, produzindo-se os seus efeitos plenos no processo ou fora do mesmo.
23. Assim, tendo os referidos despachos judiciais já transitado em julgado (há muito tempo), constituindo caso julgado formal nos termos do disposto no artigo 620.º do Código de Processo Civil, tendo-se esgotado o poder jurisdicional do Mmo. Juiz a quo quanto à questão da intervenção do herdeiro FF não pode o tribunal ad quo vir alterar a sua posição e ordenar o levantamento da penhora efectuada.
24. Consequentemente, tendo sido devidamente respeitados todos os trâmites processuais para a penhora do imóvel adjudicado ao herdeiro FF, tem a mesma de ser admitida e ordenado o prosseguimento dos autos sob pena de ocorrer violação do caso julgado em clara violação do disposto nos artigos 613.º, 619.º, 620.º e 628.º todos do Código de Processo Civil.
25. Pelo que, no provimento do presente recurso, deve regovar-se o douto despacho proferido e, em sua substituição, ser proferida outro que ordene o prosseguimento dos autos, assim resultando melhor interpretada e aplicada a Lei e realizada a JUSTIÇA.
NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO CUJO DOUTO SUPRIMENTO DE V. EXªS. SENHORES DESEMBARGADORES SE PEDE, DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE POR PROVADO E, EM CONSEQUÊNCIA SER PROFERIDO DOUTO ACÓRDÃO QUE ORDENE O PROSSEGUIMENTO DOS AUTOS QUANTO AO IMÓVEL QUE SE ENCONTRA PENHORADO NOS AUTOS, ASSIM SE FAZENDO, COMO SEMPRE, INTEIRA E SÃ JUSTIÇA!”.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
A matéria fáctica a ter em conta é a que resulta do relatório que antecede.
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MOTIVAÇÃO DE DIREITO:
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil.
Atendendo às conclusões das alegações apresentadas pela apelante, a única questão a decidir consiste em saber se deve ser alterada a decisão proferida, no sentido de ser mantida a penhora já efetuada, revogando-se a decisão que determinou o respetivo levantamento.
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Vejamos.
Estabelece o art. 92.º, nº 2, al. a) e nº 5 do Código do Registo Predial:
“(…)
2- Além das previstas no número anterior, são ainda provisórias por natureza:
a) As inscrições de penhora de declaração de insolvência e de arresto, se existir sobre os bens registo de aquisição ou reconhecimento do direito de propriedade ou de mera posse a favor de pessoa diversa do executado, do insolvente ou do requerido;
(…)
5- As inscrições referidas na alínea a) do n.º 2 mantêm-se em vigor pelo prazo de um ano, salvo o disposto no n.º 5 do artigo 119.º, e caducam se a ação declarativa não for proposta e registada dentro de 30 dias a contar da notificação da declaração prevista no n.º 4 do mesmo artigo.
(…)”
Por sua vez, o art. 119.º do mesmo código dispõe:
“Suprimento em caso de arresto, penhora ou declaração de insolvência
1 - Havendo registo provisório de arresto, penhora ou de declaração de insolvência sobre os bens inscritos a favor de pessoa diversa do requerido, executado ou insolvente, deve efetuar-se no respetivo processo a citação do titular inscrito para declarar, no prazo de 10 dias, se o prédio ou direito lhe pertence.
2 - No caso de ausência ou falecimento do titular da inscrição deve fazer-se a citação deste ou dos seus herdeiros, independentemente de habilitação, afixando-se editais pelo prazo de 30 dias, na sede da junta de freguesia da área da situação dos prédios.
3 - Se o citado declarar que os bens lhe não pertencem ou não fizer nenhuma declaração, o tribunal ou o agente de execução comunica o facto ao serviço de registo para conversão oficiosa do registo.
4 - Se o citado declarar que os bens lhe pertencem, o juiz remete os interessados para os meios processuais comuns, e aquele facto é igualmente comunicado, bem como a data da notificação da declaração para ser anotada no registo.
5 - O registo da ação declarativa na vigência do registo provisório é anotado neste e prorroga o respetivo prazo até que seja cancelado o registo da ação.
6 - No caso de procedência da ação, deve o interessado pedir a conversão do registo no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado.”

Ora, destes dois preceitos decorre, no que para o caso interessa, que a penhora é registada provisoriamente, por natureza, se o proprietário inscrito for pessoa diversa do executado, caso em que deve ter lugar, no processo em que ocorreu a penhora, a citação do titular inscrito para declarar se o bem lhe pertence. E se o titular inscrito declarar que o bem lhe pertence, o juiz, nos termos do nº 4 do art. 119.º, deve remeter os interessados para os meios comuns, cumprindo o que mais resulta desse preceito.
Caso seja cumprido o previsto nesse nº 4 do art. 119.º, o registo da ação declarativa é anotado no registo, provisório por natureza, mantendo-se em vigor até que seja cancelado o registo da ação, sendo que a penhora apenas caduca se a ação declarativa não for proposta e registada dentro de 30 dias a contar da notificação da declaração prevista no n.º 4 do art. 119.º.
No caso, resulta da factualidade descrita supra, que em 20-01-2023 foi penhorado o imóvel identificado; em 6 de março de 2023, FF veio aos autos dizer que o imóvel penhorado lhe pertence; em 7 de março de 2023 foi proferido despacho que se limitou a remeter as partes para os meios comuns, ao abrigo do disposto no artigo 119.º, n.º 4 do Código de Registo Predial.
A partir daí, tinha a recorrente o prazo de 30 dias para instaurar a ação declarativa, o que não fez.
Sucede que, antes do decurso desse prazo, em 15 de março de 2023, a Recorrente procedeu à junção aos autos da escritura de partilha da herança do pai do referido FF, da qual resulta que todos os bens foram adjudicados a esse herdeiro, peticionando a exequente/recorrente que os autos prosseguissem os seus termos contra o herdeiro, incidindo as diligências de penhora sobre o imóvel herdado até recuperação do valor em débito, face ao disposto no artigo 2071.º do Código Civil.
Nessa sequência, entendeu o tribunal que a exequente deveria deduzir incidente de intervenção provocada do dito herdeiro, a fim de fazer prosseguir os autos contra o mesmo, o que a exequente veio a fazer, tendo sido proferida decisão, em 14-06-2023, que admitiu a intervenção principal provocada passiva de FF, o qual passou, pelo menos desde essa data, a figurar na execução como executado.
Foi já depois de ter sido admitido nos autos como executado, que FF veio requerer a declaração de caducidade do registo provisório da penhora do imóvel, com o respetivo cancelamento, requerimento sobre o qual foi proferida a decisão recorrida.
Vejamos.
A recorrente invoca o art. 2071.º do Código Civil para ver proceder a sua pretensão.
Contudo, entendemos que no caso tem aplicação, antes, o disposto nos arts. 2097.º e 2098.º do mesmo diploma legal, os quais dispõem, respetivamente, que “Os bens da herança indivisa respondem coletivamente pela satisfação dos respetivos encargos” e que “Efetuada a partilha, cada herdeiro só responde pelos encargos em proporção da quota que lhe tenha cabido na herança”.
No caso, tendo os devedores falecido, aplicar-se-ia o disposto no art. 2097.º do CC, se a herança estivesse indivisa, ou seja, os bens da herança respondiam pela satisfação dos encargos, sendo que são encargos da herança as despesas com o funeral e sufrágios do seu autor, os encargos com a testamentária, administração e liquidação do património hereditário, o pagamento das dívidas do falecido e o cumprimento dos legados, nos termos do art. 2068.º do CC.
No entanto, efetuada a partilha, cada herdeiro só responde pelos encargos em proporção da quota que lhe tenha cabido na herança (art. 2098.º CC).
Deste modo, a lei distingue regimes diferentes para a satisfação dos encargos da herança, consoante esta se mantenha ainda indivisa ou tenha sido já partilhada.
Determinados os herdeiros, a satisfação dos encargos da herança depende do momento em que a liquidação da herança se encontra.
Encontrando-se a herança indivisa, a mesma tem, em princípio, de ser representada em juízo por todos os herdeiros, ao passo que a herança já partilhada perde essa qualidade e dissolve-se nos patrimónios dos herdeiros, passando cada um dos bens que a integrava, a confundir-se com os demais bens do herdeiro a quem foi adjudicado.
Em relação aos credores da herança, enquanto esta permanece indivisa, o devedor é apenas um, ou seja, é a herança (embora representada, umas vezes pelo cabeça-de-casal, outras pelo conjunto dos herdeiros). Após a partilha, a herança, antes, indivisa, dá lugar a uma pluralidade de devedores, tantos quantos os herdeiros. E a medida da responsabilidade destes determina-se pela proporção da quota que lhes tenha cabido na herança e não por qualquer outro critério, designadamente, pelo valor dos bens que lhes tenham sido adjudicados.
É que as quotas que a cada um dos herdeiros caibam na partilha não têm de ser necessariamente preenchidas com bens, podendo, por exemplo, ser adjudicados todos os bens a um único herdeiro, pagando este as tornas devidas aos demais. Nestas circunstâncias, obviamente, que o herdeiro a quem foram adjudicados todos os bens não fica – a não ser que isso tenha sido acordado, por permissão do artigo 2098.º, nºs 2 e 3 – responsável pela totalidade dos encargos, antes respondendo apenas na proporção da sua quota na herança. E os restantes herdeiros, que não receberam qualquer bem da herança, não ficam, na proporção das suas quotas, desonerados do pagamento dos respetivos encargos, por eles respondendo, na dita proporção.
Acresce que as obrigações dos herdeiros da herança partilhada perante os credores não são solidárias, pois nada na lei impõe tal solidariedade (artigos 513.º e 2098.º do CC). Deste modo, não é ao credor permitido exigir a cada herdeiro mais do que a proporção da sua quota na herança. (Seguimos, aqui, na parte aplicável, o que foi decidido no Acórdão deste Tribunal da Relação do Porto, de 13-07-2022, Processo 499/19.1T8OBR.P1, disponível em dgsi.pt).

No caso sob análise, a questão a decidir é mais específica, já que está em causa saber se foi devidamente ordenado o levantamento da penhora que incidia sobre o imóvel mencionado nos autos, o qual, em tempos, pertenceu à herança executada, mas, uma vez partilhada tal herança, passou a pertencer ao herdeiro identificado.
Aliás, esse imóvel já pertencia ao titular inscrito, quando foi instaurada a execução, o que levou a que fosse proferido o despacho que mandou cumprir o estipulado no art. 119.º, nº 4 do Código do Registo Predial.
Sucede que, no despacho de 07/03/2023 que remeteu as partes para os meios comuns, não foi ordenada a comunicação à Conservatória dessa remessa nem a data da notificação da declaração, como exige o art. 119.º, nº 4, do Código de Registo Predial.
No Ac. da RL de 23/11/2023, proc. 1988/04.8TMLSB-N.L1-6, disponível em dgsi.pt, decidiu-se que “Para que ocorra a caducidade da penhora incidente sobre bem inscrito a favor de pessoa diversa do executado (art.º 92º nº 2, al. a) e nº 5 do CR Predial) torna-se necessário que o juiz remeta as partes para os meios comuns e, simultaneamente, comunique ao registo a data de citação do proprietário inscrito e a declaração deste, a fim de ser anotada ao registo da penhora (…)”.
Ora, não havendo a comunicação, o prazo de 30 dias não se inicia e, portanto, não ocorre a caducidade.
Acresce que, as normas do Código de Registo Predial respeitam à caducidade das inscrições registrais e não das penhoras.
Aquela caducidade é decidida pela Conservatória (sendo um registo provisório por dúvidas tem de haver um despacho do Conservador a declarar a caducidade, sendo um registo provisório por natureza a caducidade decorre da lei, não tem que haver decisão, mas tem de ser anotada oficiosamente pelo Conservador no registo respetivo).
Depois de estar registada a caducidade da inscrição, então é que deverá haver o despacho do juiz a levantar a penhora, porque, no caso, o registo tem natureza constitutiva (art. 755.º, 1, do CPC), pelo que, deixando de haver registo a penhora também não pode manter-se.
No caso isso não sucedeu, provavelmente porque não foi comunicada a remessa para os meios comuns, o que levou a que em 11/01/2024 a penhora fosse convertida em definitiva no registo (como resulta do histórico da conservatória junto nos autos de execução em 16/07/2024).
Ou seja, em 30/04/2024, quando o Tribunal a quo proferiu o despacho recorrido, a ordenar o levantamento da penhora, fê-lo no pressuposto errado de que o registo continuava provisório e tinha caducado, o que não sucedeu, já que nessa data o registo já estava definitivo.

Aliás, no caso, o processado veio sofrendo de várias vicissitudes desde o início.
Desde logo, nem sequer deveria ter sido cumprido o art, 119.º do Código de Registo Predial, nem admitida a intervenção principal, uma vez que FF é executado desde o início, enquanto herdeiro dos executados falecidos.
Deste modo, a decisão que indevidamente remeteu as partes para os meios comuns foi proferida no pressuposto de a pessoa que consta no registo como proprietário não ser parte na execução, sendo que, havendo que ter em conta que essa decisão transitou em julgado, é, no entanto, certo que deixou de fazer sentido, pelo menos, desde que foi admitida a sua intervenção como executado.
Assim, não se verificando, pelo menos, desde o despacho de 14-06-2023, que admitiu a intervenção de FF como executado, os pressupostos que estiveram na base da remessa dos interessados para os meios comuns, nada impede que, neste momento, se reconheça que o mesmo é parte, pelo que nada há a discutir nos meios comuns, devendo, consequentemente, manter-se a penhora, cujo registo, aliás, como referido, já estava definitivo.
E assim sendo, temos de concluir que o tribunal recorrido, quando decide que terá de considerar-se que o registo da penhora caducou, nos termos dos arts. 92.º, nº 5 e 119.º, nº 4 do Código do Registo Predial, com o consequente levantamento da penhora, fê-lo com base em pressupostos errados, pelo que a decisão terá que ser revogada e substituída por outra que mantenha o registo da penhora efetuada em 20-01-2023, e determine o prosseguimento da execução.

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DISPOSITIVO:

Face ao exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação procedente, revogando a decisão recorrida que substituem por outra que determina a manutenção da penhora, efetuada em 20-01-2023, e o prosseguimento da execução.

Custas pela recorrente.







Porto, 2025-02-06

Manuela Machado
Isabel Rebelo Ferreira
António Carneiro da Silva