I – A excepção da autoridade do caso julgado destina-se a assegurar a vinculação dos órgãos jurisdicionais, bem como dos particulares, aos efeitos de uma decisão judicial anterior, transitada em julgado, não permitindo a reapreciação de questão já anteriormente decidida de forma definitiva e que desse modo não deverá ser contrariada, sob a pena de colisão e incompatibilidade lógica entre julgados.
II – Não se verifica a excepção de autoridade de caso julgado entre uma acção em que se reconhece um direito de natureza real (o direito de propriedade) e outra em que se declara um direito de cariz obrigacional (o direito indemnizatório por lucros cessantes), reconhecido pelo tribunal em virtude da prática de actos ilícitos que ocorreram anteriormente, quando os seus titulares são sujeitos diversos e tais direitos emergem de relações jurídicas perfeitamente distintas e autónomas, que não se prejudicam nem condicionam.
III – A decisão judicial a ordenar a entrega à sua proprietária do imóvel onde estiveram instalados os viveiros não significa só por si o encerramento da actividade comercial da sociedade respectiva, pela razão óbvia de que a própria reivindicante não está sequer obrigada dar à execução a decisão que lhe é favorável (tratando-se de um direito privado, de natureza disponível, pode fazê-lo ou não), pelo que o decidido em tal aresto não constitui pressuposto lógico necessário do que foi julgado na acção em que teve lugar a condenação no pagamento da dita indemnização por lucros cessantes a quantificar em ulterior liquidação.
Revista nº 3771/22.0T8VFX-A.L1.S1
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção-Cível):
I - RELATÓRIO.
AA instaurou acção declarativa comum contra BB, CC, DD, EE.
Essencialmente alegou:
O A. é titular de 50% do capital social da sociedade Conchamar – representada em 37 títulos, acções ao portador -, da qual é administrador, bem como os réus, sendo os 3.º e 4.º réus, administradores de facto.
No Verão de 2014, a sociedade registava um lucro líquido de €358 674,00, emergente do trabalho desenvolvido pelo autor que, enquanto administrador, detinha um profundo papel activo na gestão da empresa, o que sucedia desde Dezembro de 1991, sendo o responsável pelas vendas, compras, pagamentos, recebimentos e reuniões com clientes e fornecedores.
Em Agosto de 2014, foi afastado dos assuntos e contas da empresa, quer por via da retirada de poderes no banco para movimentar as contas bancárias da empresa, quer por via da simulação da realização de assembleia geral, cujas deliberações vieram a ser anuladas por sentença transitada em julgado, quer por via da realização de assembleia geral irregularmente convocada, cujos pontos 3 e 4 se reportavam à supressão no texto dos Estatutos da obrigatoriedade da assinatura do autor para obrigar sempre a sociedade, o que veio a ser deliberado com o voto contra do autor.
O mesmo reagiu com a propositura de acção de anulação da deliberação, ainda pendente.
A partir de Agosto/Setembro de 2014, a sociedade passou a ser gerida exclusivamente pelos réus, que retiraram ao autor o computador que usava nas instalações da sociedade, alterada a “password” para entrar no sistema informático da empresa, o seu endereço de email e o acesso ao BesNet.
Em Outubro de 2014, os réus alteraram as fechaduras das portas dos escritórios da sociedade, impedindo o acesso por parte do autor.
Tendo-se mantido, porém, a exigência da sua assinatura para a movimentação das contas no Banco em virtude de o autor ter “bloqueado” o registo das deliberações inválidas, veio a ser aberta uma nova conta bancária, em nome do 4.º réu, para onde, a pedido dos réus, os clientes passaram a fazer os pagamentos.
Como forma de operar e continuar a trabalhar sem a assinatura do autor, os réus constituíram a sociedade Fa..., Lda., com objeto social igual ao da Conchamar, utilizando os meios desta, incluindo os seus veículos de transporte ou os pertencentes à Conchamar Transportes, S.A., na compra dos “stocks” de marisco pela Conchamar, na venda por esta dos referidos “stocks” à Fa..., Lda. (que, porém, nada pagara à Conchamar) e na venda por esta última aos clientes finais que antes adquiriam à Conchamar, passando a Fa..., Lda. a ser a fornecedora.
Mais utilizou o número de operador/recetor, número de controlo veterinário, PME Líder, HACCP e programa informático da Conchamar para viabilizar a actividade.
Acresce que os réus mudaram o contabilista da Conchamar sem a autorização do autor e enviaram autorizações SEPA para pagamento a fornecedores só com a assinatura do 1.º réu, o que não era controlado pelo Banco.
Pretenderam os réus, através da constituição da Fa..., Lda., esvaziar o património e a atividade da Conchamar, desenvolvendo a actividade desta através daquela e afastando o autor da mesma, razões que levaram o Autor a recusar assinar documentos que autorizassem pagamentos a efectuar pela Conchamar, desconhecendo a que título deviam os mesmos ser realizados.
A Fa..., Lda. utiliza o viveiro de marisco sito em ..., onde a Conchamar Exportações e a Conchamar Transportes centravam a sua actividade.
Iniciaram negociações e sem uma solução alcançada, o autor constituiu a sociedade M..., Lda. (na linha da negociação das partes), com o mesmo objeto da Conchamar, a qual passou a operar junto do viveiro da ..., vindo os réus a cessar as negociações, mantendo a actividade na Fa..., Lda. e ainda instauraram contra o autor um processo de destituição de administrador, que correu termos sob o processo 1733/15.2..., no Juiz ...do Juízo de Comércio de ..., julgado improcedente, vindo a ser investido nas funções de administrador, após revogação de decisão cautelar de suspensão, em 11 de Julho de 2019.
Nessa data, conforme do respetivo auto consta, a sociedade não tinha sistema informático, veículos, actividade.
Alguns veículos foram vendidos pelos réus, na Holanda, sem intervenção do autor, e com o valor obtido foram adquiridas pela Fa..., Lda. viaturas idênticas para o transporte de mariscos.
Desde, pelo menos, 11 de Julho de 2019, a Conchamar está sem actividade e sem receitas.
O edifício onde a Conchamar desenvolvia a sua actividade, que incluía dois viveiros e uma loja, foi avaliado em € 457.480,31, no âmbito do processo 1446/18.3..., que correu termos no Juiz ... do Juízo Central Cível de ..., e após essa avaliação, os réus retiraram todos os equipamentos e canalizações que se encontravam nos viveiros e na loja, conforme melhor descrito no art. 110.º da petição inicial, restando, apenas, nos viveiros, os tanques de betão, sendo que, no viveiro mais pequeno foi retirado igualmente o telhado, sem valor de mercado.
A par da destruição dos viveiros, donde resultou um prejuízo de € 457.480,31, por força da actuação dos réus, a Conchamar deixou de gerar receitas e lucros, pelo menos, a partir do ano de 2019, resultando num prejuízo a liquidar posteriormente, mas nunca inferior ao lucro bruto que geraria ainda, em, pelo menos, vinte anos de atividade, tudo da responsabilidade dos réus que violaram os deveres de não concorrência (artigo 398.º do Código das Sociedades Comerciais), de cuidado e de lealdade (art. 64.º do Código das Sociedades Comerciais).
Conclui pedindo a condenação dos réus a pagar, solidariamente, à sociedade Conchamar – Exportações, Importações, S.A., uma indemnização pelos prejuízos por esta sofridos, referente à destruição dos viveiros, no montante de €457.480,31 (quatrocentos e cinquenta e sete mil, quatrocentos e oitenta euros, trinta e um cêntimos), e pela perda de receita e lucro a partir de 2019, correspondente a quantia não inferior ao lucro bruto que a Conchamar – Exportações, Importações, S.A. geraria ainda em, pelo menos, durante vinte anos de actividade, a liquidar posteriormente.
Defendem-se os réus por exceção, referindo
(i) a ilegitimidade do Autor AA, por não ser titular de, pelo menos, 5% do capital social (tendo-se apropriado ilicitamente das acções) e, em virtude de o mesmo não ter solicitado convocação de assembleia geral em vista a uma deliberação da sociedade sobre a propositura (ou não) da presente ação;
(ii) a ilegitimidade dos 3.º e 4.º réus, que não são, nem nunca foram administradores ou gerentes da sociedade;
(iii) de prescrição dos direitos da sociedade, pelo decurso do prazo desde a data da constituição da Fa..., Lda. e do conhecimento do autor, em 13 de Outubro de 2014, nos termos do art. 174.º do CSCom.;
(iv) (iv) de abuso do direito do autor, que actuou concertadamente com a sua tia, FF, autora na ação 1446/18.3..., que correu termos no Juiz ... do Juízo Central Cível de ..., em que se pede a devolução dos viveiros da Conchamar sem qualquer contrapartida e nesta ação peticiona a indemnização de € 457.480,31, o montante que corresponde ao valor das instalações.
Impugnam, ainda, os factos articulados na petição inicial, alegando em síntese que:
No Verão de 2014, o autor afastou-se por completo da sociedade, deixando de assinar a documentação e inviabilizou a sua atividade e em 2015.
O mesmo passou a apropriar-se de bens da Conchamar, como sucedeu com as instalações da ..., onde obstaculizou o acesso dos 1.º e 2.º réus e onde se apropriou de parte de mercadoria importada da Escócia.
Numa outra ocasião, de um veículo, bem como de outros sete veículos, fornecedores e clientes da Conchamar nas operações de uma sociedade que constituiu, em Março de 2015, a M..., Lda., para além dos problemas e incómodos que gerou a sua recusa em autorizar pagamentos a funcionários, fornecedores, Estado.
A Fa..., Lda. foi constituída para que a sociedade Conchamar continuasse a laborar.
Os equipamentos foram retirados dos viveiros, porque já não exerciam função neles.
Foi o autor quem criou prejuízos à Conchamar, não tendo os réus violado os deveres elencados no artigo 64.º do Código das Sociedades Comerciais, impondo-se a absolvição dos pedidos contra si formulados.
O autor apresentou resposta às exceções, concluindo como na petição inicial.
A Massa Insolvente de Conchamar – Exportações, Importações, S.A., representada pelo Administrador da Insolvência, substituiu o primitivo autor AA
Realizado julgamento, foi proferido sentença em 1ª instância, datada de 7 de Fevereiro de 2024, que julgou a presente acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou os Réus BB, CC, DD e EE a pagarem à Autora Massa Insolvente de Conchamar – Exportações, Importações, S.A., a indemnização correspondente aos danos causados no viveiro do ..., da ..., descritos sob lll), mmm) e nnn) dos factos provados, bem como a indemnização correspondente a quantia não inferior ao lucro bruto que a Conchamar – Exportações, Importações, S.A. geraria ainda, em, pelo menos, durante vinte anos de actividade, ambas a liquidar posteriormente, em sede incidental.
Interposto recurso de apelação, foi proferido acórdão pelo Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 15 de Outubro de 2024, que julgando parcialmente procedente o recurso dos réus, considerando que a sentença proferida em 2 de Março de 2022, no processo n.º 1446/18.3..., transitada em julgado e melhor identificada supra, é juridicamente relevante, impondo-se no presente processo atender à mesma, por força da autoridade do caso julgado; condenou os réus a pagarem à autora Massa Insolvente de Conchamar – Exportações, Importações, S.A., a indemnização correspondente a quantia não inferior ao lucro bruto que a Conchamar – Exportações, Importações, S.A. geraria ponderando o período que decorreu a partir de 2019 e até 16 de Fevereiro de 2023, data em que transitou em julgado a referida sentença proferida no aludido processo, a liquidar posteriormente, em sede incidental; no mais manteve a sentença recorrida.
Veio a Massa Insolvente interpor recurso de revista, apresentando as seguintes conclusões:
1. O presente recurso é processualmente admissível, dado que a limitação da recorribilidade dos acórdãos de tribunais de segunda instância constante do artigo 14º do CIRE apenas é aplicável aos recursos de decisões tomadas no processo de insolvência ou no apenso de embargos à insolvência e, portanto, não é aplicável aos recursos de decisões tomadas noutros apensos do processo de insolvência.
2. O Tribunal da Relação de Lisboa andou mal ao decidir que o caso julgado da sentença proferidana ação de reivindicação de impunha nos presentes autos, dado que os sujeitos e o objecto desse e deste processo são distintos.
3. Ao fazê-lo violou o disposto nos artigos 580º e 581º do CPC.
4. O Tribunal da Relação de Lisboa andou mal ao decidir que a indemnização por lucros cessantes deveria ser limitada ao período de 2019 a 16 de Fevereiro de 2023 por três motivos:
5. Em primeiro lugar porque o pedido de devolução extrajudicial e a ação de reivindicação só ocorreram por os Réus terem transferido a actividade da Recorrente para a Fa..., Lda.
6. Em segundo lugar porque foram os Réus – enquanto únicos administradores da Recorrente à época – a decidir não arrendar o imóvel em causa e, portanto, foram os responsáveis pela reivindicação e mais tarde pela entrega do imóvel onde a Recorrente tinha viveiro na ....
7. E, em terceiro lugar, porque a Recorrente podia ter arrendado, comprado ou construído outro viveiro e só não o fez por decisão dos Réus que optaram por o fazer para a Fa..., Lda. em prejuízo da Recorrente e dos seus demais accionistas.
8. Salvo o devido respeito, manter o decidido pelo Tribunal da Relação de Lisboa seria premiar os Réus por terem violado os seus deveres enquanto administradores da Recorrente.
9. Ao decidir como decidiu, o Tribunal da Relação de Lisboa violou os artigos 483º, 562º, 563º e 564º do Código Civil que postulam a indemnização de todos os danos sofridos.
Os recursos de revista interpostos pelos RR. foram considerados intempestivos e, nessa medida, rejeitados.
II – FACTOS PROVADOS.
Foi dado como provado que:
a) O primitivo Autor AA e o Réu BB dedicam-se, desde há muitos anos, à comercialização de marisco, desenvolvendo essa actividade em conjunto, iniciando o Autor individualmente e com repartição de lucros com aquele e, posteriormente, através de uma sociedade por quotas denominada “F..., Lda.”, da qual detinham, cada um deles, quotas correspondentes a 50%.
b) Entenderam, mais tarde, deixar de desenvolver a sua atividade através da F..., Lda. e passar a utilizar para esse efeito a Conchamar – Exportações, Importações, SA.
c) A Conchamar – Exportações, Importações, S.A. foi, inicialmente, em 18 de Janeiro de 1989, constituída como sociedade por quotas, sendo os seus gerentes, o primitivo Autor AA e o Réu BB, e o capital social de € 5 000, 00, realizado em duas quotas no valor nominal de, respetivamente, € 997, 60 e de € 4 002, 40, da titularidade, respetivamente, dos Réus DD e EE.
d) Em 30 de Julho de 2009, foi feito um aumento de capital de € 45.000,00, por incorporação de reservas livres, tendo o Réu EE ficado com a participação de € 40.024, 90 e a Ré DD com a participação de € 9.975,10, e, na mesma data, 30 de Julho de 2009, a sociedade foi transformada em sociedade anónima.
e) Após aumento, o capital social passou a ser de € 50.000,.00, realizado em 50 mil ações ao portador, com o valor nominal de € 1, 00 cada uma, dividido da seguinte forma, após divisão de parte da quota do Réu EE: BB – 100 ações; AA – 100 ações; CC – 100 ações; DD – 9 975 ações; e EE – 39 724,90 ações.
f) O Conselho de Administração da Conchamar – Exportações, Importações, S.A. era integrado pelos Réus BB e CC e pelo primitivo Autor AA.
g) A Conchamar - Exportações, Importações, S.A., cujo objeto social consiste em “exportação e importação de marisco e peixe grosso”, obriga-se com a assinatura conjunta dos Administradores, AA e BB.
h) O primitivo Autor AA tem na sua posse 37 títulos de acções que correspondem a 50% do capital da sociedade “Conchamar – Exportações, Importações, S.A”, por acordo das partes envolvidas.
i) O Réu BB tem na sua posse os restantes 37 títulos no valor de 50% do capital da sociedade.
j) No Verão de 2014, a sociedade registava um lucro tributável no montante de € 448 264, 85, sendo o lucro líquido de € 358.674,01.
k) O primitivo Autor AA, desde Dezembro de 1991, nas relações comerciais que manteve com o Réu BB, e, em concreto, na sociedade Conchamar, foi sempre responsável pela gestão da empresa, nomeadamente, pelas vendas, compras, pagamentos, recebimentos e reuniões com clientes e fornecedores, incluindo os estrangeiros.
l) Tratava, igualmente, da área informática e administrativa.
m) Os Réus EE e DD encontravam-se a terminar os respetivos cursos, razão pela qual não exerciam quaisquer funções de administração na sociedade.
n) Em Agosto de 2014, o primitivo Autor AA foi informado pelo banco que já não tinha poderes para intervir nas contas da empresa.
o) E que essa alteração se ficara a dever a alteração que teria ocorrido nos estatutos dessa sociedade, em assembleia, e que havia sido comunicada ao Banco, o que surpreendeu o Autor.
p) Essa assembleia veio a ser refletida na acta n.º ...3, de ... de ... de 2014, e visou, além do mais, a alteração do artigo décimo segundo dos estatutos da sociedade, no sentido de suprimir a assinatura do Autor, enquanto obrigatória para vincular a sociedade, onde o Autor não esteve presente.
q) Em data não apurada, o primitivo Autor exerceu o seu direito à informação junto da administração da sociedade nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do número 1 do artigo 288.º do Código das Sociedades Comerciais.
r) Acesso que lhe veio a ser recusado, conforme carta datada de 15 de Julho de 2014, rececionada pelo primitivo Autor em data não apurada, subscrita pelo Réu EE, invocando a qualidade de Presidente da Mesa, com a justificação de que o Autor não possuía, pelo menos, 1% do capital social.
s) Na sequência, intentou o primitivo Autor as acções de anulação de deliberações sociais sob n.º 529/14.3... (em 14 de Agosto de 2014), extinta por inutilidade superveniente da lide, e mais tarde sob o n.º 774/19.5... (em 4 de Março de 2019), julgada procedente – que declarou a nulidade das deliberações tomadas na Assembleia Geral da Conchamar realizada em ... de ... de 2014 -, ambas do Juiz ... do Juízo de Comércio de ....
t) Por carta de 18 de Agosto de 2014, foi remetida ao primitivo Autor, pelo Réu EE, invocando a qualidade de Presidente da Mesa da Assembleia Geral, uma convocatória dos acionistas para a realização de uma assembleia geral a realizar no dia 12 de Setembro de 2014, pelas 10:00 horas, na sede social da sociedade.
u) A ordem de trabalhos que consta na referida convocatória contém os seguintes pontos 3 e 4: “3 – Ratificação da “Alteração do disposto no artigo 12.º dos estatutos da sociedade, no sentido de suprimir a obrigatoriedade da respectiva assinatura, por parte do Administrador da sociedade senhor AA, para obrigar sempre a sociedade. 4 - Em caso de eventual não ratificação, “Alteração do disposto no artigo 12.º dos estatutos da sociedade no sentido de suprimir a obrigatoriedade da respectiva assinatura, por parte do Administrador da sociedade senhor AA, para obrigar sempre a sociedade”.
v) Em 3 de Setembro de 2014, o primitivo Autor recebeu uma nova carta, enviada pelo Réu EE, na qualidade de acionista, na qual solicitava ao Autor, enquanto Presidente da Assembleia Geral, a marcação de uma assembleia geral, contendo ordem de trabalhos idêntica à da convocatória enviada em 18 de Agosto de 2014.
w) No dia 12 de Setembro de 2014, realizou-se a assembleia geral da sociedade, com a presença do primitivo Autor, na qualidade de Presidente da Mesa, onde, além do mais, foi deliberado suprimir a obrigatoriedade da assinatura do Autor AA para obrigar a sociedade, conforme acta que constitui o documento 10, junto com a petição inicial e que, aqui, se considera inteiramente reproduzido.
x) Em 3 de Outubro de 2014, o Autor impugnou a referida deliberação, no processo n.º 256/14. ..., Juiz ... do Juízo de Comércio de ..., onde o pedido foi julgado procedente e anulada a deliberação, conforme sentença proferida a 24 de Fevereiro de 2023, transitada em julgado.
y) A partir de Agosto/Setembro de 2014, a sociedade passou a ser gerida pelos Réus, sendo estes que mantêm na sua posse todos os documentos contabilísticos, que recebem a correspondência, que tomam as decisões a ela respeitante e que recebem pagamentos.
z) Nessa ocasião, os Réus alteraram a password do primitivo Autor para entrar no sistema informático da empresa e do seu endereço de e-mail e, em data não apurada, retiraram o computador que este mantinha nas instalações da sociedade.
aa) Cancelaram o acesso do primitivo Autor ao BesNet, inviabilizando que este conseguisse efectuar qualquer pagamento ao Estado, fornecedores ou trabalhadores.
bb) Em data não apurada, os Réus alteraram a fechadura da porta do escritório da empresa, tendo o primitivo Autor, em certa ocasião, dado um pontapé na mesma.
cc) Como a movimentação das contas bancárias da sociedade continuava a exigir a assinatura do Autor, os Réus abriram, em 13 de Agosto de 2014, uma nova conta bancária em nome do Réu EE, sediada no Banco Millenium BCP, com o NIB ...05, tendo pedido aos clientes que passassem a efetuar os pagamentos para a mesma.
dd) Como forma de operar o negócio sem a assinatura do Autor, constituíram os Réus, em 13 de Outubro de 2014, a Fa..., Lda., com sede na Rua ..., ..., NIPC ...33, com o objeto social “Comércio, importação e exportação de peixe e mariscos vivos e congelados”, com o capital social, inicial, de € 5.000,00 e posterior de € 50.000,00, detido pelos Réus DD e EE, sendo seus gerentes, obrigando-se a sociedade com a assinatura de um gerente.
ee) Com a constituição da Fa..., Lda., os Réus passaram a proceder da seguinte forma: i) Adquirem stocks de marisco através da Conchamar – Exportações e Importações, S.A., utilizando os meios desta e colocando-o nas instalações desta, para o que utilizam os veículos de transporte dela ou da Conchamar Transportes, S.A.; ii) Vendem-no, através da Fa..., Lda. aos clientes finais – que antes o adquiriam à Conchamar – Exportações, Importações, S.A. -, utilizando nas operações inerentes a essa venda, os equipamentos e meios da Conchamar – Exportações e Importações, S.A. e Conchamar Transportes, S.A.; iii) Contabilisticamente, emitem uma fatura de compra dos stocks da Conchamar – Exportações, Importações, S.A. e uma factura de venda desta à Fa..., Lda., que, por sua vez, os factura aos clientes finais.
ff) Os Réus transferiram diversos contratos de fornecimento que a Conchamar – Exportações e Importações, S.A. havia celebrado com clientes finais para a Fa..., Lda., que passou a ter nesses contratos a posição de fornecedora.
gg) A Fa..., Lda. utilizava o número de operador/recetor, número de controlo veterinário, PME Líder, HACCP e programa informático da Conchamar - Exportações, Importações, S.A.
hh) Mudaram o contabilista da Conchamar - Exportações, Importações, S.A. sem a autorização do Autor.
ii) Passou a Fa..., Lda. a utilizar o viveiro de marisco sito no ... e onde a Conchamar – Exportações, Importações, S.A. e a Conchamar – Transportes, S.A. centravam a sua actividade, bem como todas as operações acima descritas.
jj) Em data não apurada, os Réus deslocaram-se à Holanda e venderam veículos da Conchamar – alguns por estarem desgastados -, sem que o Autor tivesse tido qualquer intervenção, venda que só poderia ocorrer mediante a assinatura dos dois administradores da sociedade, o Autor e o Réu BB, vindo o valor da venda a ser utilizado para compra de viaturas idênticas para o transporte de mariscos em nome da Fa..., Lda..
kk) Pretendiam os Réus, através da constituição da Fa..., Lda. esvaziar por completo o património e terminar com a actividade da Conchamar – Exportações, Importações, S.A., desenvolvendo a actividade desta através da mesma, com afastamento definitivo do Autor.
ll) Pelas razões descritas, o Autor passou a recusar assinar quaisquer documentos que autorizassem pagamentos a efetuar pela Conchamar – Exportações, Importações, S.A..
mm) O R. BB solicitou ao primitivo Autor AA, por diversas vezes, mediante cartas endereçadas através de email, em Setembro e Outubro de 2014, e em Fevereiro, Março e Abril de 2015, a sua autorização quanto a vários pagamentos, o que o autor se recusou a fazer.
nn) Apesar de a Conchamar ter dinheiro nas suas contas bancárias, estava impossibilitada de fazer pagamentos de impostos ou à Segurança Social, porque o Autor não fornecia a sua assinatura para o efeito.
oo) Também não era possível comprar e vender marisco, que era o objeto da empresa, por causa da falta de assinatura do Autor para todo e qualquer acto.
pp) Esta situação gerou contratempos e dissabores à Conchamar, com a impossibilidade de cumprir as suas responsabilidades em relação aos impostos, fornecedores, seguros e salários de trabalhadores, implicaram o desencadear de penhoras sobre o património da Conchamar.
qq) O Autor remeteu carta registada, datada de 13 de Outubro de 2015, para a administração da Conchamar –Exportações, Importações, S.A., a solicitar informação quanto aos pagamentos solicitados, por não ter acesso à gestão e à contabilidade da sociedade, nomeadamente, quanto ao pagamento ao Estado (IVA), solicitando indicação das faturas que o motivaram, sem que obtivesse resposta.
rr) Após Agosto de 2014 e já no ano de 2015, iniciaram-se negociações entre as partes, através de mandatários, para tentar chegar a um acordo que pusesse fim a todo o litígio.
ss) Os Réus, através da Conchamar e da Fa..., Lda., continuavam a actuar no mercado, auferindo o lucro que para eles resultava dessa atividade e canalizando os clientes para essa nova sociedade.
tt) Em 2 de Março de 2015, o Autor constituiu a sociedade denominada “M..., Lda.”, com o objeto social “Comércio de mariscos e pescado. Comércio e indústria de produtos alimentares e ultracongelados. Indústria, transformação e comércio de pescado e outros produtos alimentares. Comércio e representação de outros produtos e serviços. Importação e exportação”, que passou a operar no viveiro, da Conchamar, da ..., em termos semelhantes ao que vinha acontecendo com a Fa..., Lda., que até então operava junto desse viveiro e dos outros dois, da ... e de ....
uu) O Autor utilizou o número de controlo veterinário da Conchamar na empresa M..., Lda..
vv) Apoderou-se de viaturas da Conchamar, em número não apurado, sendo, pelo menos, de três.
ww) Apropriou-se de, pelo menos, uma parte, de um fornecimento de marisco provindo da Escócia, destinado à Conchamar, sendo uma parte para o viveiro da ..., e outra para a sede da Conchamar na ..., que posteriormente, vendeu através da M..., Lda., tendo acabado por ser retirado daquelas instalações por ordem judicial.
xx) Em 30 de Abril de 2015, os Réus DD e EE instauraram um processo de destituição de administrador, precedido de procedimento cautelar de suspensão de funções, que correu termos com o n.º 1733/15.2..., Juiz ... do Juízo de Comércio de ..., que foi julgado improcedente por sentença de 30 de Abril de 2020.
yy) No referido processo, foi decretada, a título cautelar, a suspensão de funções do Autor enquanto administrador da sociedade em questão, decisão que lhe foi notificada em 4 de Dezembro de 2015 e que veio a ser levantada por decisão de 29 de Maio de 2018.
zz) Em 11 de Julho de 2019, mediante auto lavrado por agente de execução, o Autor foi investido nas funções de administrador da Conchamar.
aaa) Consta do referido auto que, por informação prestada no acto pelo Réu EE, (i) Não “existem sistemas informáticos” da sociedade; (ii) não existe o “endereço de e-mail” do Autor, por ter sido desativado; (iii) “não existem (…) veículos nas instalações e que a sociedade não detém veículos”.
bbb) Mais informou “que a empresa Conchamar não tem aqui qualquer atividade, mas sim a empresa Fa..., Lda., conforme contrato de comodato que anexo ao presente”.
ccc) E quanto aos documentos, informou que os mesmos se encontram “nestas instalações e passou a indicar o número de caixas”, “contendo documentos contabilísticos da sociedade Conchamar, S.A.” e ainda dois livros de actas.
ddd) Na referida data de 11 de Julho de 2019, a sociedade não tinha qualquer actividade nas instalações do viveiro, apenas tendo guardado os dossiers de contabilidade e livros de atas.
eee) A sociedade Conchamar desenvolvia a sua atividade num viveiro instalado num prédio de natureza mista, sito na Avenida ..., ..., descrito na CRP da ... sob o n.º ...17 do Livro ... e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...2 da secção ... da União de freguesias da ... e na matriz predial urbana dessa freguesia sob o artigo ...86.
fff) Nesse prédio misto encontrava-se implantado um viveiro de mariscos, que incluía espaço para escritórios e loja de venda ao público, o qual, em 16 de Novembro de 2019, foi avaliado, em sede de perícia realizada no processo 1446/18.3..., do Juiz ... do Juízo Central Cível de ..., individualmente considerado, isto é, isolado e sem ter em conta o terreno, no valor de € 457.480,31.
ggg) Esse viveiro de mariscos estava instalado no edifício, o qual tinha no seu interior dois pisos, nos quais se encontravam incluídos os tanques de água salgada e as tubagens necessárias, para em conjunto com os equipamentos de refrigeração e oxigenação, permitirem o funcionamento de um circuito fechado de água salgada para a conservação dos mariscos vivos.
hhh) Nesse viveiro, existiam tanques de betão, máquinas e canalizações, como sejam os schillers, os compressores, ventiladores, um gerador de energia elétrica e câmaras de congelação.
iii) O viveiro era um dos maiores, senão o maior, da Península Ibérica.
jjj) No viveiro existia uma loja de venda ao público com balcões frigoríficos, panelas, máquinas de embalar, arcas frigoríficas, aquários e máquina registadora.
kkk) No prédio, existia um outro viveiro.
lll) Após a realização da perícia no referido processo -16 de Novembro de 2019 -, os Réus têm vindo a retirar todos os equipamentos que se encontravam nos viveiros e na loja.
mmm) À data da instauração da acção – 20 de Abril de 2021 - já haviam sido retirados todos os equipamentos dos viveiros, nestes restando apenas os tanques de betão.
nnn) Com efeito:
- Na área do viveiro, foi retirada a tubulação de circulação de água salgada, os tanques com as paredes e o piso danificado;
- Foram retirados os motores elétricos de circulação de água salgada, os “schillers” para arrefecimento de água salgada, compressores, grupo gerador, escumadores;
- Foram retirados os compressores e evaporadores da área das câmaras frigoríficas e do túnel de congelação, restando, apenas, as paredes e o teto;
- Foi retirada louça sanitária e os azulejos foram danificados em, pelo menos, uma das casas de banho e vestiário dos funcionários;
- Foi retirado o telhado do armazém que fazia de arrecadação para guardar caixas;
- A área de carga/descarga e os escritórios estão vazios de equipamento;
ooo) A sociedade Conchamar – Importações e Exportações, S.A. teve o seguinte volume de facturação:
2010 - € 4 886 779, 63;
2011 - € 4 888 051, 55;
2012 - € 4 777 139, 30;
2013 - € 5 246 034, 00
2014 (até setembro) - € 3 762 548, 43.
ppp) Para obter tais receitas teve os seguintes custos de matérias-primas:
2010 - € 4 752 750, 25
2011 - € 3 544 649, 33;
2012 - € 3 892 186, 67;
2013 - € 4 014 231, 95
2014 (até setembro) - € 2 822 874, 98
qqq) A sociedade, por força da atuação dos Réus, deixou de ter quaisquer receitas e lucros, pelo menos, a partir do ano de 2019.
rrr) O viveiro constitui o centro de actividade da Conchamar e era o ativo que lhe permitia exercer a sua atividade, determinando que tivesse registado no seu imobilizado o valor total de € 820.690,02.
sss) Em 7 de Fevereiro de 2018, FF instaurou a acção cível que correu termos sob o processo 1446/18.3..., no Juiz ... do Juízo Central Cível de ..., contra a Conchamar – Exportações, Importações, S.A., Conchamar Transportes, S.A. e Fa..., Lda., onde pediu a condenação das Rés na devolução imediata do terreno, onde se situam os viveiros do ..., na ..., devoluto de pessoas e bens, e no pagamento do valor de rendas que considerava serem devidas.
ttt) FF é tia do primitivo Autor AA.
uuu) Foi o primitivo Autor AA que pagou a taxa de justiça inicial da referida ação.
vvv) Na referida ação, o primitivo Autor AA prestou depoimento de parte, na qualidade de administrador das 1.ª e 2.ª Rés.
www) As Rés contestaram e deduziram pedido reconvencional: i) ser reconhecido e declarado o direito de propriedade da Conchamar, S.A. sobre o prédio identificado, adquirido por acessão industrial imobiliária (…); ii) não sendo aplicável o regime da acessão industrial imobiliária, ser a A. condenada a pagar à Conchamar o valor das benfeitorias consubstanciadas na construção do armazém, em valor não inferior a € 2000 000, 00.
xxx) Por sentença de 2 de Março de 2022, transitada em julgado em 16-02-2023, foi decidido “A- Quanto ao pedido principal, julgar o mesmo parcialmente procedente e, em consequência, condenar as rés na entrega à autora do prédio misto (…), devoluto de pessoas e bens, julgando-o improcedente quanto ao restante, absolvendo as rés do pedido quanto ao restante que contra elas vinha peticionado; B – Quanto ao pedido reconvencional, julgar o mesmo integralmente improcedente, absolvendo a autora do pedido quanto a tudo que contra ela vinha peticionado”.
yyy) O primitivo Autor é irmão da Ré CC, a Ré CC é casada com o Réu BB, sendo os Réus DD e EE, filhos dos 1.ºs Réus.
Factos não provados:
1. O Réu BB começou a sua vida profissional como empregado de mesa de marisco; o Autor trabalhava com o pai num aterro, e decidiram ambos abrir um negócio de comercialização de marisco, usando para isso o know how do Réu BB, e constituir a F..., Lda..
2. O primitivo Autor AA apossou-se dos 37 títulos de acções correspondentes a 50% do capital social (de modo ilegítimo/ilícito).
3. O lucro líquido da sociedade, no Verão de 2014, de € 358 674, 00, decorreu do trabalho desenvolvido pelo primitivo Autor.
4. O Réu BB era quem tinha todo o know-how relativamente à matéria da comercialização de marisco, sendo ele o conhecedor do mercado nacional e internacional, o principal angariador de clientes e o conhecedor dos fornecedores, quem melhor conhecia as condições de transporte e armazenamento do marisco, quem sabia quais as condições necessárias em termos de infraestruturas nos viveiros.
5. O Réu BB nunca se dirigiu a uma reunião com qualquer cliente e fornecedor, nunca efectuou encomendas, vendas, pagamentos, recebimentos e passava largo tempo sem sequer ir às instalações da sede da empresa.
6. A Ré CC nunca se deslocou às instalações da sociedade e os Réus EE e DD foram afastados da gestão da empresa por terem sido vistos a apropriar-se de dinheiro da sociedade que se encontrava no cofre desta.
7. A Ré CC tratava também da parte administrativa.
8. O Réu EE não exerceu funções de administração na sociedade Conchamar até à actualidade.
9. Após ter tido conhecimento da alegada assembleia geral datada de 07-082014, o primitivo Autor dirigiu-se à Conservatória do Registo Comercial para confirmar a alteração e verificou que o documento justificativo era constituído pela acta n.º ...3, referente a uma assembleia geral, que foi submetida a registo.
10. A referida assembleia geral não se realizou, não ocorreu no local da sede qualquer assembleia.
11. A carta endereçada ao primitivo Autor datada de 15 de Julho de 2014 foi recepcionada em 18 de Agosto de 2014.
12. Na ocasião referida em z), os Réus retiraram ao primitivo Autor o computador que este mantinha nas instalações da sociedade.
13. Foi o primitivo Autor que deu instruções ao banco para cancelamento dos cartões.
14. A fechadura da porta do escritório foi alterada em 10 de Outubro de 2014.
15. A fechadura da porta do escritório foi alterada, por ter ficado destruída depois de o primitivo Autor lhe ter dado um pontapé.
16. Com a constituição da Fa..., Lda., os Réus passaram a proceder da seguinte forma: (…); ii) Ou adquirem stocks de marisco através da Fa..., Lda. que vendem à Conchamar – Exportações e Importações, S.A..
17. A Fa..., Lda. não paga à Conchamar – Exportações e Importações, S.A. os stocks de mariscos correspondentes às facturas que emite e supostamente lhe forneceu, sendo os valores pagos pelos clientes finais recebidos por ela.
18. A utilização do número de controlo veterinário foi um lapso do prestador de serviços de informática, tendo sido retirado das facturas assim que se deram conta do lapso.
19. Foram enviadas autorizações SEPA para pagamento a fornecedores só com uma assinatura, do 1.º Réu.
20. Os Réus constituíram a Fa..., Lda. para salvar o que pudessem da Conchamar, que o Autor abandonou para iniciar ele próprio actividade sem a concorrência da Conchamar.
21. Durante o tempo em que decorreram as negociações, o Autor estava impedido de continuar a sua actividade no mercado, por estar afastado da gestão da sociedade e não desenvolvia actividade através de outra empresa.
22. Pelo facto referido em ii), as negociações decorriam sem que os Réus demonstrassem vontade de obter acordo ou de responder às sucessivas propostas de entendimento que lhes eram apresentadas pelo Autor.
23. Tentou obter-se acordo destinado à liquidação do património da sociedade e à sua divisão entre ambos.
24. Pretendia-se que a sociedade mantivesse a sua actividade durante um período transitório e que, durante esse período, ambas as partes, através de sociedades que detivessem ou constituíssem, actuassem no mercado, adquirindo produtos a essa sociedade em condições idênticas e revendessem esses produtos livremente no mercado.
25. Os Réus faziam arrastar o período negocial, o que levou o Autor, ainda com as negociações a decorrer, a implementar a solução prevista pelo acordo que estava a ser negociado.
26. Assim que os Réus tiveram conhecimento do referido em tt), fizeram cessar as negociações.
27. O Autor telefonava aos fornecedores da Conchamar, dizendo que não deveriam continuar os fornecimentos, porque a empresa se encontrava numa situação económica muito debilitada, com dificuldades financeiras, o que levou a que os fornecedores passassem a exigir garantias à Conchamar que nunca antes haviam exigido.
28. O Autor conheceu a actual mulher, começou a afastar-se dos Réus e a descurar cada vez mais as suas funções na empresa.
29. Começou por passar vários meses fora de Portugal, no Brasil, deixou de se deslocar aos viveiros, de visitar as lojas, de angariar clientes, de rever orçamentos ou procurar melhores preços e de contribuir para a resolução dos problemas do dia-a-dia da empresa, sendo a sua principal preocupação contar o dinheiro que entrava na empresa.
30. Até que casou, e no Verão de 2014, em Junho/Julho desse ano, desapareceu por completo, sem dizer nada aos Réus, deixou de assinar o que quer fosse e inviabilizou totalmente o funcionamento da empresa.
31. O Autor dirigiu-se ao banco onde a Conchamar tinha conta e revogou os pagamentos por débito directo, o que levou a que a luz, água, seguros, entre outros, não pudessem ser pagos.
32. Na fase inicial e durante muito tempo, a Fa..., Lda. serviu para permitir que a Conchamar pudesse continuar a exercer a sua actividade.
33. A Fa..., Lda. inicialmente servia de instrumento da Conchamar e visou sobretudo a disponibilização de capital para compra de marisco, porque se aproximava a época natalícia, onde normalmente se compra cerca de 1 milhão de euros de marisco para revenda.
34. Alguns veículos da Conchamar foram vendidos para fazer face a despesas que se acumulavam.
35. O primitivo Autor impediu o acesso pelos Réus BB e CC aos computadores das instalações da Conchamar na ....
36. A maioria do produto referido em ww) não chegou ao ... da ....
37. Na mesma data, o Autor apropriou-se de um veículo da Conchamar, que se deslocou à ..., tendo forçado o motorista a regressar à sede de autocarro, contrariando as instruções que haviam sido dadas pelo Réu BB.
38. Em Abril de 2015, o Autor dirigiu-se a um dos fornecedores da Conchamar, em Rennes, França e levantou uma encomenda de búzio vivo, búzio cozido, ostras francesas e castanholas, fazendo-se passar por administrador da Conchamar, tendo ele vendido essa mercadoria, que nunca pagou.
39. A M..., Lda. foi constituída para desviar clientes e fornecedores da Conchamar.
40. O edifício, individualmente considerado, referido em fff) teria, à data da avaliação feita no processo 1446/18.3..., do Juiz ... do Juízo Central Cível de ..., o valor de € 457 480, 31.
41. O viveiro a que se reporta o facto kkk) situava-se ao lado da zona de parqueamento de veículos, tinha cerca de 150 a 200 m2, e era destinado ao marisco que deveria ser exportado e tinha os mesmos equipamentos, de menor dimensão e capacidade.
42. No viveiro mais pequeno foi retirado o telhado.
43. O viveiro exterior está inutilizado e parcialmente destruído, pois toda a maquinaria foi retirada.
44. Foram retiradas as canalizações.
45. À data da instauração da acção – 20-04-2021 -, já haviam sido retirados todos os equipamentos da loja.
46. Foi retirado o equipamento de lavagem, lubrificação e reparação da área de lavagem dos veículos.
47. Foi retirada louça sanitária e os azulejos foram danificados nas casas de banho e vestiários dos funcionários.
48. Foi retirado o portão no armazém que fazia de arrecadação para guardar caixas.
49. À data da instauração desta acção – 20-04-2021 -, a área da loja de venda ao público era a única que se mantinha com todo o equipamento e que continuava a funcionar, estando previsto o seu desmantelamento com a abertura da loja do viveiro da Fa..., Lda..
50. Todo o exterior dos viveiros está degradado e cheio de lixo.
51. O viveiro do ..., apesar de estar sem actividade desde 2019 e com degradação natural, encontra-se preparado para retomar a sua actividade, bastando para o efeito instalar os devidos equipamentos.
52. Os equipamentos foram retirados dos viveiros, uma vez que já não exerciam qualquer função neles.
III – QUESTÕES JURÍDICAS ESSENCIAIS DE QUE CUMPRE CONHECER.
Excepção de autoridade de caso julgado. Limitação da indemnização devida à A. e cujo montante será apurado em sede de liquidação.
Passemos à sua análise:
Escreveu-se, a este propósito no acórdão recorrido:
“5. A decisão proferida na acção que correu termos com o n.º 1446/18.3..., transitada em julgado em 16-02-2023.
O apelante insurge-se contra a apreciação feita na sentença recorrida relativamente à questão suscitada aquando da apresentação do articulado superveniente, tendo por referência a decisão proferida no referido processo (conclusão XXVII). Considera “que o caso julgado tinha forçosamente de se repercutir, pelo menos em parte, no direito à indemnização peticionado pelo primitivo A. na presente acção, por incluir essas construções. Deverão assim V. Exas. Excelentíssimos, considerar relevante, nestes precisos termos, a excepção de caso Julgado invocada pelos RR, e decidida desfavoravelmente na sentença a quo”.
Os efeitos do caso julgado podem ser vistos numa dupla perspetiva, tratando-se de realidades distintas: a exceção de caso julgado, exceção dilatória a que alude o art. 577º, alínea i) do CPC, aferindo-se pela identidade dos sujeitos, pedido e causa de pedir (art. 581º do CPC), pressupondo a repetição de uma causa; trata-se de exceção de conhecimento oficioso e dá origem à absolvição da instância (arts. 578º e 576º, nº2 do CPC). /E a autoridade do caso julgado, que importa a aceitação de decisão proferida anteriormente, noutro processo, cujo conteúdo importa ao presente e que se lhe impõe, assim obstando que uma determinada situação jurídica ou relação seja novamente apreciada, considerando parte da jurisprudência e doutrina que, nesta aceção, não se exige a tríplice identidade.
Na petição inicial foi formulado pedido com vista à condenação solidária dos réus a indemnizar a sociedade “pelos prejuízos causados, os quais na parte já líquida ascendem a € 457.480,31, mas cujo total valor apenas poderá ser determinado posteriormente”.
Para fundar essa pretensão o autor invoca, nomeadamente, que a sociedade já não tem qualquer atividade pelo menos desde 11.07.2019, nem receitas e que desenvolvia a sua atividade num viveiro instalado no prédio de natureza mista sito na Avenida ..., ... (descrito na CRP da ..., sob o n.º ...17 do Livro ... e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...2 da secção ... da freguesia da ... e na matriz predial urbana dessa freguesia sob o artigo ...86; era nesse prédio misto que se encontrava implantado um viveiro de mariscos, qual incluía espaço para escritórios e loja de venda ao público, que teria, à data da avaliação feita no processo n.º 11446/18.3... do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte (Juízo Central Cível- Juiz ...), isolado e sem ter conta o terreno, o valor de € 457.480,31; nesse viveiro existiam tanques de betão e máquinas e canalizações, como sejam os "chilers", os compressores, ventiladores, um gerador de energia eléctrica e câmaras de congelação e no viveiro em causa existia ainda uma loja de venda ao público com balcões frigoríficos, panelas, máquinas de embalar, arcas frigoríficas, aquários e máquina registadora; ainda, no prédio em causa e ao lado da zona destinada ao parque de veículos, existia ainda um outro viveiro com cerca de 150 a 200 m2 destinado ao marisco que deveria ser exportado e com os mesmos equipamentos que tinha o outro viveiro, equipamentos esses, porém, com menor dimensão ou capacidade (arts. 100.º a 107.º da petição inicial).
Alegam que os réus procederam à retirada de todos os equipamentos e canalizações que se encontravam nos viveiros e na loja, restando apenas os tanques de betão, sendo que no viveiro mais pequeno que se descreveu até o telhado foi retirado, concretizando essa atuação nos moldes descritos no art. 110.º da petição inicial. Concluem que “[d]este modo o viveiro nesta data já não tem qualquer valor de mercado, restando apenas as paredes do armazém e os tanques deteriorados” (art. 111.º), contabilizando os prejuízos causados pelos réus da seguinte forma, em síntese:
- “[T]endo a sociedade deixado de ter qualquer actividade, pelo menos, em 2019, tal prejuízo não deverá nunca ser inferior ao correspondente ao lucro bruto que esta geraria ainda, em pelo menos vinte anos de actividade” (art. 120.º) (sublinhado nosso);
- “Os Réus são ainda responsáveis pela destruição do referido viveiro de mariscos, provocando um dano equivalente ao do valor que este tinha, de € 457.480,31, valor esse que é, já, líquido” (art. 121.º).
Afastada liminarmente a ponderação do caso julgado como exceção, uma vez que não existe entre a presente ação (instaurada em 20-04-2021) e o aludido processo (instaurado em 07-02-2018) identidade de sujeitos processuais/pedido/ causa de pedir – cfr. a factualidade dada por assente em sss) a xxx) –, temos também por seguro que não tem qualquer cabimento a pretendida extinção da presente instância por inutilidade superveniente da lide, que a lei processual prevê no art. 277.º, alínea e) do CPC e que ocorre sempre que por facto ocorrido na pendência da instância, a continuação da lide deixe objetivamente de ter qualquer utilidade ou interesse para os sujeitos processuais, seja porque já não é possível o pedido ter acolhimento, seja porque o fim visado com a ação foi alcançado por outra via.
No caso, o facto juridicamente relevante que emerge do aludido processo é a condenação dos aí réus – incluindo a sociedade Conchamar -Exportações, Importações, S.A. , ora insolvente –, na devolução do terreno onde se situa o viveiro à respetiva proprietária, autora nessa ação, condenação proferida por sentença de 02-03-2022 e transitada em 16-02-2023, a par da improcedência do pedido reconvencional aí formulado. Considerando a conduta imputada aos réus nos presentes autos e, consequentemente, a delimitação temporal feita relativamente ao pedido de indemnização, tendo em vista o apuramento dos lucros que a sociedade deixou de auferir, por causa da atuação culposa dos réus, “pelo menos” nos “vinte anos” subsequentes em que exerceria a sua atividade, não fora essa conduta, também se perceciona que nunca essa condenação teria a virtualidade de influenciar o sentido da decisão a proferir nestes autos pelo menos com referência ao período que decorreu a partir de 2019 e a data de execução do comando vertido na aludida sentença.
Lê-se na sentença recorrida:
“4) Autoridade de caso julgado quanto à peticionada indemnização pelo valor dos viveiros
Em articulado superveniente, peticionaram os Réus a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, com fundamento, em síntese, que, no dia 2202-2023, transitou em julgado a sentença de 02-03-2022 que julgou procedente o pedido formulado na acção (proc. 1446/18.3...) e improcedente o pedido reconvencional, condenando as Rés Conchamar, S.A. e outros a entregar à Autora FF o imóvel situado na ..., onde estavam instalados os viveiros, sem direito da Conchamar a qualquer compensação ou indemnização, “uma vez que, nos termos dos contratos celebrados e vigentes com a dona deles, a entrega do imóvel não dependia de qualquer compensação ou indemnização, uma vez que a permanência era a título gratuito” e que os direitos que poderiam existir sobre a construção dos viveiros pertenciam à F..., Lda./ O Autor respondeu, em síntese, que a referida sentença confirma que os Réus destruíram o viveiro, viveiro que constituía o centro de actividade da Conchamar e era o activo que lhe permitia exercer a sua actividade, de modo que as alterações e os equipamentos nele integrantes determinavam que a Conchamar tivesse registado no seu imobilizado um valor total de € 820 690, 02./ Enquadrou-se a questão suscitada em eventual autoridade de caso julgado, cuja decisão foi relegada para sentença./ E, de facto, não se verifica autoridade de caso julgado ou outra excepção paralisadora do direito de indemnização acima reconhecido. Com efeito, a sentença faz referência “aos direitos que poderiam existir sobre a construção dos viveiros” pertencerem à F..., Lda.. E por exclusão de partes, não pertencerem à Conchamar. Contudo, nesta equação não foi considerada a prática de factos ilícitos e culposos, nomeadamente, de destruição das instalações onde se concentrava a actividade da Conchamar. E, nessa medida, não se vê como o decidido na sentença proferido no proc. 1446/18.3... se possa repercutir no objecto da presente acção.
Termos em que se decide inexistir autoridade do caso julgado”.
Não pode aceitar-se o raciocínio feito pelo tribunal recorrido, pelo menos com a amplitude assinalada.
Recorde-se que aqui foi proferido um juízo de condenação dos réus “a pagarem à Autora Massa Insolvente de Conchamar – Exportações, Importações, S.A., a indemnização correspondente aos danos causados no viveiro do ..., da ..., descritos sob lll), mmm) e nnn) dos factos provados, bem como a indemnização correspondente a quantia não inferior ao lucro bruto que a Conchamar – Exportações, Importações, S.A. geraria ainda, em, pelo menos, durante vinte anos de actividade, ambas a liquidar posteriormente, em sede incidental” (sublinhado nosso) – na petição o termo inicial é reportado a partir de 2019.
Estando em causa nos autos, como decorre do que se expôs, aferir da medida da indemnização devida à insolvente também na vertente dos lucros cessantes (art. 564.º do Cód. Civil), não se pode considerar juridicamente irrelevante o juízo condenatório proferido na referida ação e que se impõe à insolvente, aí demandada e que igualmente apresentou pedido reconvencional que viu improceder: a vinculação da sociedade à entrega do prédio em que se localizava o viveiro sempre se refletiria, ipso facto, na prossecução da atividade da empresa insolvente nos moldes em que esta a vinha desenvolvendo – cfr. a factualidade dada por assente em ddd) a kkk), qqq) e rrr) – pelo que, no âmbito do incidente de liquidação, não poderá o tribunal deixar de ter em consideração o decidido no referido processo, sendo que para além do segmento dispositivo releva igualmente o enquadramento fático e a fundamentação de direito que antecedem aquele juízo, pressuposto que é constituir o mesmo um corolário lógico daqueles.
Aceita-se, pois, a argumentação dos apelantes quando referem que essa condenação da sociedade ora insolvente “tinha forçosamente de se repercutir, pelo menos em parte, no direito à indemnização peticionado pelo primitivo A. na presente acção” (conclusão XXVII).
Impõe-se, pois, a alteração da decisão recorrida nessa parte, concluindo-se que a sentença proferida no aludido processo (processo n.º 11446/18.3... do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte- Juízo Central Cível - Juiz ...), seja tida em consideração nos presentes autos, para efeitos de fixação da medida da indemnização por lucros cessantes a favor da insolvente e a cargo dos réus, em incidente posterior.
Invocam, em sentido oposto, os ora recorrentes que:
O Tribunal da Relação de Lisboa andou mal ao decidir que o caso julgado da sentença proferidana ação de reivindicação de impunha nos presentes autos, dado que os sujeitos e o objecto desse e deste processo são distintos.
Ao fazê-lo violou o disposto nos artigos 580º e 581º do CPC.
O Tribunal da Relação de Lisboa andou mal ao decidir que a indemnização por lucros cessantes deveria ser limitada ao período de 2019 a 16 de Fevereiro de 2023 por três motivos:
Em primeiro lugar porque o pedido de devolução extrajudicial e a ação de reivindicação só ocorreu por os Réus terem transferido a actividade da Recorrente para a Fa..., Lda.
Em segundo lugar porque foram os Réus – enquanto únicos administradores da Recorrente à época – a decidir não arrendar o imóvel em causa e, portanto, foram os responsáveis pela reivindicação e mais tarde pela entrega do imóvel onde a Recorrente tinha viveiro na ....
E, em terceiro lugar, porque a Recorrente podia ter arrendado, comprado ou construído outro viveiro e só não o fez por decisão dos Réus que optaram por o fazer para a Fa..., Lda. em prejuízo da Recorrente e dos seus demais accionistas.
Manter o decidido pelo Tribunal da Relação de Lisboa seria premiar os Réus por terem violado os seus deveres enquanto administradores da Recorrente.
Ao decidir como decidiu, o Tribunal da Relação de Lisboa violou os artigos 483º, 562º, 563º e 564º do Código Civil que postulam a indemnização de todos os danos sofridos.
Apreciando:
Como é sabido, a exceção da autoridade do caso julgado destina-se a assegurar a vinculação dos órgãos jurisdicionais, bem como dos particulares, aos efeitos de uma decisão judicial anterior, transitada em julgado, não permitindo a reapreciação de questão já anteriormente decidida de forma definitiva e que desse modo não deverá ser contrariada, sob a pena de colisão e incompatibilidade lógica entre julgados.
(Como refere Rui Pinto in “Excepção e autoridade de caso julgado – algumas notas provisórias”, publicado in Revista Julgar Online, Novembro de 2018, a páginas 33 a 36:
“A autoridade do caso julgado destina-se a evitar a prolação de decisões posteriores que sejam juridicamente incompatíveis com a primeira.
Este escopo assenta em duas ordens de razão.
A primeira razão é a de que a decisão judicial transitada em julgado que seja de procedência constitui um título jurídico (ou fonte) de efeitos jurídicos recognitivos ou constitutivos finais nas esferas das partes (…).
(…) A segunda razão para a existência da autoridade do caso julgado é estritamente processual e não passa de uma consequência da primeira.
Lembremos que o efeito negativo e o efeito positivo da excepção do caso julgado e autoridade do caso julgado são duas faces da especial qualidade da decisão transitada em julgado, nos termos do artigo 628º: a “força obrigatória” da decisão judicial dentro do processo (artigo 620º) e fora dele, quando julgue de mérito (artigo 619º)”).
Referem, a este propósito, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in “Código de Processo Civil Anotado”, Volume 2º, Almedina, Fevereiro de 2019, 4ª edição, a páginas 599 a 600:
“(…) a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível da segunda decisão de mérito. Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há de ser proferida, ou o fundamento da primeira decisão, excepcionalmente abrangido pelo caso julgado, é também questão prejudicial na segunda acção”
Exige-se, portanto, para a verificação da autoridade de caso julgado a demonstração de um nexo de prejudicialidade entre as duas decisões judiciais em causa, o que sucede quando os fundamentos essenciais e decisivos da primeira constituem necessariamente pressupostos lógicos e incontornáveis da segunda.
Conforme salientam João de Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa in “Manual de Processo Civil”, Volume I, AAFDL Editora, 2022, a página 641:
“O efeito positivo (do caso julgado) vincula o tribunal da acção posterior a aceitar a questão prejudicial decidida numa acção anterior e opera através da autoridade de caso julgado. Se se propuser a questão como fundamento (e não como objecto) do pedido, o juiz tem de decidir a questão nos termos do caso julgado estabelecido”.
(Sobre a figura da autoridade do caso julgado vide, entre outros:
- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de Outubro de 2024 (relator Jorge Leal), proferido no processo nº 2542/23.0T8LRA.S1, publicado in www.dgsi.pt, onde pode ler-se:
“ O instituto do caso julgado exerce duas funções: uma função positiva e uma função negativa.
A função positiva é exercida através da autoridade do caso julgado. A função negativa é exercida através da exceção dilatória do caso julgado, a qual tem por fim evitar a repetição de causas.
A autoridade de caso julgado de sentença que transitou e a exceção de caso julgado são, assim, efeitos distintos da mesma realidade jurídica (…).
(…) A autoridade do caso julgado abrange as questões que sejam antecedente lógico necessário à emissão da parte dispositiva do julgado)”.
- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Julho de 2024 (relatora Paula Leal de Carvalho), proferido no processo nº 189/22.8TSVLC P1.S1, publicado in www.dgsi.pt, onde se refere:
“De forma sintética, quanto ao caso julgado e autoridade do caso julgado, como é sabido, visam, essencialmente, “obstar à contradição prática” entre duas decisões – “decisões contraditórias concretamente incompatíveis” –, ou seja, que o tribunal decida de modo diverso sobre o direito ou questão concreta já definida por decisão anterior, evitando colocar o tribunal na situação de se contradizer, com a consequente impossibilidade de cumprimento de duas decisões contraditórias (ou de reafirmar o que já havia sido decidido), princípio esse que, como é assinalado pela doutrina e jurisprudência, se desenvolve numa dupla vertente: uma vertente negativa (exceção do caso julgado) e uma vertente positiva (autoridade do caso julgado).
(…) O caso julgado e a sua autoridade, atenta a teoria da substanciação, deve ser aferida em função não apenas da concreta pretensão formulada, mas em função também da causa de pedir, que a delimita.
(…) Como vem sendo entendido, deve recorrer-se à parte motivadora da sentença quando tal se mostre necessário para reconstruir e fixar o real conteúdo da decisão, isto é, para interpretar e determinar o verdadeiro sentido e o exato conteúdo da sentença em causa”.
- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Março de 2024 (relator Leonel Serôdio), proferido no processo nº 409/15.5T8AMT.P3.S1, publicado in www.dgsi.pt, onde se salienta que:
“A autoridade do caso julgado manifesta-se no seu aspeto positivo de proibição de contradição da decisão transitada, quando o objeto da decisão proferida em ação anterior se inscreva, como pressuposto indiscutível do efeito prático-jurídico pretendido em ação posterior, entre as mesmas partes”.
- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Julho de 2024 (relator Henrique Antunes), proferido no processo nº 12524/18.9T8LSB.L1.S1, publicado in www.dgsi.pt, onde se refere:
“A autoridade do caso julgado prescinde da identidade dos elementos objectivos da instância, que é substituída pela relação de prejudicialidade entre objectos processuais, que, porém, só se verifica quando a apreciação de um objecto – o prejudicial – constitui o pressuposto do julgamento de um outro – o dependente.
Não se verifica a ofensa do caso julgado nem da sua autoridade se entre a decisão transitada e a decisão subsequente não ocorre a identidade dos elementos objectivos e subjectivos da instância nem uma relação de prejudicialidade entre os objectos de uma e de outra acção, respectivamente”.
- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Maio de 2024 (relatora Isabel Salgado), proferido no processo nº 497/19.5BEPNF.P1.S1, publicado in www.dgsi.pt, onde pode ler-se:
“A autoridade de caso julgado, formado por decisão proferida em processo anterior, cujo objecto se insere no objecto da segunda, obsta a que a relação ou situação jurídica material definida pela primeira decisão possa ser contrariada pela segunda, com definição diversa da mesma relação ou situação, não se exigindo, neste caso, a coexistência da tríplice identidade mencionado no artigo 581º do Código de Processo Civil.
Não se prescindindo embora da identidade subjetiva, admite-se que possa não confluir a denominada “tríplice identidade”, desde que se manifeste uma relação de prejudicialidade entre as mesmas”.
- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Janeiro de 2024 (relator Nuno Pinto de Oliveira), proferido no processo nº 1736/20.5T8VCD-A.P1.S1, publicado in www.dgsi.pt, onde se enfatiza:
“O que fundamenta a especial protecção da força e autoridade de uma decisão transitada, para além do prestígio dos tribunais, é a certeza e segurança na definição dos direitos sobre os quais incide.
O relevo deste valor explica os mecanismos que a lei processual prevê para a sua defesa.
A vinculação a uma decisão transitada em julgado exige que os titulares de relações juridicamente afectáveis tenham tido a oportunidade de nela influir: é este o fundamento do princípio do contraditório, princípio fundamental do processo, e que justifica a oponibilidade relativa do caso julgado.
O princípio do contraditório exige que a oponibilidade da força e autoridade do caso julgado pressuponha a identidade de sujeitos”.
- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Junho de 2024 (relatora Fátima Gomes), proferido no processo nº 820/21.2T8TVD-A.L1.S1, publicado in www.dgsi.pt, que refere:
“Não se verifica violação da autoridade de caso julgado quando entre duas acções, o Tribunal que decidirá em segundo lugar, não se veja confrontado com a possibilidade de reproduzir ou contrariar a decisão judicial primeiramente proferida”.
- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Dezembro de 2023 (relator Leonel Serôdio), proferido no processo nº 2415/20.9T8OER-C.L1.S1, publicado in www.dgsi.pt, onde se refere:
“A autoridade do caso julgado, implica o acatamento de uma decisão proferida em ação anterior cujo objeto se inscreve, como pressuposto indiscutível, no objeto de uma ação posterior, manifestando-se o caso julgado material no seu aspeto positivo de proibição de contradição da decisão transitada”.
- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Setembro de 2024 (relator Fernando Baptista), proferido no processo nº 3042/21.9T8PRT.S2, publicado in www.dgsi.pt, onde ficou escrito que:
“A figura da autoridade do caso julgado apenas prescinde da identidade objectiva (identidade atinente aos pedidos e causas de pedir entre as duas causas), não abdicando, todavia, para fazer operar o seu efeito de vinculação do tribunal posterior à decisão proferida pelo tribunal anterior, da identidade subjectiva entre as duas causas”.
- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Abril de 2024 (relator Ricardo Costa), proferido no processo nº 5765/03.5TVLSB-A.L2.S1, publicado in www.dgsi.pt, onde pode ler-se:
“O efeito positivo da “autoridade de caso julgado” privilegia o sentido de uma primeira decisão judicial transitada em face de decisões sobre objectos processuais conexos (prejudiciais ou em concurso) entre si; nas decisões sobre o mérito da causa o efeito positivo é material, configurando-se processualmente como uma excepção peremptória impeditiva, subsumível no conceito previsto no art. 576º, 3, beneficiando do regime do art. 579º, do CPC (efeito vinculativo à não repetição e à não contradição da decisão anterior em processo subsequente com diverso objecto: art. 580º, 2, CPC).
É aceite que o efeito positivo desse caso julgado material abrange a decisão judicial anteriormente proferida e transitada, assim como os pressupostos que a antecedem e motivam, de forma que a impositividade vinculada se alargue ao silogismo considerado no conjunto dos fundamentos com a própria decisão que é o resultado da mobilização de tais fundamentos; ainda por aplicação do art. 621º, 1.ª parte («nos precisos limites e termos em que julga»), do CPC se chega ao conceito de antecedente lógico indispensável à parte dispositiva da decisão.
A verificação desse conjunto silogístico tem de ser cuidadosa, sob pena de darmos como decidido e vinculativo algo que transcende essa conexão objectiva entre pressuposto e objecto da decisão (nomeadamente quando pretendemos autonomizar factos da decisão de que são pressuposto). Teremos até que acertar essa extensão aos fundamentos e pressupostos com laivos de excepcionalidade, em particular no que concerne aos fundamentos de facto (admitindo-se mesmo a exclusão da decisão de facto da prejudicialidade que o caso julgado mobiliza, sendo constitutiva apenas de caso julgado formal)”.
- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Julho de 2023 (relator Pedro Lima Gonçalves), proferido no processo nº 142/15.8T8CBC-C.G1.S1, publicado in www.dgsi.pt, onde se salientou que:
“Relativamente à autoridade do caso julgado exige-se, igualmente, que o caso decidido anteriormente seja prejudicial relativamente ao caso que vai ser julgado e bem assim que se mostre ínsito, ainda que parcialmente, no objeto do processo que vai ser decidido”.
Analisando agora o caso concreto.
Os RR. BB, CC, DD e EE foram condenados em 1ª instância a pagar à Autora Massa Insolvente de Conchamar – Exportações, Importações, S.A., a indemnização correspondente aos danos causados no viveiro do ..., da ..., descritos sob lll), mmm) e nnn) dos factos provados, bem como a indemnização correspondente a quantia não inferior ao lucro bruto que a Conchamar – Exportações, Importações, S.A. geraria ainda, em, pelo menos, durante vinte anos de actividade, ambas a liquidar posteriormente, em sede incidental.
Tais factos, identificados nas alínea lll), mmm) e nnn), são os seguintes:
- Após a realização da perícia no referido processo -16 de Novembro de 2019 -, os Réus têm vindo a retirar todos os equipamentos que se encontravam nos viveiros e na loja (alínea lll).
- À data da instauração da acção – 20 de Abril de 2021 - já haviam sido retirados todos os equipamentos dos viveiros, nestes restando apenas os tanques de betão (alínea mmm).
- Com efeito:
- na área do viveiro, foi retirada a tubulação de circulação de água salgada, os tanques com as paredes e o piso danificado;
- foram retirados os motores eléctricos de circulação de água salgada, os “schillers” para arrefecimento de água salgada, compressores, grupo gerador, escumadores;
- foram retirados os compressores e evaporadores da área das câmaras frigoríficas e do túnel de congelação, restando, apenas, as paredes e o tecto;
- foi retirada louça sanitária e os azulejos foram danificados em, pelo menos, uma das casas de banho e vestiário dos funcionários;
- foi retirado o telhado do armazém que fazia de arrecadação para guardar caixas;
- a área de carga/descarga e os escritórios estão vazios de equipamento (alínea nnn).
Enquadrando juridicamente esta factualidade, escreveu-se sentença:
“Ficou demonstrado que, a partir de Novembro de 2019 e até, pelo menos, Abril de 2021, os Réus retiraram todos os equipamentos dos viveiros, nestes restando os tanques de betão, e ainda, nomeadamente, retiraram loiças sanitárias de uma das casas de banho existentes, bem como o telhado de um armazém que servia de arrecadação, existem azulejos e pisos danificados (factos sob fff) a nnn)).
No exercício da administração da Conchamar, temos, a partir de Agosto de 2014, o Réu BB como administrador de direito e de facto, a Ré CC como administradora de direito e de facto, e os Réus DD e EE, como administradores de facto (factos sob f) e y)).
A descrita actuação vem imputada objectiva e subjectivamente aos Réus, administradores da Conchamar, por virtude da violação do dever de não destruir, danificar, inutilizar, sonegar ou fazer desaparecer, no todo ou em parte considerável, o património social (cfr. arts. 186.º, n.º 2, al. a), do CIRE, 227.º, n.º 1, al. a), e 227.º- A, n.º 1, do CPenal), contendora do direito de propriedade da sociedade.
Não resultou demonstrada nenhuma causa de exclusão de ilicitude (factos sob 50, 51 e 52).
A conduta presume-se culposa, não tendo os Réus logrado ilidir a presunção (art. 72.º, n.º 1, do CSC).
O dano emergente consiste na destruição do viveiro de marisco que funcionava no ..., nos termos que constam nos factos sob fff) a nnn).
Relativamente ao montante, provou-se, apenas, que o viveiro de mariscos, enquanto “edifício” individualmente considerado, foi objecto de prova pericial em processo judicial e aqui foi avaliado em € 457 480, 31 (facto sob fff)).
O quantum alegado deste dano emergente não se provou – vide, nomeadamente, o facto 40.
Em verdade, o valor da perícia não corresponde ao concreto dano em causa, o qual haveria de corresponder ao valor global de tudo o que do viveiro foi retirado ou nele destruído, nomeadamente, dos concretos equipamentos, de modo a se proceder à reconstituição da situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (cfr. art. 562.º do CCivil).
De todo o modo, o dano está provado, pelo que os Réus devem ser condenados na reparação, ainda que o seu montante não esteja determinado, nem seja possível o recurso à equidade (art. 566.º, n.º 3, do CCivil) sendo relegado o apuramento do quantum para liquidação posterior”.
Por seu turno, a acção nº 1446/18.3... foi instaurada por FF contra Conchamar - Exportações e Importações, S.A., Conchamar Transportes, S.A., e Fa..., Lda., nela tendo sido formulados os seguintes pedidos:
a) Serem as Rés condenadas a devolver de imediato à Autora o prédio misto sito na Avenida ..., ..., ..., que se encontra inscrito na matriz predial rústica sob o nº ...2, Secção número ... da Freguesia da ... e na matriz predial urbana sob o nº ...86 da Freguesia da ... e descrito na Conservatória do Registo Predial da ..., sob o nº ...17 do Livro ..., livre e devoluto de pessoas e bens; e
b) Condenadas ao pagamento dos seguintes montantes:
i) € 11,971,20, correspondente ao valor das rendas entre Setembro de 2004 e Agosto de 2014;
ii) € 48.000,00, correspondentes ao valor de renda que poderia ser obtido pela Autora com a celebração de novo contrato de arrendamento (€ 14.400,00 anual) desde a interpelação feita às Rés e até à presente data;
iii) € 14.400,00 anuais desde Fevereiro de 2018 e até à efectiva entrega do terreno, ou
iv) caso se entenda a situação dos autos configurar a resolução de um contrato de arrendamento, a Autora poderá exigir das Rés o valor das rendas em dívida, num total € 15.562,54, tendo em conta o valor previsto pelo contrato de arrendamento (nulo) e o tempo desde o qual as Rés ocupam o terreno.
Tal acção foi julgada parcialmente procedente e, em consequência, foram as RR. condenadas na entrega à autora do prédio misto sito na Avenida ..., ..., ... que se encontra inscrito na matriz predial rústica sob o n.º ...2, Secção número ... da Freguesia da ... e na matriz predial urbana sob o nº ...86 da Freguesia da ... e descrito na Conservatória do Registo Predial da ..., sob o n.º ...17 do Livro ..., livre e devoluto de pessoas e bens, julgando-o improcedente quanto ao restante, absolvendo-se as rés do pedido quanto ao restante que contra elas vinha peticionado; quanto ao pedido reconvencional, o mesmo foi julgado integralmente improcedente, absolvendo a autora do pedido quanto a tudo que contra ela vinha peticionado.
No essencial, provaram-se nessa acção os seguintes factos:
Em 8 de Julho de 1996, a anterior proprietária celebrou um contrato-promessa de arrendamento com a sociedade “F..., Lda.”, nos termos do documento n.º 3 junto com a p. i..
A sociedade “F..., Lda.” comprometeu-se a efetuar todas as obras necessárias à construção de um viveiro de marisco para sua exploração.
A sociedade “F..., Lda.” construiu no terreno um viveiro de mariscos, o qual utilizou na sua atividade a partir de 1996, tendo-o explorado até ao ano de 2004.
Por razões que se prendem com a gestão comercial da sociedade “F..., Lda.”, os dois sócios desta optaram por constituir duas novas sociedades, denominadas “Conchamar – Exportação e Importação, S.A.”, ora 1.ª Ré, e “Conchamar Transportes, S.A.”, ora 2.ª Ré.
A sociedade “F..., Lda.” deixou de ter actividade, deixando de explorar o viveiro em questão, tendo, por outro lado, a 1.ª e 2.ª Rés, passado a ocupar o prédio em causa, explorando o viveiro e as demais infraestruturas que nele existem.
Com a constituição das novas sociedades, 1.ª e 2.ª Ré, e dada a sua estrutura societária ser idêntica à da anterior sociedade “F..., Lda.”, a anterior proprietária, não se opôs a que o espaço, infraestruturas e viveiro continuassem a ser explorados por aquelas, o que, efectivamente veio a ocorrer.
A partir de Setembro de 2014 para além da 1.ª e 2.ª Requeridas, havia sido constituída uma nova sociedade denominada “Fa..., Lda.” que se encontrava a utilizar e explorar o terreno - a ora 3.ª Ré.
Nunca as Rés pagaram qualquer valor, nem à anterior proprietária, nem à Autora, por causa da utilização do terreno que vêm fazendo.
A Autora remeteu à 1.ª Ré carta registada com aviso de receção datada de 8 de Outubro de 2014, informando-a que era a actual proprietária do terreno e que enquanto tal, pretendia rentabilizar o mesmo, pelo que só aceitaria a ocupação desta no referido terreno mediante a celebração de um contrato de arrendamento, conforme o teor do documento n.º 4 junto com a p. i..
Mais referiu que, na ausência de qualquer resposta quanto à vontade em celebrar tal contrato, deveria a 1.ª Ré proceder à entrega do terreno num prazo máximo de 30 dias.
Em resposta à referida carta remeteu a 1. ª Ré uma carta com o seguinte teor:
“V. Exa. refere na sua missiva que esta sociedade ocupa os terrenos onde tem as suas instalações ao abrigo de uma autorização da anterior proprietária – sua irmã e doadora dos terrenos – para que a Conchamar leve a efeito o exercício da sua atividade. Ainda que assim seja, e ao contrário do que refere, não assiste a V. Exa. qualquer direito a reclamar a entrega dos terrenos em apreço até, e enquanto, esta sociedade continuar a exercer nos mesmos a sua atividade. Além disso, e como é do conhecimento de V/Exa. (uma vez que é irmã da anterior proprietária) a Conchamar, mandou construir ao longo dos anos a expensas suas, nos terrenos em apreço, diversas edificações no valor global de 3 milhões de euros. Todas aquelas construções foram realizadas e autorizadas à vista da sua irmã, sendo certo que a mesma é mãe e sogra dos administradores da Conchamar…..(relações de parentesco). Serve a presente que esta sociedade não irá proceder a qualquer entrega e caso V. Ex. insista nos seus intentos, ao serviço de interesses alheios, ilícitos e que propositadamente oculta na sua missiva, não restará outra alternativa a esta sociedade que não seja o de invocar a acessão industrial imobiliária nos termos do disposto no artº 1325 do código civil e, se for o caso requerer a aquisição dos terrenos pelo preço que os mesmos tinham antes das obras.”
As Rés sempre se recusaram e continuam a recusar-se a sair do espaço, recusando, inclusivamente, a celebração de qualquer contrato de arrendamento.
Em 1996, os então donos do terreno, GG, HH e FF, ora A., cederam o prédio dos autos à F..., Lda., autorizando-a a construir no terreno um armazém destinado a viveiro de marisco, com tanques, câmaras frigoríficas e elevadores de carga, bem como escritório, loja, casas-de-banho e parque de estacionamento, o que a F..., Lda. fez, nos meses subsequentes, tendo a sociedade começado de imediato a laborar nessas instalações.
Na altura, previu-se a celebração de um contrato-promessa de arrendamento, o qual foi assinado em 08.07.1996.
Em 1 de setembro de 2002, HH, celebrou, por escrito, um acordo denominado “contrato de arrendamento urbano” com a F..., Lda., nos termos do documento de fls. 80, tendo sido fixada uma renda de € 500,00.
Em 30 de Novembro de 2004, HH e a F..., Lda. celebraram um acordo denominado “acordo de cessação de contrato de arrendamento”, nos termos do documento de fls. 81, pelo qual acordaram na cessação do acordo mencionado em 16º, nele tendo acordado no seguinte:
Senhoria e Arrendatária aceitam pôr fim, por mútuo acordo, ao contrato de arrendamento, celebrado em 1 de setembro de 2002, que mantinham relativo a casa de rés-do-chão para depósito de mariscos vivos.
A presente cessação do contrato de arrendamento terá efeitos a partir da presente data, comprometendo-se a Arrendatária, nesta mesma data, a entregar a mencionada fracção livre e devoluta”, passando a F..., Lda. e, posteriormente, a Conchamar a exercer a sua atividade por cedência gratuita de HH.
As 2.ª e 3.ª RR. passaram também a exercer alguma atividade no terreno e no armazém de marisco, autorizadas pela CONCHAMAR.
Entretanto, por razões de organização empresarial, os sócios AA e BB decidiram transferir o negócio da F..., Lda. para a CONCHAMAR, que manteve a mesma estrutura societária, os mesmos trabalhadores, os mesmos fornecedores, o mesmo modelo de negócio, os mesmos bens e a mesma carteira de clientes.
Em Setembro de 2005, foi celebrado entre a F..., Lda., a CONCHAMAR e HH um acordo denominado “contrato de cessão da posição contratual”, pelo qual a F..., Lda. cedeu a sua posição à CONCHAMAR, cedência que foi consentida por HH, a qual abrangeu a posição de comodatária da F..., Lda..
As Rés, após a realização da perícia nestes autos, retiraram todos os equipamentos e canalizações que se encontravam nos viveiros e na loja.
Foram retirados todos os equipamentos da loja, e também dos viveiros, nestes restando os tanques de betão.
As rés procederam ao seguinte:
. Na área do viveiro foi retirada toda a tubulação de circulação de água salgada;
. Foi retirado todo o equipamento que é necessário para o viveiro funcionar, como os motores elétricos de circulação de água salgada, os “schillers” para arrefecimento de água salgada, compressores, grupo gerador, escumadores;
. Da área das câmaras frigoríficas e do túnel de congelação, só ficaram as paredes e o teto, tendo sido retiradas todas as máquinas;
. Da área de lavagem dos veículos, foi retirado todo o equipamento de lavagem, lubrificação e reparação;
. Nas casas de banho e vestiários dos funcionários, toda a louça sanitária foi retirada;
. Toda a maquinaria foi retirada do viveiro exterior;
. Do armazém que fazia de arrecadação para guardar caixas foi retirado o telhado e o portão;
. A área de carga/descarga e os escritórios estão sem qualquer equipamento.”.
Apreciando:
A decisão proferida na identificada acção de reivindicação instaurada pela proprietária do imóvel contra a R. Conchamar e outros não permite estabelecer qualquer verdadeiro nexo de prejudicialidade relativamente ao que foi discutido e julgado nos presentes autos, mormente quanto à definição dos termos da responsabilidade pelos actos ilícitos praticados pelos administradores da mesma sociedade perante a sua massa insolvente, sendo que a reivindicante não é sequer parte neste pleito.
Com efeito, os fundamentos essenciais e decisivos firmados naquele aresto não constituem necessariamente pressupostos lógicos e incontornáveis do decidido na presente acção de responsabilidade civil no que tange ao direito subjectivo de natureza indemnizatória que foi reconhecido à massa insolvente da Conchamar – Exportações, Importações, S.A., sobre os RR. BB, CC, DD e EE e que tiveram por base os danos causados no viveiro do ..., da ..., descritos sob lll), mmm) e nnn) dos factos provados.
A matéria jurídica em análise nos dois arestos foi abordada e dilucidada em planos factuais e jurídicos absolutamente díspares e perfeitamente autónomos que não interferem entre si, nem colidem em termos lógicos.
Na acção nº 1446/18.3... estamos apenas e só perante um pedido de reivindicação do imóvel onde se encontravam instalados os viveiros da Conchamar, por parte de um sujeito (a tia do identificado AA) que não é parte nos presentes autos e que nada tem a ver com as graves desavenças ocorridas entre os seus administradores e com o esvaziamento do viveiro da Conchamar tornando-o totalmente inoperacional, para ilegítimo benefício para uma outra sociedade constituída pelos RR. – a Fa..., Lda. – que ocupou indevidamente a sua posição comercial.
Nesse mesmo processo, por via da procedência parcial da acção, foi unicamente ordenada a respectiva entrega do imóvel onde se encontram instalados os ditos viveiros.
No presente processo judicial, ao invés, determinou-se a condenação de diversos RR. - que não foram parte naquela outra acção - no pagamento de determinada indemnização à Conchamar, ora insolvente e representada pela respectiva massa insolvente, em virtude da prática de factos ilícitos que ocasionaram causalmente danos, os quais se reflectiram no desenvolvimento da actividade comercial da sociedade, abrangendo igualmente os seus lucros cessantes.
Para além de que nem sequer a procedência da acção nº 1446/18.3..., instaurada pela tia de AA e da Ré CC, teria, em qualquer circunstância, como sua consequência forçosa e inevitável, no plano factual, a impossibilidade de continuação do desenvolvimento dos viveiros naquele espaço, tudo dependendo da futura execução dessa decisão (a ocorrer se e quando) e dos concretos termos que se sucederiam em matéria de utilização do imóvel (sendo que os próprios RR. nesta acção acusam aquela A. de haver actuado em congeminado concluiu com o seu sobrinho AA, que aliás procedeu ao pagamento da taxa de justiça inicial naquele pleito).
Ou seja, não foi ordenada na acção nº 1446/18.3... (não constituindo aliás o seu objecto) a cessação da actividade da dita Conchamar, nem coisa alguma se referiu que possa objectivamente relacionar-se com os pressupostos de subsistência jurídica do mencionado direito indemnizatório por lucros cessantes da Conchamar, fixado pelo lapso temporal fixado (mínimo de vinte anos).
Logo, ao contrário do que se entendeu no acórdão recorrido, não é juridicamente possível tomar em consideração a excepção da autoridade de caso julgado, não servindo esta para delimitar, condicionando, a fixação da indemnização por lucros cessantes definida em 1ª instância.
Não pode, ainda, acolher-se a posição expressa no acórdão recorrido quando nele se afirma:
“Está provado que a sociedade insolvente utilizava o viveiro de marisco sito no ..., aí centrando a sua atividade e o seu negócio, estando implantado no prédio misto descrito na CRP da ... sob o n.º ...17 (alíneas ii), eee), fff) e kkk) dos factos provados).
Ora, foi esse prédio que a sociedade insolvente foi condenada a entregar, “devoluto de pessoas e bens”, à respetiva proprietária, entidade terceira relativamente aos presentes autos, sendo que o pedido reconvencional formulado, tendo em vista o reconhecimento do direito de aquisição do prédio por acessão industrial imobiliária foi julgado improcedente, tudo por decisão transitada em julgado e que, portanto, vincula a insolvente, aí ré e aqui autora (cfr. as alíneas sss), www) e xxx) dos factos provados).
Como já se referiu, “relativamente aos prejuízos invocados pela constituição e actividade da Fa..., Lda.”, a 1ª instância fixou como termo inicial para fixação do cômputo da indemnização a título de lucros cessantes o ano de 2019, nos termos indicados na petição, considerando que foi nessa data que a insolvente viu cessar a sua atividade e esvaziado o seu património – cfr. o que supra se indicou, em nota, quanto à fundamentação expressa pela 1ª instância.
Donde, atento o período temporal fixado na sentença para a aferição dos danos – condenou-se os réus a pagar à sociedade “a indemnização correspondente a quantia não inferior ao lucro bruto que a Conchamar – Exportações, Importações, S.A. geraria ainda, em, pelo menos, durante vinte anos de actividade”, a liquidar posteriormente, em sede incidental, sendo, pois, esse o termo final para cômputo dos prejuízos –, conclui-se que a 1ª instância se abstraiu do reflexo que aquela decisão tem na avaliação dos danos aqui em causa na perspetiva, insiste-se, da extensão do dano a indemnizar: trata-se de um evento imputável exclusivamente à própria sociedade insolvente a favor de quem ora está a ser fixada a indemnização e a entrega do prédio sempre implicaria a diminuição/cessação da atividade respetiva, pelo menos nos moldes em que vinha sendo exercida, sendo que se impunha o cumprimento dessa decisão aquando do seu trânsito, que ocorreu em 16-02-2023; efetivamente, não tendo sido fixado nessa sentença qualquer prazo para o cumprimento da obrigação de entrega da coisa imóvel, a mesma deve ocorrer imediatamente após o trânsito em julgado de tal decisão.
Daqui não segue que se justifique, como os apelantes pretendem, excluir a indemnização devida a título de ressarcimento pelos lucros cessantes, que os apelantes alegam inexistir, nem sequer em termos de mera expetativa (cfr. as conclusões LIX e LX) justificando-se apenas a alteração da decisão quanto ao enquadramento temporal feito na decisão recorrida pois, no contexto apontado, não tem cabimento reportar a medida da indemnização ao momento/período pretendido e indicado na petição inicial (20 anos), como fez a 1ª instância, mas sim a 16-02-2023, data em que a sentença transitou”.
Com efeito, e como se disse, a decisão judicial a ordenar a entrega do imóvel onde estiveram instalados os viveiros não significa só por si o encerramento da actividade comercial da Conchamar, desde logo, pela razão óbvia de que a própria reivindicante não está sequer obrigada dar à execução a decisão que lhe é favorável (tratando-se de um direito privado, de natureza disponível, pode fazê-lo ou não).
Por outro lado, e como se disse, encontramo-nos face à pretensa oposição de um direito de natureza real (o direito de propriedade) e de um direito de cariz obrigacional (o direito indemnizatório por lucros cessantes), reconhecido pelo tribunal em virtude da prática de actos ilícitos que ocorreram anteriormente, de que são titulares sujeitos diversos e que emergem de relações jurídicas perfeitamente distintas e autónomas, que não se prejudicam nem condicionam.
A decisão judicial a ordenar a entrega à sua proprietária do imóvel onde estiveram instalados os viveiros não significa só por si o encerramento da actividade comercial da sociedade respectiva, pela razão óbvia de que a própria reivindicante não está sequer obrigada dar à execução a decisão que lhe é favorável (tratando-se de um direito privado, de natureza disponível, pode fazê-lo ou não), pelo que o decidido em tal aresto não constitui pressuposto lógico necessário daquilo que foi julgado na acção em que teve lugar a condenação no pagamento da dita indemnização a quantificar em ulterior liquidação.
Neste particular, assume ainda especial relevância a circunstância de os RR. terem interpostos os seus recursos de revista fora do prazo legalmente destinado para o efeito, sendo por isso mesmo rejeitados.
O que não permite agora ao Supremo Tribunal de Justiça apreciar sequer o mérito dos termos em que teve lugar a sua condenação em fase ulterior de liquidação (mormente o citado prazo mínimo de vinte anos que norteará a liquidação a operar).
A sentença só foi alterada pelo Tribunal da Relação de Lisboa com fundamento na verificação da autoridade de caso julgado; afastada a existência desta e na ausência de impugnação por parte dos recorridos para o Supremo Tribunal de Justiça (que lhes é exclusivamente imputável) na parte restante – que o acórdão recorrido não modificou, antes confirmou – resta julgar procede a presente revista, repristinando-se o decidido neste tocante em 1ª instância.
A revista é concedida nestes termos.
IV – DECISÃO.
Pelo exposto, acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção) em conceder a revista, revogando o acórdão recorrido e repristinando o decidido em 1ª instância.
Custas pelos recorridos.
Lisboa, 13 de Fevereiro de 2025.
Luís Espírito Santo (Relator)
Luís Correia de Mendonça
Ricardo Costa
V – Sumário elaborado pelo relator nos termos do artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil.