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CONCESSIONÁRIA DE EXPLORAÇÃO
ESTACIONAMENTO AUTOMÓVEL
COBRANÇA
TRIBUNAL COMPETENTE
TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL
Sumário
(elaborado ao abrigo do disposto no art.º 663º, nº 7 do CPC) A acção proposta por entidade concessionária da exploração particular de zonas de estacionamento automóvel em espaços públicos pedindo a condenação no pagamento de quantias devidas pela utilização desses estacionamentos é da competência dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
Texto Integral
Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I. RELATÓRIO
1. Data Rede, SA intentou a presente acção contra B alegando que se dedica à exploração e prestação de serviços na área do parqueamento automóvel, tendo, no âmbito da referida exploração, adquirido e colocado, em vários locais máquinas para pagamento de estacionamento automóvel, com a indicação dos preços e condições de utilização dos mesmos; que a R. estacionou um veículo nos vários parques de estacionamento que a A. explora sem efectuar o pagamento do tempo de utilização.
Termina pedindo a condenação da R. no pagamento de € 1.770,50, acrescidos de juros vencidos no montante de € 117,14 e de € 76,50 a título de taxa de justiça paga.
2. Contestando, a R. deduziu as excepções de incompetência material, de prescrição do Procedimento Contraordenacional, de ilegitimidade activa e de prescrição de créditos, tendo ainda impugnado a factualidade alegada na petição inicial
3. Notificada para se pronunciar sobre as excepções deduzidas, defendeu a A. a sua improcedência.
4. Foi proferida decisão julgando procedente a excepção de incompetência absoluta, declarando o tribunal incompetente em razão da matéria para conhecer do pedido, absolvendo a R. da instância.
5. A A. recorre desta decisão terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões:
“a) Vem o presente recurso apresentado contra o Douto Despacho A Quo, que decidiu julgar a incompetência material do Juízo Local Cível de Ponta Delgada, para cobrança dos créditos da Autora Data Rede SA.
b) No âmbito da sua atividade, a A. celebrou contratos de concessão com as Câmaras Municipais de Ponta Delgada e Ribeira Grande, através dos quais lhe foi cedida a exploração particular de zonas de estacionamento automóvel nas cidades sem cedência de quaisquer poderes de autoridade, ou de disciplina.
c) No seguimento deste contrato de concessão, a Data Rede adquiriu e instalou em vários locais de ambas as cidades, dispendiosas máquinas para pagamento dos tempos de estacionamento automóvel, para as quais desenvolveu o necessário software informático.
d) Enquanto utilizadora do veículo automóvel 38-##-57, a Ré estacionou-o em diversos Parques de Estacionamento que a A. explora comercialmente nas referidas cidades, sem, contudo, proceder ao pagamento dos tempos de utilização, num total em dívida de € 1.770,50 que a Ré recusa pagar.
e) A natureza jurídica da quantia paga pelos utentes em contrapartida da prestação do serviço de parqueamento é a de um preço e não de um encargo ou contrapartida com natureza fiscal ou tributária.
f) As ações intentadas pela A. contra os proprietários de veículos automóveis inadimplentes, que não tenham procedido ao pagamento dos montantes devidos, não se inserem em prorrogativas de autoridade pública munida de ius imperii, mas sim no âmbito da gestão enquanto entidade privada.
g) A recorrente ao atuar perante terceiros, não se encontra munida de poderes de entidade pública, e sim com poderes de entidade privada, pelo que, e contrariamente ao entendimento do Tribunal “a quo”, o contrato estabelecido entre si e os automobilistas, relativo à utilização dos parqueamentos explorados, é de direito privado, cuja violação é suscetível de fazer o utilizador incorrer em responsabilidade contratual por incumprimento do contrato.
h) A doutrina qualifica este tipo de contrato como uma relação contratual de facto - em virtude de não nascer de negócio jurídico - assente em puras atuações de facto, em que se verifica uma subordinação da situação criada pelo comportamento do utente ao regime jurídico das relações contratuais, com a eventual necessidade de algumas adaptações.
i) O estacionamento remunerado, apresenta-se como uma afloração clara da relevância das relações contratuais de facto e a relação entre o concessionário e o utente resulta de um comportamento típico de confiança.
j) Comportamento de confiança, que não envolve nenhuma declaração de vontade expressa, e sim uma proposta tácita temporária de um espaço de estacionamento, mediante retribuição.
k) Proposta tácita temporária da A., que se transforma num verdadeiro contrato obrigacional, mediante aceitação pura e simples do automobilista, o qual, ao estacionar o seu automóvel nos parques explorados pela A., concorda com os termos de utilização propostos pela A., amplamente publicitados no local.
l) Essencial para se determinar a competência dos tribunais administrativos é, a existência de uma relação jurídica administrativa.
m) O conceito de relação jurídica administrativa pode ser tomado em diversos sentidos, seja numa aceção subjetiva, objetiva, ou funcional, sendo certo que nenhuma das acessões permite englobar a presente situação.
n) Caso contrário, teríamos de entender como públicas quaisquer relações jurídicas, já que todo o interesse de regulação, é em si mesmo um interesse público e nessa medida, tudo seria público, até à mais ténue e simples regulamentação de relações entre particulares, desde que geradoras de direitos e obrigações suscetíveis de ser impostos coativamente.
o) A DATA REDE SA., não efetua atos de fiscalização, não tendo poderes para autuar coimas ou multas por incumprimento das regras estradais, tarefa que está exclusivamente atribuída às autoridades públicas de fiscalização do espaço rodoviário da cidade.
p) Nos termos do disposto no artigo 2º do DL 146/2014 de 09 de outubro, a atividade de fiscalização incide exclusivamente na aplicação das contraordenações previstas no artigo 71º do Código da Estrada, o qual estabelece as coimas aplicáveis às infrações rodoviárias ali identificadas.
q) Os montantes cobrados pela DATA REDE SA., não consubstanciam a aplicação de quaisquer coimas, nem a empresa processa quaisquer infracções praticadas pelos utentes dos parqueamentos.
r) Verificada a violação da obrigação contratual de pagamento do tempo de imobilização dos seus veículos, nos parqueamentos explorados pela DATA REDE SA., são os automobilistas posteriormente notificados para procederem ao pagamento omitido, sendo então cobrado o tempo máximo de utilização, por falta de referência concreta ao tempo efetivo de utilização.
s) Quaisquer infrações ou coimas que devam ser aplicadas aos automobilistas prevaricadores de regras estradais, ficam a cargo da Autarquia, sem qualquer intervenção ou conexão com a atividade da empresa concessionária.
t) A Data Rede, ao contrário o que vem referido na douta sentença, nunca atuou em substituição da autarquia, munida de poderes concessionados.
u) Fundamental é que a Recorrente carece, em absoluto, de poderes de autoridade, fiscalização ou ordenação efetiva, apenas podendo registar os incumprimentos de pagamento e tentar recuperar judicialmente, sem acesso direto a um título executivo, os valores que tiverem sido sonegados, em violação da relação contratual de confiança, pelos utentes.
v) Por tudo o que se alegou, mal andou o Tribunal “a quo” ao declarar-se incompetente em razão da matéria, pois, o Tribunal recorrido é o competente, motivo pelo qual foram violados, entre outros, os artigos 96º, al. a), 278º, Nr.1 al. a), 577º al. a) e 578º do CPC, quer o artigo 4º nr.1, al. e) do ETAF, quer ainda o artigo 40º da Lei 62/2013 de 26 de agosto.”.
6. Não foram apresentadas contra-alegações.
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II. QUESTÕES A DECIDIR
Considerando o disposto nos arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do CPC, nos termos dos quais as questões submetidas a recurso são delimitadas pelas conclusões de recurso, impõe-se concluir que a única questão submetida a recurso é aferir da competência do tribunal judicial para a apreciação dos presentes autos.
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III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Os factos a atender são os que constam do relatório que antecede.
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IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Prende-se a questão em apreço com a sujeição do litígio entre as partes aos tribunais administrativos ou aos tribunais judiciais.
A decisão recorrida julgou o tribunal incompetente, por entender que o litígio que opõe as partes nesta acção e a competente execução se insere no âmbito das matérias reservadas aos tribunais administrativos.
Insurge-se a apelante com esta decisão, defendendo que a presente acção, tal como as demais que sejam intentadas pela A. contra os proprietários de veículos automóveis que não tenham procedido ao pagamento dos montantes devidos em estacionamentos por si explorados, “não se inserem em prorrogativas de autoridade pública munida de ius imperii, mas sim no âmbito da gestão enquanto entidade privada”, sendo, por isso, da competência dos tribunais judiciais.
Mais alega que não tem poderes de autoridade, fiscalização ou ordenação efectiva, apenas podendo registar os incumprimentos de pagamento e tentar recuperar judicialmente os valores em falta.
Importa, pois, apreciar a validade da sua pretensão.
A competência assume-se como um “pressuposto processual, isto é, uma condição necessária para que o tribunal se possa pronunciar sobre o mérito da causa (…). Como qualquer outro pressuposto processual, a competência é aferida em relação ao objecto apresentado pelo autor” (Miguel Teixeira de Sousa, in A Competência e a Incompetência dos Tribunais Comuns, 2ª Edição, pág. 13).
A competência, enquanto medida de jurisdição de cada tribunal que o legitima a conhecer de determinado litígio, como pressuposto processual, afere-se nos termos em que a acção é proposta (pedido e causa de pedir), ou seja pela relação jurídica tal como o autor a configura.
Por outro lado, a competência fixa-se no momento da propositura da acção, sendo irrelevante as modificações de facto (art. 38 nº1 da Lei nº 62/2013 de 26 de Agosto).
Importa ainda referir que o art. 209º da Constituição da República Portuguesa (CRP) prevê a existência de várias categorias de tribunais, em particular os tribunais judiciais e os tribunais administrativos e fiscais.
Nos termos do art. 211º, nº 1 da CRP, “Os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais”.
Por seu turno, “Compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das ações e recursos contenciosos que tenham por objeto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais” (art.º 212º, nº 3 da CRP).
Esta repartição de competências em razão da matéria é decorrência do princípio da especialização, nos termos do qual, atendendo à especificidade de determinadas matérias, é o respectivo conhecimento atribuído a certas categorias de tribunais, nos termos definidos pelas leis de organização judiciária e de acordo com a CRP.
De salientar ainda o disposto no art.º 64º do CPC, nos termos do qual “São da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional”.
Deste quadro normativo resulta que a competência dos tribunais judiciais é aferida por critérios de atribuição positiva e de competência residual.
Quer isto dizer que, no que se refere ao caso vertente, o tribunal recorrido será competente para apreciar a questão trazida a juízo unicamente se a mesma não recair no âmbito das competências de outro tribunal, nomeadamente dos tribunais administrativos e fiscais.
Nos termos do art.º 1º, nº 1 do ETAF, “Os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais, nos termos compreendidos pelo âmbito de jurisdição previsto no artigo 4.º deste Estatuto”.
Como se referiu, a aferição da competência, enquanto pressuposto processual, prende-se com a análise do pedido e da causa de pedir apresentadas, pelo que se impõe apurar qual é a relação jurídica subjacente aos presentes autos tal como a A. a configura.
Intentou a A. a presente acção pedindo a condenação da R. no pagamento de determinadas quantias devidas em virtude do parqueamento em estacionamentos explorados por si.
Mais veio a A. concretizar que o direito de exploração desses estacionamentos advém de contratos de concessão celebrados com as Câmaras Municipais de Ponta Delgada e Ribeira Grande, através dos quais lhe foi cedida a exploração particular de zonas de estacionamento automóvel nessas cidades.
Não se mostrando necessário analisar o conceito de concessão administrativa, sempre se dirá que a mesma é uma forma de gestão de um serviço público, ou seja, um “acto constitutivo de uma relação jurídica administrativa pelo qual a pessoa titular de um serviço público atribui a outra pessoa o direito de esta, no seu próprio nome, organizar, explorar e gerir um serviço público” (Pedro Gonçalves in A Concessão de Serviços Públicos, pág. 130 apud Ac. STA de 21-05-2008, proc. 0862/07, relatora Angelina Domingues).
Recorrendo às explicações de Joana Catarina Neto dos Anjos in Litígios entre as Concessionárias do Serviço Público de Abastecimento de Água e os Consumidores - Questão da Jurisdição Competente, Centro de Estudos de Direito Público e Regulação - Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Setembro 2014, pág. 15 acessível em https://www.fd.uc.pt/cedipre/wp-content/uploads/pdfs/co/public_24.pdf., quando existe uma concessão administrativa, “o serviço público é atribuído a uma entidade privada do sector privado (dominada por pessoas de direito privado), sendo estabelecida uma relação de colaboração entre a Administração Pública (titular do serviço) e o gestor do serviço.”.
No caso dos autos, importa ainda referir que a definição do estacionamento de veículos nas vias públicas e demais lugares públicos é da competência das autarquias locais, tal como resulta do artº 33º, nº 1, al. rr) da Lei 75/2013, de 12 de Setembro (Regime Jurídico das Autarquias Locais).
Donde, e tal como se extrai da alegação da apelante, através dos contratos de concessão celebrados com as Câmaras Municipais de Ponta Delgada e Ribeira Grande, estas entidades atribuíram à apelante a definição desse estacionamento.
Quer isto dizer que a apelante, enquanto empresa concessionária da exploração do estacionamento tarifado de superfície nos concelhos em apreço, actua em substituição das Autarquias Locais, pelo que se está perante uma entidade particular no exercício de um poder público e actuando com vista à realização de um interesse público.
Em abono desta conclusão, vejam-se Acs. TRL de 22-04-2010, proc. 1950/09.4TBPDL.L1-2, relator Ezagüy Martins, de 24-06-2010, proc. 466/09.3TBPDL-A.L1-6, relator José Eduardo Sapateiro, de 07-10-2010, proc. 1763/09.3TBPDL.L1-8, relator Carlos M. G. de Melo Marinho, de 20-01-2011, proc. 918/09.5TBPDL.L1-8, relator António Valente, Ac. STJ de 12-10-2010, proc. 1984/09.9TBPDL.L1.S1, relator Moreira Alves, Ac. STA de 25-10-2017, proc. 0167/17, relator Aragão Seia, e ainda o Ac. Tribunal dos Conflitos de 25-11-2010, proc. 021/10.
De salientar ainda o Ac. TRL de 16-12-2024, proc. 42536/24.7YIPRT.E1, relator Maria João Sousa e Faro, abordando situação idêntica à dos presentes autos e no qual se pode ler “enquanto concessionária da exploração do estacionamento tarifado de superfície a recorrente prossegue fins de interesse público, estando, para tanto, munida dos necessários poderes de autoridade, o que nos reconduz à conclusão de que estamos em presença de uma relação jurídica administrativa/tributária.
Aliás, o STA tem repetidamente afirmado (cfr. entre outros, Acórdão de 25-10-2017 (Aragão Seia) que “o requerimento de injunção para cobrança de taxas ou tarifas apresentado pelos concessionários municipais ao qual haja sido deduzida oposição, consubstancia-se, nos termos da lei, numa acção cujo conhecimento é da competência dos TAFs.”.”.
Consequentemente, serão os tribunais administrativos os competentes, em razão da matéria, para conhecer do litígio existente entre as partes, nos termos do disposto no art. 4º, n° 1, al. o) do ETAF, como decidido em primeira instância.
Donde, entende-se que a decisão recorrida fez um correcto enquadramento da questão trazida a juízo, o que redunda na improcedência das alegações de recurso, confirmando-se tal decisão.
As custas devidas pela presente apelação são da responsabilidade da apelante, cfr. art. 527º do CPC.
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V. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
Lisboa, 4 de Fevereiro de 2025
Ana Rodrigues da Silva
Edgar Taborda Lopes
Carlos Oliveira