I – O incumprimento do devedor originário funciona como pressuposto justificativo da intervenção subsidiária do Estado, só nascendo a obrigação do FGADM após decisão judicial proferida naquele incidente que o vincule ao pagamento da prestação.
A intervenção estadual em matéria de alimentos a menores tem, assim, como pressuposto legitimador a não realização coactiva da prestação alimentícia a cargo do progenitor obrigado, pelo que tendo-se alterado as condições sócio-económicas do obrigado, designadamente possuir salário para pagamento dos alimentos fixados, cessa o pagamento pelo FGADM.
II - O Tribunal a quo ao determinar o desconto adicional do montante de €125,00 mensais relativo a prestações de alimentos incumpridas e não pagas no valor de €3.375,00, quando apenas foi promovido pelo Ministério Público a cessação de pagamento de alimentos pelo Fundo de Garantia de Alimentos a Menor, bem como o valor mensal de alimentos fixado e que se encontrava a ser pago por este, não podia sem mais ter decidido esta questão, porquanto no fundo está a lançar mão de um instrumento coercivo sem a iniciativa do credor (que pode lançar mão da execução especial por alimentos ou do mecanismo do art. 48º do RGPTC, cabendo-lhe a escolha) e sem correr os trâmites processuais para fixar o montante do desconto, nomeadamente ouvir o devedor, que pode alegar factos para requerer a fixação de um montante inferior ao legalmente previsto.
Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro
Juízo de Família e Menores de ...
1º Adjunto: Juiz Desembargador António Carneiro da Silva
2º Adjunto: Juíza Desembargadora Isabel Rebelo Ferreira.
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No âmbito do processo de responsabilidades parentais do menor AA, por decisão de 08.05.2014, ficou o requerido BB (pai do menor) obrigado:
“a) O pai pagará, a título de alimentos devidos ao menor, a quantia mensal de 75,00 € (setenta e cinco euros), que entregará à mãe, até ao dia 10 (dez) de cada mês, em numerário e contra recibo.
b) A quantia indicada em a), será atualizada anualmente, a partir de Maio de 2015, no valor de €2,00 (dois euros).”
O mesmo voltou a suceder em 22.04.2021 pela seguinte decisão:
“dou por verificado o incumprimento, fixando-se o montante em débito a título de alimentos devidos ao menor AA em 3.375,00 Euros (montante pedido, reportado até Dezembro de 2020), condenando-se o requerido BB no respetivo pagamento.”
Em 6.07.2021 prolatou-se o seguinte despacho:
“Assim, ao abrigo das disposições legais supra-citadas, e ainda do art. 4º, n.º 1, do Dec.-Lei n.º 164/99, de 13.05, determino que o Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores proceda à liquidação, em lugar do progenitor BB, a título de alimentos devidos ao menor AA, da quantia de 89,00 Euros (quantia acordada, acrescida das atualizações operadas em Maio dos anos de 2015 a 2021, à razão de 2,00 Euros por cada ano), a remeter mensalmente à progenitora CC.”.
“determina-se que a entidade patronal do progenitor, melhor identificada nos autos, proceda ao desconto no salário do devedor DD, dos seguintes:
- Montante mensal de €93,00, a actualizar anualmente em €2,00, no mês de maio, por conta da prestação de alimentos devido à criança AA;
- Montante mensal de €125,00 até perfazer a quantia de €3 375,00, a título de prestação de alimentos já vencidas.”
Mais foi determinado a cessação da intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos, artº 3º, nº 1 e 9º do D. L. 164/99, de 13/05.
CONCLUSÕES:
1. A douta decisão proferida ordenou a cessação da intervenção do FGADM e a cobrança coerciva por via de desconto no salário, no montante mensal de 93,00€, a atualizar anualmente em 2,00€, no mês de maio, por conta da prestação de alimentos devido à criança AA, e ainda, ao montante mensal de 125,00€, até perfazer a quantia de 3.375,00€ a título de prestação de alimentos já vencidas.
2. Para isso considerou apenas que o requerido trabalha para uma empresa A..., Lda, com a remuneração líquida de 855,80€.
3. Factualidade que resultou da pesquisa à base de dados da Segurança Social e foi confirmada pela entidade patronal do requerido, que juntou aos autos recibos de vencimentos.
4. Ora, não obstante, corresponder à verdade aquela factualidade, a verdade é que o requerido esteve desempregado desde 2019 até janeiro de 2024, e a sua realidade sócio económica e familiar atual não lhe permite suportar o desconto mensal da quantia de e218,00 no seu salário mensal.
5. Descontado o valor de 218,00€, o requerido apenas receberá cerca de 600,00€ de salário líquido, conforme documento 1 que se anexa e corresponde ao seu recibo de salário de outubro já com o desconto realizado.
6. 0 requerido não tem outra fonte de rendimento que não seja o deste trabalho.
7. O requerido é casado e para além do filho menor de doze anos AA, tem mais duas filhas menores, uma com cinco anos e outra com um ano, conforme documento 2 que se junta e que corresponde à identificação das menores.
8. A sua esposa está desempregada e o único rendimento do agregado familiar composto pelo requerido, pela sua esposa, pelas duas filhas menores e pela sua mãe de 75 anos de idade, é o salário do requerido e a pequena reforma, de cerca de 200,00€ que a sua mãe recebe.
9. 0 requerido tem como despesas fixas mensais a renda da casa no valor de 375,00€, a luz no valor de 30,00€, a água no valor de 50,00€, o gás no valor de 70€, o transporte das suas filhas menores para a escola e infantário 125,00€, as despesas médicas com consultas e medicamentos para as crianças e para a mãe nunca inferiores a 50,00€ e a alimentação e higiene num valor nunca inferior a 500,00€.
10. Ou seja, o requerido tem despesas mensais regulares com o seu agregado familiar de cerca de 1.200,00€.
11. Não tem carro, nem qualquer outro veículo, não tem quaisquer bens que pudesse vender para saldar a sua dívida para com o seu filho AA.
12. 0 requerido vive do seu baixo salário e da ajuda da mãe já idosa e doente.
13. A esposa, desempregada, e sem receber subsídio desemprego, apesar de inscrita no Centro de Emprego, não consegue trabalho porque não possui a escolaridade mínima obrigatória, e que tenta agora concluir para resolver o problema do trabalho.
14. Numa casa onde entram apenas 1.000,00€ por mês e são precisos pelo menos 1.200,00€, como será possível retirar 218,00€?!
15. Como sobreviverá esta família com menos de 800,00€ por mês?!
16. Salvo melhor opinião, a factualidade apurada não é suficiente para concluir que o requerido está em condições de pagar de imediato 218,00€ por mês.
17. É preciso verificar se o requerido pode pagar sem colocar outras crianças em risco, e para tanto apure-se através da realização de um relatório social pela Segurança Social.
18. Por ora, o requerido não tem condições de poder pagar através do desconto no seu salário a quantia de 218,00€, pelo que deve o FGADIVI continuar a substituir-se ao requerido.
19. Ora, como todo o respeito, assim não considerou o Meritíssimo Julgador.
20. Impõe-se, assim, revogar a douta decisão proferida nestes autos.
21. O Meritíssimo Julgador não interpretou correctamente os artigos 41º e 48. Nº 1, b), da Lei 141/2015 de 08 de Setembro.
22. O aqui recorrente/requerido tem legitimidade para intentar o presente recurso
Conclui, assim, pela revogação da decisão.
Conclusões:
2. A decisão sobre qual incide o recurso apresentado data de 17/10/2024 e tem o seguinte teor:
Determina-se que a entidade patronal do progenitor, melhor identificada nos autos, proceda ao desconto no salário do devedor DD, dos seguintes:
-Montante mensal de €93,00, a actualizar anualmente em €2.00. no mês de maio, por conta da prestação de alimentos devido à criança AA:
- Montante mensal de €125,00 até perfazer a quantia de €3 375,00, a título de prestação de alimentos iá vencidas. (...)
Da cessação da intervenção do FGADM
Face ao exposto, mormente a possibilidade de cobrança coerciva falha um dos pressupostos para a intervenção do FGADM () que determina a cessação da intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos referente (artigos 3.º, n.º1 e 9.º do Decreto-Lei 164/99 de 13/5).
Porém, e com vista à proteção da criança e para que a mesma não fique sem receber pensão de alimentos, a efetivação da cessação da intervenção do FGADM só deverá ocorrer após a comunicação aos presentes autos do início dos descontos por via da cobrança coerciva (...)”
3. O recorrente e requerido no vertente processo de incumprimento instaurado em 5/1/2021, em que é requerente a progenitora do menor AA, CC, foi condenado ao pagamento por sentença proferida em 22/4/2021 nos seguintes termos: “fixando-se o montante em débito a título de alimentos devidos ao menor AA em 3.375,00 Euros (montante pedido, reportado até Dezembro de 2020)” .
4. Mantendo—se a situação de incumprimento e obtidas as informações solicitadas pelo Tribunal, por despacho de 6/7/2021, foi determinada a intervenção do Fundo de Garantia Alimentos Devidos ao menor AA, em substituição do progenitor devedor nos seguintes termos: determino que o Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores proceda à liquidação, em lugar do progenitor BB, a título de alimentos devidos ao menor AA, da quantia de 89,00 Euros (quantia acordada, acrescida das atualizações operadas em Maio dos anos de 2015 a 2021, à razão de 2,00 Euros por cada ano), a remeter mensalmente à progenitora CC.”
5. O FGADM foi renovado anualmente até 17/10/2024 com manutenção do pressuposto da persistência da situação de incumprimento da obrigação da prestação alimentícia pelo requerido progenitor BB.
6. Nas duas renovações anuais subsequentes à decisão que determinou o início da intervenção — em 24/9/2022 e 1/11/2023 — efetuou-se averiguação de situação económica do requerido através da segurança social e entidade policial (PSP ... ) com o exclusivo propósito de avaliar da possibilidade de recurso a meio de cobrança coerciva de alimentos devidos e, em ambos os anos, o requerido informou pessoalmente que não “possui bens em nome próprio que possam ser penhorados e o meio de subsistência é a sua progenitora com quem reside em casa arrendada” — cfr ofício da PSP ... datados de 13/7/2022 e 6/9/2023 constantes do processo eletrônico.
7. Nos autos, o progenitor devedor não fez qualquer alegação, exposição ou requerimento, não obstante constar no registo de dados da Segurança Social que iniciou trabalho por conta de outrem desde Fevereiro de 2024 com vencimento declarado de 820€, bem sabendo que está obrigado a comunicar situação que possam influenciar a satisfação da obrigação de alimentos.
8. Assim, o tribunal manteve — apropriadamente- o montante fixado em 6/7/2021 em conformidade com o disposto no art. 3º, n.º 4 da Lei 75/98 de 19/11.
9. Como consta da fundamentação das decisões citadas, para que menor possa beneficiar do pagamento de prestação de alimentos através do F.G.A.D.M., é necessário uma verificação cumulativa dos seguintes pressupostos:
- existência de um incumprimento de uma obrigação de alimentos;
- impossibilidade de utilização do procedimento do artigo 48.º do R.G.P.T.C;
- necessidade de residência do menor em território nacional;
- inexistência de rendimento ilíquido do menor superior ao I.A.S. e que este não beneficie de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre (artigo 1.º da L.-F.G.A.D.M. e artigos 2.º, n.º 2 e 3.º, nº 1 do D.L.-F.G.A.D.M.).
10. O FGADM tem a função de providenciar pelos alimentos devidos”.
Este é o grande papel social do Fundo, isto é, na falta de cumprimento daquela obrigação pelo progenitor obrigado e na impossibilidade de utilização do procedimento do artigo 48º do R.G.P.T.C., o Estado criou mecanismos que visam assegurar a satisfação do direito a alimentos ao menor.(. . .)
Trata-se de uma nova prestação social, de natureza subsidiária, a cargo do Estado, destinada a suprir o incumprimento por parte do devedor da obrigação de alimentos.
11. Perante o incumprimento da obrigação alimentar a crianças e jovens, o credor tem ao seu dispor três meios através dos quais obtém o cumprimento coercivo do seu crédito alimentar: o incidente de incumprimento das responsabilidades parentais, previsto no artigo 41.º do RGPTC; o mecanismo dos descontos, do artigo 48.º do RGPTC; e o processo executivo especial por alimentos, regulado nos artigos 933.º e seguintes do CPC.(..)
De qualquer modo, entendemos que o credor deverá socorrer-se do artigo 48.º do RGPTC quando estiverem verificados os pressupostos para a sua aplicação, uma vez que este demonstra mais celeridade e simplicidade(. . .)
Quando os obrigados a prestar alimentos não cumprem com a sua obrigação, a criança ou jovem vê o seu direito a alimentos Violado e a sua subsistência em risco. De modo a cumprir o previsto na CRP (artigos 24.º, 25.º, 26º, 66.º, 69.º e 70.º), o Estado criou o FGADM, tendo por vista a garantia dos alimentos necessários para o desenvolvimento integral da criança ou jovem.
Para que seja possível a intervenção do Fundo, é necessário que estejam verificados certos pressupostos: incumprimento da prestação a cargo do devedor originário; impossibilidade de cumprimento da obrigação pelo mecanismo previsto no artigo 48.º do RGPTC; o rendimento da criança ou jovem, ou outros, que a/o mesma/o beneficie, não tenha valor superior ao montante do IAS; a criança ou jovem seja residente em território nacional; tenha idade inferior a 18 anos.
0 FGADM vem substituir-se ao devedor originário de alimentos, fica sub-rogado em todos os direitos do credor de alimentos, com Vista à garantia do respetivo reembolso.
12. A decisão recorrida, verificou, pois, da insubsistência de um dos pressupostos da atribuição daquela que é uma prestação social de natureza subsidiária atentas as finalidades sociais que lhe assistem e que se reconduzem à proteção das situações de maior carência económica dos menores a quem os alimentos são devidos, por situação manifesta carência económica dos agregados em que estão integrados.
13. A intervenção do FGADM não Visa a proteção social do devedor de alimentos e seu agregado, sendo que o FGADM está sub-rogado nos direitos do credor de alimentos— Art. 5º do DL 164/99, de 13/5.
14. 0 surgimento da possibilidade de cobrança coerciva foi, pois, implementado pelo tribunal sem qualquer Violação de qualquer norma legal e em conformidade com os elementos de prova existentes.
15. Não se verifica qualquer fundamento legal para a manutenção do FGADMZO.
16. A decisão recorrida de 17/10/2024 salvaguarda o disposto nos artigos 738º, n.º 4 Código Processo Civil, e 18º da Portaria n.º 424/2023 de 11/12/2023 do Ministério das Finanças e Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, que determina que quando o crédito exequendo for de alimentos são penhoráveis os rendimentos superiores à pensão social do regime não contributivo que corresponde à quantia atual de 245,79€.
17- O recorrente alega no art. 7º e 8º da motivação de recurso a composição do seu agregado familiar e rendimentos de que dispõe atualmente e no art 9º invoca o montante global das despesas para fundamentar a impossibilidade de suportar os montantes que estão ser descontados na sua remuneração por trabalho dependente.
Tais fatos novos poderiam fundamentar um pedido para um menor montante a descontar no seu vencimento por conta dos alimentos vencidos em que foi condenado por sentença de 22/4/2021, mas não juntou meios de prova para fundamentar tal despacho.
18. Não existe fundamento legal para qualquer reparo à decisão judicial que deve ser mantida.
19. Não foram violadas normas legais, apesar de não concretamente invocadas.
Por tudo, reitera-se, () recurso deve ser julgado integralmente improcedente.
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de questões nelas não incluídas, salvo se forem de conhecimento oficioso (cf. artigos 635.º, n.º 4, 637.º, n.º 2, 1.ª parte, e 639.º, nºs 1 e 2, todos do C. P. Civil).
Assim, partindo das conclusões das alegações apresentadas pelo Apelante, importa apreciar e decidir:
- Saber se é de alterar a decisão do Tribunal recorrido que decidiu cessar o pagamento de alimentos pelo Fundo de Garantia de Alimentos e determinou que a entidade patronal do progenitor, melhor identificada nos autos, proceda ao desconto no salário do devedor DD, dos seguintes:
- Montante mensal de €93,00, a actualizar anualmente em €2,00, no mês de maio, por conta da prestação de alimentos devido à criança AA;
- Montante mensal de €125,00 até perfazer a quantia de €3 375,00, a título de prestação de alimentos já vencidas.”
1. Os factos são os descritos no relatório.
2.1. Saber se é de alterar a decisão do Tribunal recorrido que decidiu cessar o pagamento de alimentos pelo Fundo de Garantia de Alimentos e determinou que a entidade patronal do progenitor, melhor identificada nos autos, proceda ao desconto no salário do devedor DD, dos seguintes:
- Montante mensal de €93,00, a actualizar anualmente em €2,00, no mês de maio, por conta da prestação de alimentos devido à criança AA;
- Montante mensal de €125,00 até perfazer a quantia de €3 375,00, a título de prestação de alimentos já vencidas.
Conhecendo:
O Apelante alega que face aos rendimentos que usufrui não lhe é possível prestar alimentos, devendo o Fundo de Garantia de Alimentos continuar a prestar os mesmos.
A decisão objecto de recurso sustentou-se no seguinte:
“Por decisão proferida em 3 de novembro de 2023 foi renovada intervenção do FGADM em substituição do progenitor faltoso da criança AA.
No âmbito das diligências para decisão anual de manutenção dos pressupostos da intervenção do FGADM apurou-se que o progenitor faltoso trabalha para a empresa A..., Lda., com remuneração líquida de €855,80.
Tal factualidade resultou da pesquisa à base de dados da Segurança Social e foi confirmada pela entidade patronal do requerido, que juntou aos autos recebidos de vencimentos.”
Cumpre apreciar.
Nos termos dos artigos 1º, e 2º da Lei n.º 75/98, de 19.11 e artº 3º, nº 1, DL n.º 164/99, de 13 de Maio que regulamentou a aludida Lei 75/98, quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor residente em território nacional não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no art. 48º, do RGPTC, e o alimentado não tenha rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS) – em 2024 era de €509,26, Portaria n.º 421/2023 de 11 de dezembro - nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, o Estado assegura as prestações previstas na presente Lei até ao início do efetivo cumprimento da obrigação, sendo as prestações fixadas pelo tribunal em montante não superior, por cada devedor, a 1 IAS, independentemente do número de filhos menores.
O pagamento de tais prestações cessa no dia em que o menor atinja a idade de 18 anos, excepto nos casos e nas circunstâncias previstas no n.º 2, do art. 1905º, do CC, ou seja mantém-se o direito ao recebimento do FGADM se o jovem entre os 18 e os 25 anos de idade não tiver findado o seu processo de educação ou de formação profissional, e enquanto tal processo educativo prosseguir e não for interrompido, sem prejuízo de o devedor de alimentos fazer prova da irrazoabilidade da manutenção do dever de prestar alimentos.
Nos termos do Artigo 6.º, nº 3, Lei, n.º 75/98, de de 19 de Novembro, o Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores fica sub-rogado em todos os direitos dos menores a quem sejam atribuídas prestações, com vista à garantia do respectivo reembolso.
Por sua vez o artº 5.º nº 1, do DL n.º 164/99, de 13 de Maio que regulamentou a aludida Lei 75/98, tendo por epígrafe (garantias de reembolso) estatui que o Fundo fica sub-rogado em todos os direitos do menor a quem sejam atribuídas prestações, com vista à garantia do respectivo reembolso.
“É no quadro processual de uma pretensão de cumprimento coercivo da prestação de alimentos em dívida, previamente fixada e a pagar pelo progenitor faltoso, que o FGADM é chamado a assegurar, a «garantir» como a própria designação do Fundo inculca, ao menor credor de alimentos uma prestação que substituirá a do progenitor faltoso, assegurando o Estado, dessa forma, que nenhuma criança fique privada da prestação de alimentos a que tem direito.
O incumprimento do devedor originário funciona, pois, como pressuposto justificativo da intervenção subsidiária do Estado, só nascendo a obrigação do FGADM após decisão judicial proferida naquele incidente que o vincule ao pagamento da prestação. A intervenção estadual em matéria de alimentos a menores tem, assim, como pressuposto legitimador a não realização coactiva da prestação alimentícia a cargo do progenitor obrigado.”, vide AUJ, n.º 5/2015, in DR de 4 de Maio de 2015.
A sub-rogação constitui uma forma de transmissão de créditos, a qual consiste na substituição do credor na titularidade do direito a uma prestação fungível, pelo terceiro que cumpre em lugar do devedor ou que faculta a este os meios necessários ao cumprimento, vide Antunes Varela (Das Obrigações Em Geral, vol. II, reimpressão da 7ª ed., Almedina, p.335).
Das aludidas normas resulta, assim, a subsidiariedade da prestação social e a sub-rogação legal do FGADM (como forma de garantir o referido reembolso) em todos os direitos dos menores a quem sejam atribuídas prestações
Da decisão objecto de recurso decorre que no âmbito das diligências para decisão anual de manutenção dos pressupostos da intervenção do FGADM apurou-se que o progenitor faltoso trabalha para a empresa A..., Lda., com remuneração líquida de €855,80.
Tal factualidade resultou da pesquisa à base de dados da Segurança Social e foi confirmada pela entidade patronal do requerido, que juntou aos autos recebidos de vencimentos.
Estando o progenitor/Apelante obrigado a título principal ao pagamento de alimentos, sendo a obrigação do FGADM subsidiária, auferindo neste momento aquele o valor de €855,80 tem de se concluir que andou bem o Tribunal recorrido em cessar o pagamento de alimentos pelo Fundo de Garantia de Alimentos e nesta parte é de manter a decisão recorrida.
A prestação de alimentos constitui um dever jurídico e natural, de todos os progenitores, alimentar os seus filhos, devendo sempre a medida dessa prestação ser fixada, tendo em atenção o disposto no artº 2004, do C.C., ou seja, os alimentos são proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los, em suma, são fixados de forma equitativa, atentas as circunstâncias concretas do caso.
Do aludido preceito resulta que na fixação dos alimentos há que aferir as possibilidades do progenitor/obrigado, tendo em conta os rendimentos que aufere, bem como a situação económica do mesmo de forma a que lhe seja salvaguardado um mínimo de existência.
A medida da prestação alimentar determina-se pelo binómio: possibilidades do devedor e necessidade do credor, devendo aquelas possibilidades e outras necessidades serem actuais.
Relativamente ao valor dos alimentos fixados na decisão, o mesmo mais não é que uma decorrência do valor anteriormente fixado e como tal devidos pelo Recorrente, limitando-se a decisão recorrida a expressar e determinar a obrigação já anteriormente fixada e devida pelo progenitor, aqui Apelante, tal como previsto 41.º e 48.º, n.º1 b) do RGPTC..
O que serve para dizer que não tendo havido alteração do valor de alimentos oportunamente fixados ao progenitor/Apelante, está este obrigado ao pagamento dos mesmos enquanto perdurar e não for alterada a obrigação do quantum fixado, ou seja, o montante mensal de €93,00, a actualizar anualmente em €2,00, no mês de maio, por conta da prestação de alimentos devido à criança AA.
Assim sendo, tem de se concluir ser de manter a decisão recorrida nesta parte.
Nesta parte considera-se que a decisão em causa extravasou o objecto do pedido pelo Ministério Público, o qual promoveu a cessação da intervenção do FGADM e cobrança coerciva da prestação de alimentos por via de desconto no salário do progenitor devedor.
Nos termos do artº 615º, nº 1, d), do CPC, é nula a sentença quando o juiz conheça de questões de que não podia conhecer.
Por sua vez o artº 609º, nº 1, estatui que a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir.
E o artº 3.º (Necessidade do pedido e da contradição) estatui.
1 - O tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição.
2 - Só nos casos excecionais previstos na lei se podem tomar providências contra deter-minada pessoa sem que esta seja previamente ouvida.
3 - O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do con-traditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a pos-sibilidade de sobre elas se pronunciarem.
4 - Às exceções deduzidas no último articulado admissível pode a parte contrária respon-der na audiência prévia ou, não havendo lugar a ela, no início da audiência final.
Deste artº 3º, nº 1, resulta que “as partes, através do pedido, circunscrevem o thema decidendum, isto é, indicam, a providência requerida, não tendo o juiz que cuidar de saber se à situação real conviria ou não providência diversa. Trata-se de uma esfera em que domina o prin-cípio do dispositivo, o qual, em termos paralelos, também vigora em sede da sustentação fáctica da pretensão. Em ambos os casos prevalece a estratégia assumida pelo autor, sem que nela se deva imiscuir o juiz.
Consequentemente, a sentença deve inserir-se no âmbito do pedido (e da causa de pe-dir), não podendo o juiz condenar (ou fazer a apreciação que corresponder ao tipo de acção em causa) em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir.”, vide anotação ao artº 609º, do Código Processo Civil Anotado, António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa.
“Suprimir o princípio do dispositivo equivaleria a reformar, mais do que o processo, o próprio direito privado; dar ao juiz o poder de iniciar ex officio um pleito que os interessados querem evitar, ou de conhecer de factos que as partes não alegaram, significaria cercear, no campo do direito processual, aquela autonomia individual que, no campo do direito substancial, a lei vigente reconhece e garante.”, vide Alberto dos Reis, Código Processo Civil Anotado, Vol V, pág. 51.
No presente caso constata-se que o Tribunal a quo ao determinar o desconto também do montante de €125,00 mensais não podia sem mais ter decidido esta questão, porquanto no fundo está a lançar mão de um instrumento coercivo sem a iniciativa do credor (que pode lançar mão da execução especial por alimentos ou do mecanismo do art. 48º do RGPTC, cabendo-lhe a escolha) e sem correr os trâmites processuais para fixar o montante do desconto, nomeadamente ouvir o devedor, que pode alegar factos para requerer a fixação de um montante inferior ao legalmente previsto.
A propósito, atente-se que no despacho de 22/04/2021, que fixou o montante em dívida, refere-se expressamente que a requerente se manterá credora de tal quantia "que executará quando lhe aprouver".
Como se diz no artº 608º, nº 2, do CPC o juiz deve resolver todas as questões que as par-tes tenham submetido à sua apreciação e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
O Tribunal a quo ao fazer a apreciação da questão do pagamento da quantia de €3.3375,00, nos termos em que o fez, ou seja, oficiosamente, sem que tal lhe fosse pedido, pecou por excesso, exercendo actividade exorbitante ou excessiva, pelo que o despacho é nulo, nesta parte, nos termos do artº 615º, nº 1, d), do CPC..
DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, os Juízes desta 3ª Secção, acordam em:
a) Dar parcial provimento ao Recurso de Apelação, ainda que por razões diversas do recurso, revogando-se a decisão recorrida, na parte em que fixou o valor de €125,00 mensais a pagar pelo progenitor/Apelante, mantendo-se a decisão no restante.
Custas pelo Apelante de acordo com o decaimento, artº 527º do CPC.
Notifique.
Porto, 6 de Fevereiro de 2025.
Álvaro Monteiro
António Carneiro da Silva
Isabel Rebelo Ferreira.